Aristides de Sousa Mendes: diferenças entre revisões

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É em princípios de Junho de 1940 que a avalanche de população em fuga se abate sobre Bordéus.{{Nota de rodapé|Nessa altura, em Biarritz vivia uma "comunidade" de refugiados políticos portugueses, que aí se tinha exilado, ainda no tempo da república, e entre os quais se encontrava o antigo Presidente da República, [[Bernardino Machado]]. A 1 de Junho de 1940 é promulgado, por Salazar, um Decreto amnistiando todos os exilados políticos portugueses, permitindo-lhes o regresso a Portugal. Os vistos dados a estes portugueses também estão registado no livro de vistos de Bordéus.}}Os números falam por si. Nos primeiros 10 dias de Junho o consulado Português de Bordéus emitiu 59 vistos regulares. No dia 10 de Junho a Itália declarou guerra à França e à Grã-Bretanha. No dia 11 de Junho o consulado emitiu 67 vistos, a 12 emitiu 47. No dia 12 de Junho a Espanha altera a sua posição de país neutral para não-beligerante colocando a neutralidade de Portugal em risco. No dia 13 de Junho o consulado emitiu apenas 6 vistos.<ref name="Spared Lives" /> Foi provavelmente no dia 13 que Aristides, sucumbindo à pressão psicológica de ter de auxiliar a uma população em pânico e também pressionado pelos escândalos provocados no consulado pela sua amante grávida{{Nota de rodapé|Rui Afonso diz que Andrée Cibial provocou distúrbios de tal ordem que chegou a ser expulsa do consulado pelo genro de Aristides e que acabou sendo presa pela polícia.{{sfn|Afonso|1995|p=65}}}}, se retirou para o seu quarto onde esteve três dias deitado com um esgotamento nervoso.{{sfn|Afonso|1995|p=73}}[[Imagem:Life saving visa issued by Dr. Aristides de Sousa Mendes in June 19, 1940..jpg|miniatura|250px|direita| Visto do consulado de Bordéus em 19 de Junho de 1940]]
 
Com Aristides acamado o consulado continua a emitir vistos; no dia 14 de Junho emitiu 173 vistos, e a 15 emitiu 112. A 16 de Junho o diplomata Francisco Calheiros e Menezes chega a Bordéus e é recebido pelo Cônsul, num quarto escuro onde o cônsul se encontra acamado, exausto.<ref name="Spared Lives" /> Nesse mesmo dia,16 de Junho, um Domingodomingo, Aristides emitiu 40 vistos e inclusivamente diz que cobrou pessoalmente os emolumentos suplementares a que tinha direito por estar a trabalhar a um domingo. Aristides recorda em particular os vistos que concedeu ao banqueiro Rothschild, que não quis esperar por segunda-feira e se prestou a pagar os emolumentos suplementares.<ref name="Spared Lives" />
 
É no dia 17 de Junho que Aristides, dizendo-se inspirado por um poder divino,<ref>Testemunho escrito de Cesar Mendes. Dossier Aristides Sousa Mendes, Arquivos Yad Vashem Archives (YVA), M 31/264</ref>{{sfn|Milgram|1999|p=21}} decide conceder visto a todos os que lho pedissem: "''A partir de agora, darei vistos a toda a gente, já não há nacionalidades, raça ou religião''". Com a ajuda dos seus filhos e sobrinhos e do rabino Kruger, ele carimba [[passaporte]]s, assina vistos, usando todas as folhas de papel disponíveis. No dia 17 emitiu 247 vistos, dos quais muitos a cidadãos portugueses.{{Nota de rodapé|Muitos deste vistos a cidadãos com apelidos portugueses. Nº 1815-Julio Rosa, Nº 1850-António de Carvalho, Nº 1848-Joana Duarte, 1849, Paulo Duarte, 1868-Gloria Bruno, 1882-Benjamin Lobo, etc. provavelmente portugueses a regressarem à pátria.}}No dia 18 emitiu 221 vistos e no dia 19 emitiu 156 vistos.
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O MNE ordena então à embaixada em Paris que resolva o problema em Bordéus. Nesse mesmo dia Aristides parte para o consulado de [[Baiona (França)|Baiona]] onde continua a sua actividade de 20 a 23 de junho, no escritório de um vice-cônsul estupefacto; não existem registos dos vistos passados por A. Mendes em Baiona.<ref name="Spared Lives" />
 
Em 22 de junho de 1940 a França e a Alemanha assinaram um [[armistício]]. Terminam as hostilidades e o Reino Unido é a única potência em guerra com a Alemanha. A maior parte dos refugiados franceses -excepto os judeus - começam então a poder regressar a suas casas. Contagens oficiais apontam para mais de 6 milhões de refugiados, dos quais 2 milhões são parisienses e 1 milhão e 800 mil são belgas.
 
Ironicamente a maioria esmagadora destes refugiados - cujas colunas tinham sido regularmente bombardeadas pelos [[Junkers Ju 87|Stukas]] <ref>{{citar livro|título=Fleeing Hitler: France 1940|ultimo=Diamond|primeiro=Hanna|editora=Oxford University Press,|ano=2007|páginas=53}}</ref>{{sfn|Alary|2010|p=77,87,96,159,299}} <ref>{{citar livro|título=33 Days|ultimo=Werth|primeiro=Léon|editora=Melville House Publishing|ano=1992|capitulo=Capítulo: From Chapelon to the Loire - Battle Scenes}}</ref> com o resultado de milhares de mortos - teria corrido menos perigo imediato se se tivesse mantido nas suas casas.<ref>Diamond Hanna, "Fleeing Hitler: France 1940", p. 145</ref> Desde logo os parisienses, já que a cidade não foi bombardeada nem palco de conflitos e o exército alemão tinha instruções para auxiliar a regressar os refugiados de forma amistosa, não por motivos altruístas, como é óbvio - os alemães desejavam minimizar a resistência civil, assim como pôr rapidamente a economia francesa a contribuir para o seu próprio esforço de guerra.<ref>Diamond Hanna, "Fleeing Hitler: France 1940", p,145 a 152</ref> Essa simpatia superficial depressa desapareceu à medida que a ocupação se consolidava.<ref>{{citar livro|título=Dear and Foot 2005, p. 321.Dear; Foot (2005). The Oxford Companion to World War II. p. 321.|ultimo=Dear|primeiro=I. C. B. (e outro - editores)|editora=Oxford University Press|ano=2005|página=321|páginas=|citacao=No final da guerra, cerca de 580.000 franceses haviam morrido (40.000 deles pelos bombardeios aliados das primeiras 48 horas de operação Overlord). As mortes militares foram 92.000 em 1939-40. Cerca de 58.000 foram mortos em ação entre 1940 e 1945, lutando nas forças francesas livres. Cerca de 40.000 "malgré-nous" ("contra a nossa vontade"), cidadãos da Alsácia-Lorena recolocados na Wehrmacht, tornaram-se vítimas. As vítimas civis totalizaram cerca de 150.000 (60.000 por bombardeio aéreo, 60.000 na resistência e 30.000 assassinados pelas forças de ocupação alemãs). O total de prisioneiros de guerra e deportados foi de cerca de 1,9 milhões. Desse total, cerca de 240.000 morreram em cativeiro. Estima-se que 40.000 eram prisioneiros de guerra, 100.000 deportados raciais, 60.000 presos políticos e 40.000 morreram como trabalhadores escravos.}}</ref> a França era saqueada dos seus recursos materiais e humanos, com a colaboração activa de [[Philippe Pétain|Pétain]], e aumentava a resistência interna.<ref>{{citar livro|título=The Taste of War: World War II and the Battle for Food|ultimo=Collingham|primeiro=Lizzie|editora=The Penguin Press|ano=2012|capitulo=Capítulo: Greek Famine and Belgian Resistance}}</ref>
 
Dupla ironia é o facto de aqueles que mais corriam perigo, os judeus a viver na Alemanha e na Holanda, não terem percepcionado a situação como suficientemente perigosa e terem-se deixado ficar nas suas casas.{{sfn|Milgram|p=245}} Avraham Milgram diz que em 1942 na Holanda ainda existiam 4303 judeus, de origem portuguesa, que não tinham considerado pedir a protecção do consulado português{{sfn|Milgram|p=245}}. A deportação destes judeus para leste começou no verão de 1942 , tendo a maioria morrido em [[Auschwitz]] ; restaram menos de 500.<ref>{{citar livro|título=Portugal, Salazar e os Judeus|ultimo=Milgram|primeiro=Avraham|editora=Gradiva|ano=2010|local=|páginas=308-318|acessodata=}}</ref>{{sfn|Milgram|p=252}}Avraham Milgram comenta que esses judeus holandeses poderiam ter sido salvos caso tivesse havido um pouco mais de interesse do regime.<ref>{{citar livro|título=Portugal, Salazar e os Judeus (em língua portuguesa)|ultimo=Milgram|primeiro=Avraham|editora=Gradiva|ano=2010|páginas=374}}</ref>
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== Outros portugueses que ajudaram refugiados ==
O caso de Aristides de Sousa Mendes não foi único entre diplomatas e funcionários consulares portugueses. A passagem de vistos em desobediência à Circular 14 foi generalizada e foi praticada por diplomatas e cônsules portugueses de todos os quadrantes políticos. Tais foram, por exemplo, os casos de [[Alberto da Veiga Simões|Veiga Simões]], Embaixador em Berlim, o do Cônsul honorário em Milão, [[Giuseppe Agenore Magno]] e o do cônsul em Génova, [[Alfredo Casanova]].{{sfn|Milgram|2011|p=89}} Outros casos dignos de menção no salvamento de refugiados são os de [[Carlos Sampaio Garrido]]{{Nota de rodapé|Sampaio Garrido recebeu, a título póstumo, a medalha de "Justo entre as Nações" pela sua acção de protecção e salvamento de judeus húngaros. A distinção foi decidida em 2 de Fevereiro de 2010, pelo Yad Vashem - Autoridade Nacional para a Memória dos Mártires e Heróis do Holocausto criada em 1953 pelo Estado de Israel.
{{citar web
|url= https://www.yadvashem.org/es/education/educational-materials/articles/sampaio-garrido.html