Cadango preparando comida com crianças perto. Ao fundo, um típico acampamento pioneiro.

Candando é o termo pelo qual ficaram conhecidos os operários que vieram trabalhar na obra de construção da nova capital (Brasília); e em toda a infraestrutura necessária para sustentar essa atividade. Segundo Edwardes Cabral, carpinteiro da Construtora Rabelo (construiu o Palácio da Alvorada), o Presidente JK, sempre sorridente e afável com os operários, abraçava-os e dizia: "Eu sou o candango número 1. Você é o número 2"[1].

Histórico editar

Os primeiros trabalhadores que chegaram em Brasília em meados de outubro de 1956 vieram de Belo Horizonte por ordem do engenheiro Roberto Pena[2] para trabalhar na construção do Catetinho. Aqui eles se abrigavam das fortes chuvas do cerrado em barracas cedidas pelo Exército.

No Plano Piloto, as primeira obras foram a Igreja Nossa Senhora de Fátima, o Brasília Palace Hotel e o Palácio da Alvorada, o que demandou mais mão-de-obra e, por conta disso, todos os dias chegavam caminhões pau de arara apinhados de pessoas para desempenhar essa função; eram os homo faber[3] (expressão para designar os homens realizadores, fazedores), em sua maioria vinham do norte e nordeste do país, sempre buscando melhores condições de vida e trabalho[4]. Para acolher esse fluxo migratório, surgiram os acampamentos pioneiros, em geral, montados pelas construtoras para receber seus funcionários.

A Novacap, assim que se instalou (onde hoje é a região da Candangolândia) com seus galpões, montou alojamentos para os trabalhadores solteiros e "barracos" para os casados, que ficaram conhecidos como Lonalândia, por serem cobertos com lonas. Apesar disso, na região havia também algumas casas de bom padrão, que atendiam aos engenheiros e funcionários técnicos e administrativos da companhia. Para a época, a infraestrutura geral deste acampamento era considerada boa. Por estar na próximo da sede da Novacap, o acampamento se beneficiava da energia elétrica dos geradores da empresa, da rede de água, da escola que foi construída, do hospital e posto de saúde, do posto policial e do Serviço de Alimentação Popular (SAPS) que mantinha um restaurante na região e outras melhorias[5].

Além do acampamento da Novacap, outro que surgiu logo no início da construção da capital foi o da Vila Planalto ou Acampamento da Rabelo, nas imediações do Hotel e do Palácio da Alvorada. À medida que as obras prioritárias (Praça dos Três Poderes, Congresso, Esplanada dos Ministérios...)eram realizadas, surgiam acampamentos ao redor delas[6] para facilitar o deslocamento dos operários já que ainda não havia sistema de transporte público. Perto desses acampamentos, proliferaram mais locais de residência e comércio para dar suporte ao contingente crescente populacional do Distrito Federal. A Cidade Livre foi a maior e mais representativa desse período; era o centro comercial pulsante de Brasília.

Nos planos da Administração Pública estava claro o caráter temporário tanto dos acampamentos quando da contratação dos trabalhadores, que ao finalizar a obra, voltariam para suas cidades[7]. Isso era tão certo, que não houve venda de lotes além do planejamento inicial. As casas e barracos eram todos de madeiras e as edificações em alvenaria eram proibidas, reforçando o cunho transitório destas moradias. O planejamento para quem desejasse permanecer em Brasília após a inauguração já constava no Relatório de Lúcio Costa sobre seu plano piloto: "Devemos impedir a enquistação de favelas tanto na periferia urbana quanto rural. Cabe à Companhia Urbanizadora prover dentro do esquema proposto acomodações decentes e econômicas para a totalidade da população"[8]. Assim, surgiram as cidades-satélites, áreas mais distantes do centro, como Ceilândia, Taguatinga e Samambaia, para onde muitos candangos foram removidos e fixaram residência na capital; enquanto outros permaneceram nas antigas áreas dos acampamentos como os casos da Vila Planalto, Núcleo Bandeirante e Candangolândia.

Pioneiros ou candangos? editar

 
Serviço de Identificação e cadastro dos operários. Assim que chegavam em Brasília os Candangos se registravam para poder trabalhar nas obras.

No início, havia um tom pejorativo em ser chamado de Candango. É sabido que a palavra tem origem na África e veio para o Brasil com a cultura dos escravos usada com desprezo para se referir "aos senhores portugueses dos engenhos de açúcar. Com o tempo, invertido o alvo da depreciação, passou a nomear o mestiço do índio e do negro, sinônimo de cafuso"[9]. mais comum no interior do país, que migrava para outras regiões, promovendo o êxodo[10]. Nesse contexto, o operário que aqui chegava, mesmo sendo um migrante, não gostava de ser tratado por esse termo, porque não carregava consigo o apelo demeritório atribuído à palavra candango ao longo de nossa história.

Pioneiro era o empreendedor: o comerciante que vinha em busca de oportunidade de negócios com algum valor para investir; o profissional com um nível mais elevado de escolaridade para trabalhar nas construtoras, nos setores administrativos das empresas, como também os engenheiros, os arquitetos, os técnicos. Esses não eram vistos como candangos, não a princípio. Os visitantes, os empreiteiros, os políticos e as madames com suas roupas limpinhas e chapéus também não eram candangos. Mas bastava saírem do hotel sob o sol e bater uma brisa mais forte para fazer subir a poeira vermelha e fina do cerrado para que todos ficassem empoeirados, suados e impregnados com o "espírito de Brasília" que igualava a todos[11]. Não demorou muito e se percebeu uma apropriação do termo candango: ser candango passou a ser motivo de orgulho e batalha; ser pioneiro era ser candango.

Atualmente, o gentílico que o cidadão do Distrito Federal se auto atribuí é candango, mas o oficial é brasiliense.

Referências

  1. SEVERINO, Francisco (2011). Palácio da Alvorada : majestosamente simples. Brasília: ITS-Instituto Terceiro Setor. p. 24. OCLC 813220972 
  2. SILVA, Ernesto (2006). História de Brasília : um sonho, uma esperança, uma realidade. Brasília: Charbel. p. 178-179. 394 páginas. OCLC 1013366802 
  3. Tamanini, L. Fernando (Lourenço Fernando), 1923- (2003). Brasília : memória da construção 2a. ed ed. Brasília, DF: Projecto Editorial. p. 170. OCLC 61763212 
  4. «Memorial da Democracia». Memorial da Democracia. Consultado em 23 de julho de 2020 
  5. REIS, Carlos Madon (Org.); RIBEIRO, Sanra Bernardes (Org.) (2016). Roteiro dos acampamentos pioneiros no Distrito Federal. Brasília: S. n. p. 32. 52 páginas. ISBN 978-85-7334-305-2 
  6. «Publicações - IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional». portal.iphan.gov.br. Consultado em 23 de julho de 2020 
  7. «Publicações - IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional». portal.iphan.gov.br. Consultado em 23 de julho de 2020 
  8. Tamanini, L. Fernando (Lourenço Fernando), 1923- (2003). Brasília : memória da construção 2. ed. ed. Brasília, DF: Projecto Editorial. p. 243. OCLC 61763212 
  9. SÁ, Roberto de (2009). «Veja Brasília: 50 anos Especial» Ano 42 ed. Abril. Veja Brasília: p. 171 
  10. Silva, Ernesto. História de Brasília : um sonho, uma esperança, uma realidade. [S.l.: s.n.] p. 304. OCLC 1013366802 
  11. Tamanini, L. Fernando (Lourenço Fernando), 1923- (2003). Brasília : memória da construção 2a. ed ed. Brasília, DF: Projecto Editorial. p. 172. OCLC 61763212 
  12. Silva, Ernesto. História de Brasília : um sonho, uma esperança, uma realidade. [S.l.: s.n.] p. 305. OCLC 1013366802 

Categoria:Brasília