Transferência de energia de ressonância por fluorescência

Transferência de energia de ressonância por fluorescência (sigla em inglês: FRET), transferência de energia por ressonância de Förster ou transferência de energia por ressonância (RET) é o mecanismo de transferência de energia de forma não-radiativa entre dois cromóforos, sem a necessidade de reabsorção de radiação eletromagnética.[1] De maneira geral, um cromóforo doador, inicialmente no seu estado eletrônico excitado, pode transferir energia para um aceitador, outro cromóforo, através do acoplamento dipolo-dipolo não radiativo.[2] A eficiência desta transferência de energia é inversamente proporcional à sexta potência da distância entre o doador e o aceitador por esse mecanismo, tornando extremamente sensível a pequenas distâncias, da ordem de 1 a 10 nm.[3]

Mecanismo do FRET

As medições da eficiência do mecanismo de transferência de energia de ressonância por fluorescência podem ser usadas para determinar se dois fluoróforos estão a uma certa distância um do outro. Tais medições são utilizadas como uma ferramenta útil de pesquisa para a descrição de fenômenos da dinâmica molecular em biofísica e em bioquímica, tais como interações proteína-proteína, interações DNA-proteína, ou mudanças de forma de proteínas.[4]

Nomenclatura editar

O mecanismo de transferência ressonante de energia de Förster é nomeado em homenagem ao cientista alemão Theodor Förster. Quando ambos os cromóforos são fluorescentes, o termo "transferência de energia de ressonância de fluorescência" é geralmente preferido, mesmo que a energia não seja realmente transferida por fluorescência. A fim de evitar uma interpretação errônea do fenômeno, que é sempre uma transferência não radiativa de energia (mesmo quando ocorre entre dois cromóforos fluorescentes), o termo "transferência de energia ressonância Förster" é preferível a "transferência de energia de ressonância de fluorescência", no entanto, este último goza de uso comum na literatura científica.

Mecanismo editar

A fluorescência é o mecanismo no qual uma molécula ou um grupo eletronicamente excitado emite luz. Um fóton é emitido após o decaimento do estado inicial excitado a de um estado excitado de menor energia.[5] Assim, o espectro de emissão da molécula é geralmente de comprimento superior ao absorvido. O mecanismo de FRET é análogo à comunicação entre campos próximos, em que o raio de interação é muito menor do que o comprimento de onda da luz emitida. Na região de campo próximo, o cromóforo excitado emite um fóton virtual que é instantaneamente absorvido pelo cromóforo de recepção. Estes fótons virtuais são indetectáveis​​, já que sua existência viola a conservação de energia e momento, e, portanto, FRET é conhecido como um mecanismo não radiativo de transferência.

Princípios teóricos editar

A eficiência do FRET ( ) é medida através do rendimento quântico na transferência de energia, ou seja, a probabilidade de ocorrer um evento de transferência de energia dada a excitação por um doador:

 

onde   é a taxa de transferência de energia,   a taxa de decaimento radiativo, e   são as constantes de velocidade de quaisquer outras vias de excitação.

A eficiência do mecanismo de FRET depende de diversos parâmetros físicos, os quais podem ser agrupados como: a distância entre o doador e o aceitador (geralmente na faixa de 1-10 nm); a sobreposição espectral entre os espectros de emissão do doador e do aceitador; bem como a orientação relativa entre o momento de dipolo de emissão do doador e o momento de dipolo de absorção do aceitador.

A eficiência também pode ser definida em função da distância   entre o par de doador e aceitador, devido ao mecanismo de acoplamento dipolo-dipolo:

 

Em que   é a distância entre o par de doador e aceitador na qual a eficiência da transferência é igual a 50% e recebe o nome de Raio de Förster.[6] O Raio de Förster depende da integral de sobreposição entre os espectros de emissão do doador e do aceitador, além da orientação relativa entre eles e é expressado na seguinte equação:

 

Em que  é o rendimento quântico de fluorescência do doador na ausência do receptor,   é o fator de orientação dipolar,   é o índice de refração do meio,   é a constante de Avogrado, e   é a integral de sobreposição entre os espectros de emissão.

Fator de orientação editar

O fator de orientação (k²) pode ser assumido como valendo 2/3 em meios nos quais os cromóforos estão em livre rotação (por exemplo, moléculas livres em uma solução de baixa viscosidade).

Métodos para medição da eficiência do FRET editar

Tempo de vida editar

A eficiência da transferência de energia por fluorescência pode também ser determinada a partir da alteração no tempo de vida de fluorescência do dador. O tempo de vida do doador irá diminuir na presença do aceitador. Medições de tempo de vida do FRET são usados ​​em microscopia de fluorescência.

Aplicações editar

A transferência de energia de Föster tem sido utilizada para medir distâncias e detectar interações moleculares em vários sistemas e tem aplicações nas áreas de biologia e bioquímica.

A eficiência do mecanismo de FRET depende de parâmetros físicos como a distância entre um grupo fluorescente doador e o aceptor, em proteínas as cadeias laterais dos resíduos de triptofano e tirosina podem ser grupos fluorescentes em proteínas. Quando a molécula fluorescente doadora é excitada eletronicamente parte da sua energia de excitação é transferida para a molécula aceptora. Após essa transferência a intensidade da fluorescência emitida pelo aceptor no seu espectro de emissão pode ser detectada. Através da técnica de mutagênese sítio-dirigida, substituição de resíduos, é possível localizar e quantificar o número desses resíduos. As cisteínas, por possuírem cadeias reativas, podem ser ligadas covalentemente a grupos fluorescentes ou serem localizadas por mutagênese sítio-dirigida[7].

A técnica de FRET também pode ser utilizada para avaliação da atividade proteásica. Para isso, cromóforos doadores e aceitadores são acoplados a extremidades opostas de um peptídeo que contem o sítio de clivagem proteolítico. Após a clivagem via atividade enzimática é possível detectar o afastamento entre as espécies, e o sinal de fluorescência proveniente do doador é aumentado.

O uso do FRET para medir a variação da distância entre resíduos proteicos específicos no tempo também possui aplicação em diversas áreas de modelagem proteica, como avaliação da estrutura, dobramento, distribuição espacial e também montagem correta de proteínas.[8]

Em sistemas como células, o FRET tem sido utilizado para detectar a localização e as interações dos genes e das estruturas celulares, incluindo integrinas e proteínas de membranas. O FRET também pode ser usado para obter informação sobre as vias metabólicas ou de sinalização. Também é utilizado para estudar balsas lipídicas (em inglês, lipid rafts) em membranas celulares.

Cuidados especiais durante o desenho experimental usando a imagem por FRET editar

As abordagens baseadas em imagem por FRET têm contribuído bastante para a ciência, porém a técnica requer alguns cuidados especiais:

  1. O desenho experimental deve levar em conta se a distância entre as espécies irá aumentar ou diminuir, assim alterando o sinal detectado;
  2. Para que ocorra a transferência energética o doador e aceptor devem apresentar sobreposição no espectro de absorção e emissão de energia;
  3. Para que as fluorescências emitidas sejam diferenciadas entre o aceptor e o doador os espectros de emissão devem ser distintos;
  4. A excitação direta do aceptor deve ser minimizada de acordo com a escolha do comprimento de onda de excitação do doador selecionado[8].

Ver também editar

Referências

  1. Gilbert, A.: Baggott, J.: Essentials of Molecular Photochemistry, Blackwell Scientific Publications: Oxford, 1991.
  2. Lakowicz, Joseph R, Principles of fluorescence spectroscopy, 3ª edição, Springer, 2009.
  3. Birks, J. B.; Photophysics of Aromatic Molecules, John Wiley & Sons Ltd.: New York, 1970.
  4. Valeur, Bernard and others; Molecular fluorescence: principles and applications, John Wiley & Sons Ltd.: John Wiley \& Sons, 2013.
  5. «20. Fluorescência e fosforescência - Sala de Demonstrações de Física - UFMG» 🔗. demonstracoes.fisica.ufmg.br. Consultado em 17 de agosto de 2021 
  6. Förster, Th. (1965). «Delocalized Excitation and Excitation Transfer». In: Sinanoglu, Oktay. Modern Quantum Chemistry. Istanbul Lectures. Part III: Action of Light and Organic Crystals. 3. New York and London: Academic Press. pp. 93–137. Consultado em 22 de junho de 2011 
  7. VOET, Donald; VOET, Judith. Bioquímica. Porto Alegre: Artmed, 2013.
  8. a b FRET (fluorescence resonance energy transfer) e BRET (bioluminescent resonance energy transfer) como ferramentas para estudo da biologia de GPCRS (G-protein coupled receptors), edition: 01, Chapter: 11, Publisher: Blucher,, Editors: Rodrigo Ribeiro Resende e Carlos Ricardo Soccol, pp.315-342

Ligações externas editar

 
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