Reinado social de Cristo

O reinado social de Cristo é uma expressão usada pelos católicos desde a segunda metade do século XIX. Sintetiza a aspiração de que toda a sociedade -e não só os indivíduos em sua particularidade- seja regida pela lei natural e lei divina, segundo o que o que é definido pela doutrina católica.

Esse ideal que se inspira no sistema político vivido na antiga Cristandade foi levado ao Magistério da Igreja pelo Papa Pio XI [1]. Guarda relação com a devoção ao Sagrado Coração de Jesus e geralmente está associado a uma posição contrária ao liberalismo político, a democracia parlamentar e a ideia de soberania popular. [2]

Segundo o sacerdote José Ricart Torrens, satisfaz plenamente o que é dito por São Paulo em 1 Coríntios 15, 24-25: "É preciso que ele reine enquanto põe todos os seus inimigos debaixo de seus pés"

Origem e uso da expressão editar

A expressão foi cunhada pelo sacerdote jesuíta francês Henri Ramière, fundador do Messager du Coeur de Jésus (1861), [3] , que a empregou contra as ideias do liberalismo político, que propugnava a secularização das instituições e da sociedade na Europa e na América. [4] O chamado reinado social de Cristo estava relacionado com a então difundida devoção ao Sagrado Coração de Jesus, que Ramière considerava ser "o instrumento principal pela qual a misericordiosa Providência quer se valer para regenerar a sociedade". [5]

 
Henri Ramière (1821-1884)

Quando o Concilio Vaticano I estava em vias de acontecer, o padre Ramière, que participou como teólogo no mesmo, escreveu um livro intitulado A soberania social de Jesus Cristo ou as doutrinas de Roma acerca do liberalismo em suas relações com o dogma cristão e as necessidades das sociedades modernas. [3] Nele formulou a seguinte tese sobre a soberania social de Jesus:

É um dogma de fé que Jesus Cristo possui uma autoridade soberana sobre as sociedades civis, e mesmo sobre os indivíduos que as compõem; e, portanto, as sociedades, em sua existência e em sua ação coletiva, mesmo os indivíduos, em sua conduta privada, estão obrigados a se submeterem a Jesus Cristo e a observar as suas leis [6]

Segundo o que confessava nas primeiras páginas de sua obra, Ramière defendia a soberania social de Jesus Cristo com a mesma veemência que anteriormente os cristãos tinham defendido a divindade do Cristo[3];

Outro dos precursores dessa doutrina foi o sacerdote espanhol José Gras y Granollers, quem, em reação à Vida de Jesus de Ernest Renan (que negava a divindade de Cristo), saiu em defesa da tese em diversas publicações e escritos. [7] Em 1864 Gras celebrou em Écija o primeiro tríduo a Cristo Rei [8][9] e, depois de ser nomeado cônego da abadía del Sacromonte de Granada e auspiciado pelo arcebispo Bienvenido Monzón,[10] fundou em 1866 a Academia y Corte de Cristo, uma associação católico-literária de seculares que tinha por fim difundir e adorar a soberania de Cristo. José Gras escrevia que seu maior desejo era que "Cristo reine sobre todas as esferas da atividade humana". Em 1876 fundaria também a congregação das Hijas de Cristo Rey.[11]

Embora a doutrina do reinado social não estivesse definida em nenhum Credo, bula ou concílio, para o pregador espanhol José Ramírez, constituía também um dogma de fé revelada, ao se fundamentar na união hipostática das duas naturezas de Jesus Cristo (divina e humana), deduzindo que, sendo Cristo autor da criação e da redenção, tem autoridade sobre nós[12].

Referências

  1. Cano Medina 2009, p. 105.
  2. Ricart Torrens 1970, p. 275.
  3. a b c Villacorta 1990, p. 239.
  4. Cárcel Ortí 2009, p. 306.
  5. Cano Medina 2009, p. 39.
  6. Ramière 1875, p. 26.
  7. Sánchez Ocaña 2006, p. 100.
  8. Sánchez Ocaña 2006, p. 54.
  9. Alcalá Sánchez, Manuel (1981). Bosquejo histórico de la ciudad de Villanueva del Arzobispo. [S.l.: s.n.] p. 112. ISBN 8430042121 
  10. Gras y Granollers 1867, p. 3.
  11. Cano Medina 2009, p. 47.
  12. «Notable conferencia en la Academia Científico-Literaria de la Juventud Católica». El Almogávar: 2. 19 de Janeiro de 1881