Jean-Auguste Dominique Ingres: diferenças entre revisões

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=== Ingres e a crítica ===
A carreira de Ingres foi pontilhada de combates, que resultaram em momentos de grande sucesso e outros de grande fracasso junto à crítica de arte. Era considerado uma personalidade hipersensível que não conseguia lidar com a oposição da crítica, mesmo quando ao mesmo tempo encontrava apoio. Esse traço se manifestaria notoriamente em seus longos anos passados em exílio voluntário na Itália, e culminaria em 1834 no seu afastamento da cena oficial, depois do tumulto causado pela exposição do seu ''Martírio de São Sinforiano'' no Salão. Shelton em seu estudo ''Ingres and his critics '' (2005) analisou mais de 60 textos de época sobre o evento, e em cerca de metade encontrou visões negativas, mas em metade constatou aprovação, contradizendo uma tradição que se formou e que sugeria que a rejeição da obra fora completa, e por isso sua retirada teria sido mais compreensível e natural. O autor, entretanto, pensa que isso teve motivos mais amplos, e refletiria um desencanto do artista com o sistema de arte que vinha prevalecendo, com a política, com o clima de inquietação social e com a humanidade em geral. Shelton também questionou a tradição que diz que naquele impasse parte do apoio teria vindo dos românticos, a quem sempre se opôs, o que pode ter sido verdadeiro mas cuja comprovação histórica não pôde ser feita, não sobrevivendo nenhum registro textual sobre essa "virada" na sua recepção pelo público.<ref>[http://books.google.com/books?id=veSn-tSofF0C&pg=PA1&dq=ingres&lr=&as_drrb_is=q&as_minm_is=0&as_miny_is=&as_maxm_is=0&as_maxy_is=&as_brr=3&as_pt=ALLTYPES&hl=pt-BR#PPA15,M1 Shelton, 2005. pp 15-18; 23-24]</ref>
[[Image:Le_Bain_Turc,_by_Jean_Auguste_Dominique_Ingres,_from_C2RMF_retouched.jpg|thumb|230px|''[[O Banho turco (Ingres)|O banho turco]]'', 1862]]
 
Na década de 1840, quando já passara a expor só em privado, começou a se formar uma espécie de lenda em torno do artista, alimentada por seus admiradores, que exaltava seu caráter pessoal contra o panorama das dificuldades que encontrara junto aos críticos, encorajando uma opinião de que sua vida e sua obra faziam parte de um todo integrado e autoexplicativo. A partir do que se viu como uma nobreza heróica em sua postura se esperava encontrar o mesmo em suas criações plásticas. Essa visão estimulou uma renovação no interesse pelo artista, e nesta época apareceram as primeiras tentativas de situá-lo e definir seu papel na corrente da história da pintura do século XIX, mas as constantes polêmicas que o envolviam, ora vendo-o como um notável chefe de escola e artista sublime, ora como um déspota egocêntrico e oportunista, e ora como um artista "maldito", não tornaram fácil a tarefa. Os primeiros ensaios biográficos que surgiram na imprensa parisiense oscilavam entre a sua consideração como o maior pintor de sua época e a negação inflamada de sua importância, tida como superestimada, ou ridicularizando seu status sacrossanto de gênio incompreendido.<ref>[http://books.google.com/books?id=veSn-tSofF0C&pg=PA1&dq=ingres&lr=&as_drrb_is=q&as_minm_is=0&as_miny_is=&as_maxm_is=0&as_maxy_is=&as_brr=3&as_pt=ALLTYPES&hl=pt-BR#PPA135,M1 Shelton, 2005. pp. 135-138; 141-145]</ref> Para [[Théophile Gautier]] e [[Charles Baudelaire]] ele era uma personalidade artística ambígua e perturbadora.<ref name="Rifkin, 2000. p. 8">[http://books.google.com/books?id=Wq2-9QimPbkC&printsec=frontcover&dq=ingres&lr=&as_drrb_is=q&as_minm_is=0&as_miny_is=&as_maxm_is=0&as_maxy_is=&as_brr=3&as_pt=ALLTYPES&hl=pt-BR#PPA8,M1 Rifkin, 2000. p. 8]</ref> Baudelaire dizia que apesar de ele lutar por uma arte onde primasse a lógica, suas obras eram o produto de uma natureza profundamente sensual.<ref>[http://books.google.com/books?id=WEpc5tPgCU8C&pg=PA70&dq=ingres&lr=&as_drrb_is=q&as_minm_is=0&as_miny_is=&as_maxm_is=0&as_maxy_is=&as_brr=3&as_pt=ALLTYPES&hl=pt-BR In Boswell & Strickland, 1992. p. 70]</ref>
 
Henri Delaborde, escrevendo em 1870, o considerava uma encarnação de uma unidade absoluta e transcendental entre teoria e prática da arte.<ref name="Rifkin, 2000. p. 8"/> Quando Henri Lapauze organizou e publicou seus cadernos de notas e outros escritos, analisando o artista contra o pano de fundo do [[academismo]] francês, interpretou sua produção como sendo a fonte da modernidade francesa, opinião compartilhada com [[Edgar Degas]], um grande colecionador de suas pinturas.<ref>[http://books.google.com/books?id=Wq2-9QimPbkC&printsec=frontcover&dq=ingres&lr=&as_drrb_is=q&as_minm_is=0&as_miny_is=&as_maxm_is=0&as_maxy_is=&as_brr=3&as_pt=ALLTYPES&hl=pt-BR#PPA8,M1 Rifkin, 2000. pp. 8-9]</ref> No início do século XX, em plena efervescência do primeiro [[modernismo]], foi montada em Paris uma retrospectiva de Ingres, com destaque para ''[[O Banho turco (Ingres)|O banho turco]]'', que atraiu considerável atenção da crítica e do público. A exposição teve o efeito de consagrá-lo como um dos precursores do Modernismo, mesmo que a recuperação de seu trabalho tinha sido apenas parcial e seletiva, lendo obras como o ''[[O Mal de Antíoco (Ingres)|Antíoco]]'' e ''Joana d'Arc'' como irremediavelmente ultrapassadas, mas apreciando aspectos gerais como sua linha magistral, sua habilidade no retrato, a originalidade da sua construção anatômica, sua ênfase na beleza e a sensualidade de suas mulheres. Suas obras exerceram influência sobre o trabalho de Matisse, Picasso e [[André Derain|Derain]], entre outros mestres modernos. Mas a recepção não foi unânime, e [[André Gide]] foi um dos que deram voz ao grupo que considerava sua ressurreição como modelo da nova escola de pintura francesa um anacronismo e um absurdo, e enquanto louvava sua habilidade no desenho, o recordava como um dogmático reacionário.<ref name="Benjamin, 2001. pp. 94-104"/>
 
Mais recentemente a crítica tem continuado a tentar compreender a natureza paradoxal de sua arte e as discrepâncias entre seu discurso e sua prática, e têm reiterado seu papel influente para a pintura moderna. Robert Rosenblum o considerava um dos precursores da linguagem visual do século XX. Para René Longa ele era um mistério, um classicista que resistia à disciplina da doutrina e oferecia exemplos de rebeldia ditados unicamente pela inspiração, relegando a um lugar secundário o absolutismo da [[estética]].<ref>[http://books.google.com/books?id=Wq2-9QimPbkC&printsec=frontcover&dq=ingres&lr=&as_drrb_is=q&as_minm_is=0&as_miny_is=&as_maxm_is=0&as_maxy_is=&as_brr=3&as_pt=ALLTYPES&hl=pt-BR#PPA8,M1 In Rifkin, 2000. pp. 8-9]</ref> Uma conferência realizada em 2000 sob os auspícios da College Art Association em [[Nova Iorque]] fez um apelo por novos estudos que enfocassem as antinomias de seu estilo, desencadeando forte resposta dos pesquisadores, levando a uma renovação no modo de entender sua contribuição para a [[história da pintura]].<ref name="Siegfried, 2001. p. 1">[http://books.google.com/books?id=tYREo2Ie6HgC&pg=PA1&dq=ingres&lr=&as_drrb_is=q&as_minm_is=0&as_miny_is=&as_maxm_is=0&as_maxy_is=&as_brr=3&as_pt=ALLTYPES&hl=pt-BR#PPA1,M1 Siegfried, 2001. p. 1]</ref> Adrian Rifkin, Susan Siegfried, Andrew Shelton e Jorge Coli, seguindo uma tendência que se tornou mais ou menos consensual, vêem em sua obra uma síntese capaz de englobar uma grande diversidade interna, onde o classicismo fica sujeito aos caprichos do temperamento e a veneração pelos mestres do passado não leva à pura imitação, sem sucumbir aos apelos da moda, do lucro ou dos ditames das instituições artísticas oficiais, aspectos surpreendentes que forçam uma revisão do pensamento tradicional sobre as relações entre sua arte e seu contexto e abalam o conceito que historicamente se formou sobre ele ser um baluarte do Neoclassicismo. Apesar de ser inegavelmente um fruto do neoclassicismo e ver a si mesmo como um perpetuador dessa corrente, e não um inovador, seus desvios do cânone clássico foram repetidamente apontados pelos seus contemporâneos, e o ecletismo, liberdade e ambiguidades de seu estilo, sua constante busca de independência e seu inconformismo o tornam também um integrante típico da [[Pintura do romantismo|escola romântica de pintura]].<ref name="Siegfried, 2001. p. 1"/><ref>[http://books.google.com/books?id=veSn-tSofF0C&pg=PA1&dq=ingres&lr=&as_drrb_is=q&as_minm_is=0&as_miny_is=&as_maxm_is=0&as_maxy_is=&as_brr=3&as_pt=ALLTYPES&hl=pt-BR#PPA9,M1 Shelton, 2005. p. 9]</ref><ref>[http://books.google.com/books?id=Wq2-9QimPbkC&printsec=frontcover&dq=ingres&lr=&as_drrb_is=q&as_minm_is=0&as_miny_is=&as_maxm_is=0&as_maxy_is=&as_brr=3&as_pt=ALLTYPES&hl=pt-BR#PPA9,M1 Rifkin, 2000. pp. 9-10]</ref><ref>[http://books.google.com/books?id=8h5d6V2QD0YC&pg=RA1-PA275&dq=ingres&lr=&as_drrb_is=q&as_minm_is=0&as_miny_is=&as_maxm_is=0&as_maxy_is=&as_brr=3&as_pt=ALLTYPES&hl=pt-BR#PRA1-PA277,M1 Coli, 1994. pp. 15-18; 23-24; 27]</ref>