Inquisição: diferenças entre revisões

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A instituição da Inquisição persistiu até o início do século XIX (exceto dentro dos Estados Pontifícios), após as [[guerras napoleônicas]] na Europa e depois das guerras hispano-americanas de independência na América. A instituição sobreviveu como parte da [[Cúria Romana]], mas recebeu um novo nome em 1904, de "Suprema Sagrada Congregação do Santo Ofício". Em 1965, tornou-se a [[Congregação para a Doutrina da Fé]].
 
==Definição Origem e própositohistórico ==
{{Artigo principal|Inquisição romana}}
O termo Inquisição vem do latim medieval "inquisitio", que se referia a qualquer processo judicial baseado na lei romana, que gradualmente voltava a ser usado no final do período medieval. <ref>Peters, Edwards. "Inquisition", p. 12</ref> Hoje, o termo potuguês "Inquisição" pode se aplicar a qualquer uma das várias instituições que trabalharam contra [[hereges]] (ou outros ofensores contra o [[Código de Direito Canónico|direito canónico]]) dentro do sistema judicial da [[Igreja Católica Romana]]. Embora o termo Inquisição seja geralmente aplicado aos tribunais eclesiásticos da Igreja Católica, ele tem vários usos diferentes: <ref>{{cite web|url=http://www.fordham.edu/Halsall/source/inquisition1.asp|title=Internet History Sourcebooks Project|website=Fordham.edu|accessdate=13 October 2017}}</ref>
[[Imagem:Anne_Askew_burning.gif|thumb|esquerda|Execução da [[poetisa]] [[protestantismo|protestante]] [[Anne Askew]] em 1546]]
A instalação desses tribunais era muito comum na Europa a pedido dos poderes régios, pois queriam evitar condenações por mão popular. Diz [[Oliveira Marques]] em ''História de Portugal'', tomo I, página 393: «(…) A Inquisição surge como uma instituição muito complexa, com objetivos ideológicos, econômicos e sociais, consciente e inconscientemente expressos. A sua atividade, rigor e coerência variavam consoante a época.»
 
A ideia da criação da Inquisição surgiu inicialmente para funcionar como um tribunal interno, apenas para dentro [[Igreja católica]].
* um tribunal [[eclesiástico]],
* a instituição da Igreja Católica para combater a heresia,
* um número de movimentos históricos de [[Expurgo|expurgação]] contra a heresia (orquestrada pela Igreja Católica ou um estado católico), ou
* o julgamento de um indivíduo acusado de heresia.
 
Em 1022, foi criado o primeiro "Tribunal Público contra a Heresia", em [[Orleães|Orleans]] ([[França]]).<ref>[http://www.nenoticias.com.br/64400_clovis-barbosa-pratica-de-queimar-pessoas-em-fogueira-foi-uma-das-paginas-mais-abjetas-da-historia-da-humanidade.html Clóvis Barbosa - "Prática de queimar pessoas em fogueira foi uma das páginas mais abjetas da história da humanidade"], acesso em 16 de outubro de 2016.</ref>
"A Inquisição, como uma corte da igreja, não tinha jurisdição sobre mouros e judeus como tal." <ref>{{cite web|url=http://www.ignatiusinsight.com/features2005/mconnell_spaninqu_dec05.asp|title=The Spanish Inquisition: Fact Versus Fiction|author=Marvin R. O'Connell|website=Ignatiusinsight.com|accessdate=13 October 2017}}</ref> Geralmente, a Inquisição estava preocupada apenas com o comportamento herético de adeptos ou convertidos católicos. <ref>Salomon, H. P. and Sassoon, I. S. D., in Saraiva, Antonio Jose. ''The Marrano Factory. The Portuguese Inquisition and Its New Christians, 1536–1765'' (Brill, 2001), Introduction pp. XXX.</ref>
 
Em [[1183]], quando delegados enviados pelo [[Papa]] averiguaram a crença dos [[cátaros]] de [[Albi (França)|Albi]], sul de [[França]], também conhecidos como "[[albigenses]]", que acreditavam na existência de um Deus para o Bem e outro para o Mal; Cristo seria o Deus do bem, enviado para [[Salvação|salvar]] as [[alma]]s humanas, e o Deus criador do mundo [[materialismo|material]] seria o Deus do mal. Após a morte, as almas boas e [[espiritualidade|espirituais]] iriam para o [[Céu (religião)|céu]], enquanto as almas [[pecado]]ras e materialistas, como castigo, [[reencarnação|reencarnariam]] no corpo de um animal. Isto foi considerada uma [[heresia]] e no ano seguinte, no [[Concílio de Verona]], foi criado o Tribunal da Inquisição. As heresias cátaras abalavam as estruturas das nações, pois, consideravam que a alma seria a parte boa do ser humano, e o corpo seria a parte má do homem; assim, eram favoráveis ao suicídio, eram contra o casamento, matavam mulheres grávidas (pois consideravam que essa mulher carregava o fruto do mal em sua barriga) - teorias contrárias ao que ensina o cristianismo. Desse modo, herege era visto como um revolucionário, e tratado, tanto pela sociedade quanto pelo próprio governo (pois o governo era cristão, a heresia era tido pelo governo como crime de lesa-majestade; a falta contra Deus era punida pela lei civil). Os próprios governos exigiram uma posição da Igreja Católica.
"A esmagadora maioria das sentenças parece ter consistido em penitências como usar uma cruz costurada nas roupas, em peregrinação, etc." <ref name=Burr>{{cite web|url=http://legacy.fordham.edu/halsall/source/inquisition1.asp|title=Internet History Sourcebooks Project|website=legacy.fordham.edu|accessdate=13 October 2017}}</ref> Quando um suspeito era condenado por heresia impenitente, o tribunal inquisitorial era obrigado por lei a entregar a pessoa às autoridades seculares para a sentença final, quando então um magistrado determinaria a penalidade, que geralmente era queimar na fogueira embora a pena variava com base na lei local. <ref>Peters writes: "When faced with a convicted heretic who refused to recant, or who relapsed into heresy, the inquisitors were to turn him over to the temporal authorities – the "secular arm" – for ''animadversio debita'', the punishment decreed by local law, usually burning to death." (Peters, Edwards. "Inquisition", p. 67.)</ref><ref>{{cite book|last=Lea|first=Henry Charles|authorlink=|title=A History of the Inquisition In The Middle Ages
[[Imagem:AnnaCharboniereTortured.jpg|thumb|Massacre de [[valdenses]] em [[Piemonte]] em 1655]]
|accessdate=2009-10-07|edition=|series=|volume=1|chapter=Chapter VII. The Inquisition Founded|chapterurl=http://bulfinch.englishatheist.org/mm/inquisition/Chapter7.htm|quote=Obstinate heretics, refusing to abjure and return to the Church with due penance, and those who after abjuration relapsed, were to be abandoned to the secular arm for fitting punishment.|isbn=1-152-29621-3}}</ref> As leis incluíam proscrições contra certos crimes religiosos (heresia, etc.), e as punições incluíam a morte pela fogueira., embora geralmente a pena fosse banimento ou prisão por toda a vida, que geralmente era comutada depois de alguns anos. Assim, os inquisidores geralmente sabiam qual seria o destino de qualquer um tão empedernido, e não se pode considerar que se divorciaram dos meios de determinar a culpa de seus efeitos. <ref>{{cite book|last=Kirsch|first=Jonathan|authorlink=|title=The Grand Inquisitors Manual: A History of Terror in the Name of God|publisher=HarperOne|location=|isbn=0-06-081699-6|origyear=2008-09-09}}</ref>
 
Com base no estudo dos processos inquisitoriais concluiu o historiador [[Rino Camillieri]]: "Em {{fmtn|50000}} processos inquisitoriais uma ínfima parte levaram à condenação à morte, e dessas só uma pequena minoria produziu efetivamente execuções".<ref>Camillieri, Rino; La Vera Storia dell Inquisizione</ref> Toulouse, considerada uma das cidades em que a inquisição atingiu grau mais forte "houve apenas 1% de sentenças à morte",<ref>Camillieri, Rino; La Vera Storia dell Inquisizione</ref> atesta Rino Camillieri. Agostinho Borromeu, historiador que estudou a inquisição espanhola pontua: "A Inquisição na Espanha celebrou, entre 1540 e 1700 (160 anos), 44&nbsp;674 juízos. Os acusados condenados à morte foram apenas 1,8% (804) e, destes, 1,7% (13) foram condenados em 'contumácia' (queima de efígies)". Adriano Garuti, historiador escreve: "contrariamente ao que se pensa, apenas uma pequena fração do procedimento inquisitorial se concluía com a condenação à morte."<ref>Garuti, Adriano; La Santa Romana e Universale Inquisizione</ref>
A edição de 1578 do [[Directorium inquisitorum]] (um manual inquisitorial padrão) definia o propósito de penalidades inquisitoriais: ... quoniam punitio non refertur primo & per se in correction & bonum eus qui punitur, sed in betum publicum ut alij terreantur, & a malis committendis avocentur (tradução: "... para punição não ocorre principalmente e per se para a correção e bem da pessoa punida, mas para o bem público, a fim de que outros possam ficar aterrorizados e afastados dos males que eles cometem"). <ref>''[[Directorium Inquisitorum]]'', edition of 1578, Book 3, pg. 137, column 1. Online in the [http://dlxs2.library.cornell.edu/cgi/t/text/pageviewer-idx?c=witch;cc=witch;q1=terre%2A;rgn=full%20text;idno=wit045;didno=wit045;view=image;seq=00000563 Cornell University Collection]; retrieved 2008-05-16.</ref>
 
Na época medieval a pena privativa de liberdade não era utilizada como forma de sanção contra crimes. Ou seja, se um sujeito cometesse um crime, não existia ainda a prática civil de mandar para a cadeia os delinquentes, essa prática tornou-se comum a partir do século XVIII.<ref>Garuti, Adriano; La Santa Romana e Universale Inquisizione</ref> Assim, no tempo medieval era comum a aplicação de penas (pelo próprio governo) que hoje nos pareceriam assustadoras, por exemplo: a pena de tortura é bastante comum; a pena de morte era bastante comum; assim como a fogueira era já utilizada. Essas eram as formas de punição por crimes cometidos. Diz o historiador Adriano Garuti: "A pena de morte foi empregada não somente na Inquisição, mas praticamente em todos os outros sistemas judiciários da Europa".<ref>Garuti, Adriano; La Santa Romana e Universale Inquisizione</ref> Sobre o uso da tortura diz o historiador especialista na inquisição espanhola Henry Kamen: "Em uma época em que o uso da tortura era geral nos tribunais penais europeus, a inquisição espanhola seguiu uma política de benignidade e circunspeção que a deixa em lugar favorável se se compara com qualquer outra instituição. A tortura era empregada somente com último recurso e se aplicava em pouquíssimos casos.";<ref>Kamen, Henry; La inquisicion española: una revisión histórica</ref> em outro momento diz o mesmo autor: "As cenas de sadismo que descrevem os escritores que se inspiraram no tema tem pouca relação com a realidade"; "em comparação com a crueldade e as mutilações que eram normais nos tribunais seculares, a Inquisição se mostra sob uma luz relativamente favorável; este fato, em conjunção com o usual bom nível da condição de seus cárceres, nos faz considerar que o tribunal teve pouco interesse pela crueldade e que tratou a justiça com a misericórdia."<ref>Kamen, Henry; La inquisicion española: una revisión histórica</ref>
==Origem==
 
O [[Papa Gregório IX]], em 20 de abril de 1233, editou duas [[Bula pontifícia|bulas]] que marcam o reinício da Inquisição. Nos séculos seguintes, ela julgou, absolveu ou condenou e entregou ao Estado - para que as [[Pena (Direito)|penas]] fossem aplicadas - vários de seus inimigos propagadores de heresias. Nesta etapa, foi confiada à recém-criada [[ordem dos Pregadores]].
Antes de 1100, a Igreja Católica suprimia o que eles acreditavam ser heresia, geralmente através de um sistema de proscrição e prisão eclesiástica, mas sem o uso de tortura, <ref name="Lea1888">
{{cite book
|last=Lea
|first= Henry Charles
|authorlink= Henry Charles Lea
|title=A History of the Inquisition In The Middle Ages
|volume= 1
|chapter=Chapter VII. The Inquisition Founded
|quote= The judicial use of torture was as yet happily unknown...
|year= 1888
|isbn=1-152-29621-3
}}
</ref> e raramente recorrendo a execuções. <ref>
{{cite book
|last=Foxe
|first=John
|authorlink=John Foxe
|title=[[Foxe's Book of Martyrs]]
|chapter=Chapter V
|chapter-url=http://www.jesus.org.uk/vault/library/foxes_book_of_martyrs.pdf
}}
</ref><ref>
{{cite encyclopedia
| last = Blötzer
| first = J.
| encyclopedia = The Catholic Encyclopedia
| title = Inquisition
| url = http://www.newadvent.org/cathen/08026a.htm
| accessdate = 2012-08-26
| year = 1910
| publisher = Robert Appleton Company
| quote = ... in this period the more influential ecclesiastical authorities declared that the [[death penalty]] was contrary to the spirit of the Gospel, and they themselves opposed its execution. For centuries this was the ecclesiastical attitude both in theory and in practice. Thus, in keeping with the civil law, some Manichæans were executed at Ravenna in 556. On the other hand, Elipandus of Toledo and Felix of Urgel, the chiefs of Adoptionism and Predestinationism, were condemned by councils, but were otherwise left unmolested. We may note, however, that the monk Gothescalch, after the condemnation of his false doctrine that Christ had not died for all mankind, was by the Synods of Mainz in 848 and Quiercy in 849 sentenced to flogging and imprisonment, punishments then common in monasteries for various infractions of the rule.
}}
</ref> Tais punições foram contestadas por um número de clérigos e teólogos, embora alguns países punissem a heresia pela [[pena de morte]]. <ref>
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| quote = [...] the occasional executions of heretics during this period must be ascribed partly to the arbitrary action of individual rulers, partly to the fanatic outbreaks of the overzealous populace, and in no wise to ecclesiastical law or the ecclesiastical authorities.
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{{Quotation|1=Onde quer que os ocorra pregar estais facultados, se os pecadores persistem em defender a heresia apesar das advertências, a privá-los para sempre de seus benefícios espirituais e proceder contra eles e todos os outros, sem apelação, solicitando em caso necessário a ajuda das autoridades seculares e vencendo sua oposição, se isto for necessário, por meio de censuras eclesiásticas inapeláveis. |2= A bula [[Licet ad capiendos]]|3=1233|4=dirigida aos [[dominicanos]] inquisidores}}
No século XII, para conter a disseminação do [[catarismo]], a acusação de hereges tornou-se mais frequente. A Igreja cobrava concílios compostos por Bispos e Arcebispos com o estabelecimento de inquisições (a [[Inquisição medieval|Inquisição Episcopal]]). A primeira Inquisição foi temporariamente estabelecida em Languedoc (sul da França) em 1184. O assassinato do legado papal do Papa Inocêncio [[Pierre de Castelnau]] em 1208 desencadeou a [[Cruzada Albigense]] (1209-1229). A Inquisição foi estabelecida permanentemente em 1229, em grande parte pelos dominicanos <ref>{{cite web|url=http://www.newadvent.org/cathen/08026a.htm|title=CATHOLIC ENCYCLOPEDIA: Inquisition|website=Newadvent.org|accessdate=13 October 2017}}</ref> em Roma e depois em [[Carcassonne]] em Languedoc.
 
A privação de benefícios espirituais era a não administração de [[sacramentos]] aos heréticos, onde, caso houvesse ripostação, deveria ser chamada a intervir a autoridade não religiosa (casos de agressão verbal ou física). Se nem assim a pessoa quisesse arrepender-se eram dadas, conscientemente, como [[anátema]] (reconhecimento oficial da [[excomunhão]]), "censuras eclesiásticas inapeláveis".
[[Ficheiro:Templars Burning.jpg|thumb|[[Templários]] condenados à fogueira pela Santa Inquisição.]]
[[Imagem:Escudo_inquisicion.gif|thumb|Emblema da Inquisição (1571)]]
 
Conforme o [[Concílio de Viena]], de [[1311]], obrigava-se os inquisidores a recorrerem à tortura apenas mediante aprovação do bispo diocesano e de uma comissão julgadora, em cada caso. A tortura era um meio incluído no interrogatório, sobretudo nos casos de endemoninhados ou de réus suspeitos de mentira.
 
No entanto, e bem mais tarde, já em pleno [[século XV]], os reis de [[Reino de Castela|Castela]] e [[Aragão]], Isabel e Fernando, solicitam, e obtêm do Papa a autorização para a introdução de uma Inquisição. Tal instituição afigurava-se-lhes necessária para garantir a coesão num país em unificação (foi do casamento destes dois monarcas que resultou a Espanha) e que recentemente conquistara terras aos mouros [[muçulmanos]] na Península Ibérica e os judeus [[sefarditas]], por forma a obter «unidade» nacional que até ali nunca existira. A ação do Tribunal do Santo Ofício tratou de mais casos depois da conversão de alguns judeus e mouros que integravam o novo reino. Alguns deles foram obrigados a renegar as suas religiões e a aderir ao cristianismo ou a abandonar o país. A estes é dado o nome de "cristãos-novos". Alguns esqueciam de fato a religião dos seus antepassados, enquanto outros continuavam a praticar secretamente a antiga religião. A esses últimos dá-se o nome de [[cripto-judeus]]. Eram frequentes os levantamentos populares e as denúncias de práticas judaizantes aos inquisidores.
 
Sendo essencialmente um tribunal eclesiástico, desde cedo o reino, o poder régio se apossou da Inquisição, como forma de prosseguir os seus particulares fins econômicos, esquecendo o fundamental ''inquiridium'' aos réus por motivos religiosos. Tomado pelo poder régio, o Tribunal da Santa Inquisição, em Espanha, deu azo a uma persistente propaganda por parte dos inimigos da Espanha católica: ao sujeitar o poder da fé ao poder da lei, da coação, e da violência, a Inquisição espanhola tornou-se, no imaginário coletivo, uma das mais tenebrosas realizações da Humanidade.
 
Mais tarde, em certas regiões da [[Itália]] e em [[Portugal]], o Papa autorizou a introdução de instituições similares, em condições diferentes. No caso de Portugal, a recusa do Papa ao pedido, tendo visto os abusos da Espanha, mereceu que o rei tivesse como alternativa ameaçar com a criação de uma "inquisição" régia, que segundo ele era coisa urgente para o reino. De fato, a introdução da Inquisição em Portugal resultou das pressões espanholas que, para além de uma sinceridade zelota, não queriam ver o reino rival beneficiar-se com os judeus e mouriscos expulsos de Espanha.
 
O historiador [[Olivier Tosseri]] adverte que:
:"''A memória coletiva acabou retendo o episódio da cruzada contra os albigenses, lançada pelos grandes barões do norte da França para acabar com a heresia dos cátaros no sul do país entre 1208 e 1249. Mas foi, sobretudo, o fanatismo do inquisidor espanhol [[Tomás de Torquemada]], no [[século XV]], que marcou definitivamente o espírito do [[Ocidente]] europeu. Então vieram a [[Reforma protestante]] do [[século XVI]], o antipapismo da [[Igreja Anglicana]], a luta do [[iluminismo|iluminista]] [[Voltaire]] contra o [[obscurantismo]] e, finalmente, o [[anticlericalismo]] dos [[século XIX|séculos XIX]] e [[século XX|XX]]: um conjunto de elementos que pintaram um quadro tenebroso e distorcido da Inquisição. E essa é a imagem que ainda repousa na mentalidade de nosso tempo.''".
 
Neste momento, estamos diante da "apropriação penal" dos discursos, ato que justificou por muito tempo a destruição de livros e a condenação dos seus [[autor]]es, [[editor]]es ou [[leitor]]es. Como lembrou [[Chartier]]: " A cultura escrita é inseparável dos gestos violentos que a reprimem". Ao enfatizar o conceito de perseguição enquanto o reverso das proteções, privilégios, recompensas e pensões concedidas pelos poderes eclesiásticos e pelos [[príncipe]]s, este autor retoma os cenários da queima dos livros que, enquanto espetáculo público do castigo, inverte a cena da dedicatória.<ref>[O conceito "apropriação penal" é uma expressão empregada por Michel Focault e que foi retomada por Roger Chartier em ''Aventura do Livro: Do leitor ao navegador,'' trad. Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes, São Paulo, Unesp/Imprensa Oficial, 1999, p.23.]</ref>
 
=== Idade Média ===
{{Artigo principal|Inquisição medieval}}
[[Imagem:Witch-scene4.JPG|thumb|esquerda|A execução na fogueira de Anneken Hendriks, uma [[neerlandesa]] [[anabatista]] do século XVI condenada por [[heresia]]]]
[[Imagem:Contemporary illustration of the Auto-da-fe held at Validolid Spain 21-05-1559..jpg|thumb|esquerda|Ilustração contemporânea de um auto-de-fé em [[Valladolid]], quando quatorze protestantes são queimados vivos em 21 de maio de 1559]]
 
Em [[1184]] a Inquisição surge no [[Languedoc]] (sul da [[França]]) para combater a heresia dos [[cátaros]] ou [[albigenses]]. Em [[1249]], implantou-se também no [[reino de Aragão]], como a primeira Inquisição estatal e, já na [[Idade Moderna]], com a união de Aragão e [[Reino de Castela|Castela]], transformou-se na [[Inquisição espanhola]] ([[1478]] - [[1834]]), sob controle direto da monarquia hispânica, estendendo posteriormente sua atuação à [[América]]. A [[Inquisição portuguesa]] foi criada em [[1536]] e existiu até [[1821]]. A [[Inquisição romana]] ou "Congregação da Sacra, Romana e Universal Inquisição do Santo Ofício" existiu entre [[1542]] e [[1965]].
 
O condenado era muitas vezes responsabilizado por uma "crise da fé", [[peste]]s, [[terremotos]], [[doenças]] e [[miséria]] social,<ref>[G. Balandier, ''O Poder em Cena'', Brasília: UnB, 1982, p.43.]</ref> sendo entregue às autoridades do [[Estado]] para que fosse punido. As penas variavam desde confisco de bens e perda de liberdade até a [[pena de morte]], muitas vezes na fogueira, método que se tornou famoso, embora existissem outras formas de aplicar a pena. Os castigos aplicados eram reproduções das punições comuns à época, instituídas pelo [[poder temporal]], que, em geral, se encarregava de condenar e queimar os hereges, as feiticeiras ou os [[sodomita]]s.
 
Os tribunais da Inquisição não eram permanentes, sendo instalados quando surgia algum caso de heresia, sendo depois desfeitos. Posteriormente tribunais religiosos e outros métodos judiciários de combate à heresia seriam utilizados também pelas [[igrejas protestantes]]<ref>Peters, Edward. ''Inquisition.'' New York: The Free Press, 1988. Pág.: 58-67.</ref> (como por exemplo, na [[Alemanha]] e [[Inglaterra]]<ref>Macaulay. ''A História da Inglaterra''. Leipzig, pag.:54.</ref>). Nos países de maioria protestante também houve perseguições - neste caso contra católicos, contra reformadores radicais, como os [[anabatistas]], e contra supostos praticantes de bruxaria; neste caso, os tribunais se constituíam no marco do poder real ou local, geralmente ''[[ad-hoc]]'', e não como uma instituição específica.
 
O delator que apontava o "herege" para a comunidade muitas vezes garantia sua [[fé]] e status perante a sociedade.<ref>[M.L.T. Carneiro, ''O Fogo e os Rituais de Purificação. A Teoria do Malefício'', Resgate. Revista de Cultura, Nº 3, Campinas: Papirus, 1991, pp.27-32.]</ref>
 
Ao contrário do que é comum pensar, o tribunal do Santo Ofício era uma entidade jurídica e não tinha forma de executar as penas. O resultado da inquisição feita a um réu era entregue ao poder secular ou nem sequer seguia para lá. Numa sociedade na qual imperava a fé, é de supor que os poderes civis se apropriassem, na tentativa de combater a desordem social ou os inimigos públicos, das prerrogativas religiosas.
 
O recurso à tortura, muito comum nos tribunais seculares, não foi uma constante na Inquisição: a instituição recorreu muito raramente a esse procedimento. Ao todo, menos de 10% dos julgamentos envolveu a agonia física dos acusados. Com a imposição de uma regra que proibia os eclesiásticos de derramar qualquer gota de sangue dos réus, várias das confissões obtidas sob tortura perderam sua validade.
No [[século XIX]], os tribunais da Inquisição foram suprimidos pelos estados europeus, mas foram mantidos pelo [[Estado Pontifício]]. Em [[1908]], sob o Papa [[Pio X]], a instituição foi renomeada "'''Sacra Congregação do Santo Ofício'''". Em [[1965]], por ocasião do [[Concílio Vaticano II]], durante o pontificado de [[Papa Paulo VI|Paulo VI]] e em clima de grandes transformações na Igreja após o papado de [[Papa João XXIII|João XXIII]], assumiu seu nome atual - "[[Congregação para a Doutrina da Fé]]".
 
=== Inquisição espanhola ===
{{Artigo principal|Inquisição espanhola}}
[[Ficheiro:Pedro Berruguete Saint Dominic Presiding over an Auto-da-fe 1495.jpg|thumb|Pintura de [[Pedro Berruguete]] representando um "[[auto-de-fé]]" da [[Inquisição Espanhola]].]]
 
A [[Inquisição espanhola]] é, entre as demais inquisições, a mais famosa. [[David Landes]] relata: ''"A perseguição levou a uma interminável caça às bruxas, completa com denunciantes pagos, vizinhos bisbilhoteiros e uma racista "limpieza de sangre". Judeus conversos eram apanhados por intrigas e vestígios de prática mosaica: recusa de porco, toalhas lavadas à sexta-feira, uma prece escutada à soslaia, frequência irregular à igreja, uma palavra mal ponderada. A higiene em si era uma causa de suspeita e tomar banho era visto como uma prova de apostasia para [[marrano]]s e [[muçulmanos]]. A frase "o acusado era conhecido por tomar banho" é uma frase comum nos registros da Inquisição. Sujidade herdada: as pessoas limpas não têm de se lavar. Em tudo isto, os espanhóis e portugueses rebaixaram-se. A intolerância pode prejudicar o perseguidor (ainda) mais do que a vítima. Deste modo, a Ibéria, e na verdade a Europa Mediterrânica como um todo, perdeu o comboio da chamada revolução científica"''.
 
Rino Cammilleri diz: "As fontes históricas demonstram muito claramente que a inquisição recorria à tortura muito raramente. O especialista Bartolomé Benassa, que se ocupou da Inquisição mais dura, a espanhola, fala de um uso da tortura 'relativamente pouco frequente e geralmente moderado.'"<ref>Camillieri, Rino; La Vera Storia dell Inquisizione</ref> "O número proporcionalmente pequeno de execuções constitui um argumento eficaz contra a lenda negra de um tribunal sedento de sangue";<ref>Kamen, Henry; La inquisicion española: una revisión histórica</ref> pois, como diz o historiador Henry Kamen, "as cenas de sadismo que descrevem os escritores que se inspiraram no tema possuem pouca relação com a realidade".
 
Segundo Michael Baigent e Richard Leigh, a 1 de novembro de 1478, uma Bula do [[Papa Sixto IV]] autorizava a criação de uma Inquisição Espanhola. Confiou-se então o direito de nomear e demitir aos monarcas espanhóis. O primeiro [[Auto de fé]] foi realizado a 6 de fevereiro de 1481, e seis indivíduos foram queimados vivos na fogueira. Em [[Sevilha]], só em novembro, 288 pessoas foram queimadas, enquanto setenta e nove foram condenadas à prisão perpétua. Em fevereiro de 1482 o Papa autorizou a nomeação de mais sete dominicanos como Inquisidores, entre eles, [[Tomás de Torquemada]]. Este viria a passar à história como a face mais aterrorizante da Inquisição. Em abril de 1482, o próprio Papa emitiu uma bula, na qual concluía: "A Inquisição há algum tempo é movida não por zelo pela fé e a salvação das almas, mas pelo desejo de riqueza". Após essa conclusão, revogaram-se todos os poderes confiados à Inquisição e o Papa exigiu que os Inquisidores ficassem sob o controle dos bispos locais. O Rei Fernando ficou indignado e ameaçou o Papa. A 17 de outubro de 1483, uma nova bula estabelecia o ''Consejo de La Suprema y General Inquisición'' para funcionar como a autoridade última da Inquisição, sendo criado o cargo de Inquisidor Geral. Seu primeiro ocupante foi Tomás de Torquemada. Até a sua morte em 1498, Torquemada teve poder e influência que rivalizavam com os próprios monarcas Fernando e Isabel. O número de autos-de-fé durante o mandato de Torquemada como inquisidor é muito controverso, mas o número mais consensual é normalmente 2000.<ref>''História das Religiões. Crenças e práticas religiosas do século XII aos nossos dias''. Grandes Livros da Religião. Editora Folio. [[2008]]. Pág.: 37. ISBN 978-84-413-2489-3</ref>
 
=== Inquisição portuguesa ===
{{Artigo principal|Inquisição portuguesa}}
[[Imagem:Inquisicao.jpg|thumb|esquerda|Representação de um [[auto-de-fé]] no [[Terreiro do Paço]], em [[Lisboa]], [[Portugal]]]]
 
A Inquisição em Portugal teve sua origem em decorrência de compromissos assumidos por D. [[Manuel I de Portugal]], no seu contrato de casamento com [[Isabel, Rainha de Portugal|Isabel de Aragão e Castela]], assinado em 30 de novembro de 1496.<ref>[http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pdf/st12/Costa,%20Hermisten%20Maia%20Pereira%20da.pdf O MESSIANISMO DO PADRE VIEIRA E A INQUISIÇÃO.], acesso em 22 de outubro de 2016.</ref>
 
A [[Inquisição Portuguesa]] começou formalmente em [[Portugal]] em 1536, a pedido do [[Rei de Portugal]], [[João III de Portugal|D. João III]]. [[Manuel I de Portugal|Manuel I]] pediu o [[Papa Leão X]] a instalação da Inquisição em 1515, mas só depois de sua morte (1521) que o [[Papa Paulo III]] criou a instituição. Na sua liderança, havia um "Grande Inquisidor", ou "Inquisidor Geral", nomeado pelo [[Papa]], mas selecionado pela [[Coroa portuguesa]] e sempre de dentro da família real. A Inquisição Portuguesa foi principalmente direcionada aos [[judeus sefarditas]], a quem o Estado forçava a se converter ao [[cristianismo]]. A Espanha expulsou sua população sefardita em 1492; depois de 1492 muitos destes judeus espanhóis deixaram a Espanha e rumaram para Portugal, mas foram alvos de perseguição lá também.
 
A Inquisição Portuguesa realizou o seu primeiro "[[auto-de-fé]]" em 1540. Os inquisidores portugueses principalmente direcionavam seus julgamentos contra os [[cristãos-novos]] (ou seja, judeus convertidos). A Inquisição Portuguesa expandiu o seu âmbito de operações de Portugal para as [[Império Português|possessões coloniais portuguesas]], como [[Brasil Colônia|Brasil]], [[Cabo Verde]] e [[Goa]], onde continuou como um tribunal religioso, investigando e julgando casos de violação dos princípios do [[catolicismo romano]] ortodoxo até 1821. D. João III (que reinou entre 1521 e 1557) estendeu a atividade dos tribunais para cobrir temas como [[censura]], [[adivinhação]], [[feitiçaria]] e [[bigamia]]. Originalmente voltada para uma ação religiosa, a Inquisição passou a exercer influência sobre quase todos os aspectos da sociedade portuguesa: político, cultural e social.
 
Apesar de não estar instituído no [[Brasil]], esta colônia estava subordinada ao Tribunal de Lisboa, que enviava um visitador para investigar presencialmente como se encontravam a fé e o cumprimento dos [[dogma]]s católicos pela população. Desse modo, registraram-se três visitações à colônia brasileira, nomeadamente na [[Capitania da Bahia]], na [[Capitania de Pernambuco]] e no [[Estado do Maranhão e Grão-Pará]]. Esta última, classificada como extemporânea pelos historiadores, ocorreu já ao final do [[século XVIII]], momento em que a instituição já se encontrava enfraquecida.
 
A Inquisição em Goa começou em 1560 e tinha como principal objetivo punir pessoas que seguiam o [[hinduísmo]] ou [[islamismo]] e que se converteram para o [[catolicismo romano]], mas que eram suspeitas de estarem seguindo suas antigas fés. Além disso, a Inquisição processava não-convertidos que interferiam em tentativas portuguesas de converter os não-cristãos ao catolicismo.<ref name="Salomon, H. P 2001 pp. 345-7">Salomon, H. P. and Sassoon, I. S. D., in Saraiva, Antonio Jose. ''The Marrano Factory. The Portuguese Inquisition and Its New Christians, 1536-1765'' (Brill, 2001), pgs. 345-7</ref>
 
De acordo com Henry Charles Lea,<ref>[[H.C. Lea]], ''A History of the Inquisition of Spain'', vol. 3, Livro 8</ref> entre 1540 e 1794, os tribunais de [[Lisboa]], [[Porto]], [[Coimbra]] e [[Évora]] queimaram 1175 pessoas vivas, a queimaram a [[efígie]] de outras 633 e impuseram castigos a 29&nbsp;590 pessoas. No entanto, a documentação de 15 dos 689 [[autos-de-fé]] desapareceu, de forma que estes números podem subestimar levemente a realidade.<ref>
{{citar livro|primeiro1 =António José|último1 =Saraiva|primeiro2 =Herman Prins|último2 =Salomon|primeiro3 =I. S. D.|último3 = Sassoon| author-link3 = Isaac S.D. Sassoon |título=The Marrano Factory: the Portuguese Inquisition and its New Christians 1536-1765|url=http://books.google.com/?id=eG8xUFivagkC|acessodata=2010-04-13|anooriginal=First published in Portuguese in 1969|ano=2001|publicado=Brill|local=|isbn=978-90-04-12080-8|página=102}}</ref>
 
Em 22 de outubro de 2016 a Câmara Municipal da cidade de [[Évora]] inaugurou um monumento em homenagem às milhares de vítimas das Inquisição Portuguesa.<ref>[http://www.dn.pt/sociedade/interior/evora-inaugura-memorial-aos-milhares-de-vitimas-da-inquisicao-5456881.html Évora inaugura memorial aos milhares de vítimas da Inquisição]. [[Diário de Notícias (Portugal)|Diário de Notícias]] (22 de outubro de 2016). Acessado em 17 de novembro de 2016.</ref>
 
== Procedimentos ==