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[[Ficheiro:King Wen (I Ching).png|thumb|right|270px|Sequência do Rei Wen]]
 
O '''I Ching''' ou '''Livro das Mutações''', é um texto clássico [[China|chinês]] composto de várias camadas, sobrepostas ao longo do tempo. É um dos mais antigos e um dos únicos textos chineses que chegaram até nossos dias. ''Ching'', significando "clássico", foi o nome dado por [[Confúcio]] à sua edição dos antigos livros. Antes, era chamado apenas de ''I'': o [[ideograma]] "I" é [[Tradução|traduzido]] de muitas formas, e, no [[século XX]], ficou conhecido no ocidente como "mudança" ou "mutação".
 
O "I Ching" pode ser compreendido e estudado tanto como um [[oráculo]] quanto como um livro de [[sabedoria]]. Na própria China, é alvo do estudo diferenciado realizado por [[Religião|religiosos]], [[Erudição|eruditos]] e praticantes da filosofia de vida taoísta[[Taoismo|taoista]].
 
{| cellpadding=3px cellspacing=0px bgcolor=#f7f8ff style="float:right;border:1px solid; margin:5px"
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|align=right|Alt. [[romanização]]||I Jing, Yi Ching, Yi King
|-
|align=right|[[CantonesCantonês]] [[Jyutping]]:||jik6 ging1
|}
 
== Filosofia e cosmologia no I Ching ==
 
As [[Ba Gua|oito figuras]] que formam o I Ching estão na base da [[Cultura da China|cultura que se desenvolveu na China durante milênios]]. Para os chineses, a ordem do mundo depende de se dar o nome correto às coisas,coisasː portanto, o significado de "I" sempre foi objeto de discussão.
 
Alguns vêemveem o [[ideograma]] I como semelhante ao desenho de um [[camaleão]], representando o movimento (como o [[lagarto]]) e a mutação (como o [[mimetismo]] do camaleão, que muda de cor conforme a cor do ambiente em que está). Outros afirmam que o ideograma é formado pelo do [[Sol]] em cima e o da [[Lua]] embaixo, a mutação sendo simbolizada pelo movimento incessante destes astros no céu.
 
Para o pensamenopensamento chinês, não há o que mude, há apenas o mudar. A mutação seria o caráter mesmo do mundo. Mas a mutação é, em si mesma, invariável, ela sempre existe. Portanto, "I" significa mutação e não- mutação. Subjaz, à complexidade do universo, uma 'simplicidade' que consiste nos princípios[[princípio]]s que estão por trás de todos os ciclos. Ao fluir com as circunstâncias, se evita o atrito e, portanto, a resistência: esse é o caminho do homem sábio.
 
Tanto o [[taoísmotaoismo]] como o [[confucionismo]], duas das principais correntes filosóficas chinesas, beberam da fonte do I.
 
Tudo que ocorre no céu e na terra tem sua imagem nos [[Ba Gua|oito trigramas]], que estão continuamente se transformando um no outro. Têm várias camadas de significados, e representam processos da natureza.
 
Tudo que ocorre no céu e na terra tem sua imagem nos [[Ba Gua|oito trigramas]], que estão continuamente se transformando um no outro. Têm várias camadas de significados, e representam processos da [[natureza]].
== História ==
O I Ching surgiu antes da [[ChinaDinastia Zhou|dinastia Chou]] ([[1150 a.C.|1150]]-[[249 a.C.]]) e era um conjunto de oito ''Kua'', figuras formadas por três e seis linhas sobrepostas. James Legge, na tradução para o [[Língua inglesa|inglês]] ([[1882]]), chamou de ''trigrama'' o conjunto de três linhas e ''hexagrama'' o de seis, para distingui-los entre si.
 
A origem dos 64 hexagramas é atribuída a [[mitologia chinesa|Fu Hsi]], o criador mítico chinês, e, até a dinastia Chou, eles formavam o I. Os oito trigramas têm nomes não encontrados em [[Língua chinesa|chinês,]]ː a sua origem é pré-literária.
=== Dinastia Chou ===
O I Ching surgiu antes da [[China|dinastia Chou]] ([[1150 a.C.|1150]]-[[249 a.C.]]) e era um conjunto de oito ''Kua'', figuras formadas por três e seis linhas sobrepostas. James Legge, na tradução para o inglês ([[1882]]), chamou de ''trigrama'' o conjunto de três linhas e ''hexagrama'' o de seis, para distingui-los entre si.
 
O tempo obscureceu a compreensão das linhas, e, no começo da dinastia Chou, surgiram dois anexos: o Julgamento, atribuído pela tradição ao [[Conde Wen|rei Wên]], e as Linhas, atribuídas a seu filho, o [[Duque de Zhou|duque de Chou]], ambos fundadores desta dinastia.
A origem dos 64 hexagramas é atribuída a [[mitologia chinesa|Fu Hsi]], o criador mítico chinês, e até a dinastia Chou eles formavam o I. Os oito trigramas têm nomes não encontrados em chinês, a origem é pré-literária.
 
O tempo obscureceu a compreensão das linhas, e no começo da dinastia Chou surgiram dois anexos: o Julgamento, atribuído pela tradição ao rei Wên, e as Linhas, atribuídas a seu filho, o duque de Chou, ambos fundadores desta dinastia.
 
Mais tarde, mesmo o significado destes textos começou a ficar obscuro, e no [[século VI a.C.]] foram acrescentadas as Dez Asas, que a tradição atribui a Confúcio, embora seja claro que a maioria delas não pode ser de sua autoria. O nome "I Ching" é dado ao conjunto dos Kua e todos os textos posteriores.
 
O I Ching escapou da grande queima de livros feita pelo [[tirano]] [[Qin Shihuang|Ch'in Shih Huang Ti]], no tempo em que era considerado um livro de [[magia]] e [[Divinação|adivinhação]], o que levou a escola de magos das dinastias [[Dinastia Chin|Ch'in]] e [[Dinastia Han|Han]] a interpretá-lo segundo outras visões . A doutrina do yin-yang[[Yin Yang]] foi sobreposta ao texto. O sábio Wang Pi veio a resgatá-lo como livro de [[sabedoria]].
 
Houve várias traduções do "I Ching" para línguas ocidentais, algumas claramente desrespeitosas, tratando a cultura chinesa como [[Primitivo|primitiva]]. A tradução de Legge fez parte da série ''Sacred books of the East'' (Livros sagrados do Oriente), e foi traduzida também para o português.
 
[[Richard Wilhelm]] traduziu o I Ching para o alemão ao longo dos anos em que viveu na China, inclusive durante a invasão japonesa, quando a cidade em que estava foi cercada. Teve o apoio de um velho e sábio mestre, Lao Nai Suan, que morreu ao ser concluída a tradução. A edição alemã é do ano de [[1923]]. Wilhelm traduziu também outro clássico chinês, o [[Tao Te Ching]].
 
[[Richard Wilhelm]] traduziu o I Ching para o [[Língua alemã|alemão]] ao longo dos anos em que viveu na China, inclusive durante a invasão japonesa, quando a cidade em que estava foi cercada. Teve o apoio de um velho e sábio mestre, Lao Nai Suan, que morreu ao ser concluída a tradução. A edição alemã é do ano de [[1923]]. Wilhelm traduziu também outro clássico chinês, o [[Tao Te Ching]].
== O uso oracular do I Ching ==
A ênfase no aspecto oracular do "I" variou com o tempo. No século VI a.C., era visto mais como livro de filosofia, ao passo que, na dinastia Han, quando a magia teve grande papel, era visto como [[oráculo]].
 
Como todo oráculo, exige a aproximação correta: a [[meditação]] prévia, o [[ritual]], e a formulação precisa da pergunta. O oráculo nunca falha, quem falha é o consulente: se a pergunta não foi clara e precisa, isto indica que a pessoa não tem clareza sobre o que deseja saber. O ritual tem a função psicológica de focar a atenção da pessoa na consulta.
A ênfase no aspecto oracular do "I" variou com o tempo. No século VI a.C. era visto mais como livro de filosofia, ao passo que na dinastia Han, quando a magia teve grande papel, era visto como [[oráculo]].
 
A consulta oracular é feita com 50 varetas (originalmente de mil-folhas, uma planta sagrada), das quais uma é separada e as outras 49 manuseadas, seguindo seis vezes a mesma operação matemática, para a obtenção da resposta. Dessa manipulação, resulta uma linha ''firme'' ou uma linha ''maleável'', que podem ser móveis. As linhas firmes são resultado da obtenção dos números 7 ou 8, e as maleaveismaleáveis vêm dos números 6 ou 9. Destes, 6 e 9 correspondem a linhas móveis que, por estarem prestes a mudar, têm importância na interpretação.
Como todo oráculo, exige a aproximação correta: a meditação prévia, o ritual, e a formulação precisa da pergunta. O oráculo nunca falha, quem falha é o consulente: se a pergunta não foi clara e precisa, isto indica que a pessoa não tem clareza sobre o que deseja saber. O ritual tem a função psicológica de focar a atenção da pessoa na consulta.
 
O I Ching, por ser um livro sagrado, e as varetas usadas na consulta, eram guardados em uma caixa de madeira virgem, embrulhados em [[seda]] também virgem.
A consulta oracular é feita com 50 varetas (originalmente de mil-folhas, uma planta sagrada), das quais uma é separada e as outras 49 manuseadas, seguindo seis vezes a mesma operação matemática, para a obtenção da resposta. Dessa manipulação resulta uma linha ''firme'' ou uma linha ''maleável'', que podem ser móveis. As linhas firmes são resultado da obtenção dos números 7 ou 8, e as maleaveis vêm dos números 6 ou 9. Destes, 6 e 9 correspondem a linhas móveis que, por estarem prestes a mudar, têm importância na interpretação.
 
Durante a [[dinastia Han]], que durou de 206 a.C. até 220 d.C., a consulta começou a ser feita de forma alternativa, mais simples, com o uso de três moedas. Este é o método mais utilizado hoje no [[Japão]] e nos países [[Ocidente|ocidentais]].
O I Ching, por ser um livro sagrado, e as varetas usadas na consulta, eram guardados em uma caixa de madeira virgem, embrulhados em seda também virgem.
== Hipótese mitológica para a criação do I Ching ==
Há cerca de seis ou sete mil anos, havia um [[mito]] universal de que todos os seres eram provenientes do [[útero]] de uma ''[[Deusa mãe|Mãe Cósmica]]'';<ref> [http://books.google.com/books?id=QmHqWcUi3wgC&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_summary_r&cad=0#PPA9,M1 ''O I Ching da Deusa'', ] </ref> tal mito da criação universal teve lugar durante uma fase informe do mundo, aonde nada podia ainda ser identificado. Inicialmente cultuada na [[Índia]], como [[Kali]], a ''Mãe Informe'', recebeu, depois, os nomes de [[Tiamat]] (Babilônia), [[Nu Kua]] (China), [[Temut]] (Egito), [[Têmis]] (Grécia pré-helênica) e [[Tehom]] ([[Síria]] e [[Canaã]]) - este último foi o termo usado mais tarde pelos escritores [[Bíblia|bíblicos]] para [[Abismo]].
 
As mais antigas noções de criação se originavam da ideia básica do nascimento, que consistia na única origem possível das coisas e esta condição prévia do caos primordial foi extraída diretamente da teoria arcaica de que o útero cheio de sangue era capaz de criar magicamente a prole. Acreditava-se que, a partir do sangue divino do útero e através de um movimento, dança ou ritmo cardíaco que agitasse este sangue, surgissem os "frutos", a própria maternidade. Essa é uma das razões pelas quais as danças das mulheres primitivas eram repletas em movimentos pélvicos e abdominais. Muitas tradições referiram o princípio do ''coração materno'' que detém todo o poder da criação.
Durante a [[dinastia Han]], que durou de 206 a.C. até 220 d.C., a consulta começou a ser feita de forma alternativa, mais simples, com o uso de três moedas. Este é o método mais utilizado hoje no Japão e nos países [[Ocidente|ocidentais]].
 
Este coração materno, "uma energia capaz de coagular o caos espumoso" <ref> [http://books.google.com/books?id=QmHqWcUi3wgC&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_summary_r&cad=0#PPA9,M1 B. Walker, ''O I Ching da Deusa'', p. 11] </ref> organizou, separou e definou os elementos que compõem e produzem o cosmos; a esta energia organizadora os gregos deram o nome de ''[[Diakosmos]]'', a ''Determinação da Deusa''. Os [[Egito Antigo|egípcio]]s, nos [[hieróglifo]]s, chamaram este coração de ''ab'' e os [[hebreu]]s foram os primeiros a chamar de ''pai'' (ainda que masculinizassem, a ideia fundamental de família e continuidade da vida não era patriarcal).
== Manifestações culturais==
== História ==
Há cerca de seis ou sete mil anos havia um mito universal de que todos os seres eram provenientes do [[útero]] de uma ''[[Deusa mãe|Mãe Cósmica]]'' <ref> [http://books.google.com/books?id=QmHqWcUi3wgC&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_summary_r&cad=0#PPA9,M1 ''O I Ching da Deusa'', ] </ref>; tal mito da criação universal teve lugar durante uma fase informe do mundo, aonde nada podia ainda ser identificado. Inicialmente cultuada na [[Índia]], como [[Kali]], a ''Mãe Informe'', recebeu depois o nome de [[Tiamat]] (Babilônia), [[Nu Kua]](China), [[Temut]] (Egito), [[Têmis]] (Grécia pré-helênica) e [[Tehom]] ([[Síria]] e [[Canaã]]) --este último foi o termo usado mais tarde pelos escritores bíblicos para [[Abismo]]. As mais antigas noções de criação se originavam da ideia básica do nascimento, que consistia na única origem possível das coisas e esta condição prévia do caos primordial foi extraída diretamente da teoria arcaica de que o útero cheio de sangue era capaz de criar magicamente a prole. Acreditava-se que a partir do sangue divino do útero e através de um movimento, dança ou ritmo cardíaco, que agitasse este sangue, surgissem os "frutos", a própria maternidade. Essa é uma das razões pelas quais as danças das mulheres primitivas eram repletas em movimentos pélvicos e abdominais. Muitas tradições referiram o princípio do ''coração materno'' que detém todo o poder da criação. Este coração materno, "uma energia capaz de coagular o caos espumoso" <ref> [http://books.google.com/books?id=QmHqWcUi3wgC&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_summary_r&cad=0#PPA9,M1 B. Walker, ''O I Ching da Deusa'', p. 11] </ref> organizou, separou e definou os elementos que compõem e produzem o cosmos; a esta energia organizadora os gregos deram o nome de ''[[Diakosmos]]'', a ''Determinação da Deusa''. Os [[egípcio]]s, nos hieróglifos, chamaram este coração de ''ab'' e os [[hebreu]]s foram os primeiros a chamar de ''pai'' (ainda que masculinizassem, a ideia fundamental de família e continuidade da vida não era patriarcal).
 
O coração e o sangue definem um elo imanente a todos os seres que dele nasceram e uma ideia de coração oculto do universo que pulsa e mantém o ritmo de ciclos das estações, dos nascimentos, mortes, destinos. Este é o significado que está no ''[[Livro dos Mortos]]'' ou das ''mutações''. No mesmo sentido, o livro chinês é denominado ''Livro das Mutações''.
 
O nome chinês dado à ''Mãe Primordial'' e informe é ''Nu Kua'', nome referido também entre os egípcios, gregos, mesopotâmicos e hindu. As referências a ela remontam há 2.500 a.C. e a imagem permanece venerada nas regiões setentrionais. [[Kuan Yin]] ou ''A Mulher'' é uma deusa dos casamentos e das mulheres em geral. O corpo original do ''I Ching'' chama-se "kua" (oito Trigramas) e os sessenta e quatro hexagramas são denominados por ''kua'', derivado linguístico de ''Mãe Primordial'' ou ''Nu Kua''.