Kitsch: diferenças entre revisões

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O problema básico que o ''kitsch'' levanta para a crítica é o relativismo do que se considera bom ou ruim. Vários autores recentes têm acentuado a importância desse relativismo como forma de legitimação da alteridade, mas novamente Kulka fez notar que embora bom ou ruim ''sejam'' conceitos relativos, o são em referência a um determinado contexto cultural onde valores gerais persistem válidos, sem significar que o relativismo possa ser reduzido a um problema de gosto pessoal. Também disse que embora o ''kitsch'' tenha sido cooptado por artistas cultos, raramente ele em sua pureza conseguiu ganhar reconhecimento da crítica por suas virtudes próprias, já que na maior parte das vezes é usado de forma consciente por aqueles artistas como elemento citacional de ironia, paródia ou crítica social e cultural.<ref name="Kulka"/>
[[Imagem:7 garden gnomes.jpg|thumb|180px|left|Anões de jardim]]
[[File:HalloweenScreams.png|thumb|left|180px|O Castelo da [[A Bela Adormecida (conto)|Bela Adormecida]] na Disneylândia]]
 
Acima de tudo, o que parece essencial ao conceito é sua carga emotiva,<ref name="Kulka6"/> e para ser eficiente ele precisa ser explicitamente narrativo, facilmente compreensível pelo seu público.<ref name="Marter"/> Objetos ''kitsch'' como regra desencadeiam uma resposta emocional automática e irrefletida. Gatinhos de porcelana, estátuas de gesso para culto religioso, bonecos de pelúcia, [[Anão de jardim|anões de jardim]], paisagens tropicais estereotipadas com coqueiros ao por-pôr do- sol, representações de mães com bebês ou de crianças chorando, postais de vilas nevadas na [[Suíça]], essas e outras imagens recorrentes no mundo ''kitsch'' são descritas como bonitinhas, simpáticas, doces e outros adjetivos afetuosos, que descrevem emoções universais, ao mesmo tempo em que invocam uma certa autocomplacência, manifesta no reconhecimento daquela universalidade e de que a resposta emocional foi correta. [[Milan Kundera]] refletiu que "o ''kitsch'' provoca duas lágrimas em rápida sucessão. A primeira diz: ''Que lindo é ver crianças correndo pelo gramado!'' A segunda diz: ''Como é bom sentir-se tocado, junto com toda a humanidade, ao ver crianças correndo pelo gramado!'' É a segunda lágrima que faz o ''kitsch'' ser ''kitsch''".<ref name="Kulka6"/>
 
Ao contrário da arte contemporânea, que, em suas formas mais radicais, pretende a subversão do sistema criando novos parâmetros culturais, perceptivos e ideológicos, o objetivo do ''kitsch'' não é criar novas expectativas, nem desafiar o ''[[status quo]]'', mas sim agradar ao maior número de pessoas possível, satisfazendo as expectativas já existentes, explorando impulsos humanos básicos relativos à família, à raça, à nação, ao amor, à nostalgia, às crenças religiosas, às posições políticas,<ref name="Kulka6">Kulka, p. 27</ref> podendo tornar-se, mais do que uma preferência estética, uma forma de vida se a ausência de questionamento e a aversão a encarar o lado sombrio da existência forem reiteradas consistentemente.<ref>Ames, Roger T. ''Self and deception: a cross-cultural philosophical enquiry''. State University of New York Press, 1996, p. 134; 137-138</ref> Para [[Abraham Moles]], o ''kitsch'' é "a arte da felicidade".<ref name="Kielwagen">Kielwagen, Jefferson W. "Arte da felicidade, melancolia da arte". In: ''Revista da Pesquisa'', CNPq/ UDESC, vol. 2, nº2, ago. 2006-jul. 2007</ref> Outra faceta disso é a infantilização do imaginário popular, com exemplos óbvios na estética da [[Disneylândia]] - chamada por [[Baudrillard]] de "microcosmo do ocidente" - e na proliferação dos ''[[cartoon]]s'' japoneses, ambos dinamizando mercados riquíssimos.<ref name="Botz"/><ref>Raz, Aviad E. ''Riding the black ship: Japan and Tokyo Disneyland''. Harvard University, Asia Center, 1999, pp. 173-174</ref><ref>Lindström, Martin. ''Brand sense: how to build powerful brands through touch, taste, smell, sight & sound''. Kogan Page Publishers, 2005, p. 185 </ref><ref>Hayes, Declan. ''The Japanese disease: sex and sleaze in modern Japan''. iUniverse, 2005, p. 64 </ref>
 
[[Bert Olivier]] entendeu que, desde o florescimento da pós-modernidade, a cultura contemporânea parece especialmente afeita à sedução do ''kitsch'', enfatizada por um deslocamento da atenção do objeto de desejos para a busca de sentimentos substitutivos de caráter [[Egocentrismo|egocêntrico]]. Isso se manifesta na preferência por imagens descontextualizadas, imitações e simulacros, numa cultura saturada de imagens e permeada de [[virtual]]idade como é a contemporânea. Disse que esta impressão é corroborada pela onipresença de produtos "viciantes" como [[telenovela]]s açucaradas, filmes pasteurizados de [[Hollywood]] e ''[[videogame]]s'' excitantes, que oferecem intensidade emocional na ausência de objetos reais, e, com suas cenas de conflito contra opressores fictícios resolvidas de encomenda, eliminam a necessidade do observador de identificar os opressores no mundo real e combatê-los, funcionando como uma [[catarse]] vicarial.<ref>Olivier, Bert. ''Philosophy and the arts: collected essays''. Peter Lang, 2009, pp. 70-73</ref>
 
===Apreciações===