João Calvino: diferenças entre revisões
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'''João Calvino''' ([[Noyon]], {{dtlink|lang=br|10|7|1509}} — [[Genebra]], {{dtlink|lang=br|27|5|1564}}) foi um [[Teologia|teólogo]] [[cristianismo|cristão]] [[frança|francês]]. Calvino teve uma influência muito grande durante a [[Reforma Protestante]], que continua até hoje. Portanto, a forma de [[protestantismo]] que ele ensinou e viveu é conhecida por alguns pelo nome [[calvinismo]], embora o próprio Calvino tivesse repudiado contundentemente este apelido. Esta variante do protestantismo viria a ser bem sucedida em países como a [[Suíça]] (país de origem), [[Países Baixos]], [[África do Sul]] (entre os [[Bôeres|africânderes]]), [[Inglaterra]], [[Escócia]] e [[Estados Unidos]].
Nascido na [[Picardia]], ao norte da França, foi [[baptismo|batizado]] com o [[nome]] de ''Jehan Cauvin''. A tradução do [[sobrenome|apelido de família]] "Cauvin" para o [[latim]] ''Calvinus'' deu a origem ao nome "Calvino", pelo qual se tornou conhecido.
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[[Martinho Lutero]] escreveu as suas [[95 teses]] em 1517, quando Calvino tinha oito anos de idade. Para muitos historiadores, Calvino terá sido para o povo de [[língua francesa]] aquilo que Lutero foi para o povo de [[língua alemã]] - uma figura quase paternal. Lutero era dotado de uma retórica mais direta, por vezes grosseira, enquanto que Calvino tinha um estilo de pensamento mais refinado e geométrico, quase de filigrana.
Segundo Bernard Cottret, biógrafo francês de Calvino: "''Quando se observa estes dois homens podia-se dizer que cada um deles se insere já num imaginário nacional: Lutero o defensor das liberdades germânicas, o qual se dirige com palavras arrojadas aos senhores feudais da nação alemã; Calvino, o filósofo pré-[[Descartes|cartesiano]], precursor da língua francesa, de uma severidade clássica, que se identifica pela clareza do estilo''".<ref name=cottret>{{Citar livro| autor = Cottret, Bernard |título=Calvin: A Biography | editora=Wm. B. Eerdmans | ano=2000 | local = Grand Rapids, Michigan| id = 0-8028-3159-1|url=http://books.google.com/books?id=oDzeEavHUuMC}} ''Traduzido para o inglês do original Calvin: Biographie, Edição de Jean-Claude Lattès, 1995.''</ref>
== Biografia ==
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O avô de João Calvino morava nas proximidades de [[Noyon]]. Teve três filhos: Richard, que foi serralheiro e se instalou em Paris, Jacques, igualmente serralheiro e, finalmente, Gérard Cauvin, pai de João Calvino, que foi aquele que talvez mais se destacou dos três, tendo feito carreira em Noyon como funcionário administrativo.
Gérard Cauvin estabeleceu-se em Noyon em 1481. Foi inicialmente notário da catedral. Seria, depois, representante do bispado de
A mãe de Calvino, Jeanne Le Franc, de seu nome de solteira, era filha de um dono de uma hospedaria em Cambrai, que tinha enriquecido. Jeanne faleceu em 1515, quando João Calvino tinha apenas 6 anos de idade.<ref name="ReferenceA">{{citar web |url=http://www.mackenzie.br/15913.html |publicado=Portal Mackenzie|titulo=João Calvino - Cronologia |acessodata=31 de março de 2010 |autor=Alderi Souza de Matos}}</ref>
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Haveria ainda duas irmãs, que nasceram do segundo casamento de Gérard. Uma chamou-se Marie (Maria) e iria também viver em [[Genebra]]. Da outra irmã sabe-se pouco.
João Calvino nasceu em 10 de julho de 1509, nos últimos anos do reinado de [[Luís XII de França|Luís XII]]. Frequentou inicialmente o "''Collège des Capettes''" em Nyon, onde adquiriu conhecimentos básicos de [[latim]].
Em 1 de janeiro de 1515 o rei [[Francisco I de França]] (''François, roi des français''), sucedeu a Luís XII. Inicialmente moderado em matéria de religião, a postura deste rei foi endurecendo ao longo do seu reinado, terminando na perseguição declarada aos protestantes.
Pela [[Concordata de Bolonha]], assinada no início do seu reinado, o [[papa Leão X]] concedia ao rei da França o direito a nomear os titulares dos rendimentos da
=== Transferência a Paris ===
Em 1521, com doze anos, João Calvino ganhou o direito a uma "''benefice''", ou seja, um rendimento anual que era concedido a elementos e familiares da hierarquia da
Em 1521 ou 1523 (data incerta) o pai enviou-o a [[Paris]]. Terá provavelmente vivido inicialmente com o tio Richard, na zona de Sain-Germain-l'Auxerrois. Calvino começou por frequentar o Collège de la Marche, onde foi aluno de [[Maturin Cordier]], um grande pedagogo do tempo. Estabeleceu, aí, amizade com as crianças da família d'Hangest, do bispo de Noyon, que se assumia, de certa forma, como protector da família Cauvin. Os seus amigos eram Joachin (Joaquim), Yves (Ivo) e Claude (Cláudio), a quem mais tarde dedicaria o seu comentário a "De Clementia" de [[Séneca]], um autor conhecido pelo seu [[estoicismo]].
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=== Vida em Orleães ===
Em 1529, pouco antes de atingir os vinte anos de idade, a vida de Calvino sofreu uma súbita viragem. Vindo inicialmente para Paris com uma renda anual concedida pela Igreja, com o fim de estudar Teologia, soube que o pai havia mudado de planos em relação ao seu futuro e queria então que ele seguisse com estudos de Direito. A "''ciência das leis torna normalmente ricos aqueles que se debatem com ela''", referia o seu pai (ele próprio um advogado do bispado), segundo as próprias palavras de Calvino.
Cumpriu a vontade do pai e foi estudar Direito em [[Orleães]], mas nunca deixou de preferir a teologia. Como disse mais tarde: "''Se Deus me deu forças para que eu cumprisse a vontade de meu pai, determinou ele pela providência oculta que eu tomasse finalmente um outro caminho''" (o da Teologia).
Inicialmente Calvino preparava-se para ser padre, enveredaria pelo estudo do Direito, mas acreditava que Deus o havia trazido de novo ao caminho da Teologia.
O biógrafo francês de Calvino, Bernard Cottret, escreveu: "''Direito e leis: Calvino, o teólogo, é no fim, também, Calvino, o jurista. O seu pensamento fica marcado pela austeridade, a adstringência e a geometria da lei, pelo seu fascínio ou aspiração a ela. No início do {{séc|XVI}} assiste-se no Direito a uma verdadeira revolução. A retórica de [[Cícero]] tomou a primazia sobre a filosofia medieval, que se sustentava nos seus silogismos. Com a interpretação de textos jurídicos, Calvino tomou contacto pela primeira vez com a Filologia humanista''". O [[humanismo]] e o [[renascimento]] são, pois, os movimentos culturais que o influenciaram em primeiro lugar.<ref name=cottret />
Em [[Orleães]], Calvino foi influenciado pelo seu professor [[Pierre de l'Estoile]].
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[[Imagem:Holbein-erasmus2.jpg|thumb|180px|O humanista [[Erasmo de Roterdão]] também se interessou pela obra de [[Séneca]].]]
Em 1532, foi doutorado em Direito em Orleães. O seu primeiro trabalho publicado foi um comentário sobre o texto do filósofo romano [[Séneca]] ''"De Clementia"''.<ref name="ReferenceC"/> Calvino cobriu os custos da publicação do livro com dinheiro do seu próprio bolso. Aos 23 anos era já um famoso humanista, seguindo os passos de [[Erasmo de Roterdão]], que também escreveu sobre Séneca nestes anos. Em "''De Clementia''" não há da parte de Calvino uma alusão explicitamente religiosa. É antes uma obra que reflecte o [[estoicismo]] de Séneca e a predestinação no sentido estoico. Séneca escrevera o texto como forma de apelar [[Nero]] à moderação e à razão.
Até 1532 não há, como se viu, qualquer indício de que Calvino tenha aderido à nova fé - nos seus diferentes focos e graus que surgem pela Europa - onde o [[luteranismo]] surge como um movimento mais moderado e os [[anabaptistas]] como uma força mais radical.
A conversão de Calvino ao protestantismo permanece envolta em mistério. Sabe-se apenas que ela se deu entre 1532 e 1533 (Calvino tem 23 ou 24 anos). Um texto escrito por Calvino em 1557 como prefácio ao seu comentário sobre os [[
: ''"Após tomar conhecimento da verdadeira fé e de lhe ter tomado o gosto, apossou-se de mim um tal zelo e vontade de avançar mais profundamente, de tal modo que apesar de eu não ter prescindido dos outros estudos, passei a ocupar-me menos com eles. Fiquei estupefacto, quando antes mesmo do fim do ano, todos aqueles que desejavam conhecer a verdadeira fé me procuravam e queriam aprender comigo - eu, que ainda estava apenas no início! Pela minha parte, por natureza algo tímido, sempre preferi o sossego e permanecer discreto, de modo que comecei a procurar um pequeno refúgio que me permitisse recolher dos Homens. Mas, pelo contrário, todos os meus refúgios se tornavam em escolas públicas. Em resumo, apesar de eu sempre ter pretendido viver incógnito, Deus guiou-me por tais caminhos, onde não encontrei sossego, até que ele me puxou para a luz forte, contrariando o meu carácter, e como se costuma dizer, me colocou em jogo. E, na verdade, deixei a França e dirigi-me para a Alemanha para que ali pudesse viver em local desconhecido, incógnito, como sempre tinha desejado."''
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Note-se que a [[França]] e [[Alemanha]] não existiam no sentido de hoje, como estados, mas sim em termos de zonas de língua francesa ou alemã.
Entretanto, o [[papa Clemente VII]] pressionava o rei de França a reprimir os protestantes franceses. Em [[Bula papal|bulas]] de 30 de agosto de 1533 e de 10 de novembro do mesmo ano, o papa exortava à "''aniquilação da heresia luterana e de outras seitas que ganham influência neste reino''". Os dois encontraram-se, então, nesse mesmo ano, em [[Marselha]], onde discutiram entre outras coisas a "''guerra contra os turcos, lá fora, e a repressão das heresias cá dentro''".
=== O discurso de Nicolas Cop ===
[[Imagem:John Calvin - Young.jpg|upright|220px|esquerda|thumb|''Retrato de Calvino jovem'' (da coleção da Biblioteca de [[Genebra]]).]]
Em 1 de novembro de 1533, o novo reitor da Universidade de Paris, o humanista [[Nicolas Cop]], proferiu um discurso de abertura do ano lectivo na Igreja dos Franciscanos, em Paris, frente aos mais altos representantes das quatro faculdades: Teologia, Direito, Medicina e Artes. O seu discurso fazia eco de temas facilmente associados à nova teologia da
Simultaneamente, João Calvino fugia também de Paris. O seu quarto no Collège de Fortet foi revistado, e seus papéis e correspondência foram confiscados. Calvino encontrou refúgio em [[Angoulême]], em casa do seu amigo [[Du Tillet]].
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=== A Psychopannychia ===
Em 1534, Calvino escreveu o seu segundo livro, que foi também o primeiro sobre religião. Chamaou-se ''"Psychopannychia"'', palavra que deriva do [[Língua grega|grego]] e que significa: "''A vigília da alma''".<ref>da palavra grega ''"pan-nychis"'' = "ficar acordado a noite inteira"</ref> A tradução francesa ''"Psychopannychia, un traité sur le sommeil de l'âme"'' ("''A vigília da alma - contra o sono da alma''") introduziu a frase "''sono da alma''" como uma descrição crítica da crença na [[mortalidade da alma]], ou "[[mortalismo cristão|''mortalismo cristão'']]", que foi ensinada por [[Martinho Lutero]], entre outros.<ref name="ReferenceC"/> É um livro relativamente pouco conhecido, em comparação com as outras obras de Calvino. Calvino fez uma crítica severa aos [[anabaptistas]], que acusou de serem uma seita tresmalhada. O livro colocou questões teológicas, mais do que oferecer respostas. Calvino, nos seus 24 anos de idade, estava em processo de busca. Defendeu nessa obra a imortalidade da alma. O título completo era: "''Psychopannychia - tratado pelo qual se prova que as almas permanecem vigilantes e vivas uma vez que tenham deixado os corpos, o que contraria o erro de alguns ignorantes que sustentam que elas dormem até ao último momento''" - o que é, também, um ataque aos anabaptistas. Apesar de escrito em 1534, o livro foi apenas publicado em 1542.
=== O caso dos cartazes de 1534 ou o caso dos Placards ===
Em 18 de outubro de 1534, a história do protestantismo francês viveu um dos seus momentos mais tensos: a disputa dos ''placards'' (paineis ou cartazes). Os ''placards'', de 37cm por 25cm, afixados em vários locais, criticavam a celebração da missa tal como ela era realizada oficialmente pela igreja católica. O ano de 1534 foi o da criação da Companhia de Jesus e da organização do papa Paulo III, que viria a excomungar o rei Henrique VIII, o criador da [[Igreja Anglicana]].
Calvino ajudou seus conterrâneos picardos Antonie Marcout e Fefevre d´Etaples a espalhar os cartazes em algumas cidades próximas a Paris condenando a missa como
Até então, o rei francês Francisco I tinha mostrado muita abertura de espirito, sem hesitar aliar-se aos protestantes da Alemanha ou ao sultão. Em
=== Etapa em Basileia ===
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Em 16 de julho de 1535, o rei [[Francisco I de França]] fez publicar o [[Édito de Coucy]], uma medida de contemporização para com os protestantes e que corresponde também a uma nova guerra de Francisco I contra o imperador [[Carlos I de Espanha|Carlos V]] (Guerra de 1535-1538).
Francisco I precisava do apoio dos protestantes alemães para o esforço de guerra e não convinha, necessariamente, perseguir os luteranos na França. Foi prometido que se deixariam os protestantes em paz desde que vivessem como "''bons cristãos''" e renunciassem à sua fé. Mas, em dezembro de 1538, o Édito de Coucy foi suspenso e as perseguições aos protestantes retomaram a intensidade anterior.
=== ''Institutio religionis Christianae'' ===
Em março de 1536, foi publicada em Basileia a primeira edição de "[[Institutas da Religião Cristã|''Institutio religionis Christianae'']]". No prefácio, mencionava a sua estadia em Basileia, "''enquanto na França são queimados na fogueira crentes e pessoas santas''". Falava de santos mártires. Dirigiu-se no livro ao rei [[Francisco I de França]], que procurava convencer das boas intenções da [[Reforma Protestante]]
Em março de 1536, Calvino viajou até [[Ferrara]] na companhia de Louis Du Tillet. Calvino esperava um acolhimento aberto às ideias protestantes na sua estadia em Ferrara. Enganava-se. Teria de interromper a visita logo em abril. Foi então até Paris. Mas Calvino não teria futuro em França. Numa carta ao amigo Nicolas Duchemin, comparou a sua situação com a dos judeus no [[Egipto]]. A França era o seu Egipto. Queixou-se na mesma carta dos rituais da missa, considerando-os idólatras. Calvino saiu definitivamente da França em 1536, procurando terras politicamente independentes da França e de espíritos mais abertos para a reforma. Dirigiu-se, então, para cidades dos territórios que hoje constituem a [[Suíça]].
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[[Genebra]] era nesta altura já uma cidade de espíritos progressivos e abertos para a [[Reforma Protestante]]. Politicamente, a cidade estava desde 1285 sob vassalagem aos [[Ducado de Saboia|condes de Saboia]] ou à casa episcopal (ao bispo de Genebra), quase sempre ocupada por um bispo também da casa de Saboia desde que o [[papa Félix V]] ([[Amadeu VIII de Saboia]]) se auto-nomeou bispo da cidade. Na prática, no entanto, Genebra era quase uma cidade-estado, uma república que desde cedo se emancipou na conquista da sua liberdade municipal.
Em 1522 iniciou-se um conflito entre os pejorativamente chamados "[[mamelucos|''mamelucos'']]", que eram conservadores e partidários da [[casa de Saboia]] e os "''confederados''" (alemão: ''Eidgenossen''; francês: ''Eidguenot'') de onde possivelmente se formará a palavra [[huguenotes]] (francês: ''huguenot''). Estes últimos opunham-se a Saboia. Em 1524, [[Carlos III de Saboia|Carlos III]], Duque de Saboia, tinha ocupado militarmente Genebra. Porém, em 1526, Genebra decidiu-se pela união com os cantões suíços de [[Cantão de Berna|Berna]] e [[Cantão de Friburgo|Friburgo]], iniciando-se no caminho [[Suíça|helvético]]. A reforma protestante não teve um papel determinante neste processo, segundo Bernard Cottret.<ref name=cottret /> Mas a partir daqui
O ano de 1536 marcou uma viragem na cidade de Genebra. Neste ano, a reforma foi
=== Chegada de Calvino a Genebra ===
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Após a estadia em [[Ferrara]], na primavera de 1536, Calvino tinha estado em [[Paris]], aproveitando-se de um período de relativa calma na perseguição aos protestantes. Tratou de assuntos pessoais e da família. Em junho, faz em Paris uma procuração em nome do seu irmão. Em julho de 1536, João Calvino, pretendendo dirigir-se a [[Estrasburgo]], iniciou a viagem, juntamente com o irmão Antoine e a irmã Marie. Em vez de tomar o caminho mais curto, Calvino fez um desvio pelo sul, evitando a área onde a guerra entre as forças de Francisco I e Carlos V são uma ameaça. Por coincidência, Calvino chegou a [[Genebra]], onde permaneceu, apesar de ter inicialmente pretendido continuar viagem, o que foi vivamente desaconselhado pelo reformador [[Guillaume Farel]] (na altura de 47 anos de idade).<ref name="ReferenceA"/> O caminho para Estrasburgo encontrava-se inseguro por causa da guerra. A Genebra que Calvino encontrou vivia ainda a agitação dos conflitos entre mamelucos e confederados.
João Calvino já tinha viajado até Estrasburgo durante as guerras otomanas, e passado através dos [[cantões da Suíça]]. Aquando da sua estadia em Genebra, Guillaume Farel pediu ajuda a Calvino na sua causa pela
=== A disputa teológica de Lausana ===
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Em 1538, Farell irá refugiar-se em [[Neuchâtel]]. Calvino dirige-se a [[Estrasburgo]], após ter inicialmente pretendido ir para [[Basileia]]. Estrasburgo era na altura parte da zona de língua alemã, mas a proximidade da fronteira com a França significava que ali se tinha desenvolvido uma comunidade de exilados franceses. Tal como em Genebra Farell reconhecera o potencial de Calvino, em Estrasburgo [[Martin Bucer]] foi o protector de Calvino. Durante três anos, Calvino dirigiu em Estrasburgo uma igreja de protestantes franceses, a convite de Bucer.
Segundo o biógrafo Courvoisier, Estrasburgo foi a cidade onde Calvino
Em outubro de 1539, [[Pierre Caroli]] chegou a Estrasburgo, onde permaneceu pouco tempo. Caroli e Calvino, inimigos desde há anos, tiveram uma disputa. Caroli estava então algures entre o catolicismo e o protestantismo. Ele acusou Calvino de o ter confundido na sua fé. Calvino sofreu uma crise nervosa.
Neste outono de 1539, Calvino escreveu também um comentário à [[carta de Paulo aos Romanos]]. Este tema é particularmente querido do protestantismo, porque ali se encontra a justificação através da fé como a base de sustentação do movimento protestante, pois somente a fé salva e justifica. A
=== Matrimônio ===
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=== Regresso a Genebra ===
Após a expulsão de Calvino, [[Genebra]] tinha adoptado os ritos de [[Berna]]. O [[
As relações de Genebra com Berna permanecem tensas. Entretanto, os líderes que se opunham a Calvino (os chamados "''artichoques''") começaram a perder influência. Foram acusados de simpatia por Berna. Jean Philip (João Filipe), um de seus líderes, foi torturado e decapitado em 1540. Os oponentes, favoráveis a Calvino, chamados de "''guillermins''" ganham o poder.
Calvino foi convidado em outubro de 1540 a regressar a Genebra, para reaver o seu posto na
=== Zelo religioso radical ===
[[Imagem:CalvinStatue.JPG|thumb|180px|esquerda|Estátua de João Calvino no [[Museu Internacional da Reforma Protestante de Genebra]].]]
São ainda de 1541 as propostas de Calvino, no sentido da reorganização da igreja. As "''Ordonnances de 1541''" dispuseram a formação de quatro corpos:
* ''Pasteurs'' (pastores, que pregam)
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* ''Diacres'' (diáconos, que ocupam-se dos pobres e doentes) - mendigar é estritamente proibido<ref>CAIRNS, Earle Edwin. O cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã / Earle Edwin Cairns; tradução Israel Belo de Azevedo, Valdemar Kroker - 3ª edição - São Paulo : Vida Nova, 2008</ref>
Foi decidida também a criação de um [[Consistório (desambiguação)|
A eucaristia só era praticada quatro vezes por ano.
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Em 1542 Calvino publicou em Genebra o seu livro de catecismo: ''"Catéchisme de l'Église de Genève, c'est-a-dire, le formulaire d'instruire les enfants en la chrétienté"''. A chave do projecto de Calvino passava pela [[pedagogia]]. O seu objectivo era a profunda transformação das mentalidades. Cada resquício de superstição, de práticas de magia, ou de catolicismo era perseguido como idolatria.
O
* Em 1542, uma mulher chamada Jeanne Petreman foi acusada de se recusar a participar da eucaristia, de dizer o
* Em 2 de setembro de 1546, apareceu em Genebra um franciscano que pedia na rua um jantar em nome de Deus e da Virgem Maria. Devemos pressupor que ele obteve o seu jantar mas foi também levado ao
* A 23 de junho de 1547 compareceram perante o
* Em 1548, Louis Le Barbier foi interrogado sobre a sua fé. Declarou que não tinha fé. Entretanto, descobriram livros de bruxaria e de escórnio na sua posse. Foi admoestado perante o
Os [[nome de batismo|nomes de baptismo]] são regulamentados. Devem ser nomes que figuram na Bíblia. Um decreto de [[22 de novembro]] de 1546 dispôs que certos nomes eram proibidos, entre os quais:
* Suaire, Claude, Mama (lembram a idolatria)
* Baptistes, Juge, Evangéliste
* Dieu le Fils, Espoir, Emmanuel, Sauveur, Jésus (destinados apenas a nosso
* Sépulcre, Croix, Noël, Pâques, Chrétien (nomes estúpidos ou absurdos)
O luxo e a pompa eram desprezados. Em setembro de 1558, [[Nicolas des Gallars]], um amigo de Calvino, iniciou uma grande campanha na cidade em desprezo do supérfluo, as modas entre as mulheres e as más leituras. Foram queimados vários exemplares do livro "''Amadis de Gaula''", na posse de um comerciante. O zelo religioso tomava a forma de censura moral.
=== Peste Negra em Genebra ===
Em 1542, há um surto de [[peste negra]] em [[Genebra]]. A peste negra permanecia então um fenómeno incompreensível - para lidar com a epidemia, era normal que se multiplicassem os casos de feitiçaria e de rituais contra a peste. Este tipo de práticas já eram conhecidos em Genebra antes da
Em 1542, o filho de Calvino, Jacques, morreu pouco depois de nascer em [[28 de julho]].
A caça às bruxas foi um fenômeno da Idade Moderna, uma espécie de onda persecutória que atingiu a Europa Central e Ocidental. Era praticada principalmente pelos magistrados das cidades. Por conta das epidemias que surgiram em Genebra, em 1545, foram julgados 43 "''fomentadores de peste''", dos quais 39 foram executados (90
=== Crescimento demográfico ===
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* Mais tarde, em 1548, um senhor chamado Nicole Bromet declarou que os franceses deveriam ser todos colocados num barco e enviados pelo [[rio Reno]] abaixo.
Em 1547, [[Henrique II de França]] sucedeu a [[Francisco I de França|Francisco I]]. Henrique
Em 29 de março de 1549 morreu [[Idellete Calvino]], após doença.<ref name="ReferenceC"/> Calvino não tornou a casar. Dedicou-se ainda mais decididamente ao trabalho.
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[[Imagem:Statue Michel Servet Paris.jpg|thumb|180px|esquerda|Estátua de [[Miguel Servet]] na praça ''Aspirant Dunand'', em [[Paris]]. [[Miguel Servet]] foi um cientista e reformador protestante, sentenciado à morte a fogueira por suas ideias teológicas pelo Conselho de Genebra.]]
[[Miguel Servet]] foi um [[cientista]] e [[reformador]], primeiro a descrever a [[circulação pulmonar]],<ref>{{Citar web |url=http://www.godglorified.com/christianismi_restitutio.htm |título=Texto de Servet "CHRISTIANISMI RESTITUTIO", em que expôe suas idéias teológicas e sobre a circulação pulmonar, site "God Glorified" {{en}} |língua= |autor= |obra= |data= |acessodata=}}</ref> condenado à morrer na fogueira por suas idéias teológicas pelo Conselho de Genebra. A relação entre Servet e Calvino inicia-se em 1553, quando Servet publicou uma obra religiosa com exibições anti-
As
<blockquote> Servet acaba de me enviar um volume considerável dos seus delírios. Se ele vir aqui (...), se minha autoridade valer algo, eu nunca lhe permitiria sair vivo ("''Si venerit, modo valeat mea autoritas, patiar nunquam vivum exire''"). <ref>Ibid., 2</ref></blockquote>
Em 16 de fevereiro 1553, Servet, então em [[Vienne]], foi denunciado como um herege por Antoine Arneys, que estava morando em Lyon, que por sua vez soube das idéias de Servet graças à uma carta enviada pelo seu primo, Guillaume Trie, um comerciante rico e um grande amigo de Calvino.<ref name = "Bainton">Bainton, ''Hunted Heretic'', p. 103.</ref> O [[inquisidor]] francês [[Matthieu Ory]], interrogou Servet e seu impressor sobre ''Christianismi Restitutio'', mas eles negaram todas as acusações e foram liberados por falta de provas. Arneys escreveu sobre o ocorrido a Trie, exigindo provas. Em 26 de março de 1553, as cartas enviadas por Servet a Calvino e algumas páginas do manuscrito ''Christianismi Restitutio'' foram transmitidas à Lyon por Trie. Em 4 de abril, de 1553 Servet foi preso pelas autoridades eclesiásticas, e preso em Vienne. Ele escapou da prisão três dias depois. Em 17 de junho, mesmo ausente, ele foi condenado por heresia pela [[Inquisição]] francesa, e seus livros foram queimados.<ref name = "Bainton164">''Hunted Heretic'', p. 164.</ref>
Servet desejava fugir para a Itália, porém, inexplicavelmente, parou em Genebra. Em 13 de agosto de 1553, quando ouvia um sermão de Calvino,
Em seu julgamento pelo Conselho de Genebra, segundo a maioria dos historiadores, Servet foi condenado pela difusão e pregação do antitrinitarismo e por ser contra o batismo infantil.<ref name = "Bainton141">''Hunted Heretic'', p. 141.</ref> O procurador (procurador-chefe público), acrescentou algumas acusações como "''se ele não sabia que sua doutrina era perniciosa, considerando que ela favorece os judeus e os turcos, por inventar desculpas para eles, e se ele não estudou o Alcorão, a fim de desmentir e rebater as doutrina e a religião das igrejas cristãs(...)''".
Calvino acreditava que Servet mereceu ser morto por causa do que ele denominou como "''blasfêmias execráveis''". Todavia, não concordou que ele fosse morto à fogueira, mas sim à guilhotina. Porém, o Conselho não deu ouvidos à Calvino.<ref name="Owen">{{citar livro|título=The debatable Land Between this World and the Next |último =Owen |primeiro =Robert Dale |autorlink = |coautor= |ano=1872 |publicado=G.W. Carleton & Co. |local=New York |isbn= |página=69, notes }}</ref> Calvino então consultou outros reformadores sobre a questão de Servet, como os sucessores imediatos de [[Martinho Lutero]],<ref name="Schaff"/> bem como reformadores de locais como [[Zurique]], [[Berna]], [[Basel]] e [[Schaffhausen]], todos concordaram universalmente com sua execução.<ref name="Schaff">Schaff, Philip: ''History of the Christian Church'', Vol. VIII: ''Modern Christianity: The Swiss Reformation'', William B. Eerdmans Pub. Co., Grand Rapids, Michigan, USA, 1910, página 780.</ref> Em [[24 de outubro]] Servet foi condenado à morte na fogueira por negar a Trindade e o batismo infantil. Calvino sugeriu que Servet fosse executado por [[decapitação]], em vez de fogo, mais seu pedido não foi atendido.<ref name = "Calvinism176">''The History & Character of Calvinism'', p. 176.</ref> Em 27 de outubro de 1553 a pena foi aplicada nos arredores de Genebra com o que se acreditava ser a última cópia de seu livro acorrentado a perna de Servet.<ref>[http://dir.salon.com/story/books/review/2002/11/12/goldstone/index.html "Out of the Flames" by Lawrence and Nancy Goldstone - Salon.com<!-- Bot generated title -->]</ref> Após o ocorrido Calvino escreveu:
<blockquote>''Quem sustenta que é errado punir [[herege]]s e [[Blasfémia|blasfemador]]es, pois nos tornamos cúmplices de seus crimes (…). Não se trata aqui da autoridade do homem, é Deus que fala (…). Portanto se Ele exigir de nós algo de tão extrema gravidade, para que mostremos que lhe pagamos a honra devida, estabelecendo o seu serviço acima de toda consideração humana, que não poupamos parentes, nem de qualquer sangue, e esquecemos toda a humanidade, quando o assunto é o combate pela Sua glória.''<ref>John Marshall, ''John Locke, Toleration and Early Enlightenment Culture (Cambridge Studies in Early Modern British History),'' Cambridge University Press, p. 325, 2006, ISBN 0-521-65114-X</ref></blockquote>
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