O Marquês da Bacalhoa

romance a clef de António de Albuquerque publicado em 1908

O Marquês da Bacalhoa é um romance a clef do escritor português António de Albuquerque, publicado em 1908 e supostamente impresso na Imprimerie Liberté, em Bruxelas, mas na realidade publicado em Lisboa, numa tipografia da rua do Arco da Bandeira[1] pelo editor militante Gomes de Carvalho. [2] A publicação causou enorme escândalo e polémica, pela caricatura crítica que faz da família real e da classe política contemporânea,[3] bem como pelo lesbianismo com que caracteriza a rainha D. Amélia.[4]

O Marquês da Bacalhoa
O Marquês da Bacalhoa
Capa interior do romance "O Marquês da Bacalhoa"
Autor(es) António de Albuquerque
Idioma Português
País Portugal Portugal
Assunto História de Portugal (1834–1910), Lesbianismo
Gênero Romance
Localização espacial Lisboa
Editora Imprimerie Liberté, Bruxelas
Lançamento 1908
Páginas 354

Polémica

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Concluído em 1907, o romance a clef "O Marquês da Bacalhoa", seria publicado no ano seguinte, numa época de grande tumulto da história portuguesa, pouco antes do regicídio e da implantação da república. Pelo retrato transparente que faz dos principais atores políticos deste período, de onde se destacam o rei D. Carlos (o Marquês da Bacalhoa), apresentado como o supremo lúbrico e hedonista, e o “ditador” João Franco (o Neves), ambos em diálogo com o conservador e romântico Mouzinho de Albuquerque (D. Álvaro de Luna), o herói da pacificação de Moçambique depois da derrota do régulo Gungunhana,[2] e sobretudo por utilizar explicitamente os rumores que corriam sobre o lesbianismo da rainha D. Amélia (a Marquesa de Bacalhoa) como argumento central do enredo, o livro causou enorme escândalo à época e foi proibido,[3] o que estimulou ainda mais a curiosidade do público, que correu a comprá-lo clandestinamente, apesar do seu preço muito elevado, esgotando rapidamente os 6000 exemplares que terão sido impressos.[3]

A Marquesa de Bacalhoa (a rainha D. Amélia) será, com efeito, uma das grandes protagonistas do romance, com a sua «predileção criminosa pelos amores sáficos», resultante da sua “educação num meio beato e dissoluto, viciado desde criança pelas amigas, ávidas amantes do seu corpo alvo e arredondado; o misticismo característico de todas as grandes invertidas», bem como, mais tarde, de um «casamento» que viria a «desiludi-la cruelmente do homem», do «sofrimento da gravidez, tendo o doloroso parto por epílogo» e de tudo «que desgosta a mulher do macho, a lança na prática das sensualidades mais requintadas, mais ardentes e menos perigosas.»[4]

Receção

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A leitura contemporânea do romance lança luz sobre as dinâmicas políticas e sociais deste período muito importante da história portuguesa, lançando um olhar crítico sobre a fragilidade da da vida lasciva e viciosa, cínica e mesquinha da corte brigantina,[2] da aristocracia portuguesa e dos clérigos católicos, bem como sobre as instituições, os políticos e os jornalistas portugueses, tanto monárquicos como republicanos, em que a homofobia[5] e a misoginia imperam, e são utilizados como arma para denegrir e ridicularizar, com vista a reprimir e dominar. Numa perspetiva diametralmente oposta, ao contrário de consubstanciar a violência e o caos, o anarquismo, que a persona do autor defende apaixonadamente, é apresentado como a única ideologia que pode conduzir à completa liberdade individual e à verdadeira fraternidade. [3]

Reedições

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  • Marquês da Bacalhoa, Lisboa: INCM, julho de 2002, 206 pp.
  • O Marquês da Bacalhoa, Lisboa: INDEX ebooks, 2023, 260 pp.

Referências

  1. Raul Brandão. Memórias III: Vale de Josafat. Lisboa: Seara Nova 
  2. a b c DGLAB-Direção Geral do Livro dos Arquivos e das Bibliotecas (1990). «António de Albuquerque». Consultado em 8 de dezembro de 2023 
  3. a b c d Martim de Gouveia e Sousa. «Daqui houve gente de Portugal». Revista Millenium, Instituto Politécnico de Viseu 
  4. a b Dicionário de Literatura Gay. Lisboa: INDEX ebooks. 2023. 90 páginas. ISBN 9798841927501 
  5. Fernando Curopos (2018). La lesbienne fin-de-siècle: une fiction portugaise (em francês). [S.l.]: Moderna språk 112 n.2