Mfecane: diferenças entre revisões

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Embora existam visões contraditórias sobre as causas do ''Mfecane'', com alguns historiadores a atribuírem a sua origem à pressão do colonialismo europeu e ao esclavagismo, a visão mais consensual atribui o seu desencadear à subida ao poder de [[Shaka]], o rei [[zulu]] e grande líder militar que unificou os povos de língua [[nguni]] entre os rios Tugela e Pongola nos primeiros anos do [[século XIX]], criando uma grande potência militar na região.
 
A criação dessa potência militar resultou directamente do crescimento populacional que se tinha verificado na África Austral durante o século anterior, em boa parte consequência de ali ter sido introduzido o cultivo do [[milho]] pelos portugueses. O milho produzia bastante mais alimento do que o [[sorgo]] e as restantes culturas tradicionais, permitindo alimentar uma população muito maior, embora com acrescidas necessidades hídricas: daí resultou uma crescente pressão sobre os [[solo]]s aráveis, em particular os sitos próximo dos rios, e uma muito maior disponibilidade de homens, o que permitiu criar grandes levas de guerreiros livres da obrigação de participar nos trabalhos agrícolas, pois a produtividade do milho permitia dispensar mão-de-obra.
 
Esta nova situação sócio-económica permitiu a [[Shaka]] criar um exército permanente, bem alimentado e bem treinado, uma realidade nova no panorama político da África Austral.
 
Entretanto, em finais do [[século XVIII]] a maioria das terras aráveis propícias à cultura do milho estavam ocupadas, ao mesmo tempo que o esgotamento dos solos e um declínio na [[precipitação]] diminuía as colheitas e aumentava a pressão sobre os recursos, levando a crescentes disputas sobre a posse de terras onde o milho pudesse ser cultivado. A primeira década do [[século XIX]] correspondeu a um período de seca, acelerando a desestabilização da região.
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Neste contexto, em [[1817]], [[Dingiswayo]], líder dos [[Mthethwa]], um grupo de povos que se tinham instalado nas terras a sul do [[rio Tugela]], formou uma aliança com os povos de etnia [[Tsonga]], passando a controlar as rotas comerciais que do interior levavam ao entreposto português da [[baía do Espírito Santo]] ([[baía de Delagoa]] ou ''Delagoa bay'' como lhe chamavam os britânicos), com destaque para a nascente povoação de [[Lourenço Marques]], a actual [[Maputo]]. Esta aliança interferiu com as rotas comerciais usada pelos povos [[Ndwandwe]], também eles agrupados numa aliança informal liderada por [[Zwide]] e centrada em terras mais a norte, nas margens do [[rio Pongola]]. Escaramuças entre forças de ambos os grupos começaram a ser cada vez mais frequentes, servindo de catalizador para a guerra generalizada que foi o ''Mfecane''.
 
==A subida ao poder de Shaka e o domínio Zulu==
Quando os Mthethwa foram derrotados pelos Ndwandwe liderados por Zwide, e Dingiswayo morto, muitos dos clãs Mthethwa entraram em aliança com o clã [[Zulu]], até aí um parceiro menor, formando uma grande confederação sob a liderança de [[Shaka]], o líder zulu. No processo os zulu conquistaram e assimilaram um número crescente de tribos da área, assumindo-se como a maior força da confederação. Quando novas técnicas guerreiras desenvolvidas por Shaka os levaram à vitória na [[batalha de Gqokli Hill]], estava iniciado o percurso que conduziu à derrota e subjugação dos Ndwandwe e à formação da grande potência militar zulu liderada por Shaka.
 
Nas guerras de conquista e assimilação que se seguiram, em geral apenas as mulheres e as crianças dos clãs e aldeias conquistadas eram aceites, sendo os homens, em particular os idosos, mortos ou obrigados a procurar refúgio noutras regiões. Neste processo formaram-se crescentes grupos de guerreiros desapossados das suas terras e famílias que replicavam a táctica, conquistando outras aldeias e terras, numa reacção em cadeia que se propagou por uma extensa região da África Austral, envolvendo múltiplos povos e criando um processo de rápida mutação social e política.
==Consequências do Mfecane==
Para leste, os refugiados deste turbilhão social foram assimilados pelos povos de língua [[Xhosa]] da actual região do Cabo Oriental, formando os [[Mfengu]]. Foram sujeitos a sucessivas ondas de ataques pelos povos vizinhos e severamente pressionados pela crescente presença britânica na região.
 
[[Moshoeshoe I do Lesotho]] conseguiu unificar os clãs da região montanhosa do actual território de [[KwaZulu-Natal]], construindo fortes nas montanhas e mantendo um complexo processo diplomático que permitiu a manutenção da sua autonomia face aos europeus e aos povos vizinhos, repelindo múltiplas agressões. Este processo levou à formação do actual reino do [[Lesotho]].
 
[[Soshangane]], um dos generais de Zwide, refugiou-se com os seus exércitos no actual território de [[Moçambique]], seguido pelo resto dos Ndwandwe após a sua derrota por Shaka na [[batalha de Mhlatuze]] em [[1819]]. Formaram uma grande confederação, dominando o vasto território que ficaria conhecido na historiografia portuguesa e moçambicana pelo nome de [[império de Gaza]]. No processo subjugaram os povos [[Shangaan|Tsonga]] que viviam naquela região, muitos dos quais se viram obrigados a fugir, atravessando os montes [[Lebombo]] e internando-se no norte do actual [[Transvaal]].
 
[[Zwangendaba]], do clã Jere ou Gumbi, um dos comandantes do exército [[Ndwandwe]], retirou para norte com Soshangane após a derrota de [[1819]]. Continuando para além do território actual de Moçambique, fundou um Estado [[nguni]] na região entre o [[lago Malawi]] e o [[lago Tanganyika]].
 
Os povos [[Ngwane]] que viviam no território da actual [[Suazilândia]], fixaram-se a sudoeste da região e mantiveram guerras periódicas com os Ndwandwe. [[Sobhuza]], um dos líderes Ngwane, por volta de 1820 conduziu o seu povo para as regiões montanhosas de maior altitude como forma de se proteger dos ataques dos Zulu. Após esta migração, os Ngwane passaram a ser conhecidos por [[Swazi]], e Sobhuza fundou o reino Swazi naquilo que é hoje a região central da [[Suazilândia]].
 
O general zulu [[Mzilikazi]] entrou em ruptura com Shaka e fundou o reino Ndebele no território que é hoje o [[Estado Livre de Orange]] e partes do [[Transvaal]]. Quando os [[bóer]]es do [[Grande Trek]] entraram naquela região em [[1837]], derrotas em diversas escaramuças convenceram Mzilikazi a mudar-se para o território a norte do rio [[Limpopo]] e a estabelecer um Estado [[Ndebele]] na região hoje conhecida por [[Matabeleland]], no sul do actual [[Zimbabwe]].
 
==Referências==