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== Considerações filosóficas sobre a Liberdade ==
 
=== DescartesGuy Debord ===
No livro [[A Sociedade do Espetáculo]], [[Guy Debord]] (1931-1994), ao criticar a [[sociedade de consumo]] e o [[mercado]], afirma que a liberdade de escolha é uma liberdade ilusória, pois escolher é sempre escolher entre duas ou mais coisas prontas, isto é, predeterminadas por outros. Uma sociedade como a capitalista, onde a única liberdade que existe socialmente é a liberdade de escolher qual mercadoria consumir, impede que os indivíduos sejam livres na sua vida cotidiana. A vida cotidiana, na sociedade capitalista, se divide em tempo de trabalho (que é não livre, submetido à [[hierarquia]] de administradores e às exigências de [[lucro]] impostas pelo mercado) e tempo de lazer (onde os indivíduos têm uma liberdade domesticada que é escolher entre coisas que foram feitas sem liberdade durante o tempo de trabalho da sociedade). Assim, a sociedade da mercadoria faz da passividade (escolher, consumir) a liberdade ilusória que se deve buscar a todo o custo, enquanto que, de fato, como seres ativos, práticos (no trabalho, na produção), somos não livres.
Para o filósofo [[René Descartes]] (1596-1650), age com mais liberdade quem melhor compreende as alternativas que precedem a escolha. Dessa [[premissa]] decorre o [[silogismo]] lógico de que quanto mais evidente a veracidade de uma alternativa, maiores as chances de ela ser escolhida pelo agente. Nesse sentido, a inexistência de acesso à informação afigura-se óbice à identificação da alternativa com maior grau de veracidade.
 
=== Espinoza ===
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# o hábito - as pessoas não tem lembrança alguma da liberdade pois já nascem em servidão, e mesmo que os humanos sejam naturalmente livres, também está na natureza a tendência a adquirir certos costumes. Essa “mudança de natureza” humana é o precursor do que poderíamos chamar de alienação, conceito que seria desenvolvido séculos depois por [[Georg Wilhelm Friedrich Hegel|Hegel]].
# a covardia derivada de uma “ilusão” acerca do tirano - os súditos se encantam de tal maneira, “manietados e entorpecidos” pelos “teatros, jogos, farsas, espetáculos, feras exóticas, as medalhas, os quadros e outras bugigangas” que perdem qualquer força ou energia.
# a própria estrutura hierárquica do poder - as poucas pessoas que cercam o tirano e são de sua confiança são dominadas por ele e dominam as demais, o que para La Boétie é como estender “ambas as mãos” <ref name=":0" /> à servidão, afastar-se definitivamente da liberdade. O autor explica melhor a dinâmica no seguinte trecho: ''“Essa meia dúzia tem ao seu serviço mais seiscentos que procedem com eles como eles procedem com o tirano. Abaixo destes seiscentos há seis mil devidamente ensinados a quem confiam ora o governo das províncias ora a administração do dinheiro, para que eles ocultem as suas avarezas e crueldades, para serem seus executores no momento combinado e praticarem tais malefícios que só à sombra deles podem sobreviver e não cair sob a alçada da lei e da justiça. E abaixo de todos estes vêm outros.”'' <ref name=":0" />
 
O poder do tirano em última instância está sempre em seus súditos: o povo voluntariamente nega sua liberdade e transfere poder para o tirano. Sem a liberdade, nem  mesmo as posses são aprazíveis, porque nada é definitivamente nosso - e ao tirano não resta muita coisa, pois até mesmo a amizade é impossível a ele. Para La Boétie, existe uma maneira de escapar da servidão, que é simplesmente cessando de desejá-la, como explicita na seguinte passagem:  
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{{quote2|A ação humana é contingente, espontânea e refletida. Ou seja, ela é tal que poderia ser de outra forma (nunca é necessária) e, por isso, contingente. É espontânea porque sempre parte do sujeito agente que, mesmo determinado, é responsável por causar ou não uma nova série de eventos dentro da teia causal. É refletida porque o homem pode conhecer os motivos pelos quais age no mundo e, uma vez conhecendo-os, lidar com eles de maneira livre.|}}
 
=== Schopenhauer ===
Para [[Arthur Schopenhauer]] (1788-1860), a ação humana não é absolutamente livre. Todo o agir humano, bem como todos os fenómenos da natureza, até mesmo suas leis são níveis de objetivação da coisa-em-si kantiana que o filósofo identifica como sendo puramente [[vontade]].
 
Para Schopenhauer, o homem é capaz de acessar sua realidade por um duplo registro: o primeiro, o do [[fenômeno]], onde todo o existente reduz-se, nesse nível, a mera [[representação]].
 
No nível essencial, que não se deixa apreender pela intuição intelectual, pela experiência dos sentidos, o mundo é apreendido imediatamente como vontade, [[Vontade de Vida]]. Nesse caso, a noção de vontade assume um aspecto amplo e aberto, transformando-se no princípio motor dos eventos que se sucedem na dimensão fenomênica segundo a lei da causalidade.
 
O homem, objeto entre objetos, coisa entre coisas, não possui liberdade de ação porque não é livre para deliberar sobre sua vontade. O homem não escolhe o que deseja, o que quer. Logo, não é livre - é absolutamente determinado a agir segundo sua vontade particular, objetivação da vontade metafísica por trás de todos os eventos naturais. O que parece deliberação é uma ilusão ocasionada pela mera consciência sobre os próprios desejos.É poder viver sem ninguém mandar.
 
=== Sartre ===
Para [[Jean-Paul Sartre]] (1905-1980), a liberdade é a condição [[Ontologia|ontológica]] do ser humano. O homem é, antes de tudo, livre.
 
O homem é livre mesmo de uma essência particular, como não o são os objetos do mundo, as coisas. Livre a um ponto tal que pode ser considerado a brecha por onde o [[Nada]] encontra seu espaço na [[ontologia]]. O homem é nada antes de definir-se como algo, e é absolutamente livre para definir-se, engajar-se, encerrar-se, esgotar a si mesmo.
 
O tema da liberdade é o núcleo central do pensamento do filósofo francês e resume toda a sua doutrina.
 
Sua tese é: a liberdade é absoluta ou não existe. Sartre recusa todo [[determinismo]] e mesmo qualquer forma de [[condicionamento]]. Assim, ele recusa [[Deus]] e inverte a tese de [[Lutero]]; para este, a liberdade não existe justamente porque Deus tudo sabe e tudo prevê. Mas como, para Sartre, Deus não existe, a liberdade é absoluta. E recusa também o determinismo [[Materialismo|materialista]]: se tudo se reduzisse à [[matéria]], não haveria [[consciência]] e não haveria liberdade. Qual é, então, o fundamento da liberdade? É o nada, o indeterminismo absoluto. Agora, entende-se melhor a má-fé: a tendência a ser termina sendo a negação da liberdade. Se o fundamento da consciência é o nada, nenhum ser consegue ser princípio de explicação do comportamento humano. Não há nenhum tipo de essência - divina, biológica, psicológica ou social - que anteceda e possa justificar o ato livre. É o próprio ato que tudo justifica. Por exemplo: de certo modo, eu escolho inclusive o meu nascimento. Por quê? Se eu me explicasse a partir de meu nascimento, de uma certa constituição psicossomática, eu seria apenas uma sucessão de objetos. Mas o homem não é objeto, ele é sujeito. Isso significa que, aqui e agora, a cada instante, é a minha consciência que está "escolhendo", para mim, aquilo que meu nascimento foi. O modo como sou meu nascimento é eternamente mediado pela consciência, ou seja, pelo nada. A falsificação da liberdade, ou a má-fé, reside precisamente na invenção dos determinismos de toda espécie, que põem no lugar do nada o ser.
 
A liberdade humana revela-se na [[angústia]]. O homem angustia-se diante de sua condenação à liberdade. O homem só não é livre para não ser livre: está condenado a fazer escolhas - e a responsabilidade de suas escolhas é tão opressiva que surgem escapatórias através das atitudes e [[paradigma]]s de má-fé, onde o homem aliena-se de sua própria liberdade, mentindo para si mesmo através de condutas e [[ideologia]]s que o isentem da responsabilidade sobre as próprias decisões.
 
=== Pecotche ===
Para [[Carlos Bernardo González Pecotche]] (1901-1963), a liberdade é prerrogativa natural do ser humano, já que nasce livre, embora não se dê conta até o momento em que sua consciência o faz experimentar a necessidade de exercê-la como único meio de realizar suas funções primordiais da vida e o objetivo que cada um deve atingir como ser racional e espiritual. Como princípio, assinala ao homem e lhe substancia sua posição dentro do mundo.
 
É preciso vinculá-la muito estreitamente ao dever e à responsabilidade individual, pois estes dois termos, de grande conteúdo moral, constituem a alavanca que move os atos humanos, preservando-os do excesso, sempre prejudicial à independência e à liberdade de quem nele incorre.
 
A liberdade é como o espaço, e que depende do ser humano que ela seja, também como ele, mais ampla ou mais estreita, vinculada ao controle dos próprios pensamentos e das atitudes. O conhecimento é o grande agente equilibrador das ações humanas e, em consequência, ao ampliar os domínios da consciência, é o que faz o ser mais livre.
 
=== Marx ===
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[[Bakunin]] (1814-1876) não se referia a um ideal abstrato de liberdade mas a uma realidade concreta baseada na liberdade simétrica de outros. Liberdade consiste no "desenvolvimento pleno de todas as faculdades e poderes de cada ser humano, pela educação, pelo treinamento científico, e pela prosperidade material." Tal concepção de liberdade é "eminentemente social, porque só pode ser concretizada em sociedade," não em isolamento. Em um sentido negativo, liberdade é "a revolta do indivíduo contra todo tipo de autoridade, divina, coletiva ou individual."
 
=== Guy DebordPecotche ===
Para [[Carlos Bernardo González Pecotche]] (1901-1963), a liberdade é prerrogativa natural do ser humano, já que nasce livre, embora não se dê conta até o momento em que sua consciência o faz experimentar a necessidade de exercê-la como único meio de realizar suas funções primordiais da vida e o objetivo que cada um deve atingir como ser racional e espiritual. Como princípio, assinala ao homem e lhe substancia sua posição dentro do mundo.
No livro [[A Sociedade do Espetáculo]], [[Guy Debord]] (1931-1994), ao criticar a [[sociedade de consumo]] e o [[mercado]], afirma que a liberdade de escolha é uma liberdade ilusória, pois escolher é sempre escolher entre duas ou mais coisas prontas, isto é, predeterminadas por outros. Uma sociedade como a capitalista, onde a única liberdade que existe socialmente é a liberdade de escolher qual mercadoria consumir, impede que os indivíduos sejam livres na sua vida cotidiana. A vida cotidiana, na sociedade capitalista, se divide em tempo de trabalho (que é não livre, submetido à [[hierarquia]] de administradores e às exigências de [[lucro]] impostas pelo mercado) e tempo de lazer (onde os indivíduos têm uma liberdade domesticada que é escolher entre coisas que foram feitas sem liberdade durante o tempo de trabalho da sociedade). Assim, a sociedade da mercadoria faz da passividade (escolher, consumir) a liberdade ilusória que se deve buscar a todo o custo, enquanto que, de fato, como seres ativos, práticos (no trabalho, na produção), somos não livres.
 
É preciso vinculá-la muito estreitamente ao dever e à responsabilidade individual, pois estes dois termos, de grande conteúdo moral, constituem a alavanca que move os atos humanos, preservando-os do excesso, sempre prejudicial à independência e à liberdade de quem nele incorre.
 
A liberdade é como o espaço, e que depende do ser humano que ela seja, também como ele, mais ampla ou mais estreita, vinculada ao controle dos próprios pensamentos e das atitudes. O conhecimento é o grande agente equilibrador das ações humanas e, em consequência, ao ampliar os domínios da consciência, é o que faz o ser mais livre.
 
=== Philip Pettit<ref>A exposição dos argumentos de Philip Petit foi baseada na seguinte obra: Pettit, Philip. "Teoria da Liberdade"; tradução de Renato Sérgio Pubo Maciel; coordenação e supervisão Luiz Moreira – Belo Horizonte: Del Rey, 2007. 272 páginas.</ref>===
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Philip inicia sua abordagem pela ótica da liberdade da vontade. Para tanto, resgata as ideias desenvolvidas por [[Immanuel Kant]] quando posto diante da seguinte indagação: existe liberdade da vontade?
 
=== Schopenhauer ===
Para [[Arthur Schopenhauer]] (1788-1860), a ação humana não é absolutamente livre. Todo o agir humano, bem como todos os fenómenos da natureza, até mesmo suas leis são níveis de objetivação da coisa-em-si kantiana que o filósofo identifica como sendo puramente [[vontade]].
 
Para Schopenhauer, o homem é capaz de acessar sua realidade por um duplo registro: o primeiro, o do [[fenômeno]], onde todo o existente reduz-se, nesse nível, a mera [[representação]].
 
No nível essencial, que não se deixa apreender pela intuição intelectual, pela experiência dos sentidos, o mundo é apreendido imediatamente como vontade, [[Vontade de Vida]]. Nesse caso, a noção de vontade assume um aspecto amplo e aberto, transformando-se no princípio motor dos eventos que se sucedem na dimensão fenomênica segundo a lei da causalidade.
 
O homem, objeto entre objetos, coisa entre coisas, não possui liberdade de ação porque não é livre para deliberar sobre sua vontade. O homem não escolhe o que deseja, o que quer. Logo, não é livre - é absolutamente determinado a agir segundo sua vontade particular, objetivação da vontade metafísica por trás de todos os eventos naturais. O que parece deliberação é uma ilusão ocasionada pela mera consciência sobre os próprios desejos.É poder viver sem ninguém mandar.
 
=== Sartre ===
Para [[Jean-Paul Sartre]] (1905-1980), a liberdade é a condição [[Ontologia|ontológica]] do ser humano. O homem é, antes de tudo, livre.
 
O homem é livre mesmo de uma essência particular, como não o são os objetos do mundo, as coisas. Livre a um ponto tal que pode ser considerado a brecha por onde o [[Nada]] encontra seu espaço na [[ontologia]]. O homem é nada antes de definir-se como algo, e é absolutamente livre para definir-se, engajar-se, encerrar-se, esgotar a si mesmo.
 
O tema da liberdade é o núcleo central do pensamento do filósofo francês e resume toda a sua doutrina.
 
Sua tese é: a liberdade é absoluta ou não existe. Sartre recusa todo [[determinismo]] e mesmo qualquer forma de [[condicionamento]]. Assim, ele recusa [[Deus]] e inverte a tese de [[Lutero]]; para este, a liberdade não existe justamente porque Deus tudo sabe e tudo prevê. Mas como, para Sartre, Deus não existe, a liberdade é absoluta. E recusa também o determinismo [[Materialismo|materialista]]: se tudo se reduzisse à [[matéria]], não haveria [[consciência]] e não haveria liberdade. Qual é, então, o fundamento da liberdade? É o nada, o indeterminismo absoluto. Agora, entende-se melhor a má-fé: a tendência a ser termina sendo a negação da liberdade. Se o fundamento da consciência é o nada, nenhum ser consegue ser princípio de explicação do comportamento humano. Não há nenhum tipo de essência - divina, biológica, psicológica ou social - que anteceda e possa justificar o ato livre. É o próprio ato que tudo justifica. Por exemplo: de certo modo, eu escolho inclusive o meu nascimento. Por quê? Se eu me explicasse a partir de meu nascimento, de uma certa constituição psicossomática, eu seria apenas uma sucessão de objetos. Mas o homem não é objeto, ele é sujeito. Isso significa que, aqui e agora, a cada instante, é a minha consciência que está "escolhendo", para mim, aquilo que meu nascimento foi. O modo como sou meu nascimento é eternamente mediado pela consciência, ou seja, pelo nada. A falsificação da liberdade, ou a má-fé, reside precisamente na invenção dos determinismos de toda espécie, que põem no lugar do nada o ser.
 
A liberdade humana revela-se na [[angústia]]. O homem angustia-se diante de sua condenação à liberdade. O homem só não é livre para não ser livre: está condenado a fazer escolhas - e a responsabilidade de suas escolhas é tão opressiva que surgem escapatórias através das atitudes e [[paradigma]]s de má-fé, onde o homem aliena-se de sua própria liberdade, mentindo para si mesmo através de condutas e [[ideologia]]s que o isentem da responsabilidade sobre as próprias decisões.
 
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{{Referências}}