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O '''dinheiro''' é na sua aparência mais imediata o meio usado na troca de [[Bem (economia)|bens]], podendo fazê-lo na forma de [[Moeda|moedasmoeda]]s (pedaços de metal amoedados e [[Cunhagem|cunhados]], isto é, marcados por desenhos, letras e números), notas ([[Cédula|cédulascédula]]s de papel, igualmente desenhadas e escritas), ou, como atualmente, sinais elétricos carregados de informação, chamados bits. Vê-se assim como dinheiro e [[moeda]] se confundem; sendo que as moedas - quando mais físicas são - mais obscurecem que esclarecem o que este é realmente. Isso porque o que o dinheiro é essencialmente é um [[Signo linguístico|signo]]. E um signo representativo de valores, que é a [[informação]] que este signo carrega. Estes valores representados no dinheiro são os das coisas ([[bens e serviços]]) que se desprendem dos homens nos impessoais mercados, mas também e principalmente os valores dos compromissos, dívidas e [[Crédito|créditoscrédito]]s, que os homens estabelecem entre si desde sempre, ou desde muito antes dos [[mercados]].
 
=== Dinheiro nas economias monetárias ===
[[Ficheiro:Keynes 1933.jpg|miniaturadaimagem|[[John Maynard Keynes]]]]
As economias modernas, [[Capitalismo|capitalistas]], são essencialmente monetárias;<ref>{{citar livro|título=Teatise on money|ultimo=KEYNES|primeiro=John Maynard|editora=Harcourt, Brace and company.|ano=1930|local=New York}}</ref> isso significa dizer que o conjunto das relações sociais é mediado pelo dinheiro. O dinheiro não apenas media compras de bens e [[Serviço (economia)|serviços]], mas media a obtenção de [[Trabalho (economia)|trabalho]], as decisões das famílias de gastar ou poupar, e as importantes decisões empresariais - de produzir, investir, ou especular. As decisões empresariais como um todo visam obter mais dinheiro do que o dinheiro inicial. Decisões de produzir implicam utilizar a capacidade produtiva existente, de investir implicam em aumentar essa capacidade, o que só é feito se e quando há elevadas expectativas de ganho. Os capitalistas investem o dinheiro que têm, ou mesmo tomam dinheiro emprestado dos bancos ou o conseguem junto a acionistas, se as expectativas de retorno pagam com sobra os juros dos bancos e os dividendos dos acionistas. Mas eles podem também usar o dinheiro de que dispõem (e o que conseguem obter com bancos e [[Acionista|acionistasacionista]]s) para aplicar financeiramente eles próprios. Ou seja, não necessariamente o dinheiro tem de ser gasto por eles. Assim sendo, ao contrário do que pensam alguns economistas desde [[Jean-Baptiste Say|Jean Baptiste Say]], o dinheiro não serve apenas para facilitar as trocas, e aquele não gasto na troca por bens de consumo das famílias não será automaticamente usado pelos capitalistas na compra de bens de investimento. Economistas como [[Karl Marx|Marx]], [[John Maynard Keynes|Keynes]], [[Michal Kalecki|Kalecki]], [[Joseph Schumpeter|Schumpeter]], entre outros heterodoxos, chamaram a atenção quanto a isso - que o dinheiro pode se ausentar da produção e assim gerar [[Crise econômica|crises]], pois o dinheiro não gasto equivale a máquinas e equipamentos parados e mão de obra desempregada.
 
Sendo o dinheiro um [[Signo linguístico|signo]] de [[valor]] que serve para exprimir os [[Preço|preçospreço]]s das coisas, ele próprio não necessita ser uma coisa. Ou seja, não é dinheiro apenas o que é uma [[mercadoria]] produto do [[trabalho]] e sujeita a [[escassez]] como as outras, ainda que isso tenha acontecido em alguns momentos da história (ver adiante). Não é regra que o dinheiro seja aquela mercadoria que no confronto com as demais torna-se a mais aceita por razões de praticidade. Os economistas que pensam o dinheiro como mercadoria derivam suas teorias de um idílico estado primitivo de [[escambo]]. Para estes economistas ser mercadoria garante ao dinheiro ter estabilidade - essencial em algo que serve de medida. Os economistas que pensam o dinheiro como signo também dão importância para a estabilidade de seu valor, mas esse valor é de saída estipulado pelos governantes que o administram, e eles o fazem controlando as taxas básicas de juros que funcionam como preço do dinheiro, ou quão mais caro ou barato é consegui-lo. Esses economistas são filiados mais ou menos diretamente à escola da moeda como oriunda do Estado de [[Knapp]].<ref>{{citar livro|título=The State Theory of Money.|ultimo=KNAPP|primeiro=Georg Friedrich|editora=Simon Publications|ano=2003|local=San Diego}}</ref>[[Imagem:Usdollar100front.jpg|thumb|412x412px|O dinheiro é um grande símbolo de [[poder]].]]Os [[Estados nacionais]] têm nas moedas nacionais a sua mais importante [[instituição]]. Garantir que a moeda que produzem seja a que efetivamente os cidadãos usam como dinheiro é fundamental para sua credibilidade política. Usar a moeda como dinheiro implica usá-la como meio de troca (compra e venda de bens e serviços), como reserva de valor (poupança e aplicações financeiras) e, fundamentalmente, como unidade de conta (expressão dos preços, definidora de valores nos contratos, signo generalizado de registro de débitos e créditos). Moedas fracas podem perder uma ou mais destas funções para uma moeda estrangeira. Só um governo enfraquecido permite o enfraquecimento de sua moeda e corre sério risco de deixar de ser governo, e ainda pode colocar em risco a nação que governa. Isso aconteceu, por exemplo, no período de entre guerras na [[Alemanha]] quando a derrota na [[Primeira Guerra Mundial]] e o peso das reparações de guerra, fora o pano de fundo sócio-cultural, ameaçava a sustentação política da nação como um todo e levou a moeda nacional a uma desvalorização brutal junto à [[Hiperinflação na República de Weimar|hiperinflação]]. Contudo, estão equivocados os economistas que julgam que para manter o valor estável da moeda nacional, e os preços sobre controle, devem ser impostas aos governo rígidas regras que os impeçam de emitir dinheiro demais. Os [[Governo|governosgoverno]]s emitem dinheiro, na forma de suas moedas (de papel ou eletrônicas), toda vez que fazem um gasto e creditam algum valor nas contas comerciais de algum cidadão ou empresa. Contra esse crédito é realizado um débito na conta do governo no seu [[Banco central|Banco Central]]. O financiamento dos gastos do governo nunca é um problema - em território nacional -, como acreditam os que desconhecem que o dinheiro é uma criatura do Estado. Isso não significa que não seja absolutamente relevante que a sociedade controle como, quando e onde gastam seus governos, o que podem e devem fazer por meio das discussões orçamentárias (onde se define, por exemplo, se mais ou menos recursos devem ir para educação ou propaganda). Contudo, o controle quantitativo do total dos gastos dos governos, com vistas a garantir finanças públicas ditas "equilibradas", parte em geral da má compreensão de que os governos gastam a partir do que arrecadam de seus cidadãos e empresas na forma de impostos.<ref>{{citar livro|título=Teoria monetária moderna: A chave para uma economia a serviço das pessoas.|ultimo=GERIONI et all|primeiro=Enzo|editora=Nova Civilização.|ano=2016|local=Rio de Janiero}}</ref>[[Ficheiro:Louis Rhead Robin Hood.jpg|miniaturadaimagem|369x369px|Robin herói medieval]]Impostos são essenciais para distribuir a renda entre os cidadãos mas não o são para financiar os gastos dos governos.<ref>{{citar livro|título=Dívida - os primeiros 5000 anos.|ultimo=GRAEBER|primeiro=David|editora=Tres estrelas|ano=2016|local=São Paulo}}</ref> De fato, os Estados ao longo da história, tornaram a sua moeda hegemônica justamente por definirem que seus impostos deveriam ser obrigatoriamente pagos nelas.<ref>{{citar livro|título=The Deficit Myth: Modern Monetary Theory and the Birth of the People's Economy|ultimo=KELTON|primeiro=Stephane|editora=Public Affairs|ano=2020|local=New York}}</ref> Ou seja, a parte da riqueza ou do produto do trabalho dos cidadãos que os Estados reivindicam para si se são exigidos nesse signo, a moeda estatal, em vez de bois ou trigo (como nos filmes de [[Robin Hood]]) as pessoas precisam da moeda do Estado, o que acaba por torná-la a mais aceita para cumprir as funções de dinheiro.
Se por alguma limitação auto-imposta a emissão pura e simples de moeda para financiar o gasto público não for possível, os governos podem recorrer a uma [[quase-moeda]], os [[Título público|títulos de dívida pública]]. Tanto moeda quanto títulos são signos de dívida, quem os carrega tem consigo um documento que vale um pagamento em bens e serviços. Se a moeda é a forma mais líquida do dinheiro, como salienta [[John Maynard Keynes|Keynes]], os títulos públicos - que podem ser resgatados por dinheiro sempre que o governo quiser - garante a estes [[liquidez]] semelhante à daquele, com a vantagem de que mantê-los rende juros. Por isso, estes títulos sempre terão compradores no mercado. "Forças de mercado", ou mais explicitamente, pressões políticas de certos grupos de interesses, podem pressionar estes juros para cima, mas um governo soberano e voltado às demandas sociais em primeiro plano, deve e pode contê-las.
 
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== História passada do dinheiro ==
[[Ficheiro:Sapiens-uma-breve-historia-da-humanidade-livro-yuval-harari-320001-MLB20265211115 032015-O.jpg|miniaturadaimagem|411x411px|Livro onde o dinheiro aparece com uma "fábula compartilhada" que sustenta sociedades.]]
A história do dinheiro está absolutamente ligada à história das primeiras comunidades humanas e à sua necessidade de construir, como chama [[Yuval Harari]], "fábulas compartilhadas"<!-- Estas "fábulas" seriam histórias, lendas, mitos, que os membros de uma determinada comunidade compartilhariam entre si e que teriam por função lhes organizar a vida. Yuval Harari defende em seu best seller Sapiens, que ideias complexas como as de Deus ou de Dinheiro funcionariam como ideias-bases em torno das quais a comunidade se organizaria e se definiria a si mesma. -->. &nbsp; Em seu livro [[Sapiens: Uma Breve História da Humanidade|Sapiens]], [[Yuval Harari|Harari]] defende o mesmo que outros tantos historiadores e antropólogos ([[David Graeber|Graeber]] os elenca em seu livro acima citado): que o dinheiro é antes de qualquer coisa uma ideia, uma instituição social que toma diferentes formas em diferentes momentos da história humana.
 
Se sabemos que o mercado e o Estado são também instituições que convivem entre si ainda que disputem ao longo dos séculos e milênios a primazia sobre a outra, sabemos que o dinheiro não precisa ser procurado na história como uma criatura exclusiva do mercado - o que faz muitos economistas a apelarem para a fábula do [[escambo]] como sendo sua origem. Nesta indivíduos soltos do tempo e no espaço só se relacionariam entre si pelos produtos do seu trabalho, e a comparação de todos as coisas que trocassem entre si faria com que uma delas assumisse naturalmente o papel de dinheiro. Trata-se pois de uma compreensão de dinheiro como [[mercadoria]], pois este surgiria do fato de que algumas delas apresentariam características físicas (como durabilidade e divisibilidade) que as tornariam mais procuradas do que as outras para as representarem e avaliarem seu valor.
 
Sociedades muito antigas, em torno de 5000 anos, conforme a minuciosa pesquisa de [[David Graeber]] em seu [[:en:Debt:_The_First_5000_Years|Debt: the first 5000 years]], criaram meios de registrar seus acordos e compromissos que envolviam dívidas e créditos (ou cessão antecipada ou postergada de bens e serviços) fossem acordos entre os membros de uma mesma [[comunidade]] (de mesmo status ou de status diferentes), fossem com membros de outras comunidades, e mesmo com seres imaginários. Estes compromissos se davam dentro de grupos familiares - sendo os principais, o casamento, o nascimento e a morte - ou envolviam toda a comunidade - como expedições e guerras.   &nbsp;
 
=== Origem e evolução do dinheiro ===
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Se a origem do dinheiro pouco tem a ver com a "fábula do escambo" - onde quem pescasse mais peixe do que o necessário para si e seu grupo trocava este excesso com o de outra pessoa que tivesse plantado e colhido mais milho ou o que fosse - ela também não pode ser reduzida ao "mito da dívida primordial" - onde somos eternos devedores do deus que nos deu a vida, e assim respeitamos a autoridade de quem define o que vai ser a moeda e qual o seu valor, como será o Estado adiante na história.
[[Ficheiro:Rosetta-stone-display-in-1985.jpg|alt=Na Pedra da Roseta encontra-se uma prova do dinheiro como mero registro pois que o faraó "anulou os débitos que numerosos egípcios e o restante do reino tinham com relação à coroa".|miniaturadaimagem|333x333px|Na Pedra da Roseta há indicações do dinheiro como mero registro pois que o faraó "''anulou os débitos que numerosos egípcios e o restante do reino tinham com relação à coroa".'']]
Longe desses modelos idealizados encontramos indícios do dinheiro mercadoria mais ligado ao comércio e iniciativas privadas e do dinheiro signo mais ligado ao poder central (dos "pagé" das tribos, passando pelos administradores dos templos egípcios, aos [[Bancos centrais|Bancos Centrais]] na atualidade) coexistindo ao longo da história. Se se tem a impressão de que o dinheiro foi desde sempre mercadoria (antes dos metais, o gado ou o sal, por exemplo) é porque os metais brilharam excessivamente no passado da humanidade. Ou seja, o dinheiro amoedado em metais como cobre, prata ou ouro, é mais fácil de encontrar que os registros de operações de débito e crédito em frágeis pergaminhos. Contudo, descobertas como a [[Pedra de Roseta|Pedra da Roseta]] conseguiram mostrar como o dinheiro aparece, e desaparece, num simples num édito faraônico que ordena a anulação de certas dívidas. Isso não significa que a pesquisa sobre o dinheiro como notação tenha por base apenas esses comprovantes materiais; pelo contrário, os principais elementos para essa pesquisa são as palavras, os hábitos e costumes que duraram milênios (como a [[Escravidão|escravização]] por dívida ou seus impedimentos, bem como os impedimentos ou estímulos à [[prostituição]]), os documentos que provam as revoltas quando das crises de dívidas que super expropriavam as famílias e as festas quando ocorria o contrário, os grandes perdões onde se "quebravam as tábuas" onde eram registradas.
 
=== Dinheiro nas Comunidades antigas (5000 a.C. a VIII a.C.) ===
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Um registro importante das formas antigas de dinheiro são as revoltas quando do acúmulo de dívidas e as festas quando de seu cancelamento. As revoltas se seguiam o elevado endividamento forçava à escravidão "excessiva" (quando um grupo familiar perdia muitos membros e por muito tempo impedindo a sua reprodução material). A destruição dos registros das dívidas eram comum nas civilizações antigas como ainda ocorre com frequência nos nossos dias, apenas no passado era feita de modo mais ritual, em grandes festas onde se "quebravam as tábuas", ou se queimavam os papiros e pergaminhos.<ref>{{citar livro|título=Slavery in Classical Antiquity: Views and Controverses|ultimo=FINLEY|primeiro=Moses|editora=W.Heffer and Sons.|ano=1960|local=Cambridge}}</ref> Entre documentos históricos onde se encontram referências as cerimônias de perdão de dívidas está a Bíblia, que vai além pois refere-se também à sua institucionalização - ou estipulação de regras de como, quando ou onde deveria ocorrer. É o caso da Lei do [[Jubileu (catolicismo)|Jubileu]], citada em [[Deuteronômio]] e [[Levítico]], que mencionam que a cada 7 anos todas as dívidas deveriam ser canceladas, e a cada 50 propriedades deveriam ser devolvidas, bem como pessoas deveriam ser libertadas.
 
Embora seja arriscado dividir a história como se em cada fase reinassem incólumes tais ou tais formas de vida, relações de produção e valores culturais, ainda assim uma divisão um tanto grosseira pode ajudar a ver como o dinheiro mudou de forma e de conteúdo. No geral, nas [[Sociedade|sociedadessociedade]]s sem mercado e Estado desenvolvidos, o dinheiro era, como tudo mais, muito ligado à pessoalidade (e aos ''status'' das pessoas dentro de uma comunidade) e não a impessoalidade (e a coisificação das próprias pessoas) como nas sociedades modernas. O dinheiro-dívida frequentemente marcava o que não podia ser pago com coisas, e por isso mantinha as pessoas ligadas por laços inquebráveis, sendo por isso chamadas dívidas de sangue.<!--Daí as dívidas ditas de sangue, as dívidas - compensadas mais que "pagas" - com mulheres, crianças, e os arranjos que mantinham laços de dependência por várias gerações. Note-se que estas sociedades acarretam para diferentes indivíduos, em diferentes posições sociais, bônus e ônus.-->Pode-se dizer que o dinheiro antigo marcava relações de inequivalência entre pessoas, enquanto o dinheiro moderno marca a relação de equivalência entre coisas.
 
Também pode ajudar a pensar a história passada do dinheiro a partir de um ponto de ruptura crucial com o passado comunal, que foi a centralização do [[poder]] nos grandes [[Império|impériosimpério]]s que se organizaram militarmente, e que se expandiram graças a dinâmica entre [[Militarismo|militarização]], [[escravização]] e [[taxação]] que tinha na moeda cunhada seu principal dispositivo operacional. Estes impérios, que dão as bases para a civilização moderna no Oriente e no Ocidente, são os da [[Lídia]] ([[Grécia Antiga|Grécia]]), da [[Índia]] e da [[China]].
 
=== Dinheiro nos Impérios axiais (VIII a.C. a VI d.C) ===
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=== Do ouro ao dinheiro de papel (VI d.C. a XVI d.C.) ===
Falando exclusivamente da Europa - berço da [[Idade Moderna|civilização moderna]] Ocidental e do [[Capitalismo]] como [[modo de produção]] que transformará o dinheiro em capital - pode-se dizer que o dinheiro amoedado de um governo forte central desapareceu durante toda a [[Idade Média]]. De fato, mesmo que moedas de ouro e prata romanas ainda circulassem, não eram usadas no cotidiano nem das populações citadinas (bastante diminuídas nesse período) nem das numerosas populações rurais; e mesmo nas transações mais robustas do comércio de curta distância e longa distância o ouro, prata e cobre utilizados valiam como tais e não pelo brasão que ostentavam. Assim, do mesmo modo como o poder esfacelou-se no mundo [[Feudalismo|feudal]], as moedas circulantes eram inúmeras e, na prática, foram subjugadas novamente pelo dinheiro de crédito que servia muito bem às comunidades reduzidas, mais uma vez, aos seus laços de proximidade e consanguinidade.[[Imagem:Pennies.jpg|thumb|direita|250px|O ouro encanta e confunde.]]A decomposição feudal foi lenta e se deu principalmente: pela transformação do trabalho obrigado dos [[Servidão|servos]] nas terras de domínio dos [[Senhores feudais|senhores]] em prestações pagas em gêneros ou dinheiro, o que estimulou a retomada do cálculo pessoal e a luta pelo trabalho livre e propriedades camponesa; e pela retomada do comércio, reativação das [[Feira|feirasfeira]]s, do [[artesanato]] no âmbito das [[Corporações de ofício|corporações]] citadinas, e da vida urbana em geral.<ref>{{citar livro|título=História do capitalismo de 1500 a nossos dias|ultimo=BEAUD|primeiro=Michael|editora=Brasileinse|ano=1987|local=São Paulo}}</ref>. O dinheiro ligado ao comércio, e a uma mercadoria em particular, volta à cena. Mas esta retomada do comércio ocorre numa sociedade em revolução interna, tendo lugar algo como um capitalismo mercantil que dribla as proibições morais, religiosas e legais (que proibiam a chamada usura, ou cobrança de juros dos endividados) que sempre rondaram o dinheiro e ele passa a ser [[negócio]] como nunca antes. Nesse caso, certificados em papel de depósitos de itens de comércio nos portos (como cargas de especiarias ou escravos), de jóias e bens de luxo em lojas de penhores, de quantidades de ouro e prata em casas que os seguravam, passaram a ser aceitos/negociados em bancas de trocas que deram origem aos [[Banco|bancosbanco]]s. Além disso, essa mobilização de diversos tipo de moedas privadas acontece ao mesmo tempo que o renascimento dos [[Estado|Estados]]s. Desta vez, pequenos (se comparados a dimensão territorial dos antigos impérios) estados nacionais se formam quase simultaneamente na Europa, menos ligados a etnias, castas e exércitos e mais ligados a classes e seus negócios (exércitos ficam mas sob mando dos poderes/burocracias do Estado). A moeda estatal passa a ser novamente central. Um governante (rei ou presidente) não pode precisar de um dinheiro que não emita, não pode dever a um banqueiro privado qualquer, mas ao seu próprio (o [[Banco central|Banco Central]] Holandês e o Inglês nascem já no século XVII).
 
Os Estados modernos passaram a cunhar novamente moeda em metal - em ouro as de maior [[valor]], em prata e cobre as de valores menores - mas rapidamente passaram a emitir [[papel-moeda]] que, a depender da época, sequer necessitavam de assegurar um [[lastro]] em metal (como o fez a Suécia no em 1660). <!--Veja-se, um pouco mais de perto, o caso inglês. Nos anos de 1690 a coroa em vez de meramente buscar crédito junto aos banqueiros privados, usa um destes bancos (mais tarde tornado o Banco da Inglaterra, com funções de Banco Central) para emitir títulos de dívida assegurados pela posse exclusiva dos saldos do governo e pelo fato de ser a única empresa com permissão para emitir notas bancárias. Os credores do governo, compradores dos títulos, dariam portanto dinheiro ao governo (o ouro ainda era a moeda para o comércio mais robusto, internacional em particular) e emitiriam notas contra os títulos do governo, denominadas neles, que poderiam ser emprestadas. Vide https://en.wikipedia.org/wiki/Bank_of_England-->O importante era produzir a moeda nacional como instituição fundamental da nação. Essa moeda, desde então, carrega acima de tudo um nome, e as moedas privadas (bancárias) devem ser nomeadas pelo mesmo, e reguladas pela autoridade central.
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=== Do dinheiro de papel ou moeda fiduciária ===
Na passagem do dinheiro-mercadoria ao dinheiro-dívida de papel, houve muito tumulto público, e discussão teórica, sobre a insegurança para a reprodução da vida econômica graças aos poderes que bancos, públicos e privados, ganhavam com isso<!--"Em 1705, John Law, na Escócia, publicou Money and Trade, que examinou o fracasso da moeda baseada em metal nos 150 anos anteriores e propôs substituí-lo por um sistema de papel moeda com um banco de terras baseado no valor do imobiliário. Embora tenha conseguido fazer com que essa proposta fosse implementada, não conseguiu aproveitar seriamente as lições da Revolução Espanhola de Preços e o seu banco falhou, com uma bolha especulativa explodindo em inflação extrema." In https://pt.wikipedia.org/wiki/Economia_monet%C3%A1ria-->.[[Imagem:papelmoeda1810.jpg|thumb|esquerda|180px|Primeiro bilhete de banco, emitido pelo Banco do Brasil em 1810.]]Os temores quanto aos poderes dos criadores de moeda por vezes faziam com que economistas, políticos e cidadãos defendessem a manutenção de lastro ou conversibilidade entre as notas de papel e os metais. Os economistas mantiveram embates vigorosos desde o século XV, entre [[Bulionismo|Bulionistas]] e Antibulonionistas, [[Metalismo|Metalistas]] e Chartalistas, ''Currency School'' e ''Banking School,'' até chegar ao século XX com os debates entre ''[[Monetarismo|Monetaristas]] e [[Economia institucional|Institucionalistas]].''<ref>{{citar livro|título=Dinheiro, dinheiro: Inflação, desemprego, crises financeiras e bancos.|ultimo=SAYAD|primeiro=João|editora=Portfolio-Penguin|ano=29152015}}</ref> Em geral, todas elas têm a ver com as desconfianças em torno dos poderes da [[moeda fiduciária]] - todo papel ou título público cuja aceitabilidade se dá apenas por [[fidúcia]], credibilidade, e não por ser conversível a algum metal (ouro, prata) com valor intrínseco.
[[Ficheiro:One bitcoin sitting atop bundles of US $100 notes.png|miniaturadaimagem|Bitcoin, a primeira cripto moeda]]
É fato que governos e bancos podem abusar de seus poderes de criação de moeda fiduciária, e, pior, podem produzi-la em excesso justamente quando não é o caso - como os bancos nas fases de prosperidade a fim de lucrar mais, o que os fazem dar créditos a negócios insólitos ou mesmo dirigir recursos novos a riqueza já existentes, criando as famosas bolhas -; ou quando os governos fazem o oposto e reduzem o gasto/produção de moeda nas fases de baixa da economia, o que só reforça esse movimento levando a crise e ao desemprego. Mas a melhor gestão da moeda não é conseguida atrelando-a a um bem escasso qualquer - seja o ouro, escasso por natureza, seja o [[Bitcoin]], escasso por planejamento de seus criadores.
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De fato, é impossível retirar do dinheiro sua dimensão política. E com o dinheiro de papel (e o eletrônico depois dele) isso fica mais evidente. Se em determinados períodos da história, um ou mais países mantiveram relações de paridade e conversibilidade com algum metal (como durante vários períodos da história européia e em particular durante a vigência do [[Padrão-ouro|padrão Libra-ouro]] na Inglaterra do final do século XIX e início do XX), isso se deveu a um estratagema para se manter a confiança necessária na moeda, e, por tabela, no Estado. Estratagema esse que previa também a sua suspensão, caso necessário (como também ocorrera na Inglaterra com a [[Bank of England|Lei de Restrição Bancária de 1797]], quando as trocas de notas por ouro foram proibidas por mais de 20 anos). Mas mesmo que a conversibilidade em ouro seja apenas um artifício usado numa ou outra época (o foi novamente no [[Bretton Woods|padrão Dólar-ouro]] no pós segunda -guerra), ela imprimiu uma marca no imaginário popular que, ainda hoje, cidadãos desconfiados dos super poderes do Estado e/ou bancos e todo o [[sistema financeiro]], pleiteiam-no como necessário e suficiente para os regular.
 
Essa atitude é não só compreensível quanto necessária, o problema é que a crença em algo natural que se imponha aos embates político-econômicos pode eximir os cidadãos de uma ação política mais pertinente de controle desses poderes.<ref>{{citar livro|url=https://dowbor.org/wp-content/uploads/2012/06/a_era_do_capital_improdutivo_2_impress%C3%A3oV2.pdf|título=A Era do Capital Improdutivo|ultimo=DOWBOR|primeiro=Ladislau|editora=Autonomia Literária|ano=2017|local=São Paulo}}</ref><ref>{{citar livro|título=O Minotauro global – A verdadeira origem da crise financeira e o futuro da economia|ultimo=VAROUFAKIS|primeiro=Yanis|editora=Autonomia Literária|ano=2016|local=São Paulo}}</ref> Como dizia Lerner, a adoção da conversibilidade, só faz com que o Estado se ausente da prerrogativa de regular a moeda.<ref>{{citar periódico |titulo=Money as a creature of the state |acessodata=1947 |jornal=American Economic Review, 37. |ultimo=LERNER |primeiro=Jaime |pagina=312-317}}</ref> Do mesmo modo, a crença em regras draconianas de controle do gasto público é algo popular, uma vez que parece às populações um meio de controle de políticos e governos auto-interessados, quando o ideal seria controlá-los nos embates orçamentários, pela definição do que deverão ser os gastos e pelo controle de sua realização.
37. |ultimo=LERNER |primeiro=Jaime |pagina=312-317}}</ref> Do mesmo modo, a crença em regras draconianas de controle do gasto público é algo popular, uma vez que parece às populações um meio de controle de políticos e governos auto-interessados, quando o ideal seria controlá-los nos embates orçamentários, pela definição do que deverão ser os gastos e pelo controle de sua realização.
 
Em resumo, ao longo de sua longa história o dinheiro foi se tornando cada vez mais o que era em sua essência, algo virtual. Ou seja, o dinheiro vai se estabelecendo historicamente como aquilo que sempre foi, uma ideia ou [[significado]] abstrato que é incorporado num [[significante]] concreto (as moedas do que quer que seja). Pode-se dizer assim que o dinheiro é uma ideia. Uma ideia abstrata que se concretiza pelas regras que a fazem operar entre os humanos. Mas acima de tudo, o que essa ideia carrega são os compromissos concretos assumidos entre os humanos no tempo. Assim, como dizia Keynes<ref>{{citar livro|url=https://www.afoiceeomartelo.com.br/posfsa/Autores/Keynes,%20John/Keynes%20-%20Os%20economistas.pdf|título=Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda|ultimo=KEYNES|primeiro=John Maynard|editora=Nova Cultural|ano=1996|local=Rio de Janeiro}}</ref> na sua [[A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda|Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda]], o dinheiro é elo entre o presente e o futuro, e isso não apenas porque simboliza apostas privadas sobre valorização futura deste ou daquele ativo ou itens de riqueza, mas porque compromete os homens a produzi-los.
 
== Dinheiro e economia hoje ==
Atualmente, as novas [[Tecnologias da informação e comunicação|tecnologias]] de transmissão dos pagamentos em meio eletrônico tornaram os significantes físicos do dinheiro desnecessários. Fica cada vez mais evidente que dinheiro é representante da riqueza criada ou por criar (daí crédito e dívida) e nesse sentido ele não tem nada a ver com algo que se entesoura, como as moedas ou mesmo muitas das cripto-moedas que se tornaram [[Ativo|ativosativo]]s [[Especulação|especulativos]]. Afinal, algo que se entesoura e contra o que se [[Especulação financeira|especula]] (se fazem apostas) é um [[ativo financeiro]].
[[Ficheiro:Wall Street bubbles - Always the same - Keppler 1901.jpg|miniaturadaimagem|479x479px|Wall Street Bubles - Keppler 1901]]
A complexidade em entender o que é, e o que pode ser, o dinheiro na atualidade deriva em grande parte da complexidade do sistema financeiro atual. Os [[Mercado de futuros|mercados de futuros]] que tornam bens materiais objetos de apostas, elas mesmas tornadas papeis negociados, segurados, e nos quais são baseados outros papeis, os [[Derivativo|derivativosderivativo]]s em geral baseados em [[Ação|ações]], créditos, operações sem qualquer materialidade, foi o que levou a dimensão virtual do dinheiro às alturas. O potencial crítico desse sistema é (como sempre foi no passado) o endividamento excessivo. Mas não o dos Estados, como em propagandeiam os interesses dominantes sempre que não sejam eles os beneficiados pelas emissões públicas. Esta dívida, cujo passivo são os ativos das pessoas e empresas, é bem vinda, e tem, na prática, nos anos finais do século passado e neste, salvado a [[economia mundial]]. O endividamento que preocupa é o dos mais frágeis cujo efeito é a perda de bens reais, sejam eles cidadãos, sejam países (vide o caso da [[Grécia|Grécia na crise do Euro]]).
 
À complexidade atinente ao sistema financeiro, pode-se acrescentar a complexidade de uma economia-mundo bastante integrada, ainda que uma integração marcada pela desigualdade, para explicar porque é tão difícil entender hoje o dinheiro. Nesse ambiente, é curioso como alguns países têm vivenciado a transformação de créditos de telefone em moeda.<ref>{{citar web |ultimo=VICKERY |primeiro=Matthew |url=https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-41614920 |titulo=O 'país' africano que caminha para ser o primeiro do mundo a abolir o dinheiro |data=17 outubro de -10-2017 |acessodata=22 junho de -06-2021}}</ref>
 
No que diz respeito à teoria econômica o renascimento das teses de [[John Maynard Keynes|Keynes]], [[Lerner]]<!--https://en.wikipedia.org/wiki/Abba_P._Lerner-->, [[Hyman Minsky|Minsky]] e outros pelos autores da chamada [[Teoria Monetária Moderna]], Warren Mosler, Randall Wray<!--https://en.wikipedia.org/wiki/L._Randall_Wray-->, Bill Mitchell, Sthephanie Kelton <!--https://en.wikipedia.org/wiki/Stephanie_Kelton-->, tem trazido novo fôlego às discussões, particularmente por explicarem como o discurso [[Neoliberalismo|neoliberal]] fundado na necessidade de diminuir o Estado, entre outras coisas criminalizando a dívida pública e insistindo nas antigas teses da [[Teoria quantitativa da moeda|Teoria Quantitativa da Moeda]] do excesso de dinheiro em circulação como causa da i[[Inflação|nflação]], não encontra mais sustentação desde a crise de 2008. No Brasil, duas publicações recentes merecem destaque: o livro de [[André Lara Resende|André Lara Rezende]] "[[Juros, moeda e ortodoxia - Teorias monetárias e controvérsias políticas]]" e o livro de Enzo Gerioni, David Deccache, Julia Ozzimolo, Daniel Conceição, e Fabiano Dalto, "Teoria monetária moderna: A chave para uma economia a serviço das pessoas".
 
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