O Movimento dos Artistas Huni Kuin (MAHKU) é um coletivo de artistas e pesquisadores Huni Kuin, povo indígena que vive na Amazônia, entre o Acre e o Peru.[1] O coletivo tem suas origens ligadas às pesquisas de Ibã Sales Huni Kuin sobre os Huni Meka, cantos da ayahuasca na língua Hãtxa Kuin[2]. Os artistas transformam e criam pontes em direção aos não indígenas por meio de murais, desenhos e pinturas, ao mesmo tempo em que constroem alianças e fortalecem suas próprias estratégias de autonomia.[3] O coletivo é formado por Ibã Huni Kuin, Kássia Borges, Acelino Tuin, Cleiber Bane, Pedro Maná, Yaka Huni Kuin, Rita Huni Kuin, Cleudo Txana Tuin e Isaka Huni Kuin, representado pela galeria Carmo Johnson Projects.[4][5]

Mahku
Mahku
Bienal de Veneza 2024
Nome completo MAHKU - Movimento dos Artistas Huni Kuin
Nacionalidade Brasil brasileiro
Etnia Huni Kuin

Biografia editar

Seu início remonta ao final da década de 2000, quando algumas lideranças do povo Huni Kuin, especialmente Ibã e seu filho Bane, junto do sobrinho Acelino e parentes Maná, começaram a realizar oficinas para registrar em desenhos os cantos, os mitos e as práticas Huni Kuin. Muitas das obras do MAHKU são traduções visuais dos cantos Huni Meka, conhecimento tradicional que acompanha os rituais de Nixi Pae com a bebida da ayahuasca, uma espécie de chá com potencial alucinógeno preparado com plantas amazônicas e utilizado há séculos por diversos povos na América do Sul.[6]

Na iconografia Huni Kuin, a área de imprecisão entre o sonho e o mito é frequentemente marcada por uma moldura que se adapta ao suporte trabalhado, assegurando a autonomia da história e garantindo sua livre manifestação. No perímetro da miração, não há hierarquias entre os entes representados e a fratura entre abstração e figuração perde todo sentido.[7] O que encontramos é o resultado de uma imagem-processo, a partir do diálogo e do aprendizado entre os envolvidos, cujo objetivo final é a cura, tanto de quem a realizou quanto do observador que a acessa, transformando-a em experiência espiritual.[8]

O coletivo cria pontes entre os mundos indígenas e os não indígenas, entre o visível e o invisível. Ao associar-se ao universo das exposições, o coletivo construiu caminhos sustentados para fortalecer seus modos de existência, fazendo circular jacarés, jiboias e a bebida do cipó, difundindo assim seus mitos, suas histórias e sua arte.[9]

Em 2011, Ibã junto ao antropólogo Amilton Pelegrino de Mattos, professor na Universidade Federal do Acre decidiram que o trabalho do coletivo tinha que ir para longe. Eles criaram um blog e mandaram para algumas pessoas e outros antropólogos. O site chegou a um representante da Fundação Cartier para a arte contemporânea, de Paris, que convidou o cacique para participar de uma mostra de arte contemporânea, no mesmo ano[10].

Em 2014, o trabalho do MAHKU foi selecionado para a exposição Made by... Feito por brasileiro, com curadoria de Marc Pottier, no antigo Hospital Matarazzo, em São Paulo. Ibã, Bane, seu filho e Isaka pintaram painéis nas paredes de três salas e, ao fim da experiência, venderam pela primeira vez uma obra de arte, uma tela de 5 metros.[11] O valor dessa primeira venda foi investido na compra dos primeiros 50 hectares. Desde então, venderam cerca de 15 obras, mas em tamanhos e valores menores e mais terras foram compradas. [12]

Em 2017, o coletivo lançou no 35º Panorama da Arte Brasileira, com curadoria de Luiz Camillo Osorio, o Projeto Parede Ibã Huni Kuin (Isaías Sales) que é um txana, mestre dos cantos na tradição do povo Huni Kuin do Acre. Levar sua tradição ameríndia para além de seus territórios de origem foi a razão do projeto Espírito da Floresta, criado por Isaías Sales e seu filho. O imaginário encantado que ele explora nos murais, nos cantos, nas fabulações abre universos de conhecimento pouco explorados e de difícil tradução dentro dos parâmetros ocidentais.[13]

Em 2018, realizou a exposição Através da poética do MAHKU com os artistas Ibã HuniKuin e Bane HuniKuin. Com curadoria de Roberta Paredes e Amilton Pelegrino, as obras expostas na Galeria de Artes da Universidade Federal do Amazonas integraram parte da coleção do Projeto Espírito da Floresta. [14]

Em 2020, lançou a exposição Vaivém no Centro Cultural Banco do Brasil, em Belo Horizonte. Com curadoria de Raphael Fonseca, a tela foi inspirada no conceito da exposição; que das redes surjam povos, que nas redes ocorram os ciclos da vida e da morte, que sua existência institua a sobrevivência de tradições, que através das redes sejam narradas muitas histórias das sociedades ameríndias.[15]

Em 2021, o MAHKU começou a ser representado pela Galeria Carmo Johnson Projects, onde apresentou Tudo é Perigoso, divino e maravilhoso na galeria Carmo Johnson Projects, com curadoria de Daniel Dinato.[7] A mostra travou um diálogo entre a ancestralidade dos mitos e cantos representados pelo coletivo e os imaginários híbridos entre feras e paisagens de Bruno Novelli . No mesmo ano, o coletivo realizou as oficinas na Aldeia Xico Kurumin, em parceria com o curador Daniel Dinato, que deram início à curadoria da sua próxima exposição.[16]

Em 2022, lançou a exposição Cantos de Imagens, com curadoria de Ibã Huni Kuin e Daniel Dinato e coprodução entre a Casa de Cultura do Parque e Carmo Johnson Projects. As pinturas e a instalação foram complementadas com a experiência dos cantos Huni Meka, reproduzidos durante a exposição.[17] No mesmo ano, o coletivo criou uma obra para a mostra Nakoada: Estratégias para a Arte Moderna com a função de repensar memória e patrimônio em função de perspectivas e saberes outros. A obra do coletivo foi exposta ao lado de expoentes do modernismo brasileiro, como Alberto Guignard, Alfredo Volpi, Anita Malfatti, Candido Portinari, Djanira e Di Cavalcanti.[18]Ainda no mesmo ano, o grupo de artistas apresentou a exposição MAKHU:Vende Tela, Compra Terra na SBC Galeria de Arte Contemporânea em Montreal. Com curadoria de Ibã Huni e Daniel Dinato a mostra focou na reivindicação da arte visual como uma arma na luta pela autonomia política, ecológica e cultural do povo Huni Kuin.[19][20]

Em 2023, lançou a exposição Mirações no MASP que reuniu cerca de 120 pinturas e desenhos em papel e tela, sendo três delas produzidas para a mostra, comissionadas pelo museu, além de esculturas, áudios com cantos, vídeo documentário e uma pintura de grandes dimensões elaborada diretamente nas laterais da icônica escada/rampa vermelha que interliga o 1° ao 2° subsolo do museu, seguindo, assim, a tradição do coletivo de realizar uma intervenção artística nos espaços expositivos que ocupam, criando uma conexão física e espacial entre mundos.[21] No mesmo ano, o coletivo apresentou a exposição Coreografias do Impossível, na 35° Bienal de São Paulo. Foram uma série de dezoito pinturas inéditas. Cada uma delas com dois metros e vinte centímetros de largura por dois metros e sessenta centímetros de altura, dispostas uma ao lado da outra, num formato de semicírculo, cobrindo o fechamento da rampa no andar roxo e continuando-se mutuamente.[22][23]

Em 2024, o coletivo foi convidado a participar da 60ª Exposição Internacional de Arte da Bienal de Veneza: Stranieri Ovunque - Foreigners Everywhere, pelo curador brasileiro Adriano Pedrosa.[24] O coletivo ganhou destaque ao apresentar a pintura de 750 metros na fachada do pavilhão principal da Bienal, no Giardini, com Kapewë Pukeni (jacaré-ponte), transportando o espectador para o mito de origem dos Huni Kuin.[25] O mito conta uma história sobre a separação intercontinental entre os povos e a consolidação da identidade Huni Kuin. Kapewë Pukeni torna-se assim uma imagem central no reforço dos laços entre estrangeiros em todo o mundo e no papel da arte como meio de resistência.[26]

Referências editar

  1. «Mahku». Bienal de São Paulo. Consultado em 30 de janeiro de 2024 
  2. «Movimento dos Artistas Huni Kuin». Instituto Moreira Salles. Consultado em 30 de janeiro de 2024 
  3. «Coletivo Mahku». Enciclopédia Itaú Cultural. Consultado em 30 de janeiro de 2024 
  4. «Mahku - Movimento dos Artistas Huni Kuin (Jordão, AC, 2013)». Pinacoteca de São Paulo. Consultado em 30 de janeiro de 2024 
  5. «Artistas indígenas ganham destaque nos museus paulistas: "Nossa arte é viva"». Veja SP. 24 de março de 2023 
  6. «MAHKU - Movimento dos Artistas Huni Kuin». SP-Arte. Consultado em 30 de janeiro de 2024 
  7. a b «Mahku e o mito do surgimento do Nixi Pae». Revista Select. 6 de outubro de 2021 
  8. «Máquina de Visão - O Mahku». Funarte. 30 de outubro de 2018 
  9. «Por que canta o MAHKU?». Revista USP. 1 de maio de 2017 
  10. «Yame awa Kanawai: Mural na entrada do Sesc Pinheiros». SESC São Paulo. 5 de abril de 2023 
  11. «Mirações». Estadão. 24 de março de 2023 
  12. «Liderado por Ibã Sales, em Jordão, no Acre, coletivo de artistas indígenas da etnia Huni Kuin vende telas para poder comprar mata virgem». UOL. 15 de janeiro de 2018 
  13. «35º Panorama da Arte Brasileira: Brasil por multiplicação». MAM - Museu de Arte Moderna de São Paulo. 26 de setembro de 2017 
  14. «Galeria de Arte da Ufam apresenta exposição "Através da poética do MAHKU"». UFAM - Universidade Federal do Amazonas. 13 de agosto de 2018 
  15. «Vídeo revela como foi feita pintura indígena da exposição Vaivém no CCBB». Estado de Minas - Cultura. 3 de outubro de 2020 
  16. «Bruno Novelli e do coletivo MAHKU "invadem" casa modernista». Arte que Acontece. Consultado em 24 de abril de 2024 
  17. «MAHKU – CANTOS DE IMAGEM». Casa de Cultura do Parque. 2 de julho de 2018 
  18. «Nakoada». MAM - Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Consultado em 30 de janeiro de 2024 
  19. «Mahku». SBC Gallery of Contemporany Art. 10 de abril de 2022 
  20. «Hawe Henewakame». Art Public Montreal. 1 de julho de 2023 
  21. «Mahku:Mirações». MASP - Museu de Arte de São Paulo. 24 de março de 2023 
  22. «Mahku». Bienal de São Paulo. 1 de setembro de 2023 
  23. «Obras artísticas do povo Huni Kuin do Acre são destaque na Bienal de São Paulo». A Gazeta do Acre. 1 de setembro de 2023 
  24. «Biennale de Arte - Foreigners Everywhere». La Biennale di Veneza. 31 de janeiro de 2024 
  25. «Bienal de Veneza mira os modernismos da periferia e faz o museu dos excluídos.». Folha de São Paulo. Consultado em 24 de abril de 2024 
  26. «Bienal de Veneza: pela 1ª vez, evento tem brasileiro como curador e destaque para arte indígena». G1. Consultado em 24 de abril de 2024