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[[FicheiroImagem:Caiçaras em Paraty.jpg|180px|thumb|Caiçaras em [[Paraty]], no [[Rio de Janeiro]].]]
Denominam-se '''caiçaras''' os habitantes tradicionais do [[litoral]] das regiões [[Região Sudeste do Brasil|Sudeste]] e [[Região sul do Brasil|Sul]] do [[Brasil]], formados a partir da [[miscigenação]] entre [[Povos indígenas do Brasil|índios]], [[brancos]] e [[negros]] e que têm, em sua [[cultura]], a [[pesca artesanal]], a [[agricultura]], a [[caça]], o [[extrativismo vegetal]], o [[artesanato]] e, mais recentemente, o [[ecoturismo]].<ref>''Turismo sociocultural: comunidades caiçaras''. Disponível em http://www.ecoturismoaventura.com.br/brasil/caicaras.htm. Acesso em 3 de janeiro de 2015.</ref>
== Etimologia ==
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== Cultura==
[[Imagem:Vila de Ararapira (17203536589).jpg|180px|thumb|Igreja na Vila de [[Ararapira]], em [[Guaraqueçaba]].]]
A comunidade caiçara é formada pela mescla de populações indígenas, colonos [[portugueses]] e negros. Muitas práticas agrícolas ([[coivara]]) e de pesca (puçá), assim como a preparação de alimentos ([[Farinha de pau|farinha]], [[peixe]]) apresentam marcante influência [[povos indígenas do Brasil|indígena]].<ref>DIEGUES, Antonio Carlos S. ''Diversidade biológica e culturas tradicionais litorâneas: o caso das comunidades caiçaras'', São Paulo, NUPAUB-USP, 1988. Série Documentos e Relatórios de Pesquisa, n. 5. p. 10.</ref> Ainda que essa comunidade tenha sido formada a partir de populações culturalmente tão díspares, ao descrever o [[estilo de vida|modo de vida]] da população caiçara, pode-se brevemente defini-la como a população que habita pequenas cidades e povoados ao longo do [[litoral do Brasil]], corroborando a importância da ligação entre o caiçara e seu ''[[habitat]]''.
 
As culturas caiçara e [[caipira]] são bem similares. A estrutura da casa caiçara tradicionalmente era a mesma do caipira do interior: paredes de [[pau a pique]] e telhado de [[sapê]] de duas águas, algumas vezes [[cal|caiada]]. O chão era de terra batida e os móveis escassos.<ref>ADAMS, Cristina. ''As populações caiçaras e o mito do bom selvagem'', Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2000, V. 43 nº 1.&nbsp;p. 150.</ref> No entanto, a cultura caiçara possui uma ligação especial com o [[mar]], um dos fatores que a diferenciam da [[cultura caipira]].
[[FicheiroImagem:Vista parcial do povoado de Caiçara do Marujá, Cananéia SP.jpg|alt=Casas de madeira na comunidade Caiçara do Marujá.|miniaturadaimagemthumb|esquerda|Casas de madeira na comunidade Caiçara do Marujá.|180x180px180px]]
Ainda sobre a diferença entre o desenvolvimento do caiçara e do caipira, nota-se que as áreas ocupadas por populações caiçaras localizam-se nas mais antigas cidades da região sudeste-sul do Brasil, fundadas entre o século XVI e XVII por portugueses.<ref>DIEGUES, Antonio Carlos S. ''Diversidade biológica e culturas tradicionais litorâneas: o caso das comunidades caiçaras'', São Paulo, NUPAUB-USP, 1988. Série Documentos e Relatórios de Pesquisa, n. 5. p. 9.</ref> Essas cidades tiveram um papel importante durante a colonização até meados do século XIX, como centros exportadores de [[ciclo do ouro|ouro]], [[ciclo do açúcar|açúcar]] e [[arroz]]. Quando o país passou a adotar um ciclo econômico mais dinâmico no interior dos estados (o [[ciclo do café]]), essa área acabou sendo deixada de lado. A economia caiçara então se baseou em uma combinação de [[agricultura de subsistência]] e [[pesca artesanal]]. Com a decadência econômica da região litorânea, as comunidades caiçaras ficaram, por largo tempo, geograficamente isoladas das florescentes cidades do interior.<ref>DIEGUES, Antonio Carlos S. ''Diversidade biológica e culturas tradicionais litorâneas: o caso das comunidades caiçaras'', São Paulo, NUPAUB-USP, 1988. Série Documentos e Relatórios de Pesquisa, n. 5. p. 9</ref> Sendo assim, o caiçara se desenvolveu de forma diferente do caipira, e, portanto, adotou práticas culturais e econômicas singulares.
 
Diferentemente do [[sistema de produção]] instaurado no interior, o sistema de produção caiçara baseia-se na [[mão de obra familiar]], regida por um calendário marcado pelo "tempo quente" (novembro-abril) e pelo "tempo frio" (maio-setembro). <blockquote>A estação agrícola começa em fevereiro com o plantio de [[mandioca]], que começa a ser colhida 16 meses depois, segundo as necessidades da família. O [[feijão]] é plantado em agosto/setembro e colhido em novembro/dezembro. O arroz é plantado em outubro/novembro e colhido em abril/maio. Ainda que a derrubada e a limpeza do terreno sejam trabalho masculino, a [[capina]] é feita por mulheres. Frequentemente, a colheita do arroz é feita na base da cooperação entre as famílias: o [[mutirão]].<ref>DIEGUES, Antonio Carlos S. ''Diversidade biológica e culturas tradicionais litorâneas: o caso das comunidades caiçaras'', São Paulo, NUPAUB-USP, 1988. Série Documentos e Relatórios de Pesquisa, n. 5. p. 16-17.</ref> </blockquote>Para manter a organização da mão de obra familiar, as funções tinham de ser bem divididas entre a [[família]]. A mulher, na comunidade caiçara, tem o papel de mãe de família, [[dona de casa]], trabalhadora do lar e da [[roça]], enquanto o homem deveria se dedicar à [[pesca]], [[caça]], derrubada e [[queimada]], construção de [[rancho]]<nowiki/>s e abrigos, comercialização dos excedentes agrícolas e dos trabalhos da roça, plantio e colheita (nestes casos, podia ser ajudado pela mulher e filhos). As pequenas [[lavoura]]s com mão de obra familiar costumam cultivar mandioca, arroz, [[cana-de-açúcar]] e [[fruta|árvores frutíferas]]. Esse modo de produção apresenta forte influência das tribos indígenas litorâneas, principalmente no preparo de alguns alimentos como a mandioca.<ref>DIEGUES, Antonio Carlos S. ''Diversidade biológica e culturas tradicionais litorâneas: o caso das comunidades caiçaras'', São Paulo, NUPAUB-USP, 1988. Série Documentos e Relatórios de Pesquisa, n. 5. p. 16.</ref>
[[FicheiroImagem:Rio Guarau.jpg|alt=Pesca costeira na Barra da Juréia (Iguape SP)|miniaturadaimagemthumb|180x180px180px|
[[Pesca costeira]] na Barra da Juréia em [[Iguape]] (SP).
]]
A pesca, como a agricultura, também é dividida em duas estações principais: o verão, de novembro a abril, período das pescas importantes, e o inverno (maio-agosto), tempo frio com pouca chuva, quando se fazia a pesca da [[tainha]].<ref>DIEGUES, Antonio Carlos S. ''Diversidade biológica e culturas tradicionais litorâneas: o caso das comunidades caiçaras'', São Paulo, NUPAUB-USP, 1988. Série Documentos e Relatórios de Pesquisa, n. 5. p. 16.</ref><blockquote>A pesca da [[tainha]] desempenhou um papel importante em toda a sociedade caiçara até os [[Década de 1960|anos 1960]]. Ainda hoje, continua relevante nas comunidades mais isoladas, [...] Em algumas áreas, ainda hoje toda a [[comunidade]] é chamada a participar da puxada da [[rede de pesca|rede]] na praia. O excedente da pesca é salgado e seco, sendo trocado por outros [[bem (economia)|bens]]. O conhecimento dos movimentos da [[maré]] é essencial aos pescadores, indicando os lugares e horários para o lançamento das redes.<ref>DIEGUES, Antonio Carlos S. ''Diversidade biológica e culturas tradicionais litorâneas: o caso das comunidades caiçaras'', São Paulo, NUPAUB-USP, 1988. Série Documentos e Relatórios de Pesquisa, n. 5. p. 17.</ref></blockquote>Além dos conhecimentos referentes à pesca e à agricultura, os caiçaras retiram também insumos da floresta, como [[Essência floral|essências]] e remédios, e do [[Manguezal|mangue]], como [[tinta]]s e [[madeira]]. As [[Fases da Lua|fases da lua]] e sua influência sobre a maré também têm muita importância na vida do caiçara.<ref>DIEGUES, Antonio Carlos S. ''Diversidade biológica e culturas tradicionais litorâneas: o caso das comunidades caiçaras'', São Paulo, NUPAUB-USP, 1988. Série Documentos e Relatórios de Pesquisa, n. 5. p. 17-18.</ref> Em suma, a cultura caiçara tradicional reflete essa combinação entre agricultura e pesca. Nas cidades, os caiçaras tentam manter suas [[tradição|tradições]], que também estão ligadas ao "particularismo da gente do litoral". Este é marcado pela exploração dos ambientes marinhos em oposição aos de terra.<ref>DIEGUES, Antonio Carlos S. ''Diversidade biológica e culturas tradicionais litorâneas: o caso das comunidades caiçaras'', São Paulo, NUPAUB-USP, 1988. Série Documentos e Relatórios de Pesquisa, n. 5. p. 19.</ref>
 
Para as populações caiçaras, as formas de [[lazer]] e distração eram as [[festa]]s, [[Procissão|procissões]], danças, poucos jogos e os pasquins, espécie de [[literatura de cordel]], que relatavam a vida nas comunidades.<ref>ADAMS, Cristina. ''As populações caiçaras e o mito do bom selvagem'', Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2000, V. 43 nº 1.&nbsp;p. 151.</ref> A pesca, atividade muito significativa para o universo caiçara, levou à realização de várias festas ligadas ao mar. Dentre elas, destaca-se a [[festa do pescador]], no dia de [[São Pedro]] e [[Paulo de Tarso|São Paulo]] (junho), a [[corrida das canoas]], a [[Festa da Tainha de Praia Grande|festa da tainha]] etc.<ref>DIEGUES, Antonio Carlos S. ''Diversidade biológica e culturas tradicionais litorâneas: o caso das comunidades caiçaras'', São Paulo, NUPAUB-USP, 1988. Série Documentos e Relatórios de Pesquisa, n. 5. p. 18.</ref> Tradicionalmente, após a safra da tainha, no litoral sul, muitos caiçaras dessas comunidades vão às cidades, como [[Iguape]], para os festejos dos santos [[Orago|padroeiro]]<nowiki/>s.<ref>DIEGUES, Antonio Carlos S. ''Diversidade biológica e culturas tradicionais litorâneas: o caso das comunidades caiçaras'', São Paulo, NUPAUB-USP, 1988. Série Documentos e Relatórios de Pesquisa, n. 5. p. 17.&nbsp;
</ref><blockquote>O [[Património cultural|patrimônio cultural]] dos caiçaras, agora sob ameaça de destruição, é um dos mais ricos da [[Região Sul do Brasil|região sul]] do país. As comunidades caiçaras guardam velhas tradições oriundas da [[Colonização portuguesa da América|colonização portuguesa]], como a dança do [[fandango]], as estórias do [[Sebastião I de Portugal|rei Sebastião]]; além disso, dança-se a [[congada]], a marujada, a dança das fitas. A dança de [[Gonçalo de Amarante|São Gonçalo]] era celebrada ao final das atividades agrícolas. De grande importância era a [[bandeira do Divino]], que, ainda hoje, em alguns lugares, percorre as comunidades espalhadas pela [[litoral|costa]], buscando dádivas para a festa do Divino. Ao final do ano ainda canta-se o [[Folia de Reis|Reisado]].<ref>DIEGUES, Antonio Carlos S. ''Diversidade biológica e culturas tradicionais litorâneas: o caso das comunidades caiçaras'', São Paulo, NUPAUB-USP, 1988. Série Documentos e Relatórios de Pesquisa, n. 5. p. 18.</ref></blockquote>Nas comunidades de praias, existe um [[igualitarismo]] resultante da economia parcialmente mercantilizada. A exploração dessas comunidades se faz pelo "comerciante" que vive nas cidades, centros de oposição à vida das "praias" marcada por certa homogeneidade social e cultural gerada pela inexistência de uma sociedade de classes.<ref>DIEGUES, Antonio Carlos S. ''Diversidade biológica e culturas tradicionais litorâneas: o caso das comunidades caiçaras'', São Paulo, NUPAUB-USP, 1988. Série Documentos e Relatórios de Pesquisa, n. 5. p. 19.&nbsp;
</ref> Após a [[década de 1960]], o sistema de produção tradicional, na maioria das comunidades caiçaras, está bastante alterado, mormente pela influência da [[urbanização]] e pelo [[Turismo no Brasil|turismo]].<ref>DIEGUES, Antonio Carlos S. ''Diversidade biológica e culturas tradicionais litorâneas: o caso das comunidades caiçaras'', São Paulo, NUPAUB-USP, 1988. Série Documentos e Relatórios de Pesquisa, n. 5. p. 16.&nbsp;
</ref>
 
[[Ficheiro:Ilha em Cananéia SP.jpg|alt=Pequena Ilha em Cananéia SP|miniaturadaimagem|180x180px|esquerda|
===Fandango===
Comunidade caiçara no município de [[Cananéia]].
[[Imagem:Fandango paranaense.jpg|thumb|180px|Alunos do Programa de Iniciação à Docência do Curso de Arte da [[Universidade Estadual do Centro-Oeste]] dançando fandango numa apresentação artístico-cultural.]]
]]
Os primeiros colonizadores açorianos trouxeram o fandango ao [[Relevo do Paraná#Litoral|litoral do Paraná]], em 1750.<ref name=":5">{{Harvnb|Verano|2009|p=4511}}.</ref> Os açorianos, os escravos e os indígenas começaram a praticar o fandango durante o [[entrudo]], evento antecessor do carnaval. Durante os quatro dias de festas, o povo recorria com exclusividade para que batesse o fandango e que saboreasse o mais importante [[Alimento|prato típico]] regional, que é o [[barreado]]. No Paraná, os bailarinos são chamados de folgadores ou folgadeiras, até porque dançavam na folga do sábado para o domingo.<ref name=roseira_parana>{{Citar web|url=http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2013/2013_uem_edfis_artigo_leslier_maria_pelegrini.pdf|título=Roseira do Paraná: Resgate de uma dança do folclore paranaense na educação básica|publicado=Secretaria de Estado da Educação. Governo do Paraná|autor=Léslier Maria Pelegrini; Ieda Parra Barbosa Rinaldi|data=2013|acessodata=14 de outubro de 2020}}</ref> Eles interpretam diversas coreografias as quais ganham nomes específicos como Andorinha, Xarazinho, Tonta, etc.<ref name=":5" />
 
O fandango é acompanhado com duas violas (as quais de maneira geral tem cinco cordas), uma rabeca e o adulto, ou maxixe.<ref name=":5" /> Para que um batido ritmado e forte seja conseguido, os homens usam botas ou tamancos. A [[coreografia]] é simplificada, possivelmente [[Valsa|valsada]], com participantes que dançam com os pés que se arrastam no chão, ou possivelmente sapateadas, sendo seguidas por palmadas. O fandango paranaense mais famoso é o da região de [[Morretes]]. Trata-se de uma dança singular, e isso pode se perceber na escala que eles usam, semelhante aos cânticos litúrgicos e populares da Idade Média.<ref name=":5" /> O fandango caiçara típico do litoral é considerado uma expressão musical-coreográfica-poética e festiva reconhecida como bem imaterial pelo [[Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional]] (IPHAN).<ref>Parecer do DPI. Portal.iphan.gov.br. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Parecer_DPI_fandango_caicara(1).pdf>. Acesso em: 14 de outubro de 2020.</ref><ref>Parecer do Conselho Consultivo. Portal.iphan.gov.br. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Parecer_conselho_consultivo_fandango_cai%C3%A7ara(1).pdf>. Acesso em: 14 de outubro de 2020.</ref><ref>Titulação. Portal.iphan.gov.br. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Titulacao_fandango_caicara.pdf>. Acesso em: 14 de outubro de 2020.</ref><ref>Certidão. Portal.iphan.gov.br. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Certid%C3%A3o_FANDANGO_CAI%C3%87ARA(1).pdf>. Acesso em: 14 de outubro de 2020.</ref>
 
== Economia ==
[[FicheiroImagem:Ilha em Cananéia SP.jpg|alt=Pequena Ilha em Cananéia SP|miniaturadaimagemthumb|180x180px180px|esquerda|
A história da [[economia caiçara]] está diretamente ligada a como esta população foi vista por muitos anos. Durante o movimento de expansão cafeeira e povoamento do interior, que movimentavam a economia do país entre o final do [[século XIX]] e início do [[século XX]], as zonas litorâneas e suas comunidades caiçaras ficaram literalmente abandonadas pelo [[poder público]]. Foi nesse período que surgiu a designação "comunidade isolada", hoje chamada "comunidade tradicional".<ref>CAMPOS, Silmara Elena Alves de; GONÇALVES JÚNIOR, Luiz. ''Ser caiçara: Processos educativos envolvidos na formação da identidade.'' In: VII CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Anais. Curitiba, PR: PUCPR, 2007, p. 2210.</ref>
Comunidade caiçara no município de [[Cananéia]].
]]
A história da [[economia caiçara]] está diretamente ligada a como esta população foi vista por muitos anos. Durante o movimento de expansão cafeeira e povoamento do interior, que movimentavam a economia do país entre o final do [[século XIX]] e início do [[século XX]], as zonas litorâneas e suas comunidades caiçaras ficaram literalmente abandonadas pelo [[poder público]]. Foi nesse período que surgiu a designação "comunidade isolada", hoje chamada "comunidade tradicional".<ref>CAMPOS, Silmara Elena Alves de; GONÇALVES JÚNIOR, Luiz. ''Ser caiçara: Processos educativos envolvidos na formação da identidade.'' In: VII CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Anais. Curitiba, PR: PUCPR, 2007, p. 2210.</ref>
Seguindo esse princípio do isolamento, a economia caiçara se formou com características diferentes tanto da economia indígena primitiva, quanto da [[economia industrial]]. Seu sistema de produção era organizado para responder, em primeira instância, às necessidades domésticas, mas ainda prescindia de [[insumo]]s externos. Além disso, devia oferecer uma contribuição à sociedade nacional, sob a forma de [[imposto]]s.<ref>ADAMS, Cristina. ''As populações caiçaras e o mito do bom selvagem'', Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2000, V. 43 nº 1.&nbsp;p. 149.</ref> Outro detalhe importante relativo à economia caiçara é a rotatividade da economia caiçara, que, inicialmente, era baseada na [[roça]] e na [[pesca artesanal]], divergindo da literatura publicada sobre essas populações, que tende a caracterizá-las exclusivamente como pescadoras.<ref>ADAMS, Cristina. ''As populações caiçaras e o mito do bom selvagem'', Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2000, V. 43 nº 1.&nbsp;p. 156.</ref> Somente com o surgimento do barco a motor, em meados do [[século XX]], os caiçaras passaram a dedicar mais tempo às atividades da pesca. A pesca embarcada é considerada como um dos processos socioeconômicos envolvidos na mudança social que passaram a alterar seu modo de vida tradicional. Nesse sentido, a pesca começou a substituir as atividades agrícolas até então predominantes.<ref>ADAMS, Cristina. ''As populações caiçaras e o mito do bom selvagem'', Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2000, V. 43 nº 1.&nbsp;p. 156.</ref>
[[Imagem:Mangue - panoramio (1).jpg|alt=Extração de insumos do mangue|thumb|180px|Extração de insumos do [[Manguezal|mangue]].]]
O esquema geral de habitação do litoral alternou períodos de [[prosperidade]], onde outras possibilidades econômicas eram ofertadas aos caiçaras e suas atividades tradicionais eram negligenciadas em favor daquelas.<ref>ADAMS, Cristina. ''As populações caiçaras e o mito do bom selvagem'', Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2000, V. 43 nº 1.&nbsp;p. 151.</ref> Durante os períodos de [[estagnação econômica]], o caiçara retomava suas atividades tradicionais, apenas de [[Agricultura de subsistência|subsistência]]. Não existia, portanto, uma fidelidade para com suas atividades. Na segunda metade do [[século XX]], com o processo de abertura das estradas de acesso ao [[litoral de São Paulo]], a chegada do [[Turismo no Brasil|turismo]] e a [[urbanização do litoral]], as transformações socioeconômicas passaram a ocorrer de modo acelerado.<ref>ADAMS, Cristina. ''As populações caiçaras e o mito do bom selvagem'', Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2000, V. 43 nº 1.&nbsp;p. 151.</ref> A paisagem rural foi se transformando numa paisagem urbana e o caiçara foi sendo expulso para as cidades.<ref>ADAMS, Cristina. ''As populações caiçaras e o mito do bom selvagem'', Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2000, V. 43 nº 1.&nbsp;p. 151.</ref>
Atualmente, após as transformações socioeconômicas às quais foi submetido e sem uma [[identidade cultural]] fixa, o caiçara sofre com a [[especulação imobiliária]]. A criação da autoidentidade caiçara é um processo em construção e teve que superar um período histórico longo em que o [[estereótipo]] caiçara, identificado como [[preguiça|indolente]], preguiçoso, negador do progresso, era amplamente difundido na [[opinião pública]]. Identificando o caiçara ao [[selvagem]], ao não cidadão, ao sem-direitos, era mais fácil, ao especulador imobiliário, expulsá-lo de seu território, tomando-lhe a terra para implantar o [[progresso]], a [[civilização]]. Nesse caso, o [[preconceito]] se torna [[ideologia]] que justifica a ação conquistadora.<ref>DIEGUES, Antonio Carlos S. ''Ilhas e sociedades insulares''. São Paulo: NUPAUB-USP, 1997. p. 22-23.</ref>[[Ficheiro:Mangue - panoramio (1).jpg|alt=Extração de insumos do mangue|miniaturadaimagem|
 
O esquema geral de habitação do litoral alternou períodos de [[prosperidade]], onde outras possibilidades econômicas eram ofertadas aos caiçaras e suas atividades tradicionais eram negligenciadas em favor daquelas.<ref>ADAMS, Cristina. ''As populações caiçaras e o mito do bom selvagem'', Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2000, V. 43 nº 1.&nbsp;p. 151.</ref> Durante os períodos de [[estagnação econômica]], o caiçara retomava suas atividades tradicionais, apenas de [[Agricultura de subsistência|subsistência]]. Não existia, portanto, uma fidelidade para com suas atividades. Na segunda metade do [[século XX]], com o processo de abertura das estradas de acesso ao [[litoral de São Paulo]], a chegada do [[Turismo no Brasil|turismo]] e a [[urbanização do litoral]], as transformações socioeconômicas passaram a ocorrer de modo acelerado.<ref>ADAMS, Cristina. ''As populações caiçaras e o mito do bom selvagem'', Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2000, V. 43 nº 1.&nbsp;p. 151.</ref> A paisagem rural foi se transformando numa paisagem urbana e o caiçara foi sendo expulso para as cidades.<ref>ADAMS, Cristina. ''As populações caiçaras e o mito do bom selvagem'', Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2000, V. 43 nº 1.&nbsp;p. 151.</ref>
Atualmente, após as transformações socioeconômicas às quais foi submetido e sem uma [[identidade cultural]] fixa, o caiçara sofre com a [[especulação imobiliária]]. A criação da autoidentidade caiçara é um processo em construção e teve que superar um período histórico longo em que o [[estereótipo]] caiçara, identificado como [[preguiça|indolente]], preguiçoso, negador do progresso, era amplamente difundido na [[opinião pública]]. Identificando o caiçara ao [[selvagem]], ao não cidadão, ao sem-direitos, era mais fácil, ao especulador imobiliário, expulsá-lo de seu território, tomando-lhe a terra para implantar o [[progresso]], a [[civilização]]. Nesse caso, o [[preconceito]] se torna [[ideologia]] que justifica a ação conquistadora.<ref>DIEGUES, Antonio Carlos S. ''Ilhas e sociedades insulares''. São Paulo: NUPAUB-USP, 1997. p. 22-23.</ref>[[Ficheiro:Mangue - panoramio (1).jpg|alt=Extração de insumos do mangue|miniaturadaimagem|
Extração de insumos do [[Manguezal|mangue]].
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== Identidade ==
[[Imagem:Ilha de Superagui.jpg|180px|thumb|Comunidade na [[Ilha de Superagui]], em [[Guaraqueçaba]].]]
A [[identidade cultural]] é formada ao longo do tempo, através de processos [[Inconsciente coletivo|inconscientes]], e não é inata. Ela permanece sempre incompleta, está sempre "em processo", sempre "sendo formada".<ref>HALL, Stuart. ''A identidade cultural na pós-modernidade''. 1. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 38.</ref> No mundo moderno, com o fenômeno da [[globalização]], as identidades se tornam desvinculadas — desalojadas — de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem “flutuar livremente".<ref>HALL, Stuart. ''A identidade cultural na pós-modernidade.'' 1. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 75.</ref> Não é diferente com a identidade caiçara.
 
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Reiterando que a construção da identidade não é estática, adentramos o conceito de "Tradição" e "Tradução" do autor [[Stuart Hall]] para explicar identidades em transição e entender o quadro da identidade caiçara. Pela tradição, tenta-se recuperar a pureza anterior e revestir as unidades e certezas que são sentidas como tendo sido perdidas. Já na ideia de tradução, é aceito que a identidade está sujeita ao plano da [[história]], política, da representação e da diferença e, assim, é improvável que ela seja outra vez unitária ou "pura".<ref>HALL, Stuart. ''A identidade cultural na pós-modernidade.'' 1. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 87.</ref>
 
Em toda parte, estão emergindo identidades culturais que não são fixas, mas que estão em transição, que retiram seus recursos, ao mesmo tempo, de diferentes [[Tradições|tradições culturais]]. Essas identidades são, portanto, o produto dos [[aculturação|cruzamentos e misturas culturais]] que são cada vez mais comuns no mundo globalizado.<ref>HALL, Stuart. ''A identidade cultural na pós-modernidade.'' 1. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 78.</ref> <blockquote>Pode ser tentador pensar na identidade, como estando destinada a acabar num lugar ou noutro: ou retornando às suas "raízes" ou desaparecendo através da [[Assimilação cultural|assimilação]] e da [[homogenização]]homogeneização, mas esse pode ser um falso dilema, pois há uma outra possibilidade: a da Tradução. [...] Pessoas "traduzidas" retêm fortes vínculos com seus lugares de origem e suas tradições, mas sem a ilusão de um retorno ao passado. Elas são obrigadas a negociar com as novas culturas em que vivem, sem simplesmente serem assimiladas por elas e sem perder completamente suas identidades. Elas carregam os traços das culturas, das tradições, das linguagens e das histórias particulares pelas quais foram marcadas. A diferença é que elas não são e nunca serão unificadas no velho sentido, porque elas são, irrevogavelmente, o produto de várias histórias e culturas interconectadas. [...] As pessoas pertencentes a essas culturas híbridas têm sido obrigadas a renunciar ao sonho ou à ambição de redescobrir qualquer tipo de pureza cultural "perdida" ou de absolutismo étnico. Elas estão irrevogavelmente traduzidas.<ref>HALL, Stuart. ''A identidade cultural na pós-modernidade.'' 1. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 87-89.</ref> </blockquote>
 
== Caiçara contemporâneo ==
[[Imagem:Tibicanga (16974699354).jpg|180px|thumb|Comunidade pesqueira de Tibicanga, em [[Guaraqueçaba]].]]
<blockquote>O caiçara contemporâneo pode ser considerado "traduzido", segundo a explicação do autor [[Stuart Hall]]. A mudança do modo da vida e da cultura caiçara se dá em praticamente todas as comunidades compostas por essas populações.<ref>BUZZULINI, André Luiz; SUZUKI, Júlio César. ''Jovens caiçaras: Dilemas na construção de sua identidade na prainha branca (Guarujá-SP)''. In: V ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA “AGRICULTURA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL E TRANSFORMAÇÕES SOCIOESPACIAIS”, 25-27 nov. 2009, Santa Maria, RS: UFSM, 2009. p. 2.</ref> O caiçara contemporâneo presenciou a chegada da eletricidade à comunidade assim como da televisão, que desempenhou um importante papel na transformação e incorporação de determinados valores típicos de um Brasil em que a maioria de sua população vive em cidades.<ref>BUZZULINI, André Luiz; SUZUKI, Júlio César. ''Jovens caiçaras: Dilemas na construção de sua identidade na prainha branca (Guarujá-SP).'' In: V ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA “AGRICULTURA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL E TRANSFORMAÇÕES SOCIOESPACIAIS”, 25-27 nov. 2009, Santa Maria, RS: UFSM, 2009. p. 2.</ref> Dois fatores foram definitivos para essa mudança no modo de vida: O contato com outras realidades, que se tornou muito mais fácil com a abertura das estradas para o litoral e, consequentemente, o turismo. Além disso, órgãos ambientais passaram a monitorar o desmatamento [...] o que inibiu a produção agrícola dessas populações, que costumavam roçar áreas para o cultivo. Isso gerou um grande impacto na realidade caiçara, forçando-os a modificar suas práticas de cultivo.<ref>BUZZULINI, André Luiz; SUZUKI, Júlio César. ''Jovens caiçaras: Dilemas na construção de sua identidade na prainha branca (Guarujá-SP).'' In: V ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA “AGRICULTURA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL E TRANSFORMAÇÕES SOCIOESPACIAIS”, 25-27 nov. 2009, Santa Maria, RS: UFSM, 2009. p. 5.</ref></blockquote><blockquote>Esse foi o primeiro grande fator da inserção da população caiçara no mercado de trabalho da sociedade urbana industrial e sua consequente [[proletário|proletarização]], pois viram-se obrigados a buscar outro modo para sustentar-se, já que a produção para a subsistência não poderia ser ampliada futuramente, e muito menos produzir algum [[Excedente econômico|excedente]], pois estaria colocando, em risco ainda maior, a já questionada posse de suas terras.<ref>BUZZULINI, André Luiz; SUZUKI, Júlio César. ''Jovens caiçaras: Dilemas na construção de sua identidade na prainha branca (Guarujá-SP)''. In: V ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA “AGRICULTURA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL E TRANSFORMAÇÕES SOCIOESPACIAIS”, 25-27 nov. 2009, Santa Maria, RS: UFSM, 2009. p. 5-6.</ref></blockquote>
 
Esse foi o primeiro grande fator da inserção da população caiçara no mercado de trabalho da sociedade urbana industrial e sua consequente [[proletário|proletarização]], pois viram-se obrigados a buscar outro modo para sustentar-se, já que a produção para a subsistência não poderia ser ampliada futuramente, e muito menos produzir algum [[Excedente econômico|excedente]], pois estaria colocando, em risco ainda maior, a já questionada posse de suas terras.<ref>BUZZULINI, André Luiz; SUZUKI, Júlio César. ''Jovens caiçaras: Dilemas na construção de sua identidade na prainha branca (Guarujá-SP)''. In: V ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA “AGRICULTURA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL E TRANSFORMAÇÕES SOCIOESPACIAIS”, 25-27 nov. 2009, Santa Maria, RS: UFSM, 2009. p. 5-6.</ref>
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== Ligações externas ==
* [http://www.muscai.com.br/ Museu Caiçara - Ubatuba]
* [http://www.fandangoemcananeia.art.br/Cultura Fandanga em Cananéia]
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