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Poder disciplinar

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Em Vigiar e punir, Michael Foucault descreveu vários processos de disciplinarização dos corpos em diferentes instituições, demonstrando que a principal característica destas é a disciplina corporal. O conceito de poder foucaultiano se situaria em algum lugar entre o direito e a verdade - de forma que é necessário compreender os mecanismos do poder entre os limites impostos de um lado pelo direito, com regras formais delimitadoras, e de outro, pela verdade, cujos efeitos produzem, conduzem e reconduzem novamente ao poder. É nesse sentido que Foucault menciona a relação triangular que se estabelece entre esses três conceitos: poder, direito e verdade.

Dessa maneira, Foucault analisa as formas de poder a partir de suas práticas presentes ao longo dos séculos XVI ao XVIII, preocupando-se em “não tomar o poder como um fenômeno maciço e homogêneo de um indivíduo sobre os outros” (Foucault, 1998, p.183) e considera, ainda, que o poder não existe, o que existe, na realidade, são práticas e relações de poder que se estabelecem, sendo, assim, próprio do fundamento da sociedade.


“[...] os mecanismos do poder nunca foram estudados na história. Estudaram-se as pessoas que detiveram o poder. [...] o poder em suas estratégias, ao mesmo tempo gerais e sutis, em seus mecanismos, nunca foi estudado” (FOUCAULT, 1985, p. 80).

Foucault afirma que os efeitos de dominação exercidos pelo poder não devem ser atribuídos a uma apropriação, mas a táticas, técnicas, funcionamentos - o poder não se constitui privilégio da classe dominante, mas expressa o conjunto das posições estratégicas utilizadas por esta classe, e que pode ser manifestado e às vezes até reconduzido pelos dominados. Se o poder “[...] apenas se exercesse de um modo negativo, ele seria muito frágil. Se ele é forte, é porque produz efeitos positivos [...] a nível do saber” ( FOUCAULT, 1998, p.148).


Foucault busca compreender a disciplina questionando como o poder é exercido: poder e disciplina fariam parte de uma complexa rede, na qual a disciplina fortalece o poder. Nesse entendimento, considera-se, ainda, o surgimento dos saberes como dispositivos de poder, ou seja, seria “o poder-saber seus processos e as lutas que o constituem, que determinam as formas e os campos possíveis do conhecimento”[1] Dessa forma, pode-se dizer que não há relação de poder que não seja vinculada a um campo do saber, do mesmo modo que não há saber que não corresponda a um poder. O poder está em todos os lugares permeando as relações que se estabelecem entre as práticas, nas quais o poder exerce-se a partir do conhecimento adquirido no campo dos saberes científicos, como, por exemplo, na Medicina e no Direito. Conforme Foucault “Temos antes que admitir que o poder produz saber [...]; que não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber”[...].


O processo de disciplinarização dos corpos de crianças e jovens se encontra no centro das preocupações de Vigiar e Punir. Ela ocorreu em locais arquitetonicamente preparados para aquele fim: o panóptico, de Geremy Bentham, foi a arquitetura escolhida para vigilância - locais cercados, quadriculados, com uma disposição espacial estudada que serviam para a observação sistemática de corpos e um mobiliário desenhado, com uma torre de vigia ao centro, com janelas se abrindo para o lado interno, cujo interior mantinha-se invisível - ao redor do panóptico construíam-se celas, totalmente visíveis do observatório.


“[...] assegurar uma vigilância que fosse ao mesmo tempo global e individualizante separando cuidadosamente os indivíduos que deviam ser vigiados.” (FOUCAULT, 2004, p.216).

O panóptico, segundo Foucault, era um “olhar que vigia e que cada um, sentindo o peso sobre si, acabará por interiorizar, a ponto de observar a si mesmo; sendo assim, cada um exercerá esta vigilância sobre e contra si mesmo” (Idem, p. 218). Na torre, poderia ou não haver um vigia - o importante é que o sujeito vigiado não tenha certeza disso: a ideia de poder estar sendo vigiado deveria ser o suficiente para mantê-lo disciplinado. O panóptico representou, até o início do século XX, um modelo de exercício de poder, cuja técnica disciplinar garantia a subordinação e o adestramento do sujeito a um poder que agia sobre ele.

O nascimento da chamada escola disciplinar se deu em um período de intensas modificações nas estruturas de poder, as quais deram origem ao aparato social e político da “sociedade disciplinar”. A genealogia foucaultiana oferece um modelo teórico para entender o surgimento da escola moderna e também da prisão, do hospital e das fábricas, instituições por excelência da modernidade: para Foucault, o poder se deslocou e passou a existir através da norma, deixando de estar centralizado em uma figura e espalhando-se pela sociedade nas instituições. No século XVII, o Hospital Geral, por exemplo, produziu uma nova modalidade de poder e transformou-se em uma instituição disciplinar, na qual a “loucura” passou a ser regida por leis autoritárias. Na Europa do século XVII, são criadas as instituições disciplinares, nas quais todos aqueles que estavam à margem da sociedade eram presos, e os “loucos” faziam parte desse grupo. Desta maneira, a prática médica se apresenta sob duas formas: o poder sobre o doente e a representação do poder, ou seja, o médico, por exemplo, era um veículo do poder.

Poder disciplinar e suas práticas

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Foucault (1997), afirma que, nos séculos XVII e XVIII, o poder era o direito de apreensão das coisas, do confisco do tempo, dos corpos e da vida. Este confisco passa a ser uma entre outras funções do poder, entre as quais se destacam a função de controle, de vigilância, de majoração e de organização das forças. O poder disciplinar seria [...] um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior “adestrar”: ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo. [...] “Adestra” as multidões confusas [...] (FOUCAULT, 2005, p.143).

O poder disciplinar mostrou-se nas escolas, nos hospitais, nos quartéis e foi, aos poucos, se disseminando em outras instituições - frutos do deslocamento do poder soberano para o corpo social. Esse poder se exerce sobre corpos individuais por meio de exercícios direcionados para a ampliação de suas forças; exercícios estes que tinham como objetivo o adestramento e a docilização dos corpos. A punição e a vigilância são mecanismos de poder utilizados para docilizar e adestrar as pessoas para que se adequem às normas estabelecidas nas instituições. A partir da segunda metade do século XVIII, surgiu o poder disciplinar que garantiu a articulação da sociedade: a disciplina passou a controlar os indivíduos estabelecendo relações de poder reguladas pelas normas - o corpo só teria utilidade se fosse produtivo e submisso: essa sujeição é obtida através de um saber e de um controle que constituem o que Foucault chamou de uma “tecnologia política do corpo” (biopoder): essa anatomia política deve ser entendida como processos, muitas vezes mínimos, que circulam, às vezes muito rápido, entre o exército e as escolas técnicas ou os colégios e liceus, às vezes lentamente e de maneira mais discreta[1] Deste modo, a punição terá agora a função de corrigir os indivíduos para estabelecer relações de poder, como forma de controle para atender aos interesses de quem necessita de corpos úteis, produtivos, disciplinados.

Na concepção foucaultiana, os dispositivos do poder disciplinar caracterizam-se pela minúcia e pelo detalhe: as práticas disciplinares permitem o controle das operações dos corpos e a sujeição de suas forças, impondo-lhes uma relação de docilidade e utilidade. Foucault ressalta que houve uma descoberta do corpo como objeto e alvo de poder, ora de submissão e utilização, ora de funcionamento e de explicação.

Referências bibliográficas

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GAMA, Gláucio; GAMA, Cláudio. "Foucault, o corpo e o poder disciplinar". Disponível em: <http://www.efdeportes.com/efd136/foucault-o-corpo-e-o-poder-disciplinar.htm>

SOUSA, Noelma; MENESES, Antonio. "O PODER DISCIPLINAR: UMA LEITURA EM VIGIAR E PUNIR". Disponível em: <https://periodicos.ufrn.br/saberes/article/viewFile/561/510>

POGREBINSCHI, Thamy. "Foucault, para além do poder disciplinar e do biopoder" Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452004000300008>

MARIANO, Rubem, "O PODER DISCIPLINAR EM MICHEL FOUCAULT". Disponível em: <periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/revcesumar/article/download/154/518>