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poema
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{{Wikipedia:Userbox/Estado de São Paulo}}
{{Wikipedia:Userbox/América do Sul}}
{{Wikipedia:Userbox/Descendentes de bascos}}Não sou nada.<br>
Nunca serei nada.<br>
Não posso querer ser nada.<br>
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.<br>
<br>
Janelas do meu quarto,<br>
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é<br>
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),<br>
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,<br>
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,<br>
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,<br>
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,<br>
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,<br>
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.<br>
<br>
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.<br>
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,<br>
E não tivesse mais irmandade com as coisas<br>
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua<br>
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada<br>
De dentro da minha cabeça,<br>
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.<br>
<br>
Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.<br>
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo<br>
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,<br>
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.<br>
<br>
Falhei em tudo.<br>
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.<br>
A aprendizagem que me deram,<br>
Desci dela pela janela das traseiras da casa,<br>
Fui até ao campo com grandes propósitos.<br>
Mas lá encontrei só ervas e árvores,<br>
E quando havia gente era igual à outra.<br>
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?<br>
<br>
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?<br>
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!<br>
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!<br>
Génio? Neste momento<br>
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,<br>
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,<br>
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.<br>
Não, não creio em mim.<br>
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!<br>
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?<br>
Não, nem em mim...<br>
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo<br>
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?<br>
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -<br>
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,<br>
E quem sabe se realizáveis,<br>
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?<br>
O mundo é para quem nasce para o conquistar<br>
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.<br>
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.<br>
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,<br>
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.<br>
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,<br>
Ainda que não more nela;<br>
Serei sempre o que não nasceu para isso;<br>
Serei sempre só o que tinha qualidades;<br>
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta<br>
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,<br>
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.<br>
Crer em mim? Não, nem em nada.<br>
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente<br>
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,<br>
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.<br>
Escravos cardíacos das estrelas,<br>
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;<br>
Mas acordámos e ele é opaco,<br>
Levantámo-nos e ele é alheio,<br>
Saímos de casa e ele é a terra inteira,<br>
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.<br>