Heteronomia (do grego heteros, "diversos" + nomos, "regras") é um conceito criado por Kant para denominar a sujeição do individuo à vontade de terceiros ou de uma coletividade. Se opõe assim ao conceito de autonomia onde o ente possui arbítrio e pode expressar sua vontade livremente. É um conceito básico relacionado ao Estado de Direito, em que todos devem se submeter à vontade da lei.[1] Se opõe também a anomia que é a ausência de regras.

O termo foi cunhado por Kant em seu livro "Fundamentação da Metafísica dos Costumes" em 1785.

Em Filosofia

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Atualmente, quando uma pessoa age apenas para satisfazer seus próprios desejos ignorando os desejos dos outros, podem acusá-la de " ter autonomia". Esse sentido de que autonomia significa "ser um adulto responsável" é uma má-interpretação do sentido original.[2] Autonomia, do grego auto "próprio" e nomos "norma/regra", significa estabelecer suas próprias regras morais. O termo heteronomia é desenvolvido por Kant para se opor ao conceito de autonomia, e se refere "a agir de acordo com normas feitas por outros", como por exemplo, seguir um sistema de leis nacionais ou seguir dogmas religiosos.[3] Assim, agir para satisfazer sua própria vontade pode significar agir com autonomia, e ignorar a vontade dos outros significa agir sem heteronomia.

É possível agir com autonomia e heteronomia simultaneamente. Por exemplo, se um indivíduo paga taxas para evitar uma sanção, está agindo por heteronomia, mas se esse indivíduo acredita que é moralmente correto pagar taxas pela prestação de um serviço, ele está agindo com autonomia. Também é possível agir sem autonomia e sem heteronomia, por exemplo, ao não pagar por um serviço particular esse indivíduo iria contra a própria moral e contra a moral social.[4]

Em Direito

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Em Direito, a heteronomia é a característica da norma jurídica que estabelece que esta se impõe à vontade do destinatário — ou seja, a lei é imposta ao indivíduo, e exterior a ele, podendo ser criada por um ente interno (como o Estado), um ente maior que o Estado (como um bloco econômico) ou um ente internacional (como a ONU). [1]

A consciência moral evolui da heteronimia para a autonomia, ou seja, as pessoas começam por interiorizar as normas e obedecendo-lhes por medo do castigo — heteronomia —, até que essa situação evolui para um patamar que consiste na autodeterminação das pessoas em função de princípios e valores morais justificados de forma racional - autonomia. A heteronomia significa que a sujeição às normas jurídicas não está dependente do livre arbítrio de quem a elas está sujeito, mas, pelo contrário, se verifica uma imposição exterior de que decorre da sua natureza obrigatória. [1]

Para Lévinas, heteronomia não é escravidão, sendo justamente seu contrário. A moralidade não é baseada em uma vontade soberana do Eu, e sim no respeito da liberdade do Outro e para isso é necessário estar disposto a limitar-se para não se impor perante um outro. A obediência à lei criada por Outros não significa servidão ou submissão a um tirano, mas sim a superação da pretensão do Eu em ser o fundamento último e único de todas as regras.A heteronomia é a norma , a regra externa e não depende da vontade do sujeito. [5]

Em Pedagogia

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Para Paulo Freire o sistema educacional impõe excessiva heteronomia em seus educandos, desestimulando assim o desenvolvimento de capacidade de iniciativa, criatividade, emancipação e a construção de um "ser para si". Segundo ele, sem autonomia as crianças se tornam adultos conformistas, com pouco senso crítico e vulneráveis a sistemas sociais, políticos e econômicos opressores. Em seu livro Pedagogia da autonomia acredita que os oprimidos culpam causas mágicas e míticas como o destino, a sina, a vontade de Deus pela sua falta de liberdade. Assim a autonomia seria vista como inacessível, inatingível e irrealizável levando ao conformismo e perpetuando o sistema opressor. [6]

Na visão de Paulo Freire, na América Latina a heteronomia foi imposta violentamente pelos colonizadores e pela Igreja católica, resultando em uma cultura paternalista, sectária, alienada, irracional, acrítica, com dependência emocional pelos opressores. Ele argumenta que, ao invés de buscar autonomia, o oprimido eventualmente adere aos valores impostos e passa a admirar o opressor, imitá-lo e reproduzir a opressão.[7]

Freire defende que a escola é um ambiente essencial para superar a heteronomia. Para isso o modelo "bancário" em que o aluno é um sujeito passivo, mero ouvinte que deve memorizar ideias, deve ser superado. A "pedagogia da autonomia" defende um constante debate de ideias, a valorização do pensamento crítico, métodos participativos, estimulando a luta pelos seus direitos e pelos direitos de outros. Não se planeja assim criar indivíduos egoístas, desobedientes e auto-suficientes, e sim indivíduos capazes de compreender a razão das regras, rejeitando sistemas opressores, sendo aberto a comunicação e a mudanças.[8]

Referências

  1. a b c http://www.significados.com.br/heteronomia/
  2. Hill, Thomas E., Jr. (1992), Dignity and Practical Reason in Kant’s Moral Theory (Ithaca, NY: Cornell University Press).
  3. Kant, Immanuel (1997), Groundwork of the Metaphysics of Morals, trans. Mary Gregor (Cambridge: Cambridge University Press).
  4. Korsgaard, Christine M. (1996), Creating the Kingdom of Ends (Cambridge: Cambridge University Press).
  5. http://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/Sintese/article/view/232/426
  6. A HETERONOMIA A QUE PAULO FREIRE SE OPÕE [1]
  7. A HETERONOMIA A QUE PAULO FREIRE SE OPÕE: 3.2 - MASSIFICAÇÃO E MEDO DA LIBERDADE[2]
  8. A EDUCAÇÃO PARA A AUTONOMIA EM PAULO FREIRE http://www.pucrs.br/edipucrs/online/autonomia/autonomia/4.2.html