Metabolômica: diferenças entre revisões

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+ fluido corporal (fluido biológico)
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{{PBPE|Metabolômica|Metabolómica}} é o estudo [[ciência|científico]] que visa identificar e quantificar o conjunto de [[metabólito]]s - o metaboloma - produzidos e/ou modificados por um [[organismo]].<ref name=Villas>[http://www.biotecnologia.com.br/revista/bio36/metaboloma_36.pdf Villas-Bôas, S. G.; Gombert, A. K. "Análise do Metaboloma", ''Biotecnologia: Ciência & Desenvolvimento'', v.9, n.36, p.58-69, 2006]</ref> O '''metaboloma''' representa o conjunto de todos os metabólitos em uma [[célula]], [[fluido biológico]], [[tecido]] ou [[organismo]], sendo estas substâncias consideradas os [[Produto (química)|produtos]] finais dos processos celulares. Enquanto os dados de [[expressão gênica]] de [[RNAm]] e análises [[proteômica]]s fornecem parte das informações dos eventos que ocorrem na célula ou organismo, o perfil metabólico pode fornecer um panorama geral sobre o estado fisiológico. Em consideração a estas possibilidades, as ferramentas da metabolômica encontram aplicações em diversas áreas como a [[toxicologia]], a [[biologia sistêmica]] e [[genômica funcional]].
 
Além de questões técnicas e instrumentais enfrentadas pelos pesquisadores desta área, outro importante desafio é a interpretação dos dados gerados pelas análises dos metabólitos, bem como a associação destes às informações provenientes de outras "ômicas", como a [[proteômica]] e a [[transcritoma|transcritômica]], para o desenvolvimento dos conceitos de [[biologia sistêmica]] e [[genômica funcional]].
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==Histórico==
 
A idéia de que os componentes dos [[fluido biológico|fluidos biológicos]] refletem a saúde de um [[indivíduo]] existe desde a antiguidade. Os antigos médicos chineses usavam [[formiga]]s para a avaliar a [[urina]] de [[paciente]]s, no intuito de detectar se a urina continha altos níveis de [[glicose]] e, portanto, diagnosticar [[diabetes]].<ref name=VDGarticle>Van der greef and Smilde, J Chemomet, (2005) 19:376-386</ref> Na [[Idade Média]], foram utilizadas "tabelas de urina" para vincular as [[cor]]es, [[Sabor (alimentos)|sabores]] e [[cheiro]]s da urina a várias condições médicas, que são metabólicas em sua origem.<ref name=JKNnature>{{cite journal |author=Nicholson JK, Lindon JC |title=Systems biology: Metabonomics |journal=Nature |volume=455 |issue=7216 |pages=1054–6 |year=2008 |month=outubro |pmid=18948945 |doi=10.1038/4551054a |url=}}</ref>
 
[[Ficheiro:FreshFrozenPlasma.JPG|thumb|right|180px|Metabolômica aplicada ao diagnóstico de doenças: a detecção ou variação de determinados metabólitos em [[plasma sanguíneo]] (imagem), [[urina]], [[lágrima]] e outros fluidos biológicos poderiam sugerir o estado de saúde de um indivíduo]]
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Outra importante técnica para elucidação estrutural, a [[espectroscopia de ressonância magnética nuclear]] (RMN) desenvolvida na [[década de 1940]], também sofreu rápidos avanços tecnológicos. Em 1974, Seeley e colaboradores demonstraram a utilidade de usar a RMN para detectar metabólitos em amostras biológicas não modificadas.<ref>{{cite journal | author=Hoult DI, Busby SJ, Gadian DG, Radda GK, Richards RE, Seeley PJ |title=Observation of tissue metabolites using <sup>31</sup>P nuclear magnetic resonance |journal=Nature |volume=252 |issue=5481 | pages=285–7 |year=1974 |month=novembro |pmid=4431445 | doi=10.1038/252285a0 | bibcode=1974Natur.252..285H}}</ref> Este primeiro estudo - realizado em [[Músculo liso|células musculares]] - determinou que 90% do [[Trifosfato de adenosina|ATP]] [[celular]] está complexado com [[magnésio]]. Em 1984, Nicholson mostrou que a utilização de [[RMN]] de [[hidrogênio]] 1 poderia potencialmente ser usada ​​para diagnosticar [[diabetes mellitus]], sendo mais tarde pioneiro na aplicação de métodos de reconhecimento de padrões de dados espectroscópicos.<ref>Holmes E and Antti H (2002) Analyst 127:1549-57</ref><ref>Lenz EM and Wilson ID (2007) J Proteome Res 6(2):443-58</ref>
 
[[Ficheiro:L Pauling.jpg|thumb|left|180px|[[Linus Pauling]]: um dos cientistas que contribuiram para o avanço das metodologias de análise de metabólitos em [[fluido biológico|fluidos biológicos]].]]
 
O termo "metaboloma" foi citado pela primeira vez na literatura científica em 1998, por Oliver e colaboradores <ref>{{cite journal |author=Oliver SG, Winson MK, Kell DB, Baganz F |title=Systematic functional analysis of the yeast genome |journal=Trends Biotechnol. |volume=16 |issue=9 |pages=373–8 |year=1998 |month=setembro |pmid=9744112 |doi= 10.1016/S0167-7799(98)01214-1|url=http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0167779998012141}}</ref>. Já o termo "metabolômica" foi cunhado em analogia a [[transcritoma|transcriptômica]] e [[proteômica]]. Esta área experimentou considerável desenvolvimento principalmente para responder a questões da [[biologia sistêmica]]. Dentre estas questões, pode ser citado o fato de que os níveis de [[Transcrição (genética)|transcrição]] do [[RNAm]] não refletem necessariamente a atividade de proteínas expressas, ou seja, uma vez [[Tradução (genética)|traduzidas]], as proteínas - os produtos finais da [[expressão gênica]] - podem ou não desempenhar suas funções, podendo permanecer inativas. Deste modo, alterações no transcritoma e no proteôma de um indivíduo podem não corresponder às mudanças fenotípicas.<ref name=Villas/> Assim, para o desenvolvimento do conceito de biologia sistêmica, a metabolômica forneceria informações mais apropriadas para solucionar este problema.<ref>{{cite journal | author=Kell DB |title=Metabolomics and systems biology: making sense of the soup |journal=Current Opinion in Microbiology |volume=7 |issue=| pages=296–307 |year=2004 |month= |pmid= |url=http://service004.hpc.ncsu.edu/toxicology/websites/courses/epagrant/documents/Shea/Metabolomics%20curr_opinion.pdf}}</ref><ref>{{cite journal | author=Saito K, Matsuda F |title=Metabolomics for Functional Genomics, Systems Biology, and Biotechnology|journal=Annual Review of Plant Biology|volume=61 |issue=| pages=463-489 |year=2010 |month=junho |pmid= |doi=10.1146/annurev.arplant.043008.092035 |url=}}</ref> A presença dos metabólitos representa uma informação integrativa da função celular em nível molecular, definindo assim o fenótipo de uma célula ou tecido em resposta a alterações ambientais ou genéticas. A identificação de metabólitos é então um complemento fundamental para determinar a função de um [[gene]].<ref name=Villas/>
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[[Ficheiro:GCMS closed.jpg|thumb|left|200px|[[Cromatografia gasosa]] acoplada a [[Espectrometria de Massas]] (CG-EM): associação entre uma técnica de separação e outra de detecção amplamente utilizada em estudos de metabolômica.]]
 
A capacidade de analisar metabólitos diretamente nas amostras originais continua a desafiar a tecnologia atual de EM, em grande parte por causa dos limites impostos pela complexidade dessas amostras, que contêm milhares a dezenas de milhares de metabólitos. Entre as tecnologias desenvolvidas para tentar resolver este desafio está a NIMS (Nanostructure-Initiator MS)<ref>{{cite journal |author=Northen T.R, Yanes O, Northen M, Marrinucci D, Uritboonthai W, Apon J, Golledge S, Nordstrom A, Siuzdak G |title=Clathrate nanostructures for mass spectrometry |volume=449 |issue=7165 |pages=1033–6 |year=2007 |journal=Nature |month=outubro |pmid=17960240 |doi=10.1038/nature06195 |url=}}</ref><ref>{{cite journal |author=Woo H, Northern TR, Yanes O, Siuzdak G |title=Nanostructure-initiator mass spectrometry: a protocol for preparing and applying NIMS surfaces for high-sensitivity mass analysis |volume=3 |issue=8 |pages=1341–9 |year=2008 |journal=Nature protocols |month=julho |pmid=18714302 |doi=10.1038/nprot.2008,110 |url=}}</ref>, que é uma abordagem para dessorção/ionização da amostra que não requer a o uso de uma matriz e, assim, facilita a identificação de moléculas pequenas (isto é, os metabólitos). [[Ficheiro:NMR-Spectrometer.png|thumb|right|120px|Um [[espectroscopia de ressonância magnética nuclear|espectrômetro de ressonância magnética nuclear]] (RMN): outra metodologia de detecção muito utilizada em metabolômica.]]A tecnologia [[MALDI]] (ionização e dessorção a laser assistida por matriz) também é utilizada, no entanto a aplicação desta pode adicionar fundo significativo de aproximadamente 1000 Da, fato que dificulta a análise da gama de substâncias de baixa massa molecular. Devido a estas limitações, outras matrizes isentas de abordagens de dessorção/ionização têm sido aplicadas para a análise de fluidos e tecidos biológicos, como por exemplo a "SIMS" (Secondary Ion Mass Spectrometry), que foi uma das primeiras matrizes livres de dessorção/ionização e tem sido utilizada para analisar metabolitos em amostras biológicas. SIMS utiliza feixe de íons primários de alta energia para dessorver e gerar íons secundários a partir de uma superfície. A principal vantagem da SIMS é a sua alta resolução espacial (50 nm), uma característica poderosa para [[imagiologia]] de tecidos usando EM. No entanto, SIMS ainda não é prontamente aplicada à análise de [[fluido biológico|fluidos biológicos]] e tecidos, devido à sua sensibilidade limitada a >500 Da e também pela fragmentação do analito gerado pelo feixe de íons de alta energia primária. Outra tecnologia existente é a '''DESI''' (Desorption ElectroSpray Ionization): trata-se de uma matriz para analisar amostras biológicas utilizando pulverização de solvente carregado para desabsorver íons a partir de uma superfície. As vantagens do DESI são de que nenhuma superfície especial é necessária e a análise é realizada à pressão ambiente com acesso total à amostra durante a aquisição dos dados. A resolução espacial no entanto torna-se uma limitação da DESI, pois a concentração do ''spray'' de solvente carregado é difícil. No entanto, um recente desenvolvimento denominado de laser ablação ESI (LAESI) é uma abordagem promissora para contornar essa limitação.
 
A [[espectroscopia de ressonância magnética nuclear]] de (RMN) é uma técnica de detecção que não-destrutiva ao contrário da EM, e assim, a amostra pode ser recuperada para análises posteriores. Todos os tipos de metabólitos (moléculas pequenas) podem ser analisados simultaneamente - neste sentido, de RMN é quase um detector universal. As principais vantagens da RMN são a reprodutibilidade analítica elevada e a simplicidade de preparação da amostra. No entanto, é relativamente insensível quando comparada à espectrometria de massas.<ref>{{cite journal |author=Griffin JL |title=Metabonomics: NMR spectroscopy and pattern recognition analysis of body fluids and tissues for characterisation of xenobiotic toxicity and disease diagnosis |journal=Curr Opin Chem Biol |volume=7 |issue=5 |pages=648–54 |year=2003 |month=outubro|pmid=14580571 |doi= 10.1016/j.cbpa.2003.08.008|url=}}</ref><ref>{{cite journal |author=Beckonert O, Keun HC, Ebbels TM, ''et al.'' |title=Metabolic profiling, metabolomic and metabonomic procedures for NMR spectroscopy of urine, plasma, serum and tissue extracts |journal=Nat Protoc |volume=2 |issue=11 |pages=2692–703 |year=2007 |pmid=18007604 |doi=10.1038/nprot.2007.376 |url=}}</ref> Como a sensibilidade desta técnica no decorrer doas anos, ela continua a ser uma ferramenta importante na investigação do metabolismo.<ref name=VDGarticle/><ref name=JKNnature/>.
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A metabolômica tem papel fundamental na [[genômica funcional]], especialmente para a determinação de fenótipos gerado por [[manipulação genética]], tais como a deleção ou inserção do [[gene]]s. Às vezes este objetivo pode ser por si só suficiente - por exemplo, para detectar qualquer alteração fenotípica em uma planta geneticamente modificada para consumo [[humano]] ou [[animal]]. Mais interessante é a possibilidade de prever a função de genes desconhecidos por comparação com as perturbações metabólicas causadas por deleção/inserção de genes conhecidos. ''[[Saccharomyces cerevisiae]]'' e ''[[Arabidopsis thaliana]]'' são os principais [[Organismo modelo|organismos modelos]] utilizados neste tipo de pesquisa. Pesquisadores do laboratório Cravatt no The Scripps Research Institute, aplicaram recentemente a metabolômica em [[mamífero]]s, e identificaram N-aciltaurinas não caracterizadas anteriormente e que são [[Substrato (química)|substrato]]s endógenos para a [[enzima]] FAAH ([[hidrolase]] de [[amida]] de [[ácido graxo]]), além de [[éter]]es de monoacilglicerol (MAGEs) que são substratos endógenos de uma enzima hidrolase ainda não caracterizada, a KIAA1363.<ref>{{cite journal |author=Saghatelian A, Trauger SA, Want EJ, Hawkins EG, Siuzdak G, Cravatt BF |title=Assignment of endogenous substrates to enzymes by global metabolite profiling |journal=Biochemistry |volume=43 |issue=45 |pages=14332–9 |year=2004 |month=novembro |pmid=15533037 |doi=10.1021/bi0480335 |url=}}</ref><ref>{{cite journal |author=Chiang KP, Niessen S, Saghatelian A, Cravatt BF |title=An enzyme that regulates ether lipid signaling pathways in cancer annotated by multidimensional profiling |journal=Chem. Biol. |volume=13 |issue=10 |pages=1041–50 |year=2006 |month=outubro |pmid=17052608 |doi=10.1016/j.chembiol.2006.08.008 |url=}}</ref>
 
A nutrigenômica é um termo genérico que une [[genômica]], [[transcritoma|transcriptômica]], [[proteômica]] e metabolômica para estudar a [[nutrição humana]]. Em geral a composição do metaboloma de determinado [[fluido corporal]] é influenciada por fatores endógenos, tais como idade, [[sexo]], composição tecidual e [[genética]], bem como [[patologia]]s subjacentes. A [[Flora intestinal|microflora]] do [[intestino grosso]] também é um fator importante que pode ocasionar distorções em interpretações de perfis metabólicos e pode ser classificada tanto como um fator endógeno como exógeno. Os principais fatores exógenos são dieta e drogas. Metabolômica é um meio de determinar um parâmetro biológico, ou impressão digital metabólica, que reflete o equilíbrio de todas essas forças sobre o metabolismo de um indivíduo.<ref>{{cite journal |author=Gibney MJ, Walsh M, Brennan L, Roche HM, German B, van Ommen B |title=Metabolomics in human nutrition: opportunities and challenges |journal=Am. J. Clin. Nutr. |volume=82 |issue=3 |pages=497–503 |year=2005 |month=setembro |pmid=16155259 |doi= |url=}}</ref>
 
=== Metabolômica Ambiental ===