Curandeirismo: diferenças entre revisões

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Referências - História Portugal Brasil
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[[Ficheiro:Shona witch doctor (Zimbabwe).jpg|thumb|150px|[[Nganga]], um curandeiro [[Shona (povo)|Shona]] do [[Zimbabwe]].]]
O '''Curandeirismo''' é uma arte ou técnica na qual o praticante — o curandeiro ou [[curador]] — afirma ter o poder de curar, quer recorrendo a forças misteriosas de que pretensamente disporia, quer pela pretendida colaboração regular de deuses, [[espíritos]] de luz, de mortos, de animais, etc., que lhe serviriam ou ele dominaria. Nesse sentido, envolve todo um conjunto de "rezas" e práticas de sacerdotes/terapeutas, [[benzedor]]es, [[xamã]]s, [[pajé]]s, [[médium]]s, [[babalorixá]]s, [[pai-de-santo|pais de santo]], entre outros nomes como tais praticantes são designados a depender da região e cultura local <ref>GALVÃO, Eduardo. Santos e visagens: um estudo da vida religiosa de Itá, Baixo Amazonas (Brasiliana v.284). SP, Ed. Nacional, INL, 1976</ref> <ref>[[Oscar Gonzalez Quevedo|GONZÁLEZ-QUEVEDO, Oscar]]. Curandeirismo: um Mal Ou um Bem? SP, Edições Loyola, 1976</ref> <ref>ARAÚJO, Alceu Maynard. Medicina rústica (Brasiliana v.300). SP, Ed. Nacional, 1979</ref>.
 
Na história da medicina, desenvolveu-se paulatinamente uma série de práticas de controle e monopólio do saber médico e exercício da profissão. <ref name="PIMENTA"> PIMENTA, Tânia Salgado. Transformações no exercício das artes de curar no Rio de Janeiro durante a primeira metade do Oitocentos. Hist. cienc. saúde-Manguinhos [online]. 2004, vol.11, suppl.1, pp. 67-92 [http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v11s1/03.pdf PDF] JulSet. 20142019</ref>. Há, portanto, a necessidade de reconhecimento do saber médico e da eficácia de terapêuticas a partir de estudos específicos, seja do âmbito da [[antropologia da saúde]], avaliando o bem estar psicológico, espiritual e social, seja da [[Medicina baseada em evidências|clínica médica]], havendo também o reconhecimento da prática como integrante de uma [[religião]] reconhecida como tal nos contexto histórico e geográfico onde se insere.
 
Tais processos, tanto podem ser compreendidos como uma forma de ''legitimação social'', na medida em que não mais se constituem como um saber popular de amplo domínio das comunidades (ou de grupos específicos) e requerem uma iniciação/formação e prática/teórica — a [[medicina tradicional]], até o saber reconhecido na comunidade científica do atual [[paradigma]], que constitui a medicina cosmopolita pós-renascentista, [[alopatia]] para alguns, atualmente fundamentada na [[epidemiologia]] clínica e [[revisão sistemática da literatura|revisões sistemáticas da literatura]] denominadas por [[medicina baseada em evidências]].
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== Curandeiros ==
O curandeirismo situa-se, portanto, entre duas grandes arenas de discussão: a [[liberdade religiosa]] e o reconhecimento pelos órgãos de medicina. Nesse último caso, supõe-se que seu agente, o curandeiro (enquadrado na lei), não possui conhecimento algum da [[medicina]]. As [[cura]]s acontecem por meio da [[Auto-Sugestão|sugestão]] ou também chamado [[efeito placebo]]. O crime relacionado a esta prática, previsto no [[código penal brasileiro]] — ver [[Curandeirismo (curandeirismo - crime)]] — consiste mais na [[falsidade ideológica]] (falsificação do diploma e atuação como profissional de saúde) do que no dano à saúde, que pode ocorrer mesmo com profissionais habilitados (ver [[Iatrogenia|erro médico]]) por negligência ou imperícia.
No primeiro caso, apesar da necessidade de controle das práticas religiosas motivadas por desorientações coletivas como a que ocorreu nas Guianas, na comunidade liderada pelo pastor [[Jim Jones]], e outros exemplos de [[fanatismo]], teme-se repetir tragédias de acusação de [[Bruxaria]] na [[Santa Inquisição|Inquisição]], durante a [[idade média]].
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A Constituição de Angola consagra a liberdade religiosa e o Governo respeitou este direito na prática; segundo dados do consulado de Angola nos [[EUA]], não houve denúncias de prisões ou detenções por motivos religiosos no país.
 
Outro exemplo, foi a obrigatoriedade de registrar as Casas de [[Candomblé]], no Brasil, até 1960, por puro preconceito racial e cultural contra os valores das populações escravizadas <ref>PRANDI, Reginaldo. O Brasil com axé: candomblé e umbanda no mercado religioso. Estud. av. [online]. 2004, vol.18, n.52 [cited 2014-07-16], pp. 223-238 . [http://www.scielo.br/pdf/ea/v18n52/a15v1852.pdf PDF] Jul.2014</ref>.
 
== Da Polícia Médica aos Conselhos Profissionais ==
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== Portugal e Brasil ==
No período colonial, o mesmo modelo de organização dos serviços de saúde, até então vigentes em Portugal, foram transferidos para o Brasil. A estrutura administrativa da Fisicatura era representada pelo Físico-Mor e pelo Cirurgião-Mor do Reino, que, usando de suas atribuições estabeleciam regimentos sanitários especialmente sobre legalização e da fiscalização do exercício da medicina, expediam avisos, alvarás e provisões para serem executadas pelos seus representantes no Brasil. <ref>HEYNEMANN, Cláudia Beatriz. Medicina e práticas curativas no Brasil joanino. A corte no Brasil/ Práticas Médicas. Arquivo Nacional . História Luso Brasileira [http://www.historiacolonial.arquivonacional.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5222&Itemid=276 Edições On Line] Acesso 4/9/19 </ref>
 
Em 1782, D. Maria I criou a Junta do Proto-Medicato em substituição à estrutura da Fisicatura. Formada por um Conselho de deputados, essa instituição, também tinha, como objetivo maior, a fiscalização do exercício da medicina e o controle da venda de medicamento. <ref>ABREU, Laurinda. A institucionalização do saber médico e suas implicações sobre a rede de curadores oficiais na América portuguesa. Tempo, Niterói , v. 24, n. 3, p. 493-524, Dec. 2018 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-77042018000300493&lng=en&nrm=iso>. access on 04 Sept. 2019. http://dx.doi.org/10.1590/tem-1980-542x2018v240305.</ref>
 
As práticas médicas da época estava a cargo das [[Santa Casa de Misericórdia|Santas Casas de Misericórdias]], hospitais militares e os denominados físicos, os [[Barbeiro-cirurgião|cirurgiões-barbeiros]], barbeiros sangradores, [[boticário]]s curandeiros e [[parteira]]s. <ref>FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves. Barbeiros e cirurgiões: atuação dos práticos ao longo do século XIX. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro , v. 6, n. 2, p. 277-291, Oct. 1999 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59701999000300003&lng=en&nrm=iso>. access on 04 Sept. 2019. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59701999000300003.</ref> <ref>PALHARINI, Luciana Aparecida; FIGUEIROA, Silvia Fernanda de Mendonça. Gênero, história e medicalização do parto: a exposição “Mulheres e práticas de saúde”. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro , v. 25, n. 4, p. 1039-1061, Dec. 2018 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702018000401039&lng=en&nrm=iso>. access on 04 Sept. 2019. http://dx.doi.org/10.1590/s0104-59702018000500008.</ref> <ref>GANDELMAN, Luciana Mendes. A Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro nos séculos XVI a XIX. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro , v. 8, n. 3, p. 613-630, Dec. 2001 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702001000400006&lng=en&nrm=iso>. access on 04 Sept. 2019. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702001000400006.</ref>
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No fim da década de 1820 e início dos anos 1830, observa-se uma série de marcos no processo de institucionalização da medicina, como a criação da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e de vários periódicos especializados a exemplo dos [http://www.fiocruz.br/brasiliana/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=20&sid=21|"Anais Brasilienses de Medicina"], periódico da Academia Imperial de Medicina. <ref>ERREIRA, Luiz Otávio; MAIO, Marcos Chor; AZEVEDO, Nara. A Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro: a gênese de uma rede institucional alternativa. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro , v. 4, n. 3, p. 475-491, Nov. 1997 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59701997000300004&lng=en&nrm=iso>. access on 04 Sept. 2019. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59701997000300004.</ref>
 
Em 1828 foi extinta a Fisicatura-mor órgão do governo responsável pela fiscalização e regulamentação de todas as atividades relacionadas às artes terapêuticas. <ref name="PIMENTA"/>
artes terapêuticas.
 
Os [[Curador|curandeiros]] e os [[Sangria (medicina)|sangradores]] foram desautorizados, excluídos do conjunto de atividades legais. As [[Obstetriz|parteiras]] foram desqualificadas para uma posição subalterna e tiveram as suas atividades apropriadas, o que serviu à expansão do mercado para os médicos. <ref>PIMENTA, 2004 (o.c.) </ref>