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== Ética negativa ==
 
[[Julio Cabrera]] propõe um conceito de "ética negativa" em oposição ao que ele vê como éticas "afirmativas", que afirmam o [[Dasein|ser]].<ref name=":4">[https://drive.google.com/file/d/1mvuI4QFTBpBlnTJWKJNII0ezbUKMls5g/view] J. Cabrera, ''Projeto de Ética Negativa'', São Paulo: Edicões Mandacaru, 1989 (segunda edição: ''A Ética e Suas Negações, Não nascer, suicídio e pequenos assassinatos'', Rio De Janeiro: Rocco, 2011).</ref><ref name=":2">J. Cabrera, ''Crítica de la moral afirmativa: Una reflexión sobre nacimiento, muerte y valor de la vida'', Barcelona: Gedisa, 1996 (segunda edição em 2014). [http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/17430/3/Livro_CritiqueAffirmativeMorality.pdf] J. Cabrera, ''A critique of affirmative morality (A reflection on death, birth and the value of life)'', Julio Cabrera Editions, Brasília 2014 (edição inglesa).</ref><ref>J. Cabrera, ''Ética Negativa: problemas e discussões'', Goiânia: UFG, 2008.</ref><ref>[http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/15274/1/LIVRO_PorqueTeAmo.pdf ] J. Cabrera, T. Lenharo di Santis, ''Porque te amo, Não nascerás!: Nascituri te salutant'', Brasília: LGE, 2009.</ref><ref>J. Cabrera, ''Mal-estar e moralidade: situação humana, ética e procriação responsável'', Brasília: UNB, 2018.</ref> Ele descreve a procriação como um envioato manipulador e prejudicial, que envia de forma unilateral e não-consensual de um ser humano para uma situação imoral, dolorosa e perigosa. Para Cabrera, essa situação, a vida humana, é "estruturalmente negativa", na medida em que seus componentes constitutivos são inerentemente adversos. Os mais proeminentes desses componentes são, segundo ele, os seguintes:
* A) No nascimento, o ser humano ganha um ser decrescente (ou "minguante") no sentido de um ser que começa a acabar desde seu mero surgimento, seguindo uma direção única e irreversível de desgaste e declínio e cujo total acabamento pode consumar-se a qualquer momento.
* B) O ser humano é afetado, desde o início do seu surgimento, por três tipos de atrito: [[dor]] física (em forma de [[Doença|doenças]], [[Acidente|acidentes]] e catástrofes às quais está desde sempre exposto); desânimo (categoria que abrange fenômenos como a falta de vontade, [[cansaço]], falta de forças, sensação de falta de sentido, [[Motivação|desmotivação]], [[tédio]] e [[Depressão (humor)|depressão]]); e "inabilitação moral". De acordo com a ética negativa, os humanos são "moralmente desqualificados": não somos capazes de agir moralmente para com todos em todas as circunstâncias. Essa inabilitação não ocorre por causa de uma "maldade" intrínseca da natureza humana, mas por conta da situação estrutural em que os seres humanos se encontram desde sempre. Nessa situação, os humanos são acuados por vários tipos de dor, há espaços limitados para ação, e interesses diferentes muitas vezes conflitam entre si. Não precisamos ter más intenções para tratar os outros com desconsideração; somos compelidos a fazê-lo para sobreviver, perseguir nossos projetos e fugir do sofrimento. A inabilitação moral é para Cabrera a pior coisa na vida humana e na procriação: ao procriar, gera-se outro humano que não poderá viver moralmente. Cabrera também chama a atenção para o fato de que a vida está associada ao risco constante de se sentir fortes dores físicas, o que é comum na vida humana, por exemplo, como resultado de uma doença grave, e sustenta que a mera existência de tal possibilidade nos impede moralmente, bem como que, por conta disso, podemos a qualquer momento perder, como resultado de sua ocorrência, a possibilidade de um funcionamento digno e moral, mesmo em um grau mínimo.
* C) O ser humano está equipado de mecanismos de criação de valores positivos de todo tipo (morais, [[Estética|estéticos]], [[Religião|religiosos]], [[Ciência|científicos]], [[Erotismo|eróticos]], [[Arte|artísticos]], etc) que funcionam como defesa contra A e B, mecanismos que o humano deve manter constantemente ativos. Segundo Cabrera, todos os valores positivos que aparecem dentro da vida humana são reativos e paliativos; eles são introduzidos pela luta permanente, ansiosa, esforçada e com resultados incertos que livramos contra o ser decrescente e atritado ganho no nascimento, para sermos finalmente derrotados pela sua plena consumação. Cabrera acredita que um enorme número de humanos em todo o mundo não consegue suportar essa luta íngreme contra a a estrutura terminal do seu ser, o que leva a consequências destrutivas para eles e outros: [[Suicídio|suicídios]], [[Transtorno mental|doenças mentais]] de maior ou menor gravidade ou [[agressão|comportamento agressivo]]. Ele aceita que a vida pode, em circunstâncias normais e mesmo em circunstâncias anormais e dramáticas, ser suportável (embora, na doença grave ou na injustiça social imensa, ela possa tornar-se insuportável) e também que os humanos são capazes – pelo seu próprio mérito e esforço – de tornar a vida não apenas suportável, mas muito agradável (embora não para todos, pois segundo Cabrera, o preço da vida agradável de alguns pode muitas vezes ser a vida desagradável de outros), mas considera que também é problemático procriar alguém para que tente tornar a sua vida agradável ao lutar contra a situação difícil e opressiva que lhe damos ao gerá-lo. Parece mais razoável, na opinião de Cabrera, simplesmente não colocá-lo na situação à qual terá que reagir com resultados tão incertos. E conclui que: "tudo o que dissermos para nós podermos continuar vivendo não tem sentido para aquele que ainda não é".
 
Cabrera considera a procriação como uma manipulação [[Ontologia|ontológica]] e total: o próprio ser de alguém é fabricado e usado, e portanto, em contraste com casos intra-mundanos em que se é colocado em uma situação danosa, no caso da procriação não há qualquer possibilidade de defesa contra esse ato. Segundo Cabrera, a manipulação na procriação é visível principalmente no caráter não-consensual e unilateral do ato, de maneira que procriar é per se e inevitavelmente assimétrico, seja produto de premeditação, seja produto de descuido; está sempre atrelado a interesses (ou desinteresses) de outros humanos, não do humano criado. Além disso, Cabrera aponta que, em sua opinião, a manipulação da procriação geralmente não se limita ao ato de criação em si, mas continua no processo de formação da criança, ondedurante elao qual os pais obtém grande poder sobre a vida da criança, que é moldada de acordo com as preferências dos pais e para sua satisfação. Ele enfatiza que, embora não seja possível evitar a manipulação durante a procriação, é perfeitamente possível evitar a procriação em si, e que, então, nenhuma regra moral é violada e a criança não é prejudicada de forma alguma. De acordo com Cabrera, na ética, e também nas éticas afirmativas, há um conceito abrangente que ele chama de "Articulação Ética Fundamental", em suma "AEF": a consideração dos interesses dos outros, não manipular e não prejudicar. A procriação é para ele uma violação óbvia da AEF. Em sua opinião, os valores incluídos na AEF já são amplamente aceitos pelas éticas afirmativas e, se abordados [[Hipocrisia|radicalmente]], devem levar à recusa da procriação. Cabrera também distingue entre "morte estrutural" ("ME", ou simplesmente mortalidade), o processo de morrer iniciado pelo nascimento e "morte pontual" ("MP"), o momento em que se deixa de existir. Em sua opinião, reconhecer a morte (no sentido da ME) como ruim e lamentar ter de morrer, deve ser idêntico a reconhecer o nascimento como ruim e arrepender-se de nascer, já que não nos é possível nascer não-mortalmente.
Cabrera denomina o conjunto dessas características A–C de "terminalidade do ser".
 
Cabrera acredita que a situação na qual se é colocado através da procriação, a vida humana, é "estruturalmente negativa", na medida em que seus componentes constitutivos são inerentemente adversos. Os mais proeminentes desses componentes são, segundo ele, os seguintes:
Cabrera considera a procriação como uma manipulação [[Ontologia|ontológica]] e total: o próprio ser de alguém é fabricado e usado, e portanto, em contraste com casos intra-mundanos em que se é colocado em uma situação danosa, no caso da procriação não há qualquer possibilidade de defesa contra esse ato. Segundo Cabrera, a manipulação na procriação é visível principalmente no caráter não-consensual e unilateral do ato, de maneira que procriar é per se e inevitavelmente assimétrico, seja produto de premeditação, seja produto de descuido; está sempre atrelado a interesses (ou desinteresses) de outros humanos, não do humano criado. Além disso, Cabrera aponta que, em sua opinião, a manipulação da procriação geralmente não se limita ao ato de criação em si, mas continua no processo de formação da criança, onde ela é moldada de acordo com as preferências dos pais e para sua satisfação. Ele enfatiza que, embora não seja possível evitar a manipulação durante a procriação, é perfeitamente possível evitar a procriação em si, e que, então, nenhuma regra moral é violada e a criança não é prejudicada de forma alguma. De acordo com Cabrera, na ética, e também nas éticas afirmativas, há um conceito abrangente que ele chama de "Articulação Ética Fundamental", em suma "AEF": a consideração dos interesses dos outros, não manipular e não prejudicar. A procriação é para ele uma violação óbvia da AEF. Em sua opinião, os valores incluídos na AEF já são amplamente aceitos pelas éticas afirmativas e, se abordados [[Hipocrisia|radicalmente]], devem levar à recusa da procriação. Cabrera também distingue entre "morte estrutural" ("ME", ou simplesmente mortalidade), o processo de morrer iniciado pelo nascimento e "morte pontual" ("MP"), o momento em que se deixa de existir. Em sua opinião, reconhecer a morte (no sentido da ME) como ruim e lamentar ter de morrer, deve ser idêntico a reconhecer o nascimento como ruim e arrepender-se de nascer, já que não nos é possível nascer não-mortalmente.
 
* A) No nascimento, o ser humano ganha um ser decrescente (ou "minguante") no sentido de um ser que começa a acabar desde seu mero surgimento, seguindo uma direção única e irreversível de desgaste e declínio e cujo total acabamento pode consumar-se a qualquer momento.
* B) O ser humano é afetado, desde o início do seu surgimento, por três tipos de atrito: [[dor]] física (em forma de [[Doença|doenças]], [[Acidente|acidentes]] e catástrofes naturais às quais está desde sempre exposto); desânimo (categoria que abrange fenômenos como a falta de vontade, [[cansaço]], falta de forças, sensação de falta de sentido, [[Motivação|desmotivação]], [[tédio]] e [[Depressão (humor)|depressão]]); e, finalmente, a exposição à ação agressiva de outros humanos (em forma de discriminações, fofocas, calúnias, exclusões, perseguições, injustiças, tortura física e psicológica, e mesmo extermínio), também eles submetidos aos três tipos de atrito.
* C) O ser humano está equipado com mecanismos de criação de valores positivos (éticos, [[Estética|estéticos]], [[Religião|religiosos]], [[Entretenimento|lúdicos]], bem como valores contidos em realizações humanas de todo tipo) que funcionam como defesa contra A e B, mecanismos que o humano deve manter constantemente ativos. Segundo Cabrera, todos os valores positivos que aparecem dentro da vida humana são reativos e paliativos; eles são introduzidos pela luta permanente, ansiosa, esforçada e com resultados incertos que livramos contra o ser decrescente e atritado ganho no nascimento. 
 
Cabrera denomina o conjunto dessas características A–C de "terminalidade do ser". Ele acredita que um grande número de humanos em todo o mundo não consegue suportar essa luta íngreme contra a a estrutura terminal do seu ser, o que leva a consequências destrutivas para eles e outros: [[Suicídio|suicídios]], [[Transtorno mental|doenças mentais]] de maior ou menor gravidade ou [[agressão|comportamento agressivo]]. Ele aceita que a vida pode – pelo próprio mérito e esforço dos humanos – ser tolerável e mesmo muito agradável (embora não para todos, pois segundo Cabrera, o preço da vida agradável de alguns pode muitas vezes ser a vida desagradável de outros), mas considera que também é problemático procriar alguém para que tente tornar a sua vida agradável ao lutar contra a situação difícil e opressiva que lhe damos ao gerá-lo.
 
De acordo com Cabrera, na ética, e também nas éticas afirmativas, há um conceito abrangente que ele chama de "Articulação Ética Fundamental", em suma "AEF": a consideração dos interesses dos outros, não manipular e não prejudicar. A procriação é para ele uma violação óbvia da AEF, uma vez que alguém é manipulado e colocado numa situação prejudicial como resultado dessa ação. Em sua opinião, os valores incluídos na AEF já são amplamente aceitos pelas éticas afirmativas e, se abordados [[Hipocrisia|radicalmente]], devem levar à recusa da procriação.
 
*Para B) O ser humano é afetadoCabrera, desdea opior iníciocoisa dona seuvida surgimento,humana poré três tipos de atrito: [[dor]] física (em forma de [[Doença|doenças]], [[Acidente|acidentes]] e catástrofes às quais está desde sempre exposto); desânimo (categoriao que abrangeele fenômenos como a faltachama de vontade, [[cansaço]], falta de forças, sensação de falta de sentido, [[Motivação|desmotivação]], [[tédio]] e [[Depressão (humor)|depressão]]); e "inabilitação moral".: Deao acordo com a ética negativaprocriar, osgera-se humanosoutro sãohumano "moralmente desqualificados":que não somospoderá capazes de agirviver moralmente para com todos em todas as circunstâncias. Essa inabilitação não ocorre por causa de uma "maldade" intrínseca da natureza humana, mas por conta da situação estrutural em que os seres humanos se encontram desde sempre. Nessa situação, os humanos são acuados por vários tipos de dor, há espaços limitados para ação, e interesses diferentes muitas vezes conflitam entre si. Não precisamos ter más intenções para tratar os outros com desconsideração; somos compelidos a fazê-lo para sobreviver, perseguir nossos projetos e fugir do sofrimento. A inabilitação moral é para Cabrera a pior coisa na vida humana e na procriação: ao procriar, gera-se outro humano que não poderá viver moralmente. Cabrera também chama a atenção para o fato de que a vida está associada ao risco constante de se sentir fortes dores físicas, o que é comum na vida humana, por exemplo, como resultado de uma doença grave, e sustenta que a mera existência de tal possibilidade nos impede moralmente, bem como que, por conta disso, podemos a qualquer momento perder, como resultado de sua ocorrência, a possibilidade de um funcionamento digno e moral, mesmo em um grau mínimo.
== Imperativo kantiano ==