Quartodecimanismo: diferenças entre revisões

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Na [[era apostólica]] (durante a vida ou imediatamente após a morte dos [[apóstolos]]), a Páscoa era sempre celebrada no meio do mês judaico de Nisan. Por volta da metade do século II dC, a prática na [[província romana]] da [[Ásia (província romana)|Ásia]] era pelo jejum pré-Páscoa terminar na véspera do décimo-quarto dia de Nisan, o dia em que o sacrifício da ''[[Pessach]]'' já teria sido feito quando o [[Segundo Templo]] ainda existia e "o dia em que as pessoas se livravam do fermento" <ref name=p5>[[Polícrates de Éfeso]], numa carta ao [[Papa Vítor I]], citado em {{citar livro|nome=[[Eusébio de Cesareia]]|título=História Eclesiástica|url=http://www.newadvent.org/fathers/250105.htm|volume = V|capítulo=24|subtítulo=The Disagreement in Asia.|língua=inglês}}</ref> (os [[Judeus]], os judeus [[prosélito]]s e os [[judeo-cristão]]s). Nisan 14 em si era regularmente, ainda que de forma confusa, também chamado de ''Pessach''. Tecnicamente, ele é o dia da preparação para o festival de sete dias do "pão sem fermento", que começa em Nisan 15, hoje em dia também chamado de ''Pessach''. O costume asiático ficou conhecido como ''Quartodecimanismo'' entre os ocidentais latinos. [[Melito de Sardis]] foi talvez o mais notável dos quartodecimanistas.
 
A prática em outros lugares era continuar o jejum até a véspera do domingo seguinte, enquanto que quartodecimana permitia que a festa - sempre em Nisan 14 - poderia cair em qualquer dia da semana. Fora da [[Ásia (província romana)|Ásia romana]], os cristãos desejavam associar a Páscoa ao domingo, o dia em que Jesus teria [[ressurreição de Jesus|ressucitado]] da morte segundo os Evangelhos. e que já havia muito era considerado dia santo pela comunidade{{Ref label2|a}}. De acordo com os escritos de [[Ireneu de Lyon]] (m. [[circa|ca.]] 202 dC), a Igreja romana celebrava a Páscoa no domingo já no tempo do [[Papa Sisto I]] (115 - 125 dC).<ref name=p5/>.
 
Ireneu, que seguia o costume de festejar aos domingos, também afirmou, porém, que o bispo [[Policarpo de Esmirna|Policarpo]] (um discípulo do apóstolo [[João (evangelista)|João]] de [[Esmirna]] (ca. 69 - ca. 155 dC), na Ásia Menor, uma das [[sete igrejas da Ásia]], era um quartodecimano, celebrando a Páscoa em Nisan 14. Logo em seguida, [[Papa Aniceto|Aniceto]] se tornou [[bispo de Roma]] por volta de 155 dC e Policarpo visitou a cidade. Entre os tópicos discutidos entre eles estava esta divergência de costumes. Mas, notou Ireneu:
{{citação2|Aniceto não conseguiu persuadir Policarpo a deixar a observância [quartodecimana] alegando que ela sempre teria sido praticada por João, discípulo do Senhor e por outros [[apóstolo]]s com quem ele tinha conversado. Também Policarpo não foi capaz de persuadir Aniceto a observar o mesmo costume: Aniceto alegou que precisava seguir o costume dos anciãos antes dele.|[[História Eclesiástica (Eusébio)|História Eclesiástica]]|[[Eusébio de Cesareia]]<ref name = p5/>}}
 
Nem Policarpo e nem Aniceto foram capazes de persuadir um ao outro em suas posições, mas nenhum deles também considerou o assunto de importância suficiente para justificar um [[cisma]]. De fato, Ireneu relatou que "Aniceto cedeu a Policarpo durante a celebração da [[Eucaristia]], como forma de mostrar respeito". Aniceto e Policarpo partiram em paz, deixando, contudo, a questão sem solução.<ref name=p5/><ref>{{citar web|título=A List Worthy of Study, Given by the Historian, of Customs among Different Nations and Churches|url=http://www.ccel.org/ccel/schaff/npnf202.iii.xii.xix.html| acessodata = 08/10/10| língua = inglês| publicado = Christian Classics Library}}</ref>.
{{-}}
 
== A controvérsia no final do século II ==
{{artigo principal|Comemoração da Morte de Cristo}}
A diferença na prática se tornou uma controvérsia eclesiástica quando o [[Papa Vítor I|bispo de Roma Vítor]] tentou declarar a prática de celebrar no Nisan 14 [[heresia|herética]] e [[excomunhão|excomungar]] todos que a seguiam.<ref name=p5/>. Por conta disto, Ireneu e [[Polícrates de Éfeso]] escreveram para Vítor, o primeiro lembrando-o de seu predecessor, Aniceto, e sua postura mais tolerante, e Polícrates defendendo a prática asiática.
 
Polícrates ([[circa|ca.]] 190 dC) notou enfaticamente que ele seguia a tradição que lhe fora passada:
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Um sínodo palestino, sob a direção dos bispos [[Narciso de Jerusalém|Narciso]] e [[Teófilo de Cesareia|Teófilo]], emitiram ''"uma enorme revisão da tradição sobre a festa de Páscoa [começando na véspera do domingo] que tinha sido passada a eles, sem falhas, desde o tempo dos apóstolos"'', concluindo:
{{citação2|Empenhem-se também em enviar para o exterior cópias da nossa epístola para todas as igrejas, para que os que facilmente enganam suas almas não sejam capazes de nos culpar. Nós queríamos também, sabe, que em Alexandria também se observasse a festa no mesmo dia que nós mesmos. Pois as [[Cartas pascais|cartas pascais]] foram enviadas por nós para eles e deles para nós - de modo que nós observamos o dia sagrado em uníssono e juntos.|História Eclesiástica| Eusébio.<ref>[[Narciso de Jerusalém]], [[Teófilo de Cesareia]], [[Cássio de Tiro]], [[Claro de Ptolemais]] e outros citados em {{citar livro|nome=[[Eusébio de Cesareia]]|título=História Eclesiástica|url=http://www.newadvent.org/fathers/250105.htm|volume = V|capítulo=25|subtítulo=How All came to an Agreement respecting the Passover.|língua=inglês}}</ref>.}}
 
A excomunhão dos asiáticos por Vítor foi aparentemente revogada e os dois lados se reconciliaram como resultado das intervenções de Ireneu e de outros bispos:
{{citação2|Vítor, chefe da igreja de Roma, tentou em um único ato eliminar da unidade todas as [[diocese]]s asiáticas.... Mas esta não era a vontade de todos os bispos: eles responderam com um pedido para que ele voltasse sua mente para coisas que fomentassem a paz e a unidade e o amor para com os seus vizinhos. Nós ainda temos conosco as palavras destes homens que, de maneira veemente, refutaram Vítor.<ref name = p5/>.}}
 
No final, um método uniforme de computar a data da Páscoa não foi formalmente proposto até o [[Primeiro Concílio de Niceia]], em 325 dC.
 
== Legado ==
Não se sabe quanto tempo a prática do Nisan 14 durou. Actualmente ainda o grupo religioso, Testemunhas de Jeová continuam a celebrar a morte de Jesus no dia 14 de Nisã. O historiador da igreja [[Sócrates Escolástico]] conhecia quartodecimanos que foram privados de suas igrejas por [[São João Crisóstomo|João Crisóstomo]] por causa disso<ref>{{citar livro |autor=[[Sócrates Escolástico]]| título=História Eclesiástica| volume=VI|capítulo=11|subtítulo=Of Severian and Antiochus: their Disagreement from John. |url=http://www.newadvent.org/fathers/26014.htm|língua=inglês}}</ref> e que foram intimidados de maneira não especificada por [[Nestório]],<ref>{{citar livro |autor=[[Sócrates Escolástico]]| título=História Eclesiástica| volume=VII|capítulo=29|subtítulo=Nestorius of Antioch promoted to the See of Constantinople. His Persecution of the Heretics. |url=http://www.newadvent.org/fathers/26017.htm|língua=inglês}}</ref>, ambos [[Patriarca Ecumênico de Constantinopla|bispos de Constantinopla]]. Isso indica que a prática do Nisan 14, ou uma prática de mesmo nome, durou pelo menos até o século IV dC.
 
Por ter sido esta a primeira [[Controvérsia da Páscoa|controvérsia sobre a Páscoa]], ela teve uma forte influência sobre o pensamento das gerações posteriores. [[Wilfredo]], o bispo de [[York]] do século VII dC na [[Nortúmbria]], chamou seus oponentes na controvérsia de seu tempo (sobre a Páscoa, mas por outro motivo) de "quartodecimanos" ,<ref>{{citar livro|nome=Eddius|sobrenome= Stephanus| subtítulo = Life of Wilfrid| capítulo = 12| título = The Age of Bede| editora = Penguin| local= Londres | ano = 1988| páginas = 117-118| língua = inglês}}</ref>, ainda que eles celebrassem a Páscoa no domingo. Muitos estudiosos dos séculos XIX e XX acreditavam que a disputa sobre a Páscoa que tinha sido discutida em [[Primeiro Concílio de Niceia|Niceia]] fora entre as celebrações no Nisan 14 e no domingo.<ref>{{citar livro|sobrenome=Jones| nome = Charles W.| título = Bedae Opera de Tempribus| editora = Medieval Academy of America| local = Cambridge| ano = 1943| páginas = 18| língua = inglês}}</ref>. Uma nova tradução da ''"[[Vida de Constantino]]"'', de Eusébio, sugere que este ponto de vista não é mais amplamente aceito,<ref>{{citar livro|autor = Cameron, Averil, and Hall, Stuart G., eds| título = Eusebius: Life of Constantine| editora = Clarendon Press| local = Oxford| ano = 1999| páginas = 260| língua = inglês}}.</ref>, defendendo que a disputa em Niceia era entre duas escolas que defendiam a observância da festa aos domingos: os que seguiam a tradição original de seguir os sábios judeus na determinação do [[mês lunar]] em que a Páscoa cairia e os que desejavam demarcá-la com base nas computações puramente cristãs.
 
== O caráter escatólogico da celebração quartodecimana da Páscoa ==
Em seu estudo ''The Eucharistic Words of Jesus'' (sem tradução para o português), o estudioso das escrituras [[luterano]] [[Joachim Jeremias]] propôs um forte argumento de que os quartodecimanos preservavam o entendimento e a característica original da comemoração da Páscoa / ''Pessach''. Ele afirma que na tradição judaica, quatro grandes temas estão associados com a ''Pessach'':a [[Gênesis|criação do mundo]] (segundo os cristãos), o [[Akedah]] - o sacrifício de [[Isaac]], a [[Livro do Êxodo|redenção de Israel do Egito]] (tanto a ''passagem'' do primogênito durante a refeição da ''Pessach'' quanto a ''passagem'' de Israel pelo Mar Vermelho) e a vinda do [[Messias]] (anunciada pelo profeta [[Elias (profeta)|Elias]]). Para os cristãos, os eventos centrais do [[mistério da Páscoa]] de Cristo, ou seja, sua [[paixão de Cristo|paixão]], morte e ressurreição também estão obviamente relacionados à ''Pessach''. Assim, era inevitável que os primeiros cristãos também esperassem que a iminente [[segunda vinda de Cristo]] também ocorresse durante as celebrações da Páscoa/''Pessach''. Jeremias afirma que os quartodecimanos começavam suas celebrações pelas leituras apropriadas das [[Tanakh|escrituras judaicas]], ou seja, as doze leituras do [[Antigo Testamento]] que ainda são lidas na [[vigília pascal]] na [[Igreja católica]], [[Igreja ortodoxa]] e nas [[Igreja armênia|tradições armênias]]. À meia-noite, quando Cristo não tinha reaparecido para inaugurar o banquete [[escatologia|escatológico]], os cristãos celebrariam a Eucaristia pascal antecipando o ato final do drama de redenção de Cristo. Como este fervor escatológico original começou a esmorecer a cristandade passou a ser cada vez mais um movimento [[gentio]], esta orientação original escatológica da Páscoa começou a se perder. Adicionalmente, com a popularização da prática do batismo ([[catecúmeno]]s) durante as doze leituras para que os novatos pudessem desfrutar da Eucaristia pela primeira vez com a comunidade cristã no final da vigília de Páscoa, os temas batismais passaram a dominar os temas da vigília, exatamente como aconteceu nas igrejas que voltaram novamente a batizar seus membros adultos durante a vigília de Páscoa.
 
Alguns dos maiores estudiosos litúrgicos, como [[Louis Bouyer]] e [[Alexander Schmemann]], concordam essencialmente com a posição de Jeremias e basta examinarmos os textos litúrgicos cristãos para vermos evidências disto. Como exemplo, o prefácio da Eucaristia durante a vigília de Páscoa nas tradições romana, luterana e [[Igreja Anglicana|anglicana]]/[[Igreja Episcopal|episcopaliana]] atestam: ''"... na noite em que Cristo se tornou o nosso sacrifício pascal"'' ou na ''[[troparion]]'' (um hino curto) da [[Igreja Ortodoxa]] para a grande e sagrada segunda, terça e quarta, que avisam a comunidade cristã: ''"Vejam que o noivo chega no meio da noite e abençoados são os servos que ele encontra acordados..."''. Em resumo, ninguém sabe quando Cristo irá aparecer para o [[Juízo final]], mas dado outros grandes eventos que ocorreram durante a Páscoa/''Pessach'', os primeiros cristãos assumiram que Cristo iria provavelmente aparecer durante a Eucaristia pascal, assim como ele primeiro apareceu para seus primeiros discípulos durante a refeição do primeiro domingo de Páscoa.<ref>A epístola lida no domingo de Páscoa nas tradições litúrgicas romana, luterana e anglicana/episcopaliana é {{citar bíblia|livro= Atos| capítulo = 10| verso =34|verso_final = 43}}, que diz que ''"A este ressuscitou Deus ao terceiro dia, e concedeu que fosse ele manifesto,
não a todo o povo, mas às testemunhas que Deus tinha antes escolhido, a nós que comemos e bebemos com ele, depois que ressurgiu dentre os mortos;"'', ou seja, a primeira Eucaristia de Páscoa estava intimamente ligada àquela aparição durante o primeiro domingo de Páscoa.</ref>.
 
== {{Ver também}}==
* [[Cristianismo céltico]]
* [[Rito céltico]]
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{{Referências}}
 
== {{Ligações externas}} ==
* {{citar web|url= http://www.kerux.com/documents/KeruxV4N1A1.asp| pbulicado = kerux.com|título = Homilia de Melito sobre a Páscoa, também chamada de ''Peri Pascha''| acessodata= 08/10/10| língua = inglês}}
* {{1913CE|Easter Controversy}}