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→‎Crítica: Crítica da teoria da vantagem comparativa
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== Crítica ==
A teoria ricardiana recebeu críticas da corrente [[estruturalismo|estruturalista]] (escola [[cepal]]ina) de [[Raúl Prebisch]] por desconsiderar a dinâmica de longo prazo dos preços dos bens cuja produção foi especializada pelos países. Além disso, a teoria não leva em conta outras questões, como o custo de transporte e ganhos de escala.<ref>[http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/5213/5213_3.PDF O pensamento da CEPAL nos anos 1950]</ref>
 
As formulações clássicas e neoclássicas da teoria da vantagem comparativa diferem nas ferramentas que utilizam mas partilham a mesma base e lógica. A teoria da vantagem comparativa diz que as forças de mercado impulsionam todos os factores de produção para a sua melhor utilização na economia. Indica que o comércio livre internacional beneficiaria todos os países participantes e o mundo no seu conjunto, porque poderiam aumentar a sua produção global e consumir mais se se especializassem de acordo com as suas vantagens comparativas. As mercadorias tornar-se-iam mais baratas e disponíveis em maiores quantidades.  Além disso, esta especialização não aconteceria por acaso nem por intenção política, mas seria automática. No entanto, de acordo com economistas não-neoclássicos, a aplicação das teorias do comércio livre e das vantagens comparativas baseia-se em hipóteses que não são teoricamente nem empiricamente válidas <ref name=":30">http://wer.worldeconomicsassociation.org/files/WEA-WER2-Schumacher.pdf</ref>{{,}}<ref name=":31">https://www.academia. edu/8605155/Why_The_The_Of_Theory_Of_Comparative_Advantage_Is_Wrong</ref>{{,}}<ref name=":28">{{{{{{cite thesis|last1=Schumacher|first1=Reinhard |title=Free Trade and Absolute and Comparative Advantage|date=2012|publisher=University of Potsdam|url=https://books.google.com/books?id=U5nPkWSVpzQC&printsec=frontcover&hl=en&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false}}}</ref>.
=== hipótese irrealista 1: Capital e mão-de-obra não são internacionalmente móveis ===
A imobilidade internacional do trabalho e do capital é central para a teoria da vantagem comparativa. Sem ela, não haveria razão para que o comércio livre internacional fosse regulado por vantagens comparativas. Todos os economistas clássicos e neo-clássicos assumem que o trabalho e o capital não se movimentam entre nações. A nível internacional, só os bens produzidos podem circular livremente, com o capital e a mão-de-obra retidos no interior dos países. David Ricardo]] estava consciente de que a imobilidade internacional do trabalho e do capital é uma hipótese indispensável. Ele dedicou metade da sua explicação da teoria do seu livro a ela. Explicou mesmo que, se o trabalho e o capital pudessem mover-se internacionalmente, então a vantagem comparativa não poderia determinar o comércio internacional. Ricardo assumiu que as razões para a imobilidade do capital seriam<ref name=":30" />{{,}}<ref name=":31" />: <blockquote> "a insegurança imaginária ou real do capital, quando este não está sob o controlo imediato do seu proprietário, bem como a natural relutância de cada homem em deixar o seu país natal e as suas ligações, e em confiar a si próprio todos os seus hábitos fixos, a um estranho governo e a novas leis". </blockquote> Neoclassicos economistas, por outro lado, defendem a ideia de que a escala destes movimentos de trabalhadores e capitais é negligenciável. Desenvolveram a teoria da compensação de preços por factores que tornam estes movimentos supérfluos.
 
Na prática, porém, os trabalhadores deslocam-se em grande número de um país para outro. Hoje em dia, a migração laboral é um fenómeno verdadeiramente global. E, à medida que os custos de transporte e de comunicação diminuíram, o capital tornou-se cada vez mais móvel e desloca-se frequentemente de um país para outro. Além disso, a hipótese neoclássica de que os factores estão presos a nível nacional não tem qualquer base teórica e a hipótese de igualização dos preços dos factores não pode justificar a imobilidade internacional. Além disso, não há provas de que os preços dos factores sejam nivelados a nível mundial. Portanto, as vantagens comparativas não podem determinar a estrutura do comércio internacional<ref name=":30" />{{,}}<ref name=":31" />.
 
Se forem internacionalmente móveis e a utilização mais produtiva dos factores estiver noutro país, o comércio livre levá-los-á a migrar para esse país. Isto irá beneficiar a nação para a qual migram, mas não necessariamente outras. Este problema aplica-se a todos os factores de produção, mas o cerne do problema é o capital. Assim, a mobilidade do capital substitui a vantagem comparativa, que se aplica quando o capital é forçado a escolher entre várias utilizações numa única economia nacional, por [[vantagem absoluta]] a nível internacional. E a vantagem absoluta não garante um bom resultado para todos os parceiros comerciais. O comércio está assim a passar de uma garantia teórica de relações ganha-ganha-ganha para uma possibilidade de relações ganha-perda<ref name=":30" />{{,}}<ref name=":31" />.
=== hipótese irrealista 2: Não existem externalidades ===
Uma [[externalidade]] é o termo utilizado quando o preço de um produto não reflecte o seu custo ou valor económico real. A externalidade negativa clássica é a degradação ambiental, que reduz o valor dos recursos naturais sem aumentar o preço do produto que os prejudicou. A externalidade positiva clássica é a invasão tecnológica, em que a invenção de um produto por uma empresa permite a outros copiar ou construir sobre ele, gerando uma riqueza que a empresa original não consegue captar. Se os preços estiverem errados devido a externalidades positivas ou negativas, o comércio livre produzirá resultados suboptimizados<ref name=":30" />{{,}}<ref name=":31" />.
 
Por exemplo, as mercadorias de um país com padrões de poluição laxistas serão demasiado baratas. Em consequência, os seus parceiros comerciais importarão demasiado. E o país exportador irá exportar demasiado, concentrando demasiado a sua economia em indústrias que não são tão rentáveis como parecem, ignorando os danos da poluição.
 
Quanto às externalidades positivas, se uma indústria gera repercussões tecnológicas para o resto da economia, então o comércio livre pode permitir que essa [indústria] seja dizimada pela concorrência estrangeira, porque a economia ignora o seu valor oculto. Algumas indústrias geram novas tecnologias, permitem melhorias noutras indústrias e estimulam os avanços tecnológicos em toda a economia; por conseguinte, perder estas indústrias significa perder todas as indústrias que delas teriam resultado no futuro<ref name=":30" />{{,}}<ref name=":31" />.
 
=== hipótese irrealista 3: Os recursos produtivos deslocam-se facilmente de uma indústria para outra ===
A teoria da vantagem comparativa trata da melhor utilização dos recursos e da melhor forma de utilizar a economia. Mas pressupõe que os recursos utilizados para produzir um produto podem ser utilizados para produzir outro. Se não puderem, as importações não empurrarão a economia para indústrias mais adequadas às suas vantagens comparativas e só destruirão as indústrias existentes.
 
Por exemplo, quando os trabalhadores não podem mudar de uma indústria para outra - geralmente porque não têm as competências certas ou porque não vivem no lugar certo - as mudanças na vantagem comparativa da economia não os deslocarão para uma indústria mais apropriada, mas sim para o desemprego ou para empregos precários e de baixa produtividade<ref name=":30" />{{,}}<ref name=":31" />.
 
=== hipótese irrealista 4: os ganhos do comércio internacional são apenas ganhos estáticos ===
A teoria da vantagem comparativa permite uma análise "estática" em vez de "dinâmica" da economia [económica (actividade humana)| económica. Ou seja, olha para os factos de um único momento e determina a melhor resposta a esses factos nesse momento, tendo em conta as nossas produtividades em várias indústrias. Mas quando se trata de crescimento a longo prazo, nada diz sobre como os factos podem mudar amanhã e como podem ser alterados a favor de alguém. Não diz como melhor transformar amanhã os factores de produção em factores mais produtivos<ref name=":30" />{{,}}<ref name=":31" />.
 
Segundo a teoria, a única vantagem do comércio internacional é que os produtos se tornam mais baratos e disponíveis em maiores quantidades. A melhoria da eficiência estática dos recursos existentes seria, por conseguinte, o único benefício do comércio internacional. E a formulação neoclássica pressupõe que os factores de produção só são dados de forma exógena. As mudanças exógenas podem vir do crescimento demográfico, das políticas industriais, da taxa de acumulação de capital (propensão para a segurança) e das invenções tecnológicas, entre outras. Desenvolvimentos dinâmicos endógenos ao comércio, como o crescimento económico, não estão incorporados na teoria de Ricardo. E isto não é alterado pelo que se designa por "vantagem comparativa dinâmica". Nestes modelos, a vantagem comparativa desenvolve-se e muda com o tempo, mas esta mudança não é o resultado do comércio em si, mas de uma mudança nos factores exógenos<ref name=":30" />{{,}}<ref name=":31" />.
 
No entanto, o mundo, e em particular os países industrializados, caracterizam-se por ganhos dinâmicos endógenos ao comércio, tais como o crescimento técnico que conduziu a um aumento do nível de vida e da riqueza do mundo industrializado. Além disso, os ganhos dinâmicos são mais importantes do que os ganhos estáticos.
 
=== hipótese irrealista 5: O comércio será sempre equilibrado e existe um mecanismo de ajustamento ===
Uma hipótese crucial tanto na formulação clássica como neoclássica da teoria da vantagem comparativa é que o comércio é equilibrado, o que significa que o valor das importações é igual ao valor das exportações de cada país. O volume do comércio pode variar, mas o comércio internacional estará sempre em equilíbrio, pelo menos após algum tempo de ajustamento. O equilíbrio do comércio é essencial para a teoria porque o mecanismo de ajustamento resultante é responsável por transformar as vantagens comparativas dos custos de produção em vantagens de preço absolutas. E isto é necessário porque são as diferenças de preço absolutas que determinam o fluxo internacional de mercadorias. Uma vez que os consumidores compram um bem ao vendedor mais barato, as vantagens comparativas em termos de custos de produção devem ser transformadas em vantagens de preço absolutas. No caso das taxas de câmbio flexíveis, é o mecanismo de ajustamento cambial que é responsável por esta transformação das vantagens comparativas em vantagens de preço absolutas. No caso das taxas de câmbio fixas, a teoria neoclássica defende que o comércio é equilibrado por alterações nas taxas salariais<ref name=":30" />{{,}}<ref name=":31" />.
 
Assim, se o comércio não fosse equilibrado em si mesmo e se não houvesse um mecanismo de ajustamento, não haveria razão para se obter uma vantagem comparativa. Contudo, os desequilíbrios comerciais são a norma e o comércio equilibrado é, na prática, apenas uma excepção. Além disso, crises financeiras como a crise asiática dos anos 90 mostram que os desequilíbrios da balança de pagamentos são raramente benignos e não se auto-regulamentam. Não existe, na prática, qualquer mecanismo de ajustamento. As vantagens comparativas não se traduzem em diferenças de preços e, por conseguinte, não podem explicar os fluxos de comércio internacional. Assim, [[teoria]] pode muito facilmente recomendar uma política comercial que nos proporcione o mais elevado nível de vida possível a curto prazo, mas nenhuma a longo prazo. É o que acontece quando uma nação tem um défice comercial, o que significa necessariamente que se endivida a estrangeiros ou que lhes vende os seus activos existentes. Assim, a nação aplica um frenesim de consumo a curto prazo seguido de um declínio a longo prazo<ref name=":30" />{{,}}<ref name=":31" />.
=== hipótese irrealista 6: o comércio internacional é entendido como permuta ===
O pressuposto de que o comércio será sempre equilibrado é um corolário do facto de o comércio ser entendido como permuta. A definição de comércio internacional como troca directa é a base para o pressuposto de um comércio equilibrado. Ricardo insiste que o comércio internacional tem lugar como se fosse um mero comércio de permuta, uma presunção que é mantida por economistas clássicos e neoclássicos posteriores. A teoria da quantidade de moeda, que Ricardo utiliza, assume que a moeda é neutra e negligencia a velocidade de uma [[moeda]]. O dinheiro tem apenas uma função no comércio internacional, nomeadamente como meio de troca para facilitar o comércio<ref name=":30" />{{,}}<ref name=":31" />.
 
Na prática, porém, a velocidade de circulação não é constante e a quantidade de dinheiro não é neutra para a economia real. Um mundo capitalista não é caracterizado por uma economia de troca directa, mas sim por uma economia de mercado. A principal diferença no contexto do comércio internacional é que "as vendas e as compras já não têm de coincidir". O vendedor não é necessariamente obrigado a comprar imediatamente . Assim, o dinheiro não é apenas um meio de troca. É principalmente um meio de pagamento e é também utilizado para armazenar valor, para liquidar dívidas, para transferir riqueza. Assim, ao contrário da hipótese de permuta da teoria da vantagem comparativa, a moeda não é uma mercadoria como qualquer outra. Pelo contrário, é de importância prática possuir especificamente dinheiro e não qualquer mercadoria. E o dinheiro como reserva de valor num mundo de incerteza influencia significativamente os motivos e decisões dos detentores e produtores de riqueza<ref name=":30" />{{,}}<ref name=":31" />.
 
=== hipótese irrealista 7: o trabalho ou o capital é utilizado até à plena capacidade ===
Ricardo e os economistas clássicos subsequentes assumem que o trabalho tende a ser plenamente empregado e que o capital é sempre plenamente utilizado numa economia liberalizada, porque nenhum proprietário de capital deixará o seu capital por utilizar, mas procurará sempre obter lucros com ele. A inexistência de limites à utilização do capital é uma consequência da lei [[Jean-Baptiste Say]] que presume que a produção é limitada apenas pelos recursos, que também é adoptada pelos economistas neoclássicos.
 
De um ponto de vista teórico, a teoria da vantagem comparativa deve partir do princípio de que a mão-de-obra ou o capital são utilizados em plena capacidade e que os recursos limitam a produção. Há duas razões para tal: a realização de ganhos através do comércio internacional e o mecanismo de ajustamento. Além disso, este pressuposto é necessário para o conceito de custos de oportunidade. Se houver desemprego (ou subutilização de recursos), não há custos de oportunidade, porque a produção de um bem pode ser aumentada sem diminuir a produção de outro bem. Uma vez que as vantagens comparativas são determinadas pelos custos de oportunidade na formulação neoclássica, estes não podem ser calculados e esta formulação perderia a sua base lógica<ref name=":30" />{{,}}<ref name=":31" />.
 
Se os recursos de um país não fossem plenamente utilizados, a produção e o consumo poderiam ser aumentados a nível nacional sem participação no comércio internacional. Toda a lógica do comércio internacional desapareceria, bem como os ganhos potenciais. Nesse caso, um Estado poderia mesmo ganhar mais se se abstivesse de participar no comércio internacional e impulsionasse a produção interna, pois isso permitiria empregar mais mão-de-obra e capital e aumentar o rendimento nacional. Além disso, qualquer mecanismo de ajustamento subjacente à teoria já não funciona se existir desemprego<ref name=":30" />{{,}}<ref name=":31" />.
 
Na prática, porém, o mundo é caracterizado pelo desemprego. O desemprego e o subemprego do capital e do trabalho não são fenómenos de curto prazo, mas são comuns e generalizados. O desemprego e os recursos não explorados são a regra e não a excepção.
 
== Ver também ==