Assembleia Nacional (Portugal): diferenças entre revisões

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A '''Assembleia Nacional''' ([[1933]] &mdash; [[1974]]) foi a câmara de deputados do [[Estado Novo (Portugal)|Estado Novo]], órgão de soberania ao qual nos termos do artigo 71.º da [[Constituição Política da República Portuguesa de 1933]] cabia o poder legislativo, não tendo quaisquer competências em matéria de fiscalização da actividade governamental, já que o Governo respondia em exclusivo perante o Chefe de Estado, e só podendo assumir poderes de revisão constitucional por indicação do Chefe de Estado e apenas no âmbito por aquele indicado. A Assembleia Nacional era um órgão monocameral (embora coexistisse com uma [[Câmara Corporativa]] de carácter consultivo), eleita cada quadriénio por sufrágio directo maioritário deem lista única. Com uma composição que variou entre os 90 deputados da I legislatura (1934-1938) e os 150 deputados da XI e última legislatura (1973-1974), a Assembleia Nacional poucas vezes exerceu o poder legislativo que teórica e constitucionalmente lhe estava atribuído, sendo antes uma câmara de eco do regime, embora de forma meramente esporádica tivessem alguns dos seus deputados protagonizado casos de menor ortodoxia e até de claro desvio em relação à orientação política estabelecida pela ditadura<ref>Castilho, José Manuel Tavares, ''A Assembleia Nacional (1934-1974)'' (Tese de doutoramento). Lisboa : Departamento de História do ISCTE, 2008. pp. 65-66. (ISBN 978-989-8154-39-2). Disponível em www:< [http://hdl.handle.net/10071/1159>. ISBNRepositório 978-989-8154-39-2do ISCTE].</ref>.
==Origem==
A [[Primeira República Portuguesa]] foi um regime parlamentar, no qual a legitimidade do Governo dependia quase em absoluto da manutenção da confiança da maioria dos deputados. A instabilidade crónica em que o regime mergulhou, com governos cuja longevidade em geral não ultrapassava os poucos meses, resultou numa generalizada descrença no parlamentarismo, sendo aquele órgão apontado como a origem dasda disfuncionalidade do regime.
 
Como consequência, o regime da [[Ditadura Nacional]] que emergiu do [[Golpe de 28 de Maio de 1926]] assumia-se como anti-parlamentar e anti-partidário, tendo como principal bandeira a existência de um governo forte e estável. O nome escolhido pelo regime, a ''Ditadura Nacional'', reflecte esse pendor, já que governar em ''"ditadura"'' era a designação adoptada desde os tempos do constitucionalismo monárquico para aqueles períodos em que o governo funcionava sem supervisão parlamentar. O epíteto ''"nacional"'' serviu para reforçar a ideia de unidade em torno da causa da ''"nação"'', significando a rejeição do multipartidarismo.
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Foi a partir destas premissas que o novo regime teve de pensar a sua estruturação parlamentar: se por um lado não desejava o parlamentarismo, por outro necessitava de criar um órgão que desse continuidade à tradição então já quase centenária de existência de uma câmara de representantes eleitos. Com esse objectivo, após o período que vai de 1926 a 1932, em que a ditadura militar que se consolidou contra um ''[[reviralhismo]]'' cada vez mais enfraquecido, durante o qual a [[Constituição da República Portuguesa de 1911]] vigorara apenas em teoria, alterada por sucessivos decretos governamentais com o parlamento teoricamente suspenso, era necessário formalizar as bases do regime, dando-lhe pelo menos um simulacro de normalidade constitucional.
 
Sendo o anti-parlamentarismo uma das bandeiras do regime, a ideia de Parlamento, enquanto órgão de soberania com legitimidade para aprovar uma nova constituição não constava das prioridades políticas do poder, sendo mesmo inaceitável dado o risco de reacender os debates anteriores a 1926. Em consequência, a legitimação da nova constituição seguiu a [[Plebiscito|via plebiscitária]], numa campanha que tinha por lema ''Nós queremos um Estado forte!''<ref>Veja-se o cartaz de [[Almada Negreiros]] de propaganda do plebiscito na [http://www.parlamento.pt/Parlamento/PublishingImages/constitucionalismo/Imagens_grandes/cartaz_alm_neg_33.jpg página da Assembleia da República].</ref>.
 
O projecto referendado fora elaborado pelo [[Presidente do Conselho de Ministros]], [[António de Oliveira Salazar]], coadjuvado por um pequeno grupo de colaboradores. Para garantir uma aprovação por maioria esmagadora, o sufrágio referendário foi organizado segundo regras que favoreciam claramente a aceitação<ref>[http://www.parlamento.pt/Parlamento/Paginas/OEstadoNovo.aspx A Assembleia Nacional na Constituição de 1933].</ref>: (1) o sufrágio foi obrigatório para o universo eleitoral de cerca de um milhão e trezentos mil eleitores então existente, contando as abstenções e os votos em branco como votos a favor; (2) muitas das liberdades fundamentais estavam restringidas, sendo a única campanha admitida a favorável ao ''sim''; e (3) a entrega do boletim em branco, onde constava a pergunta ''"Aprova a Constituição da República Portuguesa?"'', contava como um ''sim"'', enquanto que o ''não'' deveria ser expressamente escrito, com a quase certeza da imediata identificação do votante.
 
Sendo a única lei fundamental portuguesa, até hoje, a ser aprovada por plebiscito, a [[Constituição Política da República Portuguesa de 1933]] estabelecia formalmente um compromisso entre um Estado de direito democrático e um estado autoritário, mas criava as condições para que a praxis política conduzisse à rápida prevalência do autoritarismo, afinal o traço fundamental do tal ''Estado forte'' que servira de lema ao processe da sua aprovação. Essas condições resultavam da clara subalternização do parlamento, a ''Assembleia Naciona'', que passava a ter uma única câmara, embora coadjuvado por uma [[Câmara Corporativa]] de carácter essencialmente consultivo<ref>A Câmara Corporativa, apesar de ser um órgão de consulta, transformou-se com a evolução do regime num importante centro de grupos de pressão, representando interesses locais e socio-económicos, com destaque para os interesses corporativos presentes através das corporações sindicais e dos grémios representativos dos principais sectores da actividade económica.</ref>, e por fazer depender os direitos e garantias individuais dos cidadãos, designadamente a liberdade de expressão, reunião e associação, de "leis especiais" a aprovar pelo legislador ordinário.
 
O artigo 71.º da versão originária da Constituição de 1933 define a Assembleia Nacional como sendo um órgão de soberania, a par do Presidente da República, do Governo e dos tribunais. Naquela versão constitucional o poder legislativo é atribuído exclusivamente à Assembleia Nacional, embora restringindo a sua competência à aprovação das ''bases gerais dos regimes jurídicos'', o que permitia ao Governo legislar no uso de autorizações legislativas ou autonomamente ''nos casos de urgência e necessidade pública'', ficando neste último caso obrigado a submeter o decreto-lei à Assembleia, para ratificação, nas cinco primeiras sessões após a publicação<ref>O instituto da ratificação, ou seja o direito da Assembleia Nacional alterar a legislação produzida pelo Governo, foi substancialmente reduzido pela revisão constitucional de 1935, ficando sujeitos a fiscalização apenas os decretos-leis publicados durante a sessão legislativa. A última revisão da Constituição do Estado Novo, ocorrida em 1971, introduziu a figura processual da ratificação tácita, que se aplicava no caso de não ser requerida pelos deputados a ratificação formal, mecanismo que com variantes foi adoptado pela [[Constituição da república Portuguesa de 1976]].</ref>.
 
Na Assembleia Nacional o direito de iniciativa legislativa pertencia, indistintamente, aos deputados e ao Governo. Este direito foi limitado, depois da primeira revisão constitucional (1935), pela introdução da ''norma travão'' que impedia os deputados de apresentarem projectos que implicassem aumento de despesa ou diminuição das receitas, e pela revisão de 1971, a qual fixou como competência exclusiva do Governo as iniciativas de lei em matérias referentes ao [[Ultramar]].
 
Apesar da Constituição manter a Assembleia Nacional como o ''órgão egislativo'' do regime, as sucessivas revisões constitucionais subverteram o primado ''de jure'' da sua competência legislativa, que o historial da produção legislativa demonstra nunca ter existido. Este esvaziamento culminou com a revisão de 1945, a partir da qual o Governo passou a ter competência para legislar através de decretos-leis também fora dos casos de urgência e de necessidade pública<ref>Esta alteração aparece justificada de forma aparentemente ingénua no parecer da Câmara Corporativa onde se afirma que esta alteração visou "regularizar constitucionalmente a situação de facto: o Governo é órgão legislativo normal e a Assembleia órgão legislativo excepcional" (''Diário das Sessões'', n.º 176, de 16 de Junho de 1945).</ref>. Este enfraquecimento da Assembleia permite que a revisão constitucional de 1971 reconhecesse ao Presidente do Conselho o direito de intervenção na fixação da agenda dos trabalhos parlamentares, embora, em contraponto, essa mesma revisão proceda a um substancial alargamento da reserva absoluta de competência legislativa, embora através de bases gerais a desenvolver pelo Governo<ref>[http://dre.pt/pdf1s%5C1971%5C08%5C19201%5C00010007.pdf Lei n.º 3/71, de 16 de Agosto que promulga a nova redacção de várias disposições da Constituição Política da República Portuguesa.</ref>.
 
Em matéria de revisão constitucional os poderes da Assembleia Nacional eram condicionados ao acordo prévio do Chefe de Estado já que competia ao Presidente da República conferir à Assembleia Nacional poderes para esta proceder às revisões constitucionais, podendo inclusive, ''quando o bem público imperiosamente o exigir'', indicar especificamente as matérias a rever, retirando totalmente à Assembleia o direito de iniciativa constitucional<ref>Veja-se nesta matéria o [http://dre.pt/pdf1s%5C1971%5C04%5C09900%5C05910591.pdf Decreto n.º 171/71, de 28 de Abril, que convoca extraordinariamente a Assembleia Nacional, a fim de apreciar a proposta e projectos de lei de alterações à Constituição Política, a proposta de lei sobre liberdade religiosa e a proposta e projecto de lei relativos à Lei de Imprensa.</ref>.
 
Numa clara manifestação do anti-parlamentarismo do regime, a Assembleia Nacional não tinha competências de fiscalização política do Governo, pois era também ao Chefe de Estado que competia em exclusivo a nomeação, a exoneração e o acompanhamento político da acção do Governo. A Assembleia Nacional era desprovida de quaisquer competências constitucionais nesta matéria, estabelecendo a Constituição que os ministros respondiam politicamente perante o Presidente do Conselho e este apenas perante o Presidente da República. Não existia assim qualquer mecanismo de confirmação parlamentar do Governo, existindo este como estrutura absolutamente autónoma, com mandato que não dependia da legislatura, podendo por isso subsistir indefinidamente enquanto fosse essa a vontade do Chefe de Estado.
 
O período da legislatura foi fixado em quatro anos com uma a sessão legislativa anual que começou por ter uma duração de três meses improrrogáveis, para se fixar, após a revisão constitucional de 1971, em três meses e meio, divididos em dois períodos, podendo o Presidente da República convocar extraordinariamente a Assembleia Nacional ou adiar as suas sessões. A dissolução da Assembleia Nacional podia ocorrer sempre que ''"assim o exigirem os interesses superiores da Nação"'' por livre arbítrio do Presidente da República, apenas obrigatoriamente precedida da audição do [[Conselho de Estado]].
==A institucionalização==
Aprovada a Constituição, a primeira I Legislatura da Assembleia Nacional, com 90 deputados, foi eleita a [[16 de Dezembro]] de [[1934]] por sufrágio directo em lista única dos cidadãos maiores de 21 anos ou emancipados. Os analfabetos só podiam votar se pagassem impostos não inferiores a 100$00 e as mulheres eram admitidas a votar se possuidoras de curso especial, secundário ou superior. O direito de voto às mulheres já fora expressamente reconhecido pelo Decreto n.º 19 894, de 5 de Maio de 1931, embora com condições mais restritas que as previstas para os homens<ref>Numa entrevista concedida em [[1934]] ao jornal ''[[O Século]]'', Oliveira Salazar anunciou que as listas propostas para a Assembleia Nacional e Câmara Corporativa incluíam ''"uma novidade – tanto de uma como de outra Câmara farão parte algumas senhoras o que não significa ter-se o Estado ou elas próprias convertido, agora, ao feminismo"'' (veja-se: Maria Reynolds de Sousa, "As primeiras Deputadas portuguesas" in ''A Mulher na Sociedade Portuguesa. Colóquio''. Coimbra : Instituto de História Económica e Social, 1986, pp. 427-444.</ref>.
 
A câmara reuniu pela primeira vez a [[10 de Janeiro]] de [[1935]], tendo entre os seus membros três deputadas<ref>A lista dos candidatos apresentada pela [[União Nacional]] incluía [[Domitília Hormizinda Miranda de Carvalho]], [[Maria Baptista dos Santos Guardiola]] e [[Maria Cândida Parreira]], as quais foram eleitas respectivamente com 486 512, 486 235 e 486 431 votos, o menor número de votos de todos os candidatos eleitos. Foram as primeiras deputadas em Portugal.</ref>.
 
A Assembleia Nacional reuniu pela última vez, sem ''quorum'', na manhã do dia [[25 de Abril]] de [[1974]], data do derrube do Estado Novo pelo [[Movimento das Forças Armadas]].