Eva Maria Bonsucesso

Viveu na cidade do Rio de Janeiro no início do século XIX. Bonsucesso foi contemporânea de um Brasil ainda colonial que estava prestes a se tornar independente no dia 7 de setembro de 1822. Portanto, ela foi como milhares de seres humanos afrodescentes, que um dia, foram subjugados as mazelas escravidão. O Brasil manteve o sistema escravocrata, até 1888, com a promulgação da Lei Áurea. Entretanto, Eva Maria Bonsucesso, havia conquistado a sua carta de alforria, por isso, era uma pessoa livre, e desenvolvia suas atividades comerciais como quitandeira na rua da Misericórdia. Pouco sabemos da vida desta forte mulher, mas uma história registrada a seu respeito é muito importante que seja compartilhada e permaneça nas memórias coletivas pelas próximas gerações.  

Desenho atribuído a Eva Maria Bonsucesso feito por Elaine Constâncio de Oliveira.
Antiga Ladeira da Misericórdia no século XIX.

Em julho de 1811, Eva Maria Bonsucesso, como de costume, estendeu seu tabuleiro de couve e bananas na antiga rua da Misericórdia no centro do Rio de Janeiro. Neste lugar, Bonsucesso foi acometida por uma cabra que passou por sua quitanda e abocanhou um maço de couve e uma penca de bananas. Imediatamente, a comerciante correu atrás do animal na tentativa de recuperar os seus produtos. Para isso, Bonsucesso acabou dando uma surra na cabra. Entretanto, a cabra pertencia a José Inácio de Sousa, um homem branco, que logo ficou estarrecido com a situação e correu atrás de Eva, quando a alcançando deu-lhe uma calorosa bofetada no rosto. Eva Maria não era mulher de levar desaforo para casa, reagiu bravamente, diante do povo que acompanhava o furdunço. A briga foi parar na justiça e Eva convocou várias testemunhas que eram suas companheiras de quitanda. Por volta de 30 pessoas se dispuseram a testemunhar, e todas, de modo unânime, realçaram o seu valor moral e afirmaram que a agressão partiu de José Inácio de Sousa.

Diante das provas, a justiça condenou José Inácio a prisão, e meses depois, ele conseguiu uma carta de fiança no prazo de doze meses para juntar provas a seu favor. Dessa forma, José Inácio de Sousa, apelou para João VI de Portugal (1767-1826) negando a bofetada no rosto de Eva, afirmando que bateu nas suas costas, o que implicaria numa agressão menos grave. Além disso, o homem ressaltou ao príncipe que cabra portava uma coleira de prata com as armas reais, portanto, a cabra pertencia a Pedro I do Brasil, futuro imperador do Brasil. Deste detalhe, Bonsucesso não sabia, e também não se sabe do desfecho da petição entregue a D. João por José Inácio de Sousa.   Mas é importante que todos saibam que dentro de um sistema escravocrata autoritário e violento, a justiça brasileira, na primeira instância, ouviu as testemunhas de Eva, uma pessoa alforriada, e colocou atrás das grades um homem que prestava serviço a coroa portuguesa. Eva Bonsucesso, de fato, foi uma quitandeira que dominava espaço na antiga rua da Misericórdia, nem mesmo a cabra da família real, tinha o poder de inibir os seus negócios. [1] [2] [3]

Quitandeira

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Pintura realizada por Jean-Baptiste Debret, século XIX.

O termo quitandeira, nas Minas Gerais do século XVIII, era utilizado para se referir as mulheres negras que trabalhavam com vendas manuais de alimentos. Essas mulheres também eram chamadas negras de tabuleiro, que vendiam alimentos pelas ruas. O termo quitanda tem origem africana, mais especificamente, do quimbundo, língua falada no noroeste de Angola. Neste sentido, a palavra quitanda, seria uma variação de kitanda, que significa tabuleiro onde se expõem gêneros alimentícios destinados à venda nas feiras, inclusive verduras e legumes. [4]

Carta de Fiança

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Via de regra é uma carta em dinheiro ou outros bens prestada em favor do réu ou indiciado. Dessa forma, o réu\ indiciado pode responder o processo ou o inquérito em liberdade. Entretanto, o beneficiado pela fiança deve cumprir determinadas obrigações processais, pois em caso de consideração por juízo da quebra da fiança, o indiciado pode ser preso cautelarmente.[5]

Enciclopédia Negra

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O livro produzido pelos pesquisadores Flávio dos Santos Gomes, Jaime Lauriano, Lilia Moritz Schwarcz, que reúne quase 700 páginas contendo as biografias mais de 500 personalidades negras que atravessaram cinco séculos de história brasileira. A obra reúne verbetes desde personagens que fazem parte do imaginário popular, como Zumbi dos Palmares e Dandara dos Palmares, até escritores como Carolina Maria de Jesus. [1]

 
Pintura de Jean-Baptiste Debret (1768-1848) que mostra uma das atividades varejistas das mulheres na colônia.

Referências

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  1. a b LAURIANO, SCHWARCZ, Jaime, Lilia (2021). Enciclopédia Negra. São Paulo: Companhia das Letras. p. 192 
  2. ARRAES, Jarid (2020). Heroínas Negras Brasileiras: em 15 cordéis. São Paulo: Seguinte 
  3. Fonte: Arquivo Nacional Érico Vital Brazil. Nireu Cavalcanti. Schuma, Schumaher.
  4. BONOMO, Juliana Resende. O ofício das quitandeiras de Minas Gerais: um patrimônio nas entrelinhas. [Anais] XIV Encontro de História Oral, Campinas, 2018.
  5. CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Fiança no processo penal. Dizer Direito, 2014.