Disfemia
A disfemia, ou disfluência, conhecida popularmente como gagueira, é uma desordem de fluência da fala. Os sintomas mais evidentes da gagueira são a repetição de sílabas, os prolongamentos de sons e os bloqueios dos movimentos da fala, sobretudo na primeira sílaba, no momento em que o fluxo suave de movimentos da fala precisa ser iniciado.
Disfemia | |
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Especialidade | patologias da fala, linguagem e auditivas |
Classificação e recursos externos | |
CID-10 | F98.5 |
CID-9 | 307.0 |
OMIM | 184450 609261 |
MedlinePlus | 001427 |
MeSH | D013342 |
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Cerca de 5% das crianças entre dois e quatro anos de idade podem apresentar disfluência no processo de aquisição de linguagem e aumento de repertório, sendo geralmente episódios transitórios, que duram poucos meses, ocorrendo em consequência de uma combinação de vários fatores durante o desenvolvimento da fala. Um destes fatores é a maturação lenta das redes neurais de processamento da linguagem, que resulta numa habilidade ainda pequena para articular palavras e encadeá-las em frases nesta idade.[1]
O rápido fluxo de pensamentos, em contraste com a relativa imaturidade do sistema fonoarticulatório, contribui para que a criança apresente alguma dificuldade para produzir um ritmo regular e suave em sua fala. Esta disfluência pode aumentar quando a criança está ansiosa, cansada ou doente e quando está tentando dominar muitas palavras novas.[2]
Normalmente, este distúrbio é transitório, apenas 20% das crianças que apresentam disfluência em tenra idade necessitarão de tratamento especializado.[3] Estes poucos casos que persistem por mais tempo do que o habitual podem estar associados a uma história familiar de gagueira, sugerindo uma predisposição hereditária. Um estudo do Instituto Nacional de Desordens da Comunicação nos EUA (NIDCD), divulgado em fevereiro de 2010 em uma das mais importantes revistas de saúde e ciências médicas do mundo, o The New England Journal of Medicine,[4] encontrou 3 genes relacionados à origem da gagueira: GNPTAB, GNPTG e NAGPA.[5] Neste estudo, foram descobertas mutações capazes de alterar o funcionamento normal de células cerebrais localizadas no centro de controle da fala em pessoas que gaguejam.[6]
Como um importante desdobramento dessa descoberta, em julho de 2015 foi publicada uma abrangente pesquisa epidemiológica mundial[7] que revelou a quantidade de pessoas com gagueira associada a mutações nos genes GNPTAB, GNPTG e NAGPA. De forma inesperada, os pesquisadores descobriram que essa quantidade era muito maior do que se imaginava na época em que este subtipo do distúrbio veio à tona (fevereiro de 2010). Segundo os dados da última pesquisa, um em cada seis casos de gagueira persistente não-sindrômica tem como causa essas mutações (uma frequência três vezes maior do que a estimativa inicial, que era de um em cada 20).[8] Embora essa não seja a única causa genética da gagueira, até o presente momento esta é a única com um nível adequado de esclarecimento bioquímico (via metabólica e enzimas/proteínas envolvidas) e estatístico-populacional (distribuição e frequência de casos).
Em relação à cronificação da gagueira, uma característica que pode estar relacionada à tendência de o distúrbio tornar-se persistente nas crianças é o surgimento de sintomas adicionais bastante semelhantes a alguns verificados na Síndrome de Tourette, como: comportamentos obsessivo-compulsivos; esgares faciais (caretas), mioclonias e tiques involuntários enquanto fala; contrair os olhos ou bater o pé em sinal de desconforto nos momentos em que a fala bloqueia. Nestes casos em que a criança já tem plena consciência do problema e também percebe que sua fala pode ser julgada como fora do padrão normal, ela tende a adotar comportamentos de evitação, muitas vezes preferindo ficar em silêncio a interagir verbalmente. Neste estágio, na falta de tratamento especializado, a maioria das crianças com gagueira começa a se retrair e ter sua auto-estima prejudicada. O bullying escolar é uma possível complicação à qual pais e professores devem estar muito atentos.[9]
A disfluência que persiste após os cinco anos de idade está associada a alterações anatômicas e funcionais do cérebro, conforme vêm demonstrando as pesquisas mais modernas de neuroimagem.[10] Dados de neuroimagem publicados em 2013 na prestigiada revista científica Brain[11] mostraram que, desde os 3 anos de idade, já é possível detectar, por meio de fMRI e DTI, diferenças de conectividade nas redes neurais em crianças com gagueira que podem ajudar a prognosticar a evolução e cronificação do distúrbio.
A avaliação e o tratamento precoces são decisivos para que a criança consiga compensar cedo essas eventuais deficiências, antes do aparecimento de complicações secundárias. Por essa razão, recomenda-se que toda criança com sintomas recorrentes de gagueira passe por avaliação fonoaudiológica tão cedo quanto possível.[12]
O fonoaudiólogo é o principal responsável pelo atendimento dos pacientes com gagueira.[13][14] Em alguns casos, a terapia fonoaudiológica deverá ser complementada com intervenção multidisciplinar, como psicólogos, terapeutas ocupacionais, visando o pleno desenvolvimento global e competências dos pacientes com gagueira[15][13]. Além disso, eventualmente é necessária a adoção de medidas adicionais de suporte, como assistência médica e farmacológica, sobretudo no adulto ou quando há a presença de comorbidades importantes, como: depressão, TOC, síndrome de Tourette, TDAH, síndrome de Asperger, fobia social, epilepsia focal, epilepsia rolândica, síndrome de Landau–Kleffner,[16] insônia, apneia obstrutiva do sono,[17] bruxismo, disfunção da articulação temporomandibular.[carece de fontes]
Nos últimos anos, tem havido uma mobilização internacional crescente no sentido de conscientizar a sociedade sobre os preconceitos e a discriminação a que estão sujeitas as pessoas com gagueira. Como parte dessa iniciativa, alguns bons vídeos educativos sobre o assunto foram produzidos. Entre eles, destaca-se "Ssstutter", um curta-metragem canadense bastante desconcertante e reflexivo, estrelado por uma adolescente de 16 anos que possui a desordem.
Também como forma de ajudar no processo de conscientização social do problema, o dia 22 de outubro foi instituído como o Dia Internacional de Atenção à Gagueira.
Ver também
editarReferências
- ↑ «Seis textos essenciais para entender a gagueira». Gagueira Updates
- ↑ «O "Estudo Monstro" e o grande erro de Wendell Johnson». Gagueira Updates
- ↑ «Desvendando os mistérios da gagueira através da neuroimagem». Instituto Brasileiro de Fluência
- ↑ «Mutations in the Lysosomal Enzyme–Targeting Pathway and Persistent Stuttering». The New England Journal of Medicine
- ↑ «Revelados os primeiros genes implicados na gagueira». Instituto Brasileiro de Fluência
- ↑ «Descobertos os primeiros genes da gagueira». CNN
- ↑ «Mucolipidosis types II and III and non-syndromic stuttering are associated with different variants in the same genes». European Journal of Human Genetics
- ↑ «Causa metabólica da gagueira persistente do desenvolvimento é bem mais frequente do que se imaginava». Gagueira Updates
- ↑ «Gagueira e bullying escolar». Rede Globo
- ↑ «O que causa a gagueira?». Instituto Brasileiro de Fluência
- ↑ «Neural network connectivity differences in children who stutter». Brain
- ↑ «A importância da intervenção precoce na gagueira». Associação Britânica de Gagueira
- ↑ a b Merçon, Suzana Maria de Amarante; Nemr, Katia (junho de 2007). «Gagueira e disfluência comum na infância: análise das manifestações clínicas nos seus aspectos qualitativos e quantitativos». Revista CEFAC: 174–179. ISSN 1516-1846. doi:10.1590/S1516-18462007000200005. Consultado em 7 de maio de 2025
- ↑ Chang, Soo-Eun; Below, Jennifer E.; Chow, Ho Ming; Guenther, Frank H.; Hampton Wray, Amanda M.; Jackson, Eric S.; Max, Ludo; Neef, Nicole E.; SheikhBahaei, Shahriar (2 de abril de 2025). «Stuttering: Our Current Knowledge, Research Opportunities, and Ways to Address Critical Gaps». Neurobiology of Language: nol_a_00162. ISSN 2641-4368. PMC 11977836 Verifique
|pmc=
(ajuda). PMID 40201450 Verifique|pmid=
(ajuda). doi:10.1162/nol_a_00162. Consultado em 7 de maio de 2025 - ↑ Mongia, Monica; Gupta, AnindyaKumar; Vijay, Aishwarya; Sadhu, Raja (2019). «Management of stuttering using cognitive behavior therapy and mindfulness meditation». Industrial Psychiatry Journal (em inglês) (1). 4 páginas. ISSN 0972-6748. PMC 6929220 . PMID 31879440. doi:10.4103/ipj.ipj_18_19. Consultado em 7 de maio de 2025
- ↑ «Síndrome de Landau-Kleffner iniciando como gagueira aos 3 anos de idade». Journal of Child Neurology. 2002 Oct;17(10):785-8
- ↑ «Risco de gagueira é quase 8x maior em pessoas com apneia». American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine. 2002 Nov 15;166(10):1382-7