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Um tratamento para o choque hipovolémico, para ser bem sucedido deve ter como meta final restaurar e corrigir o défice de volume, determinando-se também a sua causa. Consiste sobretudo na reposição da perfusão efetiva dos tecidos e órgãos vitais.

3 Objetivos Maximizar a oxigenação do sangue Controlar as perdas de sangue Restaurar os fluídos

1º Hipótese: Tentar restituir a pressão arterial a valores fisiológicos, normalizando a perfusão esplâncnica, renal e da microcirculação, como um todo. Infusões rápidas de fluidos que expandem o volume circulatório, tendo como objetivo aumentar o retorno venoso, aumentar o débito cardíaco e pressão arterial, e ainda aumentar a vasopressina endógena -ADH.

Durante estados de hipovolemia, o organismo redistribui o fluxo sanguíneo para os órgãos vitais, numa tentativa de compensar o défice de perfusão tecidual. No entanto, isso resulta em hipoperfusão dos rins, intestinos, músculos e pele, além da ativação dos sistemas renina-angiotensina, antidiurético e simpático, que são insuficientes para compensar adequadamente a queda do débito cardíaco, podendo ocorrer síndrome de disfunção de múltiplos órgãos.

A manutenção dos volumes intravasculares de pacientes críticos é fundamental para a manutenção do débito cardíaco e do transporte de oxigénio. Além da manutenção da volemia para melhor função dos órgãos, equilíbrio ácido-básico e coagulação, é importante ressaltar que o controle da temperatura do paciente é fundamental no sucesso da terapia, controlando todos os fatores que compõem a chamada “tríade do choque” (acidose, hipotermia e coagulopatia).


Soluções utilizadas em tratamento de choque hipovolémico:

1 CRISTALÓIDES: Soluções contendo pequenas partículas (PM < 100 Da), estéreis, apirogénicas. Fornecem água, eletrólitos e, em alguns casos, agentes alcalinizantes ou fonte de calorias.

Efeitos das soluções cristalóides nos eritrócitos
Tabela sobre os diferentes tipos de solução cristalóide
Soluções Cristalóides Hipotónicas Isotónicas Hipertónicas
Efeito da Fluidoterapia Entrada de Fluídos para as células Não se movimentam fluídos Saída de fluídos para o espaço Intravascular
Exemplos de Soluções 0,45% NaCl; 2,5% Dextrose; 0,2% NaCl 0,9% Lactato de Ringer; Solução de Ringer; 5% Dextrose em Água 3% NaCl; <5% D/W; 5% NaCl + D/W
Processo Entra na célula e permanece no interior Expande o volume do sangue, não entrando na célula O fluido entra na célula retirando água à célula na sua saída
Características Osmolaridade mais baixa que o LE. Aumenta os eritrócitos. Mesma osmolaridade que o líquido extracelular, administradas por IV não alteram os eritrócitos Osmolaridade Superior.

Diminuem os eritrócitos.

1.1 Soluções Isotónicas: soluções com menor poder de expansão, constituídas por moléculas de peso molecular inferior a 30 kDa. Para usar estas soluções torna-se necessária a infusão de um volume de três a quatro vezes maior que o défice intravascular para correção de hipovolemia. A reposição de perdas sanguíneas com o uso de cristaloides é altamente recomendada, pois há evidências de que estas resultem e que tenham menor interferência na geração de trombina, formação de coágulos e ativação plaquetária quando comparados a soluções hiperoncóticas. Contudo, a infusão de lactato de Ringer para reposição da volemia pode resultar em ativação neutrofílica, ou seja, inflamação.

  • A infusão de solução 0,9% salina é contra-indicada por apresentar concentração de iões cloreto muito acima do plasma, o que pode resultar em acidose hipercloremica, a qual pode ser grave dependendo do volume administrado.
Composição dos principais fluidos cristalóides

1.2 Soluções Hipertónicas: a fluidoterapia com estas soluções no choque hipovolémico baseia-se na movimentação instantânea de fluidos endógenos do compartimento intracelular para o intravascular, de acordo com o gradiente osmótico. O fluido hipertónico promove ressuscitação com volume menor do que os cristalóides isotónicos. A infusão de 200 mL de solução de NaCl a 7,5% expande o espaço intravascular em 1.600 mL, mas a expansão é de curta duração, tornando a consideração da sua utilização em associação com colóides bastante útil para garantir a expansão plasmática por um maior período de tempo.

  • A solução hipertônica de cloreto de sódio a 7,5% diminui o conteúdo cerebral de água promovendo redução da pressão intracraniana, efeito benéfico nos pacientes com histórico de trauma craniano.
  • A dose de uma solução hipertónica é de 4 mL/kg devendo a sua administração ser realizada em 5 minutos. A sua utilização é contraindicada quando a hemorragia não está controlada e nos casos de desidratação.


2 COLÓIDES: contêm partículas de elevado peso molecular (>50000) que podem ser proteínas (albumina) ou açúcares complexos, como o dextrano ou amidos. Para a sua utilização é necessário menor volume de infusão para reposição volémica num menor intervalo de tempo. Têm uma ação mais rápida e efetiva no paciente em choque, porque promovem restabelecimento da pressão oncótica do sangue por mais tempo, restaurando a volemia. Outros benefícios no uso de colóides são a melhor perfusão tecidual, oferta de oxigénio, redução nas lesões pulmonares e intestinais.

  • Potenciais riscos no uso de colóides: falência renal, coagulopatias, prurido, reações anafiláticas e disfunção hepática. Devido à sua capacidade em aumentar a pressão osmótica, levam a um menor edema intersticial, já que eles não podem ultrapassar na sua totalidade a barreira endotelial, fazendo com que o colóide permaneça por mais tempo no espaço intravascular
  • Apresentam, ainda, capacidade de expansão equivalente à do plasma, ou seja, um litro de sangue ou plasma perdido pode ser substituído por um litro de solução de colóides, enquanto seriam necessários de três a cinco litros de cristaloides para a mesma função.
Composição dos principais fluidos colóides

Os colóides podem ser divididos de acordo com sua origem em naturais (como a albumina) ou sintéticos (dextranos, gelatinas, amidos).

2.1. Albumina: é uma proteína com peso molecular que pode variar entre 66-69 kDa. A meia-vida média da albumina exógena é de 8h e ela é capaz de aumentar o volume intravascular em até 5 vezes o volume administrado. Após duas horas da sua administração, somente 10% das moléculas deixaram a circulação. As suas vantagens, quando comparadas a outros colóides, são: o menor risco de interferir na coagulação sanguínea por ausência de deposição nos tecidos e incidência menor de reações anafiláticas. No entanto, têm um custo superior, o que pode limitar o seu uso em clínica.

2.2 Gelatinas: As gelatinas são proteínas sintéticas macromoleculares produzidas a partir de colagénio bovino. As moléculas possuem baixo peso molecular (30-35 kDa). Indicações: para a expansão do plasma. Têm duração de ação 4-5 horas, e 50% permanece no plasma neste período (menor duração que os amidos e os dextranos). Possíveis interferências com a coagulação sanguínea (as gelatinas não interferem com as classificações sanguíneas e o seu efeito na coagulação está restrito à diluição dos fatores de coagulação que é dose-dependente), aumentando com o emprego de volumes elevados.

Existem três tipos de gelatina:

a) Gelatina succinilada a 4% - peso molecular de 30.000 Da, osmolaridade de 274 mOsm/l;

b) Gelatina com pontes de uréia a 3,5% - peso molecular de 35.000 Da, osmolaridade de 301 mOsm/l (+K e +Ca)

c) Oxiplogelatina a 5,5% - peso molecular de 30.000 Daltons, osmolaridade de 296 mOsm/l

2.3 Dextranos: moléculas de um polissacarídeo linear produzidos por determinadas bactérias do género Leuconostoc tem moléculas de diferentes pesos moleculares (70.000 e 40.000 Daltons). Tem efeito expansor plasmático numa relação de 1:1 . Indicações: choque hipovolémico na mesma proporção do sangue perdido, deve associar-se com solução salina hipertónica (pode ser diluído) a uma taxa 4 ml/kg 5 min, para uma expansão plasmática intensa e de maior duração. NÃO ultrapassar o volume total diário de 20 mL/kg para não haver interferência com a hemostase (uma infusão rápida de dextrano 70 resulta numa diminuição do fator de von Willebrand e fator VIII e além de aumento do tempo parcial de tromboplastina ativada e do tempo de sangramento da mucosa bucal, observa-se aumento do sangramento trans-cirúrgico em cães e gatos que recebem este colóide).

2.4 Amidos: Os amidos são derivados da amilopectina, um polímero da glicose obtido do milho ou da batata. Os amidos além de variarem na sua origem, podem ter diferentes efeitos de expansão, na resposta inflamatória e na coagulação.

As soluções atualmente disponíveis são caracterizadas pela sua concentração, substituição e peso molecular.

Quanto maior o peso molecular e maior seu poder de expansão, maior o tempo para sua eliminação.

No uso de amidos um dos fatores que contribuem para agravar a hipovolemia é a ativação da resposta inflamatória sistémica, que promove aumento da permeabilidade capilar e consequente hipovolemia por deslocamento dos fluidos do compartimento intravascular para o intersticial.

  • Heptastarch (70%) – plasmateril ®
  • Pentastarch (50%) – hemohaes ®
  • Tetrastarch (40%) – Voluven ®

Quanto menor grau de substituição de moléculas de amido por grupos hidroxietalamido, mais rapidamente o colóide é metabolizado pela amilase plasmática e menor o seu peso molecular médio.

Indicações: choque traumático/hipovolémico ou em estados de pressão oncótica reduzida (hipoproteinemia/hipoalbuminemia) Efeitos adversos: interferir com a coagulação sanguínea e é contra-indicado em animais com doença de von Willebrand.


3 Produtos Sanguíneos no choque hipovolémico: Podemos recorrer a transfusão de Sangue total armazenado que é Sangue total fresco não usado dentro de 8 horas após a colheita. A solução pode ser armazenada no fresco a 1–6 ° C por aproximadamente 21–28 dias, dependendo do anticoagulante usado. A unidade é classificada como Sangue Total Armazenado (SWB) e difere do Sangue Fresco (FWB) pela redução funcional de fatores de coagulação lábeis e das plaquetas. Quando disponível, o SWB pode ser útil em animais anémicos com hipoproteinemia concomitante ou perda de volume de sangue circulante devido a hemorragia ou choque hipovolémico.


Passos a seguir no tratamento:

1- Introdução de um catéter intravenoso e garantir oxigenação do paciente. Preferencialmente deve dar-se prioridade ao uso de veias periféricas para administrar fluídos, como na v.cefálica ou v.safena lateral. Mas poderá ponderar-se a hipótese de aplicar um cateter de acesso venoso central (usado em casos de: administração de fluidos por períodos superiores a 5 dias, na administração de fluidos hipertónicos ou medicamentos, se houver necessidade de obter várias amostras de sangue venoso ou preferência para medir a pressão venosa central (PVC)). Em casos de edema periférico grave ou colapso vascular poderá ser necessária intervenção cirúrgica para aplicar os cateteres, no entanto não podem permanecer ligados à veia durante mais do que 24h porque são considerados “sujos”.

Tamanhos recomendados: 25–50 mm (1–2 inch)

                                                14–16ga em cães>20 kg (>44 lb);
                                                16–18ga em cães 10–20kg (22–44 lb);
                                                18–20ga em cães<10 kg e gatos (<22 lb)

2- Administrar o volume e tipo de fluidoterapia adequada para restaurar o volume necessário. Tipificar o sangue e incluir as transfusões num plano de emergência de fluidoterapia. (Os volumes sugeridos são 60-90 ml/kg nos cães e 40-60 ml/kg nos gatos, para soluções isotónicas, e no caso de transfusão sanguínea o volume deve ser reposto nos mesmos volumes das perdas).

3- Iniciar a fluidoterapia com Soluções cristalóides (LR, Plasma, NaCl 9%) em bólus com intervalos de 10-20ml/Kg que são administrados em 10-15min. Em casos de anemia pré-existente ou hemorragia severa, seguir com transfusões sanguíneas, evitar a reposição de volumes com outras soluções que possam comprometer a quantidade de células vermelhas no sangue. E são monitorizados todos os sinais clínicos necessários.

  1. Em caso de edema ou hipoproteinemia (seguir com colóides)
  2. Em caso de não haver melhorias: continuar com a mesma taxa de Cristalóides (1/4) durante 15 minutos. e reavaliar.

4- Verificar a correta perfusão e pressão sanguínea, especialmente em pacientes com vómitos, diarreia, desidratação ou hemorragias (Nestes casos NUNCA administrar cristalóides hipertónicos). Seguir com uma administração de colóides 3-10mg/Kg em bólus se já se tiver atingido o volume máximo de cristalóides sem melhorias, surgir edema, houver diminuição da pressão oncótica (PO<35g/L) ou hipoproteinemia (Albumina <15g/L). Os colóides têm como vantagens: a necessidade de menor volume para expansão do volume circulatório, maior duração do efeito, melhoras na microcirculação e uma estabilização hemodinâmica prolongada.

5- Avaliar novamente os sinais clínicos. Se não ocorrerem melhorias, recorrer a Vasopressina 0,01-0,04 mU/Kg/min CRI.

6- Se ainda assim o paciente não apresentar melhorias, ocorrerem lesões pulmonares ou o paciente apresentar traumatismo craniano recorrer a Soluções Hipertónicas a 7,5% em bólus de 4-8ml/Kg. Estas soluções, mobilizam o fluido intersticial e intracelular movendo-o para o compartimento intravascular e, assim, aumentam o retorno venoso, o débito cardíaco e a pressão arterial, estimulando a libertação de vasopressina endógena.

Sinais clínicos
Parâmetros a Observar Valores normais no cão Valores normais no Gato Observações
PAS 90-160 mmHg 110-170 mmHg 90 mmHG em cães e 100 mmHg em gatos devem ser atingidos com fluidoterapia
PAM 70-120 mmHg 90-170 mmHg 65 mmHg devem ser atingidos com a fluidoterapia.

Em caso de hemorragia não controlada deverá manter-se a PAM abaixo desses valores (Hipotensão permissiva) para diminuir as perdas.

PAD 50-110 mmHg 60-120 mmHg
Frequência cardíaca 60-140 bpm 100-160 bpm Em casos de hipovolemia ou choque provoca taquicardia e pulso fraco
Frequência respiratória 18-36 rpm 20-30 rpm No caso do volume ser excessivo taquipneia, dispneia, edema periférico, edema pulmonar e fervores húmidos a auscultação
Mucosas Cor e hidratação Cor e hidratação
TRC <2 segundos <2 segundos
Pulsoxímetria >98% >98%
Capnografia 35-45 mmHg 35-45 mmHg
Ph 7,40+ Lactato < 3,2 mmoL/L 7,40+ Lactato < 2,5 mmoL/L
Temperatura 37,8-39,2ºC 38-39,5ºC Exemplo

Eletrólitos LEC: Sódio (Na)

Cloro (Cl-)

Bicarbonato

107 a 113 mEq/L 117 a 123 mEq/L São importantes na homeostase orgânica. São as partículas que se deslocam através da membrana celular fosfolipídica por meio de canais iónicos seletivos a favor do gradiente de concentração


↑ Cl- acidose metabólica hiperclorémica ↓ Cl- alcalose metabólica hipoclorémica


Eletrólitos LIC: Potássio 155 mEq/L 155 mEq/L
Peso Varia de acordo com a espécie, raça, dieta, ambiente, estilo de vida etc. Varia de acordo com a espécie, raça, dieta, ambiente, estilo de vida etc. ado um cão de certo peso corporal com um determinado grau de hipovolemia, a resposta clínica esperada para um determinado volume e tipo de fluido intravenoso pode ser estimada. Isso permite que o médico detecte uma resposta inadequada à ressuscitação e procure a causa subjacente da hipovolémia
Produção de Urina 0,5-2 mL/Kg/h 0,5-2 mL/Kg/h

LIC: líquido intracelular; LEC: líquido extracelular; PAD: pressão arterial diastólica; PAS: pressão arterial sistólica; PAM: pressão arterial média; TRC: tempo repleção capilar

ATENÇÃO SOBRECARGA DE FLUIDOS: Edema Pulmonar + Ascite + Edema das extremidades + Taquipneia + Tosse + Estertores “CRACKLES” Respiratórios + Corrimento Nasal Seroso

Dispositivos usados na monitorização do paciente em choque na prática clínica A- Monitor de eletrocardiograma pulsoximetria e capnografia, B- Solução isotónica, C- Solução de Colóides, D- Bomba infusora, E- Oscilometro, F- Bomba de infusão para Fármacos, G- Máscara de oxigénio e H- Regulador de manta térmica.

Complicações:

As principais contra-indicações à fluidoterapia agressiva são doenças cardíacas, respiratórias ou cerebrais. Embora a insuficiência renal anúrica também justifique uma terapia com fluidos cuidadosa.

No caso de o choque já ter conduzido a uma insuficiência cardíaca: recorrer a fármacos cardiotónicos como Glicosídeos e isoproterenol que aumentam a pressão arterial repondo-a. A Dopamina, ou Dobutamina, Epinefrina e Norepinefrina são usados para aumentar a pressão arterial sistólica e o débito cardíaco. Em casos mais graves, poderá ser utilizado um balão intra-aórtico com uma Amina Simpaticomimética.

Em caso de paragem cardíaca, a ressuscitação deve ser seguida de fluidoterapia com colóides em bolus de 2-5ml/Kg repetidos de 10-20 min. Até se observar uma resposta positiva. Em casos de contusão pulmonar ou traumatismo na cabeça , administrar soluções hipertónicas (7,5%) a uma taxa de 4-6ml/Kg e seguir com colóides a 5-15ml/Kg.

BIBLIOGRAFIA

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