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Completando o quadro, deve ser mencionado que outros elementos entraram em jogo pouco antes de a questão religiosa propriamente dita se apresentar. Muitos liberais, incluindo parlamentares, enveredavam por uma vertente radical, em que, diante das contradições que se iam revelando cada dia mais insolúveis dentro do arcabouço institucional vigente, passavam a defender o regime [[republicano]] e reivindicar abertamente a separação entre Igreja e Estado, o que antes raramente havia sido aventado em público, pois significava ofensa à Constituição.<ref name="Barros, pp. 329-337"/><ref name="Vieira"/><ref name="Gabriel"/> Para o pesquisador Antonio Carlos Ribeiro, "o confronto se acentuava à medida que as alas tradicional, conservadora e romanista da Igreja tinham dificuldades com o avanço das ideias liberais, e os intelectuais e políticos liberais do Império mostravam-se despreocupados, já que sem o ''[[wikt:placet|placet]]'' (beneplácito) do Imperador nenhuma decisão ou instrução de Roma entraria em vigor".<ref name="Protestantismo">Ribeiro, Antonio Carlos. [http://www3.est.edu.br/nepp/revista/016/16antonio.htm "Protestantismo de Imigração: Chegada e re-orientação teológica"]{{Ligação inativa|1={{subst:DATA}} }}. In: ''Protestantismo em Revista'', mai-ago/2008, ano 7; 16 (2).</ref> Influíram também as ideias progressistas do [[positivismo]], do [[evolucionismo]], do [[materialismo]] e do [[cientificismo]], que nesta altura se tornavam particularmente importantes. O próprio gabinete [[Partido Conservador (Brasil Império)|conservador]] do [[visconde do Rio Branco]] preparava algumas reformas de amplo alcance, há muito reivindicadas pelos liberais, no judiciário, na administração, na organização partidária, na educação e no sistema eleitoral. Também é de notar que a campanha em favor da [[Abolicionismo no Brasil|abolição da escravatura]] na década de 1870 ganhava ímpeto, sendo promulgada a [[Lei do Ventre Livre]] em 1871. Previa-se que em breve não haveria mais escravos no Brasil, e com isso o problema de onde encontrar mão de obra barata se tornava premente,<ref name="Barros, pp. 329-337"/><ref name="Vieira">Vieira, Cesar Romero Amaral. ''Protestantismo e Educação: a presença liberal norte americana na Reforma Caetano de Campos - 1890''. Tese de Doutorado. Piracicaba: Unimep, 2006. pp. 65-66</ref><ref name="Gabriel">Cerqueira, Gabriel Souza. "Idéias Jurídicas, Sentimentos Políticos e Reformas no Brasil (1872-1889)". In: ''XIV Encontro da ANPUH-Rio: Memória e Patrimônio''. Rio de Janeiro: Unirio, de 10 a 23 de julho de 2010, pp. 1-2</ref> sendo tema de constante debate no parlamento e em toda a sociedade.<ref name="Urutágua"/>
 
A Igreja contribuía com elementos ideológicos importantes para a legitimação da escravatura, já que o escravo era propriedade privada e o direito à propriedade constituía artigo de fé desde o papado de [[João XXII]].<ref>Facioli, Valentim. ''Um defunto estrambótico: análise e interpretação das Memórias póstumas de Brás Cubas''. EdUSP, 2008, p. 28</ref> Desde o início do século vinham sendo tentados programas para trazer imigrantes da Europa, que além de darem braços para a lavoura colonizariam regiões desabitadas, e desde então imigraram milhares de colonos das regiões germânica, eslava e britânica, em sua maioria protestantes, mas preferidos pelo governo católico, que os tinha como industriosos, morais e confiáveis.<ref name="Protestantismo"/> Porém, na década de 1860-70 desenvolveu-se uma resistência à ideia de radicação em um país onde os que não fossem católicos estavam em situação desfavorável, uma realidade reconhecida por políticos e jornalistas influentes como o deputado [[barão de Paranapiacaba]], o ministro da Justiça [[José Tomás Nabuco de Araújo Filho|Nabuco de Araújo]] e Tavares Bastos, expoente do [[Partido Liberal (Brasil Império)|partido Liberal]]<ref name="Urutágua">Vieira, Filipe dos Santos. "Imigração europeia e liberdade religiosa no Brasil oitocentista". In: ''Revista Urutágua'', 20013; (28):79-87.</ref> e sendo notórias as dificuldades que os primeiros prussos, ingleses, suíços e ucranianos enfrentaram para sua adaptação e integração à sociedade brasileira e para garantir sua liberdade de culto, apesar da proteção oficial aos imigrantes.<ref>Matos, Alderi Souza de. [http://www.mackenzie.br/6994.html "Breve História do Protestantismo no Brasil"] {{Wayback|url=http://www.mackenzie.br/6994.html |date=20121128081011 }}. Instituto Presbiteriano Mackenzie, 2011.</ref><ref name="Gabatz"/> Por outro lado, liberais e maçons viam na difusão incentivada do protestantismo uma das formas de combater a influência da Igreja Católica, sendo um período em que vários missionários e educadores protestantes dos Estados Unidos atuaram no Brasil, fazendo grande número de seguidores e alunos e influindo na política nacional através de suas ligações com protetores poderosos. Também vindos de lá, muitos [[confederados]] protestantes e escravocratas buscaram no Brasil um refúgio para as aflições que passavam na [[Guerra de Secessão]]. O próprio governo estimulava essa imigração para conseguir novos soldados para a Guerra do Paraguai, mão de obra especializada e agricultores. Para os liberais, os imigrantes protestantes deviam ser preferidos porque eram mais "modernos" e estavam muito acima dos católicos em amor ao trabalho, em educação, em operosidade e moralidade,<ref name="Gabatz">Gabatz, Celso. "A Influência do Liberalismo e do Protestantismo na Constituição da Sociedade Brasileira". In: ''Revista Semina'', 2º semestre/2011; 10.</ref><ref name="Viviane">Ribeiro, Viviane & Inácio Filho, Geraldo. [http://sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe3/Documentos/Individ/Eixo2/059.pdf "Protestantismo, Liberalismo, Maçonaria e a Educação no Brasil na Segunda Metade do Século XIX". In: Sociedade Brasileira de História da Educação. ''III Congresso Brasileiro de História da Educação: Educação Escolar em Perspectiva Histórica''. PUC-PR, novembro de 2004.]</ref><ref>Mendonça, Antônio Gouvêa. [http://www.usp.br/revistausp/67/05-mendonca.pdf "O protestantismo no Brasil e suas encruzilhadas"]. In: ''Revista USP'', set-nov/2005; (67):48-67.</ref><ref>Vasconcelos,{{Citar Micheline Reinaux de. [web|url=http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao50/materia01/ "Imprensa Protestante e Imigração: A distribuição de textos religiosos aos imigrantes no Brasil (1850-1930)"]. In: ''Histórica|titulo=HISTÓRICA - Revista eletrônicaEletrônica do Arquivo Público do Estado de São Paulo'', out/2011; (50)|acessodata=2022-11-19|website=www.historica.arquivoestado.sp.gov.br}}</ref> mas a Igreja Católica entendia a introdução do protestantismo como uma ameaça às tradições brasileiras e uma fonte potencial de conflitos sociais.<ref name="Viviane"/> Desta maneira, com tantas contradições se agravando, patenteava-se, no contexto brasileiro, o sistema da "religião de Estado" como um anacronismo, e estava preparado o terreno para a crise se deflagrar.<ref name="Barros, pp. 329-337"/>
 
== Cronologia da crise ==
=== Início ===
Desentendimentos entre os poderes secular e religioso ocorreram várias vezes na história brasileira anterior, como o criticado decreto 3073 de 22 de abril de 1863, que interferiu no sistema de ensino dos [[seminário]]s, ou os protestos do bispos [[Romualdo de Seixas|Dom Romualdo de Seixas]] e [[Sebastião Dias Laranjeira|Dom Sebastião Dias Laranjeira]] contra o uso de igrejas para reuniões políticas e realização de eleições, mas em geral tiveram repercussão limitada.<ref>Martins, pp. 85-90</ref> A bibliografia considera, pois, como estopim da questão religiosa propriamente dita, um discurso proferido em 3 de março de 1872 na loja maçônica Grande Oriente do Vale do Lavradio, no Rio de Janeiro, quando [[José Luís de Almeida Martins]], padre, festejou o [[visconde do Rio Branco]], na época grão-mestre maçom e presidente do gabinete de Dom Pedro II, pela sua vitória política que resultara na promulgação da [[Lei do Ventre Livre]]. O bispo da cidade, Dom Lacerda, diante do fato, insistiu que o padre se afastasse da maçonaria, como exigiam as normas da Igreja, mas normas que não haviam recebido o beneplácito imperial. Indiferente ao apelo, o padre publicou seu discurso em jornais de larga circulação. Em represália, o bispo suspendeu o padre do exercício das ordens sacras. Ultrajada, a maçonaria, unindo os dois Grandes Orientes, um sob a égide de Rio Branco e outro dirigido por Saldanha Marinho, fez valer sua forte presença no Senado e na Câmara para desencadear uma guerra na imprensa contra o episcopado. Jornais foram fundados em várias regiões do país com o fim expresso de combater o "jesuitismo" e o ultramontanismo, usando amiúde de um jargão derrisório e ofensivo.<ref name="Costa1"/><ref name="Terra">Terra,{{Citar João Evangelista Martins, S.J. [httpweb|url=https://bibliot3ca.wordpress.com/a-questao-religiosa/ "|titulo=A Questão Religiosa no Brasil"]. In:pelos ''Revistaolhos Textosde & Texts''.um “padreco”|data=2011-07-19|acessodata=2022-11-19|website=Bibliot3ca deFERNANDO julho de 2011, onlinePESSOA|lingua=pt-BR}}</ref>
 
[[Imagem:Dom Vital.jpg|thumb|Dom Vital]]
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A separação completa só iria ser conseguida na República. De fato, os republicanos, antes desunidos, ateando mais fogo à fogueira já acesa, como pitorescamente descreveu [[José Ramos Tinhorão]],<ref>''Apud'' Aguiar, Cláudio. ''Franklin Távora e o seu tempo''. Atelie Editorial, 1997, p. 219</ref> aproveitaram o momento de confusão para congregar forças e desfraldar suas bandeiras: a imediata separação entre Igreja e Estado, a plena liberdade de culto e perfeita igualdade estatutária entre todos eles, a separação do ensino secular do ensino religioso, a secularização dos cemitérios, a instituição do casamento civil e do registro civil de nascimento e óbitos, e, é claro, a adoção do regime republicano.<ref name="Vieirab"/>
 
É preciso ressaltar que a virada republicana não se deveu exclusivamente ao descrédito da monarquia por causa da questão religiosa. Nas palavras de Cesar Vieira, "outros ingredientes ainda seriam adicionados ao conflito, aumentando o grau de insatisfação e exaltando os ânimos de maçons, republicanos, positivistas e dos próprios militares, que, liderados pelo marechal [[Deodoro da Fonseca]], derrubaram o 36.º Gabinete do Império e [[Proclamação da república do Brasil|proclamaram a República]] no dia 15 de novembro de 1889".<ref name="Vieirab"/> Entre esses "outros ingredientes" estavam, como observou na época [[Cristiano Ottoni]], a evolução natural da ideia de república e a rejeição massiva da monarquia pelos senhores de escravos, que se viram despojados de sua principal força de trabalho na abolição em 1888. Os católicos em geral não desejavam uma troca de regime; criticavam sim o imperador reinante, mas ansiavam pela subida ao trono da [[princesa Isabel]], conhecida por seu fervor religioso. Contudo, é de assinalar que a forma como o governo entendia sua união com a Igreja, como uma tutela e controle desta por aquele, não agradava o clero, e que a separação, neste contexto, poderia equivaler a uma libertação. É significativo, neste sentido, que o papa [[Leão XIII]] tenha afirmado para o presidente [[Campos Sales]] em 1898 que "a Igreja sente-se melhor hoje no Brasil com suas instituições republicanas, do que sob o regime decaído".<ref name="Barros d">Barros (a), pp. 335-337</ref> Porém, mesmo o papa saudando o novo regime, a separação oficial entre os poderes na verdade provocara protestos da Igreja, pois entre outras medidas introduzidas o clero perdeu suas imunidades e teve seu salário cortado, membros de comunidades religiosas que incluíam voto de obediência a Roma tiveram seus direitos políticos cassados, foi instituído o casamento civil e anulados os efeitos civis dos matrimônios religiosos, o ensino religioso foi abolido nas escolas públicas e a escusa por motivo de consciência ou credo para não cumprimento de obrigações civis foi rejeitada, passando a implicar perda de direitos políticos. Na [[Constituição de 1891]] o nome de [[Deus]] nem foi invocado. Um resultado prático disso foi um rápido e importante declínio das vocações, obrigando a um recrutamento massivo de clérigos estrangeiros para suprir as vagas não cobertas por nacionais.<ref>Cavalcanti, Robinson. ''Cristianismo & Política: teoria bíblica e prática histórica''. Editora Ultimato, 2004, pp. 190-191</ref><ref>[{{Citar web|url=http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm ''|titulo=Constituição de 1891'']91|acessodata=2022-11-19|website=www.planalto. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicosgov.br}}</ref>
 
A crise propiciou também, paralelamente, uma maior penetração do [[protestantismo]], ocupando um espaço social aberto pelo desgaste geral causado pelos atritos.<ref name="Urutágua"/><ref name="Vieirab"/> A mesma brecha foi aproveitada por outros credos minoritários, como o [[judaísmo]] e o [[espiritismo]]. Além disso, a oposição entre Igreja e maçonaria não foi resolvida, entretanto, nem com o advento da República, permanecendo acesa até a metade do século XX.<ref name="Castro, pp. 8; 14-16"/> Os sucessores de Pio IX emitiram diversos outros documentos condenando os maçons; o mesmo Leão XIII na bula ''[[Humanus genus]]'' persistia dizendo que a maçonaria era a "encarnação do Diabo", o que veio a lançar-lhe uma pesada sombra no imaginário popular e criar uma [[teoria da conspiração]], muito porque a organização continuava a ser uma [[sociedade secreta]], alegando-se que o que seus membros pregavam de patriotismo, solidariedade, beneficência, tolerância religiosa, igualdade e fraternidade, não passavam de engodos que ocultavam perigos e subversão e buscavam a perdição da humanidade.<ref name="Costa1"/><ref name="Castro, pp. 8; 14-16">Castro, pp. 8; 14-16</ref>
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[[Imagem:Questao religiosa no brasil.jpg|thumb|160px|Capa do livro ''A questão religiosa do Brazil perante a Santa Sé ou a Missão especial a Roma em 1873 á luz de documentos publicados e ineditos pelo Bispo do Pará'' (1886), de autoria do bispo Dom Macedo Costa.]]
 
A questão religiosa foi, de acordo com [[Joaquim Nabuco]], "o maior abalo que experimentou a Igreja do Brasil no segundo reinado",<ref>Costa, Milton Carlos. ''Joaquim Nabuco entre a política e a história''. Annablume, 2003, p. 205</ref> e para Luiz Delgado foi um dos episódios decisivos da [[história brasileira]].<ref name="Delgado">Delgado, Luiz. ''Gestos e vozes de Pernambuco''. Editora Universitária UFPE, 1970, p. 217</ref> É um tema candente e controverso que vem atraindo a atenção de muitos historiadores brasileiros. Um levantamento bibliográfico realizado na década de 1950 acusou já naquela época a existência de cerca de 500 obras sobre a matéria. Entretanto, nas palavras do historiador [[Roque Spencer Maciel de Barros|Roque de Barros]], corroboradas por outros autores, a grande maioria dos estudos não foi desenvolvida com a necessária imparcialidade.<ref name="Barros"/><ref name="Vieira"/><ref>Coelho, Tatiana Costa. ''A Reforma Católica em Mariana e o Discurso Ultramontano de Dom Viçoso (1844-1875)''. Dissertação de Mestrado em História. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2010. pp. 103-106</ref><ref>Martins, pp. 70-71</ref> Mesmo recentemente o assunto ainda desperta paixões. Pode-se tomar como exemplo a declaração do cardeal [[Eugênio Sales|Dom Eugênio Sales]], dizendo que na questão religiosa "foram dados os primeiros passos para a correção de graves obstáculos ao florescimento da vida da Igreja no Brasil. Foi o início de um despertar". Para ele, Dom Vital foi um herói que sofreu as agruras da injustiça, e "seu exemplo de fidelidade à doutrina do Sucessor de Pedro é um valioso estímulo a todos nós, do clero e do laicato".<ref name="Sales">Sales, Eugênio, cardeal. [http://www.sociedadecatolica.com.br/modules/smartsection/item.php?itemid=17 ''Dom Vital Maria, Bispo''] {{Wayback|url=http://www.sociedadecatolica.com.br/modules/smartsection/item.php?itemid=17 |date=20080108050638 }}. Pro Catholica Societate, 15/11/2007</ref> Está em andamento a causa de sua [[beatificação]].<ref>Soeiro, Raul. [http://www.catolicismo.com.br/materia/materia.cfm?IDmat=767BCCD6-C09F-3428-CE067737D29120F0&mes=Maio1995 ''Igreja reabre causa de beatificação de Dom Vital'']. In: ''Catolicismo - Revista de Cultura e Atualidades'', 13 jan. 2011</ref> [[Raimundo de Menezes]] afirmou que o governo não deveria ter interferido, pois o fazendo desencadeou uma tempestade em que se martirizaram dois inocentes.<ref>''Apud''{{Citar Paulo Filho, Pedro. [httpweb|url=https://www.oabsp.org.br/institucionalsobre-oabsp/grandes-causas/a-questao-religiosa|titulo=A ''GrandesQuestão Advogados,Religiosa|acessodata=2022-11-19|website=OAB Grandes Julgamentos'']. Depto. Editorial OABSP|lingua=pt-SPbr}}</ref> Fernando Câmara chamou ambos de intrépidos mártires vitimizados.<ref name="Câmara"/>
 
Barros, na década de 1970, em um painel abrangente, entendeu que a questão propriamente dita foi, antes de tudo, apenas o clímax gritante de uma intrincada rede de contradições que se avolumavam mais ou menos surdamente há muito tempo na sociedade brasileira, sem que encontrassem antes da crise um escape para manifestação visível em larga escala, contradições nascidas de um igualmente multifacetado contexto de transformações provocadas pela introdução de novos ideais a respeito das formas de governo e de administração pública, das instituições, das tradições, da educação, da moralidade, da política e do direito, do progresso, da sociedade, da religiosidade, da liberdade e autonomia individuais. O mesmo autor considerou que a ambígua legislação imperial que condenou os bispos também poderia ter sido interpretada de forma a salvá-los, embora isso fosse improvável no contexto político da época, como de fato veio a suceder.<ref name="Barros"/> Luiz Delgado também interpretou a questão como uma expressão pontual de um amplo contexto, dizendo que "mais do que muitos outros (episódios da história brasileira), embora tenha de ser considerado em si mesmo, em suas causas remotas ou imediatas e seu desenvolvimento próprio, é principalmente como símbolo que ele vale, indício de uma realidade subterrânea e obscura que se prende a algumas de nossas caracterizações essenciais […]. A densidade do tema é, a bem dizer, infinita […]. Talvez possa isso ser razão de se considerar a questão menos em si mesma, isolada e nítida, do que como simples apresentação de um estado de coisas antigo e impreciso, concentrando-se nela como se fosse para explodir".<ref name="Delgado"/> Segundo vários outros autores, como referiu Maria Martins de Araújo, mais do que uma crise pontual, foi o "momento culminante da luta entre a mentalidade católico-conservadora e o espírito laico liberal".<ref>Araújo, p. 180</ref> Por outro lado, seguindo uma linha de interpretação adotada já em 1876 por [[Rui Barbosa]],<ref name="Costa1"/> Vieira disse que há uma tendência recente, que vem se tornando consensual, de concentrar a análise no confronto político entre a Igreja e o Estado, "dramatizada pela presença dos dois bispos brasileiros e suas intransigências em considerar a maçonaria […]. Esta tese, no que tem se demonstrado, encontra nas questões doutrinárias a chave interpretativa privilegiada para entender a questão".<ref name="Vieira"/>