Concorrência (economia): diferenças entre revisões

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m Criação de um verbete extra relacionado às abordagens críticas, como de caráter sociológico ou antropológico, do conceito de concorrência.
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* Nacionalizações: concentração numa empresa estatal de várias empresas do ramo;
* Impossibilidade de duplicação de custos fixos: quando a natureza da actividade inviabiliza que haja mais de uma empresa a fornecer um bem ou serviço, caso referido a montante como monopólio natural;
 
== Abordagens críticas sobre o conceito de concorrência ==
 
'''Introdução'''
 
Um dos pontos centrais do sistema capitalista, a concorrência é um assunto extremamente ambíguo devido aos diversos possíveis vieses de análise. O senso comum tende a dividir o tema em dois macro grupos: a concorrência perfeita, um mero parâmetro analiítico e normativo em que nunca fora posta em prática de fato, e o pensamento simplista de que um benefício público é gerado a partir da concorrência entre particulares.
 
A partir destas visões, o próprio conceito de concorrência é tido como algo natural, como se existisse sem a própria presença do ser humano. Desse modo, faz-se necessário expandir a análise do tema, na tentativa evitar tamanha naturalização desse processo social tão fundamental para a continuidade do modelo econômico vigente.
 
Deve-se entender que as abordagens sociológica e antropológica que serão debatidas no texto a seguir não possuem a ambição de tornar-se verdades absolutas sobre o conceito de concorrência. Tanto a abordagem tradicional, de caráter jurídico-econômica, quanto às abordagens alternativas propostas devem servir como complementos umas das outras.    
 
'''Uma abordagem sociológica da concorrência'''
 
O conceito de concorrência, diferente do que é pregado pelo pensamento neoclássico, possui um caráter mutável no decorrer dos anos. Usando uma tipologia marxista, elementos da superestrutura influenciam diretamente certos aspectos da estrutura. Desse modo, os mercados (e como consequência, a concorrência) não se originam de maneira espontânea no meio inserido, mas sim ''“o resultado  de um conjunto  não coordenado de  decisões institucionais  (políticas, jurídicas, econômicas),  de relações pessoais e culturais que  sofrem e veiculam as contingências da  história”'' (STEINER, Philippe - A sociologia econômica - pág 75).
 
Um autor cujo estudos exemplificam bem tal visão é o norte-americano Neil Fligstein. Para Fligstein, a concepção de concorrência nos Estados Unidos da América passou por diversas mudanças durante a Idade Contemporânea, muito devido ao fato de que a ideia de um ambiente concorrencial ser atrelada a uma espécie de fonte de perigos para a classe capitalista. Seguindo tal pensamento, pode-se observar cinco grandes mudanças no ideário de como a concorrência deve ser manipulada.
 
A primeira delas, a mais primitiva, é o controle direto das firmas rivais. Em outras palavras, seria uma espécie de competição predatória em que as empresas tomam decisões agressivas como dificultar o acesso a matérias primas, preço abaixo do custo variável médio (preço predatório), entre outras atitudes. Desse modo, empresas firmavam acordos visando a divisão igualitária de territórios de venda, cotas de produção e combinação de preços.  O modelo em questão apresentou se esgotamento a partir do final do século XIX, com leis antitruste que impediam tal comportamento, sendo a mais famosa o Sherman Act (1890).
 
O Sherman Act, apesar de ter sido uma lei que restringia as possíveis ações das empresas, abriu certas brechas para que conglomerados pudessem agir em prol de futuros atos de concentração. Fatores flexibilizados como leis trabalhistas e a desburocratização de fusões e aquisições, possibilitaram a implementação da próxima tendência de acordo com Fligstein. A organização vertical, onde as empresas integravam fornecedores e firmas clientes na tentativa de reduzir a incerteza presente nos mercados. Tornou-se uma tendência durante a década de 1920, porém entrou em colapso por volta da Crise de 1929, já que como os preços eram definidos pela produção em si, o market share das empresas passou a ser comprometido.
 
Já no período pós-Segunda Guerra Mundial, com a Era Dourada do Capitalismo, o foco passou para o controle em termos de venda e marketing. A ideia era que a fidelização da clientela evitaria a concorrência direta por meio dos preços. Seu limite é marcado pelo Celler-Kefauver Act (1950), onde foram cobertas brechas em relação à aquisição de ativos e de companhias de setores diferentes. Dada a crise do sistema de Welfare State com os choques do petróleo na década de 1970, a economia mundial fora introduzida a um contexto muito mais financeirizado de produção globalizada. Desse modo, a quarta tendência, chamada de “divisão produto”, ''“o crescimento  se dá em cima  dos produtos de margem  elevada e é mais cômodo  comprar firmas ativas em dada  gama de produtos. Ferramentas financeiras  tornam-se essenciais para a avaliação do de­sempenho  da firma multidimensional e os serviços financeiros tomam  a dianteira dos serviços de marketing na firma”'' (STEINER, Philippe - A Sociologia Econômica - pág 73)''.''
 
Fligstein finaliza sua classificação das diferentes tendências concorrenciais nos Estados Unidos afirmando que estaríamos presenciando a ascensão de um novo rumo neste âmbito, onde o controle da concorrência se efetivaria por meio de acionistas. Contudo, por estarmos vivendo no mesmo, torna-se difícil listar suas características antes do seu término de fato.
 
'''Uma abordagem antropológica da concorrência'''
 
Para além dos elementos sociológicos contidos em concepções críticas em relação ao conceito, destacam-se também as possibilidades antropológicas de observação e abordagem das ideias de competição e concorrência no seio do capitalismo moderno. Autores como o brasileiro Gustavo Onto e a norte-americana Annelise Riles são parte fundamental deste viés de análise, buscando pontes e correlações entre as estruturas jurídicas e econômicas tradicionais de regulação do ambiente de concorrência e a realidade pessoal, íntima e informal das relações humanas e sociais envolvidas nestes espaços. Estes diferentes tipos de estruturas hierárquicas, técnicas e sociais (uma pautada pela tecnicalidade dos especialistas e das regras constituídas e formalizadas por meio da combinação entre arcabouços jurídicos e econômicos e outra construída a partir do convívio social e o desenvolvimento de dinâmicas sociais e simbólicas entre os indivíduos) acabam por emaranhar-se, muitas vezes borrando as fronteiras entre análise técnica e experiência pessoal no processo de desenvolvimento das ferramentas que ajudam a regular o ambiente concorrencial.
 
Este panorama de percepção que entende a concorrência como também parte de um profundo sistema de relações humanas e sociais pode ser observado a partir de pesquisas como a do antropólogo Gustavo Onto, que em seu artigo ‘O mercado na análise antitruste: reflexões de antropologia do conhecimento’, busca entender a lógica interna à coordenação do processo concorrencial no Brasil a partir da atuação dos profissionais ligados ao CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), autarquia responsável pela regulação antitruste no país. Em sua pesquisa, o autor busca entender como a complexa atuação da entidade -- responsável por interpretar e aportar sobre possíveis fusões ou ações econômicas que possam ameaçar a concorrência em território brasileiro -- pauta-se muitas vezes em esferas e espaços para além dos tipicamente entendidos como de sua alçada, desenvolvendo análises e iniciativas a partir de experiências de caráter íntimo ou de vivência pessoal dos indivíduos que atuam ou já relacionaram-se com determinadas situações caras a certos contextos de investigação.
 
Cenários como a fusão de laboratórios e hospitais especializados no tratamento ao câncer no Rio de Janeiro são avaliados não apenas pelas estruturas jurídicas tradicionais, mas também pelas experiências vividas por técnicos que já tiveram familiares ou amigos internados em situações ligadas à área de atuação de tais clínicas e, portanto, que experienciaram em primeira mão parte das consequências econômicas, pessoais e sociais do cenário de concentração ou não de tal nicho de mercado. Deste modo, decisões que se tomadas tendo como base apenas o aparato jurídico típico manteriam-se bastante deslocadas da realidade social daqueles que usufruem diretamente de tal mercado, passam a ser profundamente pautadas pela relação pessoal desenvolvida entre experts da autarquia a partir do conjunto de experiências e convívios divididos pelos mesmos com relação ao objeto da necessidade de regulamentação e controle -- como no caso supracitado das clínicas oncológicas cariocas.
 
Outra experiência bastante interessante relacionando a realidade técnica do aparato jurídico e econômico à conformação de novas formas de regulamentação, controle e estrutura social a partir das relações pessoais é a estudada pela também antropóloga Annelise Riles, de origem estadunidense. Em sua análise etnográfica, a pesquisadora desenvolve uma tese sobre o desenvolvimento do papel das ferramentas jurídicas em paralelo ao mercado financeiro a partir da lógica de sua existência colateral ao espaço das finanças e ao mundo constituído pelo método e fundamentação típicas da realidade acelerada e baseada em resultados de tal ambiente. O debate desenvolvido pela autora insere-se tanto na perspectiva de uma nova abordagem de tal problemática a partir de uma pesquisa etnográfica de tais espaços, como também como contraposição a duas avaliações -- tipicamente constituídas -- relacionadas ao mercado financeiro. Ainda que não relacionado diretamente ao tema de concorrência, é notável como a pesquisa de Riles aponta no mesmo sentido anteriormente exposto no que toca a construção de relações pessoais -- alheias às estruturas tipicamente marcadas pela dureza e rigidez dos códigos jurídicos e/ou econômicos -- na conformação de normas de caráter plural, que acabam por reger o aparato concorrencial a partir do âmbito de acordos firmados não no campo legal, mas sim no campo dos laços, da intimidade e das relações humanas.
 
'''Considerações finais'''
 
Em suma, é essencial ressaltar -- como já colocado no início da exposição -- que tais abordagens não se desenvolvam como formas simplesmente constituídas em oposição às conceituações clássicas da esfera econômica e jurídica de entendimento do ambiente e da problemática da concorrência. Tais perspectivas existem sim em um contexto de alternativas e ferramentas capazes de ajudar a aprofundar ainda mais -- atuando em paralelo a conceitos já consagrados -- as diversas análises que se aprofundam na discussão do tema em um ambiente internacional e social cada vez mais marcado por problemas de fundamentação ainda mais complexa, como a necessidade da regulamentação concorrencial a partir da crise econômica de 2008 ou o surgimento de tribunais privados de arbitragem que coordenam corporações e a iniciativa privada com pouca ou nenhuma interferência do poder público. Deste modo, cada vez mais abordagens que ajudem a aprofundar as discussões demonstram-se não apenas bem-vindas como fundamentais no enfrentamento de novos desafios e problemáticas colocadas ao capitalismo contemporâneo e uma de suas principais e mais importantes instituições estruturais -- a competição.
 
== Ver também ==