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A instituição da Inquisição persistiu até o início do século XIX (exceto dentro dos Estados Pontifícios), após as [[guerras napoleônicas]] na Europa e depois das guerras hispano-americanas de independência na América. A instituição sobreviveu como parte da [[Cúria Romana]], mas recebeu um novo nome em 1904, de "Suprema Sagrada Congregação do Santo Ofício". Em 1965, tornou-se a [[Congregação para a Doutrina da Fé]].
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{{Artigo principal|Inquisição romana}}
[[Imagem:Anne_Askew_burning.gif|thumb|esquerda|Execução da [[poetisa]] [[protestantismo|protestante]] [[Anne Askew]] em 1546]]
A instalação desses tribunais era muito comum na Europa a pedido dos poderes régios, pois queriam evitar condenações por mão popular. Diz [[Oliveira Marques]] em ''História de Portugal'', tomo I, página 393: «(…) A Inquisição surge como uma instituição muito complexa, com objetivos ideológicos, econômicos e sociais, consciente e inconscientemente expressos. A sua atividade, rigor e coerência variavam consoante a época.»
A ideia da criação da Inquisição surgiu inicialmente para funcionar como um tribunal interno, apenas para dentro [[Igreja católica]].
Em 1022, foi criado o primeiro "Tribunal Público contra a Heresia", em [[Orleães|Orleans]] ([[França]]).<ref>[http://www.nenoticias.com.br/64400_clovis-barbosa-pratica-de-queimar-pessoas-em-fogueira-foi-uma-das-paginas-mais-abjetas-da-historia-da-humanidade.html Clóvis Barbosa - "Prática de queimar pessoas em fogueira foi uma das páginas mais abjetas da história da humanidade"], acesso em 16 de outubro de 2016.</ref>
Em [[1183]], quando delegados enviados pelo [[Papa]] averiguaram a crença dos [[cátaros]] de [[Albi (França)|Albi]], sul de [[França]], também conhecidos como "[[albigenses]]", que acreditavam na existência de um Deus para o Bem e outro para o Mal; Cristo seria o Deus do bem, enviado para [[Salvação|salvar]] as [[alma]]s humanas, e o Deus criador do mundo [[materialismo|material]] seria o Deus do mal. Após a morte, as almas boas e [[espiritualidade|espirituais]] iriam para o [[Céu (religião)|céu]], enquanto as almas [[pecado]]ras e materialistas, como castigo, [[reencarnação|reencarnariam]] no corpo de um animal. Isto foi considerada uma [[heresia]] e no ano seguinte, no [[Concílio de Verona]], foi criado o Tribunal da Inquisição. As heresias cátaras abalavam as estruturas das nações, pois, consideravam que a alma seria a parte boa do ser humano, e o corpo seria a parte má do homem; assim, eram favoráveis ao suicídio, eram contra o casamento, matavam mulheres grávidas (pois consideravam que essa mulher carregava o fruto do mal em sua barriga) - teorias contrárias ao que ensina o cristianismo. Desse modo, herege era visto como um revolucionário, e tratado, tanto pela sociedade quanto pelo próprio governo (pois o governo era cristão, a heresia era tido pelo governo como crime de lesa-majestade; a falta contra Deus era punida pela lei civil). Os próprios governos exigiram uma posição da Igreja Católica.
[[Imagem:AnnaCharboniereTortured.jpg|thumb|Massacre de [[valdenses]] em [[Piemonte]] em 1655]]
Com base no estudo dos processos inquisitoriais concluiu o historiador [[Rino Camillieri]]: "Em {{fmtn|50000}} processos inquisitoriais uma ínfima parte levaram à condenação à morte, e dessas só uma pequena minoria produziu efetivamente execuções".<ref>Camillieri, Rino; La Vera Storia dell Inquisizione</ref> Toulouse, considerada uma das cidades em que a inquisição atingiu grau mais forte "houve apenas 1% de sentenças à morte",<ref>Camillieri, Rino; La Vera Storia dell Inquisizione</ref> atesta Rino Camillieri. Agostinho Borromeu, historiador que estudou a inquisição espanhola pontua: "A Inquisição na Espanha celebrou, entre 1540 e 1700 (160 anos), 44 674 juízos. Os acusados condenados à morte foram apenas 1,8% (804) e, destes, 1,7% (13) foram condenados em 'contumácia' (queima de efígies)". Adriano Garuti, historiador escreve: "contrariamente ao que se pensa, apenas uma pequena fração do procedimento inquisitorial se concluía com a condenação à morte."<ref>Garuti, Adriano; La Santa Romana e Universale Inquisizione</ref>
Na época medieval a pena privativa de liberdade não era utilizada como forma de sanção contra crimes. Ou seja, se um sujeito cometesse um crime, não existia ainda a prática civil de mandar para a cadeia os delinquentes, essa prática tornou-se comum a partir do século XVIII.<ref>Garuti, Adriano; La Santa Romana e Universale Inquisizione</ref> Assim, no tempo medieval era comum a aplicação de penas (pelo próprio governo) que hoje nos pareceriam assustadoras, por exemplo: a pena de tortura é bastante comum; a pena de morte era bastante comum; assim como a fogueira era já utilizada. Essas eram as formas de punição por crimes cometidos. Diz o historiador Adriano Garuti: "A pena de morte foi empregada não somente na Inquisição, mas praticamente em todos os outros sistemas judiciários da Europa".<ref>Garuti, Adriano; La Santa Romana e Universale Inquisizione</ref> Sobre o uso da tortura diz o historiador especialista na inquisição espanhola Henry Kamen: "Em uma época em que o uso da tortura era geral nos tribunais penais europeus, a inquisição espanhola seguiu uma política de benignidade e circunspeção que a deixa em lugar favorável se se compara com qualquer outra instituição. A tortura era empregada somente com último recurso e se aplicava em pouquíssimos casos.";<ref>Kamen, Henry; La inquisicion española: una revisión histórica</ref> em outro momento diz o mesmo autor: "As cenas de sadismo que descrevem os escritores que se inspiraram no tema tem pouca relação com a realidade"; "em comparação com a crueldade e as mutilações que eram normais nos tribunais seculares, a Inquisição se mostra sob uma luz relativamente favorável; este fato, em conjunção com o usual bom nível da condição de seus cárceres, nos faz considerar que o tribunal teve pouco interesse pela crueldade e que tratou a justiça com a misericórdia."<ref>Kamen, Henry; La inquisicion española: una revisión histórica</ref>
O [[Papa Gregório IX]], em 20 de abril de 1233, editou duas [[Bula pontifícia|bulas]] que marcam o reinício da Inquisição. Nos séculos seguintes, ela julgou, absolveu ou condenou e entregou ao Estado - para que as [[Pena (Direito)|penas]] fossem aplicadas - vários de seus inimigos propagadores de heresias. Nesta etapa, foi confiada à recém-criada [[ordem dos Pregadores]].
{{Quotation|1=Onde quer que os ocorra pregar estais facultados, se os pecadores persistem em defender a heresia apesar das advertências, a privá-los para sempre de seus benefícios espirituais e proceder contra eles e todos os outros, sem apelação, solicitando em caso necessário a ajuda das autoridades seculares e vencendo sua oposição, se isto for necessário, por meio de censuras eclesiásticas inapeláveis. |2= A bula [[Licet ad capiendos]]|3=1233|4=dirigida aos [[dominicanos]] inquisidores}}
A privação de benefícios espirituais era a não administração de [[sacramentos]] aos heréticos, onde, caso houvesse ripostação, deveria ser chamada a intervir a autoridade não religiosa (casos de agressão verbal ou física). Se nem assim a pessoa quisesse arrepender-se eram dadas, conscientemente, como [[anátema]] (reconhecimento oficial da [[excomunhão]]), "censuras eclesiásticas inapeláveis".
[[Ficheiro:Templars Burning.jpg|thumb|[[Templários]] condenados à fogueira pela Santa Inquisição.]]
[[Imagem:Escudo_inquisicion.gif|thumb|Emblema da Inquisição (1571)]]
Conforme o [[Concílio de Viena]], de [[1311]], obrigava-se os inquisidores a recorrerem à tortura apenas mediante aprovação do bispo diocesano e de uma comissão julgadora, em cada caso. A tortura era um meio incluído no interrogatório, sobretudo nos casos de endemoninhados ou de réus suspeitos de mentira.
No entanto, e bem mais tarde, já em pleno [[século XV]], os reis de [[Reino de Castela|Castela]] e [[Aragão]], Isabel e Fernando, solicitam, e obtêm do Papa a autorização para a introdução de uma Inquisição. Tal instituição afigurava-se-lhes necessária para garantir a coesão num país em unificação (foi do casamento destes dois monarcas que resultou a Espanha) e que recentemente conquistara terras aos mouros [[muçulmanos]] na Península Ibérica e os judeus [[sefarditas]], por forma a obter «unidade» nacional que até ali nunca existira. A ação do Tribunal do Santo Ofício tratou de mais casos depois da conversão de alguns judeus e mouros que integravam o novo reino. Alguns deles foram obrigados a renegar as suas religiões e a aderir ao cristianismo ou a abandonar o país. A estes é dado o nome de "cristãos-novos". Alguns esqueciam de fato a religião dos seus antepassados, enquanto outros continuavam a praticar secretamente a antiga religião. A esses últimos dá-se o nome de [[cripto-judeus]]. Eram frequentes os levantamentos populares e as denúncias de práticas judaizantes aos inquisidores.
Sendo essencialmente um tribunal eclesiástico, desde cedo o reino, o poder régio se apossou da Inquisição, como forma de prosseguir os seus particulares fins econômicos, esquecendo o fundamental ''inquiridium'' aos réus por motivos religiosos. Tomado pelo poder régio, o Tribunal da Santa Inquisição, em Espanha, deu azo a uma persistente propaganda por parte dos inimigos da Espanha católica: ao sujeitar o poder da fé ao poder da lei, da coação, e da violência, a Inquisição espanhola tornou-se, no imaginário coletivo, uma das mais tenebrosas realizações da Humanidade.
Mais tarde, em certas regiões da [[Itália]] e em [[Portugal]], o Papa autorizou a introdução de instituições similares, em condições diferentes. No caso de Portugal, a recusa do Papa ao pedido, tendo visto os abusos da Espanha, mereceu que o rei tivesse como alternativa ameaçar com a criação de uma "inquisição" régia, que segundo ele era coisa urgente para o reino. De fato, a introdução da Inquisição em Portugal resultou das pressões espanholas que, para além de uma sinceridade zelota, não queriam ver o reino rival beneficiar-se com os judeus e mouriscos expulsos de Espanha.
O historiador [[Olivier Tosseri]] adverte que:
:"''A memória coletiva acabou retendo o episódio da cruzada contra os albigenses, lançada pelos grandes barões do norte da França para acabar com a heresia dos cátaros no sul do país entre 1208 e 1249. Mas foi, sobretudo, o fanatismo do inquisidor espanhol [[Tomás de Torquemada]], no [[século XV]], que marcou definitivamente o espírito do [[Ocidente]] europeu. Então vieram a [[Reforma protestante]] do [[século XVI]], o antipapismo da [[Igreja Anglicana]], a luta do [[iluminismo|iluminista]] [[Voltaire]] contra o [[obscurantismo]] e, finalmente, o [[anticlericalismo]] dos [[século XIX|séculos XIX]] e [[século XX|XX]]: um conjunto de elementos que pintaram um quadro tenebroso e distorcido da Inquisição. E essa é a imagem que ainda repousa na mentalidade de nosso tempo.''".
Neste momento, estamos diante da "apropriação penal" dos discursos, ato que justificou por muito tempo a destruição de livros e a condenação dos seus [[autor]]es, [[editor]]es ou [[leitor]]es. Como lembrou [[Chartier]]: " A cultura escrita é inseparável dos gestos violentos que a reprimem". Ao enfatizar o conceito de perseguição enquanto o reverso das proteções, privilégios, recompensas e pensões concedidas pelos poderes eclesiásticos e pelos [[príncipe]]s, este autor retoma os cenários da queima dos livros que, enquanto espetáculo público do castigo, inverte a cena da dedicatória.<ref>[O conceito "apropriação penal" é uma expressão empregada por Michel Focault e que foi retomada por Roger Chartier em ''Aventura do Livro: Do leitor ao navegador,'' trad. Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes, São Paulo, Unesp/Imprensa Oficial, 1999, p.23.]</ref>
=== Idade Média ===
{{Artigo principal|Inquisição medieval}}
[[Imagem:Witch-scene4.JPG|thumb|esquerda|A execução na fogueira de Anneken Hendriks, uma [[neerlandesa]] [[anabatista]] do século XVI condenada por [[heresia]]]]
[[Imagem:Contemporary illustration of the Auto-da-fe held at Validolid Spain 21-05-1559..jpg|thumb|esquerda|Ilustração contemporânea de um auto-de-fé em [[Valladolid]], quando quatorze protestantes são queimados vivos em 21 de maio de 1559]]
Em [[1184]] a Inquisição surge no [[Languedoc]] (sul da [[França]]) para combater a heresia dos [[cátaros]] ou [[albigenses]]. Em [[1249]], implantou-se também no [[reino de Aragão]], como a primeira Inquisição estatal e, já na [[Idade Moderna]], com a união de Aragão e [[Reino de Castela|Castela]], transformou-se na [[Inquisição espanhola]] ([[1478]] - [[1834]]), sob controle direto da monarquia hispânica, estendendo posteriormente sua atuação à [[América]]. A [[Inquisição portuguesa]] foi criada em [[1536]] e existiu até [[1821]]. A [[Inquisição romana]] ou "Congregação da Sacra, Romana e Universal Inquisição do Santo Ofício" existiu entre [[1542]] e [[1965]].
O condenado era muitas vezes responsabilizado por uma "crise da fé", [[peste]]s, [[terremotos]], [[doenças]] e [[miséria]] social,<ref>[G. Balandier, ''O Poder em Cena'', Brasília: UnB, 1982, p.43.]</ref> sendo entregue às autoridades do [[Estado]] para que fosse punido. As penas variavam desde confisco de bens e perda de liberdade até a [[pena de morte]], muitas vezes na fogueira, método que se tornou famoso, embora existissem outras formas de aplicar a pena. Os castigos aplicados eram reproduções das punições comuns à época, instituídas pelo [[poder temporal]], que, em geral, se encarregava de condenar e queimar os hereges, as feiticeiras ou os [[sodomita]]s.
Os tribunais da Inquisição não eram permanentes, sendo instalados quando surgia algum caso de heresia, sendo depois desfeitos. Posteriormente tribunais religiosos e outros métodos judiciários de combate à heresia seriam utilizados também pelas [[igrejas protestantes]]<ref>Peters, Edward. ''Inquisition.'' New York: The Free Press, 1988. Pág.: 58-67.</ref> (como por exemplo, na [[Alemanha]] e [[Inglaterra]]<ref>Macaulay. ''A História da Inglaterra''. Leipzig, pag.:54.</ref>). Nos países de maioria protestante também houve perseguições - neste caso contra católicos, contra reformadores radicais, como os [[anabatistas]], e contra supostos praticantes de bruxaria; neste caso, os tribunais se constituíam no marco do poder real ou local, geralmente ''[[ad-hoc]]'', e não como uma instituição específica.
O delator que apontava o "herege" para a comunidade muitas vezes garantia sua [[fé]] e status perante a sociedade.<ref>[M.L.T. Carneiro, ''O Fogo e os Rituais de Purificação. A Teoria do Malefício'', Resgate. Revista de Cultura, Nº 3, Campinas: Papirus, 1991, pp.27-32.]</ref>
Ao contrário do que é comum pensar, o tribunal do Santo Ofício era uma entidade jurídica e não tinha forma de executar as penas. O resultado da inquisição feita a um réu era entregue ao poder secular ou nem sequer seguia para lá. Numa sociedade na qual imperava a fé, é de supor que os poderes civis se apropriassem, na tentativa de combater a desordem social ou os inimigos públicos, das prerrogativas religiosas.
O recurso à tortura, muito comum nos tribunais seculares, não foi uma constante na Inquisição: a instituição recorreu muito raramente a esse procedimento. Ao todo, menos de 10% dos julgamentos envolveu a agonia física dos acusados. Com a imposição de uma regra que proibia os eclesiásticos de derramar qualquer gota de sangue dos réus, várias das confissões obtidas sob tortura perderam sua validade.
No [[século XIX]], os tribunais da Inquisição foram suprimidos pelos estados europeus, mas foram mantidos pelo [[Estado Pontifício]]. Em [[1908]], sob o Papa [[Pio X]], a instituição foi renomeada "'''Sacra Congregação do Santo Ofício'''". Em [[1965]], por ocasião do [[Concílio Vaticano II]], durante o pontificado de [[Papa Paulo VI|Paulo VI]] e em clima de grandes transformações na Igreja após o papado de [[Papa João XXIII|João XXIII]], assumiu seu nome atual - "[[Congregação para a Doutrina da Fé]]".
=== Inquisição espanhola ===
{{Artigo principal|Inquisição espanhola}}
[[Ficheiro:Pedro Berruguete Saint Dominic Presiding over an Auto-da-fe 1495.jpg|thumb|Pintura de [[Pedro Berruguete]] representando um "[[auto-de-fé]]" da [[Inquisição Espanhola]].]]
A [[Inquisição espanhola]] é, entre as demais inquisições, a mais famosa. [[David Landes]] relata: ''"A perseguição levou a uma interminável caça às bruxas, completa com denunciantes pagos, vizinhos bisbilhoteiros e uma racista "limpieza de sangre". Judeus conversos eram apanhados por intrigas e vestígios de prática mosaica: recusa de porco, toalhas lavadas à sexta-feira, uma prece escutada à soslaia, frequência irregular à igreja, uma palavra mal ponderada. A higiene em si era uma causa de suspeita e tomar banho era visto como uma prova de apostasia para [[marrano]]s e [[muçulmanos]]. A frase "o acusado era conhecido por tomar banho" é uma frase comum nos registros da Inquisição. Sujidade herdada: as pessoas limpas não têm de se lavar. Em tudo isto, os espanhóis e portugueses rebaixaram-se. A intolerância pode prejudicar o perseguidor (ainda) mais do que a vítima. Deste modo, a Ibéria, e na verdade a Europa Mediterrânica como um todo, perdeu o comboio da chamada revolução científica"''.
Rino Cammilleri diz: "As fontes históricas demonstram muito claramente que a inquisição recorria à tortura muito raramente. O especialista Bartolomé Benassa, que se ocupou da Inquisição mais dura, a espanhola, fala de um uso da tortura 'relativamente pouco frequente e geralmente moderado.'"<ref>Camillieri, Rino; La Vera Storia dell Inquisizione</ref> "O número proporcionalmente pequeno de execuções constitui um argumento eficaz contra a lenda negra de um tribunal sedento de sangue";<ref>Kamen, Henry; La inquisicion española: una revisión histórica</ref> pois, como diz o historiador Henry Kamen, "as cenas de sadismo que descrevem os escritores que se inspiraram no tema possuem pouca relação com a realidade".
Segundo Michael Baigent e Richard Leigh, a 1 de novembro de 1478, uma Bula do [[Papa Sixto IV]] autorizava a criação de uma Inquisição Espanhola. Confiou-se então o direito de nomear e demitir aos monarcas espanhóis. O primeiro [[Auto de fé]] foi realizado a 6 de fevereiro de 1481, e seis indivíduos foram queimados vivos na fogueira. Em [[Sevilha]], só em novembro, 288 pessoas foram queimadas, enquanto setenta e nove foram condenadas à prisão perpétua. Em fevereiro de 1482 o Papa autorizou a nomeação de mais sete dominicanos como Inquisidores, entre eles, [[Tomás de Torquemada]]. Este viria a passar à história como a face mais aterrorizante da Inquisição. Em abril de 1482, o próprio Papa emitiu uma bula, na qual concluía: "A Inquisição há algum tempo é movida não por zelo pela fé e a salvação das almas, mas pelo desejo de riqueza". Após essa conclusão, revogaram-se todos os poderes confiados à Inquisição e o Papa exigiu que os Inquisidores ficassem sob o controle dos bispos locais. O Rei Fernando ficou indignado e ameaçou o Papa. A 17 de outubro de 1483, uma nova bula estabelecia o ''Consejo de La Suprema y General Inquisición'' para funcionar como a autoridade última da Inquisição, sendo criado o cargo de Inquisidor Geral. Seu primeiro ocupante foi Tomás de Torquemada. Até a sua morte em 1498, Torquemada teve poder e influência que rivalizavam com os próprios monarcas Fernando e Isabel. O número de autos-de-fé durante o mandato de Torquemada como inquisidor é muito controverso, mas o número mais consensual é normalmente 2000.<ref>''História das Religiões. Crenças e práticas religiosas do século XII aos nossos dias''. Grandes Livros da Religião. Editora Folio. [[2008]]. Pág.: 37. ISBN 978-84-413-2489-3</ref>
=== Inquisição portuguesa ===
{{Artigo principal|Inquisição portuguesa}}
[[Imagem:Inquisicao.jpg|thumb|esquerda|Representação de um [[auto-de-fé]] no [[Terreiro do Paço]], em [[Lisboa]], [[Portugal]]]]
A Inquisição em Portugal teve sua origem em decorrência de compromissos assumidos por D. [[Manuel I de Portugal]], no seu contrato de casamento com [[Isabel, Rainha de Portugal|Isabel de Aragão e Castela]], assinado em 30 de novembro de 1496.<ref>[http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pdf/st12/Costa,%20Hermisten%20Maia%20Pereira%20da.pdf O MESSIANISMO DO PADRE VIEIRA E A INQUISIÇÃO.], acesso em 22 de outubro de 2016.</ref>
A [[Inquisição Portuguesa]] começou formalmente em [[Portugal]] em 1536, a pedido do [[Rei de Portugal]], [[João III de Portugal|D. João III]]. [[Manuel I de Portugal|Manuel I]] pediu o [[Papa Leão X]] a instalação da Inquisição em 1515, mas só depois de sua morte (1521) que o [[Papa Paulo III]] criou a instituição. Na sua liderança, havia um "Grande Inquisidor", ou "Inquisidor Geral", nomeado pelo [[Papa]], mas selecionado pela [[Coroa portuguesa]] e sempre de dentro da família real. A Inquisição Portuguesa foi principalmente direcionada aos [[judeus sefarditas]], a quem o Estado forçava a se converter ao [[cristianismo]]. A Espanha expulsou sua população sefardita em 1492; depois de 1492 muitos destes judeus espanhóis deixaram a Espanha e rumaram para Portugal, mas foram alvos de perseguição lá também.
A Inquisição Portuguesa realizou o seu primeiro "[[auto-de-fé]]" em 1540. Os inquisidores portugueses principalmente direcionavam seus julgamentos contra os [[cristãos-novos]] (ou seja, judeus convertidos). A Inquisição Portuguesa expandiu o seu âmbito de operações de Portugal para as [[Império Português|possessões coloniais portuguesas]], como [[Brasil Colônia|Brasil]], [[Cabo Verde]] e [[Goa]], onde continuou como um tribunal religioso, investigando e julgando casos de violação dos princípios do [[catolicismo romano]] ortodoxo até 1821. D. João III (que reinou entre 1521 e 1557) estendeu a atividade dos tribunais para cobrir temas como [[censura]], [[adivinhação]], [[feitiçaria]] e [[bigamia]]. Originalmente voltada para uma ação religiosa, a Inquisição passou a exercer influência sobre quase todos os aspectos da sociedade portuguesa: político, cultural e social.
Apesar de não estar instituído no [[Brasil]], esta colônia estava subordinada ao Tribunal de Lisboa, que enviava um visitador para investigar presencialmente como se encontravam a fé e o cumprimento dos [[dogma]]s católicos pela população. Desse modo, registraram-se três visitações à colônia brasileira, nomeadamente na [[Capitania da Bahia]], na [[Capitania de Pernambuco]] e no [[Estado do Maranhão e Grão-Pará]]. Esta última, classificada como extemporânea pelos historiadores, ocorreu já ao final do [[século XVIII]], momento em que a instituição já se encontrava enfraquecida.
A Inquisição em Goa começou em 1560 e tinha como principal objetivo punir pessoas que seguiam o [[hinduísmo]] ou [[islamismo]] e que se converteram para o [[catolicismo romano]], mas que eram suspeitas de estarem seguindo suas antigas fés. Além disso, a Inquisição processava não-convertidos que interferiam em tentativas portuguesas de converter os não-cristãos ao catolicismo.<ref name="Salomon, H. P 2001 pp. 345-7">Salomon, H. P. and Sassoon, I. S. D., in Saraiva, Antonio Jose. ''The Marrano Factory. The Portuguese Inquisition and Its New Christians, 1536-1765'' (Brill, 2001), pgs. 345-7</ref>
De acordo com Henry Charles Lea,<ref>[[H.C. Lea]], ''A History of the Inquisition of Spain'', vol. 3, Livro 8</ref> entre 1540 e 1794, os tribunais de [[Lisboa]], [[Porto]], [[Coimbra]] e [[Évora]] queimaram 1175 pessoas vivas, a queimaram a [[efígie]] de outras 633 e impuseram castigos a 29 590 pessoas. No entanto, a documentação de 15 dos 689 [[autos-de-fé]] desapareceu, de forma que estes números podem subestimar levemente a realidade.<ref>
{{citar livro|primeiro1 =António José|último1 =Saraiva|primeiro2 =Herman Prins|último2 =Salomon|primeiro3 =I. S. D.|último3 = Sassoon| author-link3 = Isaac S.D. Sassoon |título=The Marrano Factory: the Portuguese Inquisition and its New Christians 1536-1765|url=http://books.google.com/?id=eG8xUFivagkC|acessodata=2010-04-13|anooriginal=First published in Portuguese in 1969|ano=2001|publicado=Brill|local=|isbn=978-90-04-12080-8|página=102}}</ref>
Em 22 de outubro de 2016 a Câmara Municipal da cidade de [[Évora]] inaugurou um monumento em homenagem às milhares de vítimas das Inquisição Portuguesa.<ref>[http://www.dn.pt/sociedade/interior/evora-inaugura-memorial-aos-milhares-de-vitimas-da-inquisicao-5456881.html Évora inaugura memorial aos milhares de vítimas da Inquisição]. [[Diário de Notícias (Portugal)|Diário de Notícias]] (22 de outubro de 2016). Acessado em 17 de novembro de 2016.</ref>
== Procedimentos ==
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