Invasões da Britânia por Júlio César: diferenças entre revisões

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[[Ficheiro:Satellite image of Great Britain and Northern Ireland in April 2002.jpg|thumb|left|200px|Grã-Bretanha desde o espaço.]]
 
Na época na que César foi designado governador [[procônsul|proconsular]] das províncias galas e entrou em guerra contra praticamente todos os povos da região, iniciando um conflito que passaria à história com o nome da [[Guerra das Gálias]], a Britânia vivia na [[Idade do Ferro]] no confim do mundo. As fontes antigas estimam que, nesta época, a ilha teria cerca de um milhão de habitantes. Os [[sítio arqueológico|sitios arqueológicos]] mostraram uma forte divisão econômica entre as terras altas e as baixas. A sudeste das terras baixas estendiam-se grandes zonas de terras férteis, com amplas regiões cultiváveis que davam lugar a uma agricultura consideravelmente dinâmica. As comunicações estavam bastante desenvolvidas através de uma série de estradas que ligavam diversos pontos da geografia britana; as mais importantes foram a ''Via Icknield'', a ''Via Pilgrim'' e a ''Via Jurássica'', sem contar os rios navegáveis, como o [[rio Tâmisa| Tâmisa]]. Nas terras altas, na região situada a norte da linha entre [[Gloucester]] e [[Lincoln (Inglaterra)|Lincoln]], o relevo mais acidentado complicava as comunicações e tornava mais difícil a agricultura, pelo qual predominava o pastoreio. Nesta zona, a população habitava em recintos fortemente fortificados, em contraste com os ''[[oppidum]]'' menos protegidos do sudeste da região. As fortificações eram erigidas geralmente nas imediações dos rios navegáveis, o que indica a importância do comércio na Britânia. Os trocos comerciais com Roma incrementaram-se com a conquista romana da [[Gália Narbonense|Gália Transalpina]] em [[124 a.C.]], quando os comerciantes iniciaram o comércio do vinho italiano através da região da [[Armórica]].<ref>[[Sheppard Frere]], ''Britania: Historia de la Britania Romana'', terceira edição, 1987, pp. 6-9</ref>
 
Os escritos de César dizem que os [[Galia Belgica|belgas]] do nordeste da [[Gália]] viajaram através do oceano e assentaram-se a sul das ilhas, estabelecendo colônias nas áreas costeiras e mantendo o seu poder em ambas as zonas graças à força do seu rei [[Diviciaco (sosõessuessiones)|Diviciaco]], monarca dos ''[[sosõesSuessiones]]''.<ref>''Commentarii de Bello Gallico'' [http://ar.geocities.com/rubenjoseribeiro/Clasicos_Latinos/Julio_Cesar_La_guerra_de_las_Galias.htm 2.4], [http://ar.geocities.com/rubenjoseribeiro/Clasicos_Latinos/Julio_Cesar_La_guerra_de_las_Galias.htm 5.12]</ref> A sua [[numismática|cunhagem]] monetária mostra um complexo padrão de assentamento belga na zona. As primeiras moedas gaulês-belgas achadas na [[Britânia]] remontam a [[100 a.C.]] ou talvez a [[150 a.C.]], e encontram-se principalmente na região de [[Kent]]. As moedas encontradas posteriormente localizam-se ao longo de toda a costa sul, até o oeste de [[Dorset]]. Tudo isto pode indicar que a influência belga se concentrava a sudeste da ilha, embora devesse estender-se para oeste e para o interior, possivelmente através de caciques que impusessem o seu poderio militar aos nativos britanos.<ref>Frere, ''Britannia'' pp. 9-15</ref>
 
==Primeira invasão (55 a.C.)==
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[[Ficheiro:Julius Caesar memorial 001.jpg|left|thumb|200px|Gravado de César.]]
 
Inicialmente, César tentou desembarcar em [[''Dubris]]'' ([[Dover]]), cujo porto natural fora presumivelmente identificado por Voluseno como um ponto apropriado para o desembarque. Contudo, quando a armada romana avistou terra, uma força massiva de britanos ocupou por completo as colinas e [[falésia]]s da praia. Isto dissuadiu os romanos de desembarcarem, pois os inimigos nas falésias podiam massacrá-los lançando os dardos que portavam.<ref>''Commentarii de Bello Gallico'' [http://ar.geocities.com/rubenjoseribeiro/Clasicos_Latinos/Julio_Cesar_La_guerra_de_las_Galias.htm 4.23]</ref> Após aguardar ancorados numa praia próxima "''até a hora nona''" (desde as 3 da tarde e aguardando presumivelmente a que o vento se tornasse favorável), César convocou um conselho de guerra, no qual ordenou aos seus subordinados agir por iniciativa própria. Depois, conduziu a frota cerca de sete milhas ao longo da costa para uma praia aberta. Devido à ausência de vestígios arqueológicos, desconhece-se a situação exata do ponto de desembarque, embora o lugar mais provável seja a praia de [[Walmer]].
 
Com toda a praia copada pelas bigas e a cavalaria britana, o desembarque parecia impossível. Para agravar a situação, os barcos eram grandes demais para se movimentarem com facilidade, e os legionários viram-se obrigados a desembarcar em águas muito profundas, enquanto os britanos saíam de todas partes. Apesar de a princípio as tropas ficarem atemorizadas, segundo os escritos de César, o exército recuperou o moral quando o ''[[aquilifer]]'' (portador da águia da legião) da ''Legio X'' saltou à terra e começou a berrar:
 
{{Quote1|"Segui-me, companheiros soldados, a menos que queráis obsequiar a águia da vossa legião ao inimigo. Eu, pela minha parte, cumprirei o meu dever para o meu general e para a república".<ref>''Commentarii de Bello Gallico'' [http://ar.geocities.com/rubenjoseribeiro/Clasicos_Latinos/Julio_Cesar_La_guerra_de_las_Galias.htm 4.25]</ref>}}
 
 
Os britanos começaram a retroceder quando uma chuva de projetis partiu das ''[[ballista|catapultae]]'' montadas nos barcos de guerra, que expuseram o seu flanco para facilitar o desembarque das tropas. Apesar de as forças de César conseguirem desembarcar, esse dia não foi coroado com uma vitória completa, pois os ventos adversos adiaram a cavalaria romana e impediram que perseguisse os britanos em fuga. César conseguira desembarcar em condições desfavoráveis, mas os britanos mostraram-lhe que eram capazes de oferecer uma forte resistência.<ref>''Commentarii de Bello Gallico'' [http://ar.geocities.com/rubenjoseribeiro/Clasicos_Latinos/Julio_Cesar_La_guerra_de_las_Galias.htm 4.26]</ref>
 
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O ''[[legado (Roma)|legatus]]'' do exército de César, [[Tito Labieno]], ficou em Porto Ício com ordens de supervisar o fornecimento de alimentos ao exército de César. Aos navios de guerra uniram-se barcos mercantes procedentes de todo o orbe, primariamente da Gália, à procura de novas oportunidades comerciais. O mais provável é que a cifra que indica Júlio César (800 barcos) incluísse não somente os buques de guerra, mas também os buques mercantes.
 
César desembarcou num lugar que identificara como um ponto mais favorável que o do ano anterior. As forças britanas decidiram não se opor ao desembarque, aparentemente, segundo diz Júlio César, devido ao temor que lhelhes inspirava o tamanho da frota, embora também poderia ter sido uma manobra estratégica para reunir forças, ou que simplesmente César não lhes causava a mínima turbação.
 
===Campanha em Kent===
 
Quando César desembarcou, deixou o seu [[legado romano|legado]] [[Quinto Átrio]] ao cargoencarregado da defesa da praia, enquanto ele realizava uma marcha noturna de doze milhas para o interior, onde enfrentou as forças britanas no cruzamento de um rio, provavelmente em algum lugar do [[rio Stour (Kent)|rio Stour]]. Os britanos atacaram, mas foram rechaçados e trataram de se reagrupar num lugar fortificado nas florestas (possivelmente a fortificação de Bigbury Wood,<ref name="frere22">Frere, ''Britannia'' p. 22</ref> em [[Kent]]). Derrotados novamente, terminaram dispersando-se. Como era muito tarde e César e o seu exército não estavam seguros, o general decidiu montar um acampamento.
 
Contudo, à manhã seguinte, quando se preparava para continuar avançando, César recebeu notícias do seu legado Átrio de que, uma vez mais, a ancoragem nos buques sofrera danos consideráveis por causa de uma tormenta. Segundo ele, perderam aproximadamente quarenta naves. Os romanos usaram esses barcos para cruzar o [[Canal da Mancha]], e suportaram mareias e tormentas. Porém, o fato de não aguentarem indica um mau planejamento por parte de Júlio César. No entanto, é possível que César exagerasse o número de naves afundadas para magnificar o seu próprio sucesso ao salvar uma situação tão difícil.<ref>''Commentarii de Bello Gallico'' [http://ar.geocities.com/rubenjoseribeiro/Clasicos_Latinos/Julio_Cesar_La_guerra_de_las_Galias.htm 5.23]</ref> Independentemente do motivo, o general voltou de imediato à costa e chamou todas as suas legiões, com ordens de trabalharem na reparação dos barcos. Os legionários trabalharam dia e noite por dez dias na reparação dos barcos e na construção de um acampamento fortificado em redor da zona de desembarque. César enviou uma mensagem a Labieno com ordens de enviar mais barcos.
 
César chegou à costa em [[1 de setembro]], desde onde retomou a correspondência com Cícero, interrompida após a morte da sua filha, [[Júlia (filha de Júlio César)|Júlia]]. Cícero abstivera-se de escrever a César em "respeito doda seusua duelodor".<ref>[[Cícero]], ''Cartas ao seu irmão Quinto'' [http://la.wikisource.org/wiki/Epistulae_ad_Quintum_Fratrem_III#III 3.1]</ref>
 
===Marcha sobre Wheathampstead===
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===Cómio e os atrebates===
 
Cómio, o rei dos [[atrebates]] e aliado de Júlio César, mudou de bando durante a rebelião de [[Vercingétorix]] e contribuiu tropas aos gauleses. Após a vitória final de César na [[Batalha de Alésia]], parece que Cómio decidiu fugir para a Britânia para escapar de Júlio César. O escritor [[Sexto Júlio Frontino]] descreve na sua obra ''Stratagemata'' o modo em que Cómio e os seus seguidores subiam aos barcos, perseguidos pelas forças romanas.<ref>[[Sexto Júlio Frontino]], ''Stratagemata'' [http://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Frontinus/Strategemata/2*.html#13.11 2:13.11]</ref> John Creighton<ref>John Creighton, ''Coins and power in Late Iron Age Britain'' , Cambridge University Press, 2000</ref> crê que esta anedota é uma lenda e que Cómio foi enviado à Britânia como um rei aliado em virtude da sua amizade com [[Marco Antônio]].<ref>''Commentarii de Bello Gallico'' [http://ar.geocities.com/rubenjoseribeiro/Clasicos_Latinos/Julio_Cesar_La_guerra_de_las_Galias.htm 8.48]</ref> Cómio estabeleceu uma dinastia na região de [[Hampshire]], da qual ficam dados graças às moedas cunhadas neste período. [[Verica]], o rei exilado que propiciou a [[Conquista romana da Britânia|invasão]] de [[Cláudio]] de [[43]], pertencia à família de Cómio.<ref>[[Dião Cássio]], ''História Romana'' [http://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Cassius_Dio/60*.html#19 60:19]
</ref><ref>[[Suetônio]], ''As vidas dos doze césares, Vida de Cláudio'' [http://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Suetonius/12Caesars/Claudius*.html#17 17]</ref>
 
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As descoberta de primeira mão que realizou César limitavam-se à região do Leste de Kent e do Vale do Tâmisa. Porém, o general foi capaz de proporcionar uma descrição da geografia e meteorologia da ilha. Embora os dados proporcionados por César não sejam totalmente exatos, provavelmente porque estejam baseados nos escritos de Píteas, oferecem em linhas gerais uma visão acertada da geografia e meteorologia do sul da Britânia:
 
{{Quote1|O clima é mais moderado que na Gália e as tormentas são menos fortes.<ref name="DBG5.12">''Commentarii de Bello Gallico'' [http://ar.geocities.com/rubenjoseribeiro/Clasicos_Latinos/Julio_Cesar_La_guerra_de_las_Galias.htm 5.12]</ref>}}
 
{{Quote1|A ilha é triangular, e um dos seus lados cai frente à Gália. Um ângulo deste lado, onde está Kent, que é onde arribam quase todas as naves que vêm da Gália, olha para Oriente; o inferior para o meio-dia. Este lado tem uma extensão de perto de quinhentos mil passos. O segundo lado olha para a Hispânia e para o Ocidente; a esta parte fica Irlanda, a metade menor, segundo se crê, do que a Britânia, mas a igual distância desta que a Britânia da Gália. No meio deste trecho está a ilha chamada Man; além disso, diz-se que há ali muitas outras ilhas menores, próximas entre si, das quais escreveram alguns que no solstício de Inverno se encontravam em perpétua noite durante trinta dias. NosNós, com as nossas perguntas nada pudemos averiguar disto, senão pelos relógios de água observamos que as noites eram aqui mais breves que no continente. O comprimento deste lado, segundo opinião dos seus habitantes, é de setecentas milhas. O terceiro cai para norte; frente desta parte não se encontra terra alguma, mas o ângulo deste lado olha mais bem para a Germânia. Este acredita-se ter um comprimento de oitocentos mil passos. Assim, pois, a ilha mede em todo o seu contorno duas mil milhas.<ref>''Commentarii de Bello Gallico'' [http://ar.geocities.com/rubenjoseribeiro/Clasicos_Latinos/Julio_Cesar_La_guerra_de_las_Galias.htm 5.13]</ref>}}
 
Antes da chegada de César à ilha, não havia informação a respeito dos portos naturais ou outros lugares de desembarque. Os seus descobrimentos supuseramimplicaram um benefício comercial e militar para Roma. A viagem de reconhecimento que realizou Voluseno permitiu identificar o porto natural de [[''Dubris]]'' ([[Dover]]), embora a César impediu desembarcar ali e foi obrigado a desembarcar numa praia aberta, assim como fez ao ano seguinte, talvez porque Dover era demais pequeno para albergar a grande força que César trazia consigo. Os grandes portos naturais situados costa em cima, como o de [[Rutupiae]] ([[Richborough]]), que foram usados por [[Cláudio]] durante a sua [[Conquista romana da Britânia|invasão à ilha]] 100 anos mais tarde, não foram empregues nesta ocasião. Júlio César pode que tivesse conhecimento a respeito da sua existência, mas pôde optar por não fazer uso deles, devido ao seu tamanho nesse momento (o conhecimento atual da [[geomorfologia]] do [[Canal de Wantsum]] nessa época é muito limitado).
 
Quando Cláudio iniciou os preparativos para a invasão da Britânia, o conhecimento da ilha melhorara muito graças a um século de diplomacia, comércio e quatro tentativas frustradas de invasão. Contudo, é provável que Cláudio empregasse a informação recolhida por Júlio César durante as invasões.