Ruínas lusitano-romanas da Boca do Rio: diferenças entre revisões

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[[file:Carta_Archeologica_do_Algarve_1878.svg|thumb|left|Carta Arqueológica do Algarve, publicada em 1878 por [[Estácio da Veiga]]. A Boca do Rio está identificada como local de vestígios da idade do ferro.]]
===Redescoberta===
====Primeiros relatos====
Segundo Estácio da Veiga, as ruínas já eram conhecidas pelo menos desde o Século XVIII, tendo encontrado diversas notícias de autores algarvios desse período.<ref name=ArqPorI:15/> Com efeito, terão sido descobertas na sequência do [[Sismo de 1755]].<ref name=DGPC/> Estácio da Veiga copiou uma descrição das ruínas da Boca do Rio da obra ''Corographia do Algarve'', de [[João Baptista da Silva Lopes|Silva Lopes]], esta própria copiada da ''Memória'', provavelmente da autoria de Dimas Tadeu de Almeida Ramos, escritor e médico lacobrigense.<ref name=ArqPorI:15/> Segundo o texto, «''Na costa e meia legua a SE. está a fortaleza de Almadena feita no tempo de Filipe III, sendo governador do Algarve o Conde do Prado D. Luis de Sousa. Pelo ribeiro de agua doce que ali desagua na praia, entrou o mar no dia do terramoto por mais de meia legua, em altura de dez a doze varas, arrastando uns grandiosos médãos de areia, onde estavam cincoenta ferros dos mais pesados pertencentes á armação que ali se lança, os quais arrastou a mais de um quarto de legua pela terra adentro. Na resaca deixou descobertos na praia á borda da água, uns grandes e nobres edificios, de que não havia memoria, nem tradição. Não se póde determinar a sua extensão por estarem muito debaixo d'agua por uma parte, e na outra bate-lhes a maré: indicão porém ter sido de grande povoação, porque pelo lado da terra erão cingidos de um grosso muro de cantaria com outro de formigão ou taipa por dentro, e algumas meias paredes de ladrilho com repartimentos em quadro, continuando outros grandes e muitos alicerces. Para o nascente appareceu uma grande calçada por entre paredes de cantaria com porta de grades de ferro no fim, ao lado da qual se encontrou outra porta, com boca de forno de cozer louça, que parece de templo; e subterraneo e ao nivel da terra um grande tanque fundo com degráos, para o qual se encaminhavão tres canos por entre muitas paredes, descobertos por cima, e por baixo tem ladrilhos com grandes pastas de chumbo. Pela parte do mar ha grandes alicerces, paredes largas e compridas, rebocadas e pintadas de varias côres. Por este lado ha uma estrada para esse edificio fabricado em volta redonda, de boa pedraria, com suas columnas compridas de pedra marmore. Immediatos estão varios aposentos, cujo solo é fabricado de muitas pedrinhas quadradas de varias côres, e raras, tão bem conglutinadas, que custa a dividi-las. Em alguns reboques se descobrem algumas letras imperceptiveis; as que se acharão com mais clareza são as seguintes: TIROR - TIORIRA5. Pelos anos de 1715 se descobrio ali em outro impulso do mar um caes, junto a estes edificios, de boa cantaria, com grandes argolas; e agora tornou a apparecer. O mar deixou, onde era terra firme, um lago bastante largo, de que ainda não se averiguou o fundo; nem com a enchente nem com a vasante se descobre a menor alteração. Da outra parte do foz do rio para a nascente está immediata a dita fortaleza de Almádena, que não teve ruina consideravel.''»<ref name=ArqPorI:15/> NoSegundo entantoSilva Lopes, apesarDimas desteTadeu conhecimentoavançou anterior,a asteoria primeirasque pesquisasa arqueológicaspovoação na foramBoca feitasdo aRio partirera de 1878origem romana, pordevido Estácioà daexistência Veiga.<refdos name=DGPC/>tanques Ase escavaçõesdos foramcanos, feitasque depareciam formaser muitoparte limitada,de devidoum aos fracos recursos disponíveisbalneário, tendoestrutura apesarmuito dissoutilizada feitopor importantesaquela descobertascivilização, incluindoalém diversosda edifícios com pavimentosdescoberta de mosaicosletras latinas, algunse delesuma emmoeda excelentede estadocobre de conservação[[Nero]].<ref name=DGPCArqPorI:15/> NessaDimas alturaTadeu otambém estuárioespeculou eque ao suanome barrada povoação estavamromana aseria passar''Budea'' porou um''Bude'', processoque depoderia assoreamento,ser emboraa aindaorigem sedo fizessemtopónimo grandesda plantaçõesaldeia de arrozaisBudens, situada nonas localproximidades.<ref name=DGPCArqPorI:15/>
 
Esta teoria que a antiga povoação romana terá dado o nome à moderna aldeia de Budens também foi partilhada pelo pároco Ricardo Alvares Themudo, que em 1758 descreveu as ruínas da Boca do Rio como parte de um relato sobre os estragos causados pelo Sismo de 1755, e que foi coligido na obra ''Diccionario Geografico'', preservado na [[Torre do Tombo]]: «''na occasião do terramoto de 1755 junto á fortaleza de Almadena, sahindo o mar do seu curso lançando fóra as areias de hũa pequena praya q. havia junto a hũa limitada abertura por onde entra a maré, á qual chamam o rio da Almadena, se descobrirão fundamentos de avultada povoação, que continuava para a parte do mar, pois no abrir das ondas se divisavão a montes as pedras soltas de destruidos edificios que com o continuo dos tempos submergirão as aguas; e na pequena parte que perto das ondas as areias descobrirão vi, e observei muitas pedras de cantaria bem fabricadas, e principios de edificios, que ao parecer e modo guardavão a Povoação das innundações e marés naquelle tempo; e hoje se acha tudo coberto de terra como antes, e se prezume ter sido hũa antiga cidade de Buda, d'onde tomou esta freguesia de Budens, mas disto não vi escritos''».<ref name=ArqPorI:15/> O padre Luís Cardoso também acreditou que o nome de ''Budens'' vinha de uma povoação antiga, embora tenha avançado que a sua localização era a mesma da aldeia moderna: «''Por baixo do logar de Budens, ao poente, havia uma torre antiga, do tempo dos mouros, em que hoje está um moinho de vento, em cujo sitio se diz foi a cidade de Bude nos tempos antigos''».<ref name=ArqPorI:15/> Estácio da Veiga desvalorizou ambas as teorias sobre a topologia de Budens, apontando em vez disso que tinha sido feita confusão com a cidade antiga de Budua, situada entre ''Elvii'' ([[Elvas]]) e ''[[Augusta Emerita]]'' ([[Mérida]]).<ref name=ArqPorI:15/>
As ruínas da Boca do Rio foram depois investigadas por [[António dos Santos Rocha]] em 1896, [[José Formosinho]] em 1933, [[Abel Viana]] e Octávio da Veiga Ferreira em 1960, e Francisco Alves a partir de 1982.<ref name=SIPA>{{citar web|titulo=Ruínas Lusitano-Romanas da Boca do Rio|departamento=Sistema de Informação para o Património Arquitectónico|publicado=Direcção Geral do Património Cultural|url=http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=1222|acessodata=1 de Novembro de 2019}}</ref> Em 1977, as ''Ruínas lusitano-romanas da Boca do Rio'' foram classificadas como Imóvel de Interesse Público.<ref name=D129:77/> Em 1991, Francisco Alves apresentou várias medidas para assegurar a preservação do sítio arqueológico, que nessa altura estava vedado.<ref name=DGPC/>
 
[[File:Ruínas Romanas da Boca do Rio 10 - Vila do Bispo - 04-11-2019.jpg|thumb|Parte das ruínas em 2019, que foi identificado como um possível forno.]]
====Escavações arqueológicas====
No entanto, apesar deste conhecimento anterior, as primeiras pesquisas arqueológicas só foram feitas a partir de 1878, por Estácio da Veiga.<ref name=DGPC/> As escavações foram feitas de forma muito limitada, devido aos fracos recursos disponíveis, tendo apesar disso feito importantes descobertas, incluindo diversos edifícios com pavimentos de mosaicos, alguns deles em excelente estado de conservação.<ref name=DGPC/> Nessa altura o estuário e a sua barra já estavam a passar por um processo de assoreamento, embora ainda se fizessem grandes plantações de arrozais no local.<ref name=DGPC/> As ruínas da Boca do Rio foram depois investigadas por [[António dos Santos Rocha]] em 1896, [[José Formosinho]] em 1933, [[Abel Viana]] e Octávio da Veiga Ferreira em 1960, e Francisco Alves a partir de 1982.<ref name=SIPA>{{citar web|titulo=Ruínas Lusitano-Romanas da Boca do Rio|departamento=Sistema de Informação para o Património Arquitectónico|publicado=Direcção Geral do Património Cultural|url=http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=1222|acessodata=1 de Novembro de 2019}}</ref> Em 1977, as ''Ruínas lusitano-romanas da Boca do Rio'' foram classificadas como Imóvel de Interesse Público.<ref name=D129:77/> Em 1991, Francisco Alves apresentou várias medidas para assegurar a preservação do sítio arqueológico, que nessa altura estava vedado.<ref name=DGPC/>
 
Em 2017, iniciou-se um ciclo de escavações arqueológicas nas ruínas da Boca do Rio, por parte das Universidades de [[Universidade de Marburgo|Marburgo]], [[Universidade de Colónia|Colónia]] e [[Aachen]], em colaboração com a [[Universidade do Algarve]].<ref name=PTNews2019>{{citar jornal|autor=ROBERTSON, Jane|titulo=Algarve Archaelogical Association Talk|pagina=19|jornal=The Portugal News|data=30 de Março de 2019|numero=1519|local=Lagoa|publicado=Anglopress Edições e Publicidade|idioma=en}}</ref> Estes trabalhos contaram com o apoio financeiro da autarquia de Vila do Bispo,<ref name=Postal2018/> tendo sido feitos no âmbito dum programa sobre a produção de molhos à base de peixe na [[Hispânia]], financiado pela [[Deutsche Forschungsgemeinschaft|Fundação Alemã de Pesquisa]].<ref name=PTNews2019/> Também estiveram inseridos no programa ''Boca do Rio – um sítio pesqueiro entre dois mares'', dirigido pelos professores João Pedro Bernardes, do Centro de Estudos em Artes, Arqueologia e Património da Universidade do Algarve, e Félix Teichner ([[:de:Felix Teichner (Archäologe)|de]]) da Universidade de Marburgo, e baseado no Centro de Acolhimento à Investigação – Núcleo de Investigação Arqueológica de Vila do Bispo.<ref name=Vilas2003>Vilas e Aldeias do Algarve Rural, 2003:40</ref> Este projecto envolveu igualmente vários alunos universitários, com o apoio da Associação Arqueológica do Algarve.<ref name=PTNews2019/> Ainda em 2017, uma investigação geofísica do local descobriu a existência de um porto, composto por pontão de calcário, com cerca de 40 m de comprimento, com pedras furadas para atracar barcos, uma rampa e degraus de acesso, que estava enterrado por debaixo das dunas.<ref name=PTNews2019/> Este foi considerado na altura o porto romano em melhor estado de conservação em território nacional.<ref name=PTNews2019/> Também foram encontradas valas com dois metros de profundidade, onde era produzido o ''garum''.<ref name=PTNews2019/> As várias pesquisas geofísicas, em conjunto com escavações no local, permitiram uma nova visão da organização e da complexidade do conjunto romano da Boca do Rio.<ref name=PTNews2019/> Em Abril de de 2019, a Associação Arqueológica do Algarve organizou duas conferências em [[São Brás de Alportel]], sobre os resultados das escavações na Boca do Rio.<ref name=PTNews2019/> Em Maio de 2019, a autarquia de Vila do Bispo lançou a aplicação de telemóvel ''Bishop Go'', com informações sobre cinco percursos turísticos no interior do concelho, tendo uma deles, a ''Rota da Boca do Rio'', integrado a ''villa'' romana e a armação da pesca do atum na Boca do Rio.<ref>{{citar web|titulo=Windy, a gralha que nos guia pela app do património de Vila do Bispo|autor=LEMOS, Pedro|data=21 de Maio de 2019|jornal=Sul Informação|url=https://www.sulinformacao.pt/2019/05/windy-a-gralha-que-nos-guia-pela-app-do-patrimonio-de-vila-do-bispo/|acessodata=31 de Outubro de 2019}}</ref>