A República: diferenças entre revisões

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A República usa uma argumentação dialética. O pensamento dialético caracteriza-se por apreender a realidade à luz de posições contraditórias, uma das quais acaba por ser compreendida como verdadeira e a outra falsa. A imagem correspondente é a do confronto entre [[luz]], [[sol]], [[claridade]] e [[escuridão|trevas]], [[escuridão]] e [[caverna]]. A dialéctica ascendente apresenta a ideia por confronto com os pontos de partida empíricos; a dialéctica descendente verifica a corrupção da ideia devido à sua incorporação numa situação empírica. É particularmente interessante notar como as ideias do livro viriam a influenciar os autores posteriores.
 
== A alma ==
O filósofo propõe que a alma do homem está dividida em três faculdades a saber, apetitiva, irascível e a racional. A primeira, dirige o homem em direção às suas necessidades relacionadas à conservação do corpo e a reprodução da espécie, a segunda dá origem a sentimentos como a fúria, a coragem, movendo o homem em direção a proteção do corpo, a terceira e última, é a parcela divina da alma, a qual é condição de possibilidade para reflexão e conhecimento. Tendo em vista que Platão faz um paralelo entre a alma do homem e a cidade, o filósofo vai se inspirar nela para dividir a pólis em diferentes classes sociais.
 
== Os regimes políticos ==
Não há como compreender a reflexão de Platão quanto aos regimes políticos sem realizarmos um esforço de interconectar sua visão epistemológica (teoria do conhecimento), sua psicologia e, é claro, seus conceitos ético-políticos desenvolvidos tanto no diálogo em questão quanto em outros textos do filósofo. Logo, é necessário compreender, de antemão, alguns conceitos e ideias fundamentais que parecem guiar ou servir de paradigma no pensamento platônico. Dito isso, devemos ter em mente que o filósofo ateniense irá elencar, no campo da Política e no estudo dos regimes políticos, o conhecimento (epistéme) como base que servirá de fundamento para qualquer ação humana, sobretudo as ações políticas e a prática da Justiça (dikaiosýne).
 
Ora, na República, Platão assumirá a postura intelectualista de Sócrates que considerava o conhecimento como guia das ações humanas,<ref>{{citar periódico|ultimo=OLIVEIRA|primeiro=R. R.|data=2014|titulo=Platão e a questão da democracia na República|jornal=Revista de Estudos Filosóficos|url=http://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/revistaestudosfilosoficos/art3%20rev12.pdf|acessadoem=28/07/2017}}</ref>, isto é, na visão socrática, só haveria verdadeira Justiça e verdadeira Excelência (areté) mediante a orientação cognitiva do [[Logos|Lógos]]. Na República, a busca pela compreensão da ideia de Justiça e de Virtude (ou Excelência), levará Platão a explorar e investigar os tipos de personalidade e de regimes políticos onde a Justiça e a injustiça se apresentariam conforme sua estrutura interna fundamental. Ora, comparando e estabelecendo um paralelo entre indivíduo e cidade (pólis), o filósofo ateniense estabelecerá as características da alma desses indivíduos (estabelecendo uma análise psicológica) e dos tipos de regimes conhecidos da época e suas degenerações (ou vicissitudes), a saber: a) Aristocracia – Timocracia, b) Oligarquia ou Plutocracia, c) Democracia e d) Tirania (o pior regime entre todos)
 
Platão, na República, não estabelece uma relação temporal (ou linear) histórica para o surgimento e sucessão desses regimes, mas, no lugar disso, estabelece a sucessão conceitual e arquetípica de cada um, elencando os motivos psicológicos e educacionais (utilizando também uma espécie de ciência política) que levariam a um regime se degenerar no outro. Para isso, Platão, no início de sua exposição acerca dos regimes, evoca o passado Homérico da Grécia, afirmando que o primeiro tipo de regime era o aristocrático, cuja vicissitude levaria aos chefes de estado e seus líderes a perseguirem não as virtudes e a justiça em si, mas sim as honrarias e prestígios, portanto esse regime se corrompe pelo amor de seus governantes às honrarias (sobretudo as militares) se tornando uma Timocracia, a qual desemboca em uma nova corrupção, agora as honras são deixadas de lado e os governantes passam a nutrir um amor maior às riquezas e posses materiais, dando origem ao regime conhecido como Oligarquia ou Plutocracia, aumentando, dessa forma, a patologia da Pólis que, enferma, se vê separada entre pobres e ricos, o que, segundo Platão, levaria à multidão a tomar a força o poder, instalando um novo e mais degenerado regime, o chamado democrático, estabelecendo um igualitarismo radical, solapando qualquer tipo de hierarquia e respeito, seja de filhos em relação aos pais, dos discípulos em relação aos mestres, dos mais jovens para com os idosos, cada cidadão dará prioridade a seus próprios desejos, caindo num individualismo radical; tal é a visão fundamentalmente crítica e pessimista do filósofo. 
 
Ora, sendo a democracia, o regime do poder das massas e do igualitarismo anômico, se instauraria um período de licenciosidade e busca irracional e excessiva pelo prazer, o que não era possível para o povo nos outros regimes. Para não sermos injustos com Platão, é prudente saber que a democracia histórica vivida pelo filósofo em Atenas pouco se aproxima do modelo que temos atualmente,<ref>{{citar livro|título=Democracia Antiga e Moderna|ultimo=FINLEY|primeiro=M.I.|editora=Graal|ano=1988|local=Rio de Janeiro|acessodata=}}</ref>, isto é, compreender a visão que o filósofo tinha da democracia requer que reconheçamos que essa mesma democracia grega tinha como características a eleição através da sorte (permitido que indivíduos ignorantes e amadores quanto a questões do estado pudessem tomar decisões significativas na direção da ''pólis'') e que foi esse mesmo regime democrático que levou Sócrates, seu mestre, à condenação e à morte.<ref>{{citar livro|título=Apologia de Sócrates|ultimo=BINI|primeiro=Edson|editora=EDIPRO|ano=2011|local=São Paulo|acessodata=}}</ref>. Platão chega mesmo a comparar a democracia com uma imagem de um barco ou um navio cujos marinheiros resolvem alijar o capitão de seu posto e decidem pilotar a nau sem qualquer experiência, perícia ou conhecimento da arte de navegar . Outro exemplo recorrente é o da medicina e da arte médica; Platão utilizará os exemplos das artes técnicas ([[Técnica|Technai]]) para justificar a Sofocracia como o modelo ideal de ordem, tanto no campo da vida prática e mundana quanto na política e as questões sociais. Não é à toa que o filósofo ficou conhecido nesse campo pela famosa teoria do governante filósofo, o qual, por natureza e essência, seria o mais apto, por conta de sua [[Frônese|Phrônesis]], a ordenar tanto a si mesmo quanto a Pólis.
 
As consequências do modo de vida anômico do regime democrático são tão insuportáveis que, segundo Platão, levariam a um clamor desse mesmo povo (''Demos)'' por um governo Tirânico ou Despótico, encarnado na figura de um líder que governasse com mão-de-ferro, restabelecendo a antiga ordem e harmonia. Platão vai, então, condenar não apenas o regime democrático, mas também (e sobretudo) a Tirania, que, longe de restabelecer a saúde da Pólis, a escravizará, pois é da natureza mesma da alma do tirano não possuir freios morais, sendo ele mesmo um escravo dos próprios desejos e paixões, não sendo nem capaz de governar a si quanto a própria Cidade. Essa corrupção se dá na medida em que os governantes (e cidadãos) abandonam a busca pelo bem comum ''pólis'', dando prioridade às demais faculdades da alma em detrimento da racionalidade. Essa característica fica cada vez mais evidente em cada estágio de degradação do estado.