Inquisição

A Inquisição é[1] um grupo de instituições dentro do sistema jurídico da Igreja Católica Romana, cujo objetivo é combater a heresia. Começou no século XII na França para combater a propagação do sectarismo religioso, em particular, em relação aos cátaros e valdenses. Entre os outros grupos que foram investigadas mais tarde foram os fraticellis, os hussitas (seguidores de Jan Hus) e as beguinas. A partir da década de 1250, os inquisidores eram geralmente escolhidos entre os membros da Ordem Dominicana para substituir a prática anterior de utilizar o clero local como juízes.[2] O termo Inquisição Medieval cobre os tribunais ao longo do século XIV.

A francesa Joana D'arc, absorvida e canonizada santa pela Igreja em 1920, se tornou uma das vítimas mais conhecidas da corrupção da Inquisição. Visões artísticas sobre o tema geralmente apresentam cenas de tortura e de pessoas queimando na fogueira durante as execuções.

No final da Idade Média e início do Renascimento, o conceito e o alcance da Inquisição foi significativamente ampliado em resposta à Reforma Protestante e a Contrarreforma Católica. O seu âmbito geográfico foi expandido para outros países europeus,[3] resultando na Inquisição Espanhola e Portuguesa. Esses dois reinos em particular operavam tribunais inquisitoriais ao longo de seus respectivos impérios (o Espanhol e o Português) na América (resultando na Inquisição Peruana e Mexicana), Ásia e África.[4] Um foco particular das inquisições espanhola e portuguesa era converter forçadamente judeus e muçulmanos ao catolicismo, em parte porque esses grupos minoritários eram mais numerosos na Espanha e em Portugal do que em muitas outras partes da Europa e em parte porque muitas vezes eles eram considerados suspeitos devido à suposição de que haviam secretamente voltado a praticar suas religiões anteriores.

Desde o século XIX, os historiadores têm gradualmente extraído estatísticas dos registros dos tribunais inquisidores, a partir do qual estimativas foram calculadas ajustando o número registrado de condenações pela taxa média de perda de documentos para cada período de tempo compilado. García Cárcel estima que o número total de pessoas julgadas por tribunais inquisitoriais ao longo da sua história foi de aproximadamente 150 mil, dos quais cerca de três mil foram assassinadas - cerca de dois por cento do número de pessoas que foram a julgamento. Gustav Henningsen e Jaime Contreras estudaram os registros da Inquisição Espanhola, que lista 44 674 casos, dos quais 826 resultaram em execuções e 778 em efígies (ou seja, quando um boneco de palha era queimado no lugar da pessoa).[5] William Monter estima 1.000 execuções entre 1530-1630 e 250 entre 1630-1730.[6] Jean-Pierre Dedieu estudou os registros de tribunal de Toledo, que colocou 12 mil pessoas em julgamento.[7] Para o período anterior a 1530, Henry Kamen estimou que houve cerca de duas mil execuções em todos os tribunais da Espanha.[8]

A instituição da Inquisição persistiu até o início do século XIX (exceto dentro dos Estados Pontifícios), após as guerras napoleônicas na Europa e depois das guerras hispano-americanas de independência na América. A instituição sobreviveu como parte da Cúria Romana, mas recebeu um novo nome em 1904, de "Suprema Sagrada Congregação do Santo Ofício". Em 1965, tornou-se a Congregação para a Doutrina da Fé.

Origem e histórico

 Ver artigo principal: Inquisição romana

A instalação desses tribunais era muito comum na Europa a pedido dos poderes régios, pois queriam evitar condenações por mão popular. Diz Oliveira Marques em História de Portugal, tomo I, página 393: «(…) A Inquisição surge como uma instituição muito complexa, com objetivos ideológicos, econômicos e sociais, consciente e inconscientemente expressos. A sua atividade, rigor e coerência variavam consoante a época.»

A ideia da criação da Inquisição surgiu inicialmente para funcionar como um tribunal interno, apenas para dentro Igreja católica. Mas viram razões da sua atuação, em 1183, quando delegados enviados pelo Papa averiguaram a crença dos cátaros de Albi, sul de França, também conhecidos como "albigenses", que acreditavam na existência de um Deus para o Bem e outro para o Mal; Cristo seria o Deus do bem, enviado para salvar as almas humanas, e o Deus criador do mundo material seria o Deus do mal. Após a morte, as almas boas e espirituais iriam para o céu, enquanto as almas pecadoras e materialistas, como castigo, reencarnariam no corpo de um animal. Isto foi considerada uma heresia e no ano seguinte, no Concílio de Verona, foi criado o Tribunal da Inquisição. As heresias cátaras abalavam as estruturas das nações, pois, consideravam que a alma seria a parte boa do ser humano, e o corpo seria a parte má do homem; assim, eram favoráveis ao suicídio, eram contra o casamento, matavam mulheres grávidas (pois consideravam que essa mulher carregava o fruto do mal em sua barriga) - teorias contrárias ao que ensina o cristianismo. Desse modo, herege era visto como um revolucionário, e tratado, tanto pela sociedade quanto pelo próprio governo (pois o governo era cristão, a heresia era tido pelo governo como crime de lesa-majestade; a falta contra Deus era punida pela lei civil). Os próprios governos exigiram uma posição da Igreja Católica.

 
Galileu diante do Santo Ofício, pintura do século XIX de Joseph-Nicolas Robert-Fleury.

Com base no estudo dos processos inquisitoriais concluiu o historiador Rino Camillieri: "Em 50 000 processos inquisitoriais uma ínfima parte levaram à condenação à morte, e dessas só uma pequena minoria produziu efetivamente execuções".[9] Toulouse, considerada uma das cidades em que a inquisição atingiu grau mais forte "houve apenas 1% de sentenças à morte",[10] atesta Rino Camillieri. Agostinho Borromeu, historiador que estudou a inquisição espanhola pontua: "A Inquisição na Espanha celebrou, entre 1540 e 1700 (160 anos), 44.674 juízos. Os acusados condenados à morte foram apenas 1,8% (804) e, destes, 1,7% (13) foram condenados em 'contumácia' (queima de efígies)". Adriano Garuti, historiador escreve: "contrariamente ao que se pensa, apenas uma pequena fração do procedimento inquisitorial se concluía com a condenação à morte."[11]

Na época medieval a pena privativa de liberdade não era utilizada como forma de sanção contra crimes. Ou seja, se um sujeito cometesse um crime, não existia ainda a prática civil de mandar para a cadeia os delinquentes, essa prática se tornou comum a partir do século XVIII.[12] Assim, no tempo medieval era comum a aplicação de penas (pelo próprio governo) que hoje nos pareceriam assustadoras, por exemplo: a pena de tortura é bastante comum; a pena de morte era bastante comum; assim como a fogueira era já utilizada. Essas eram as formas de punição por crimes cometidos. Diz o historiador Adriano Garuti: "A pena de morte foi empregada não somente na Inquisição, mas praticamente em todos os outros sistemas judiciários da Europa".[13] Sobre o uso da tortura diz o historiador especialista na inquisição espanhola Henry Kamen: "Em uma época em que o uso da tortura era geral nos tribunais penais europeus, a inquisição espanhola seguiu uma política de benignidade e circunspeção que a deixa em lugar favorável se se compara com qualquer outra instituição. A tortura era empregada somente com último recurso e se aplicava em pouquíssimos casos."[14]; em outro momento diz o mesmo autor: "As cenas de sadismo que descrevem os escritores que se inspiraram no tema tem pouca relação com a realidade"; "em comparação com a crueldade e as mutilações que eram normais nos tribunais seculares, a Inquisição se mostra sob uma luz relativamente favorável; este fato, em conjunção com o usual bom nível da condição de seus cárceres, nos faz considerar que o tribunal teve pouco interesse pela crueldade e que tratou a justiça com a misericórdia."[15]

O Papa Gregório IX, em 20 de abril de 1233, editou duas bulas que marcam o reinício da Inquisição. Nos séculos seguintes, ela julgou, absolveu ou condenou e entregou ao Estado - para que as penas fossem aplicadas - vários de seus inimigos propagadores de heresias. Nesta etapa, foi confiada à recém-criada ordem dos Pregadores.

Onde quer que os ocorra pregar estais facultados, se os pecadores persistem em defender a heresia apesar das advertências, a privá-los para sempre de seus benefícios espirituais e proceder contra eles e todos os outros, sem apelação, solicitando em caso necessário a ajuda das autoridades seculares e vencendo sua oposição, se isto for necessário, por meio de censuras eclesiásticas inapeláveis.

A bula Licet ad capiendos, 1233, dirigida aos dominicanos inquisidores

A privação de benefícios espirituais era a não administração de sacramentos aos heréticos, onde, caso houvesse ripostação, deveria ser chamada a intervir a autoridade não religiosa (casos de agressão verbal ou física). Se nem assim a pessoa quisesse arrepender-se eram dadas, conscientemente, como anátema (reconhecimento oficial da excomunhão), "censuras eclesiásticas inapeláveis".

 
Templários condenados à fogueira pela Santa Inquisição.
 
Emblema da Inquisição (1571)

Conforme o Concílio de Viena, de 1311, obrigavam-se os inquisidores a recorrerem à tortura apenas mediante aprovação do bispo diocesano e de uma comissão julgadora, em cada caso. A tortura era um meio incluído no interrogatório, sobretudo nos casos de endemoninhados ou de réus suspeitos de mentira.

No entanto, e bem mais tarde, já em pleno século XV, os reis de Castela e Aragão, Isabel e Fernando, solicitam, e obtêm do Papa a autorização para a introdução de uma Inquisição. Tal instituição afigurava-se-lhes necessária para garantir a coesão num país em unificação (foi do casamento destes dois monarcas que resultou a Espanha) e que recentemente conquistara terras aos mouros muçulmanos na Península Ibérica e os judeus sefarditas, por forma a obter «unidade» nacional que até ali nunca existira. A ação do Tribunal do Santo Ofício tratou de mais casos depois da conversão de alguns judeus e mouros que integravam o novo reino. Alguns deles foram obrigados a renegar as suas religiões e a aderir ao cristianismo ou a abandonar o país. A estes é dado o nome de "cristãos-novos". Alguns esqueciam de fato a religião dos seus antepassados, enquanto outros continuavam a praticar secretamente a antiga religião. A esses últimos dá-se o nome de cripto-judeus. Eram frequentes os levantamentos populares e as denúncias de práticas judaizantes aos inquisidores.

Sendo essencialmente um tribunal eclesiástico, desde cedo o reino, o poder régio se apossou da Inquisição, como forma de prosseguir os seus particulares fins econômicos, esquecendo o fundamental inquiridium aos réus por motivos religiosos. Tomado pelo poder régio, o Tribunal da Santa Inquisição, em Espanha, deu azo a uma persistente propaganda por parte dos inimigos da Espanha católica: ao sujeitar o poder da fé ao poder da lei, da coação, e da violência, a Inquisição espanhola tornou-se, no imaginário coletivo, uma das mais tenebrosas realizações da Humanidade.

Mais tarde, em certas regiões da Itália e em Portugal, o Papa autorizou a introdução de instituições similares, em condições diferentes. No caso de Portugal, a recusa do Papa ao pedido, tendo visto os abusos da Espanha, mereceu que o rei tivesse como alternativa ameaçar com a criação de uma "inquisição" régia, que segundo ele era coisa urgente para o reino. De fato, a introdução da Inquisição em Portugal resultou das pressões espanholas que, para além de uma sinceridade zelota, não queriam ver o reino rival beneficiar com os judeus e mouriscos expulsos de Espanha.

O historiador Olivier Tosseri adverte que:

"A memória coletiva acabou retendo o episódio da cruzada contra os albigenses, lançada pelos grandes barões do norte da França para acabar com a heresia dos cátaros no sul do país entre 1208 e 1249. Mas foi, sobretudo, o fanatismo do inquisidor espanhol Tomás de Torquemada, no século XV, que marcou definitivamente o espírito do Ocidente europeu. Então vieram a Reforma protestante do século XVI, o antipapismo da Igreja Anglicana, a luta do iluminista Voltaire contra o obscurantismo e, finalmente, o anticlericalismo dos séculos XIX e XX: um conjunto de elementos que pintaram um quadro tenebroso e distorcido da Inquisição. E essa é a imagem que ainda repousa na mentalidade de nosso tempo.".

Neste momento, estamos diante da "apropriação penal" dos discursos, ato que justificou por muito tempo a destruição de livros e a condenação dos seus autores, editores ou leitores. Como lembrou Chartier: " A cultura escrita é inseparável dos gestos violentos que a reprimem". Ao enfatizar o conceito de perseguição enquanto o reverso das proteções, privilégios, recompensas e pensões concedidas pelos poderes eclesiásticos e pelos príncipes, este autor retoma os cenários da queima dos livros que, enquanto espetáculo público do castigo, inverte a cena da dedicatória.[16]

Idade Média

 Ver artigo principal: Inquisição medieval
 
A execução na fogueira de Anneken Hendriks, uma neerlandesa anabatista do século XVI condenada por heresia
 
Ilustração contemporânea de um auto-de-fé em Valladolid, quando quatorze protestantes são queimados vivos em 21 de maio de 1559

Em 1184 surge no Languedoc (sul da França) para combater a heresia dos cátaros ou albigenses. Em 1249, implantou-se também no reino de Aragão, como a primeira Inquisição estatal e, já na Idade Moderna, com a união de Aragão e Castela, transformou-se na Inquisição espanhola (1478 - 1834), sob controle direto da monarquia hispânica, estendendo posteriormente sua atuação à América. A Inquisição portuguesa, foi criada em 1536 e existiu até 1821. A Inquisição romana ou "Congregação da Sacra, Romana e Universal Inquisição do Santo Ofício" existiu entre 1542 e 1965.

O condenado era muitas vezes responsabilizado por uma "crise da fé", pestes, terremotos, doenças e miséria social,[17] sendo entregue às autoridades do Estado para que fosse punido. As penas variavam desde confisco de bens e perda de liberdade até a pena de morte, muitas vezes na fogueira, método que se tornou famoso, embora existissem outras formas de aplicar a pena. Os castigos aplicados eram reproduções das punições comuns à época, instituídas pelo poder temporal, que, em geral, se encarregava de condenar e queimar os hereges, as feiticeiras ou os sodomitas.

Os tribunais da Inquisição não eram permanentes, sendo instalados quando surgia algum caso de heresia, sendo depois desfeitos. Posteriormente tribunais religiosos e outros métodos judiciários de combate à heresia seriam utilizados também pelas igrejas protestantes[18] (como por exemplo, na Alemanha e Inglaterra[19]). Nos países de maioria protestante também houve perseguições - neste caso contra católicos, contra reformadores radicais, como os anabatistas, e contra supostos praticantes de bruxaria, neste caso os tribunais se constituíam no marco do poder real ou local, geralmente ad-hoc, e não como uma instituição específica.

O delator que apontava o "herege" para a comunidade, muitas vezes garantia sua e status perante a sociedade.[20]

Ao contrário do que é comum pensar, o tribunal do Santo Ofício era uma entidade jurídica e não tinha forma de executar as penas. O resultado da inquisição feita a um réu era entregue ao poder secular ou nem sequer seguia para lá. Numa sociedade na qual imperava a fé, é de supor que os poderes civis se apropriassem, na tentativa de combater a desordem social ou os inimigos públicos, das prerrogativas religiosas.

O recurso da tortura, muito comum nos tribunais seculares, não foi uma constante na Inquisição: a instituição recorreu muito raramente a esse procedimento. Ao todo, menos de 10% dos julgamentos envolveu a agonia física dos acusados. Com a imposição de uma regra que proibia os eclesiásticos de derramar qualquer gota de sangue dos réus, várias das confissões obtidas sob tortura perderam sua validade. No século XIX, os tribunais da Inquisição foram suprimidos pelos estados europeus, mas foram mantidos pelo Estado Pontifício. Em 1908, sob o Papa Pio X, a instituição foi renomeada "Sacra Congregação do Santo Ofício". Em 1965, por ocasião do Concílio Vaticano II, durante o pontificado de Paulo VI e em clima de grandes transformações na Igreja após o papado de João XXIII, assumiu seu nome atual - "Congregação para a Doutrina da Fé".

Inquisição espanhola

 
Pintura de Pedro Berruguete representando um "auto-de-fé" da Inquisição Espanhola.
 
Pintura de 1683 de Francisco Rizi retratando um auto-da-fé na Plaza Mayor, Madrid, em 1680
 Ver artigo principal: Inquisição espanhola

A Inquisição espanhola é, entre as demais inquisições, a mais famosa. David Landes relata: "A perseguição levou a uma interminável caça à bruxa, completa com denunciantes pagos, vizinhos bisbilhoteiros e uma racista "limpieza de sangre". Judeus conversos eram apanhados por intrigas e vestígios de prática mosaica: recusa de porco, toalhas lavadas à sexta-feira, uma prece escutada à soslaia, frequência irregular à igreja, uma palavra mal ponderada. A higiene em si era uma causa de suspeita e tomar banho era visto como uma prova de apostasia para marranos e muçulmanos. A frase "o acusado era conhecido por tomar banho" é uma frase comum nos registros da Inquisição. Sujidade herdada: as pessoas limpas não têm de se lavar. Em tudo isto, os espanhóis e portugueses rebaixaram-se. A intolerância pode prejudicar o perseguidor (ainda) mais do que a vítima. Deste modo, a Ibéria e na verdade a Europa Mediterrânica como um todo, perdeu o comboio da chamada revolução científica".

Rino Cammilleri diz: "As fontes históricas demonstram muito claramente que a inquisição recorria à tortura muito raramente. O especialista Bartolomé Benassa, que se ocupou da Inquisição mais dura, a espanhola, fala de um uso da tortura 'relativamente pouco frequente e geralmente moderado.'"[21] "O número proporcionalmente pequeno de execuções constitui um argumento eficaz contra a lenda negra de um tribunal sedento de sangue"[22]; pois, como diz o historiador Henry Kamen, "as cenas de sadismo que descrevem os escritores que se inspiraram no tema possuem pouca relação com a realidade".

Segundo Michael Baigent e Richard Leigh, a 1 de novembro de 1478, uma Bula do Papa Sixto IV autorizava a criação de uma Inquisição Espanhola. Confiou-se então o direito de nomear e demitir aos monarcas espanhóis. O primeiro Auto de fé foi realizado a 6 de fevereiro de 1481, e seis indivíduos foram queimados vivos na estaca. Em Sevilha, só em novembro, 288 pessoas foram queimadas, enquanto setenta e nove foram condenadas à prisão perpétua. Em fevereiro de 1482 o Papa autorizou a nomeação de mais sete dominicanos como Inquisidores, entre eles, Tomás de Torquemada. Este viria a passar à história como a face mais aterrorizante da Inquisição. Em abril de 1482, o próprio Papa emitiu uma bula, na qual concluía: "A Inquisição há algum tempo é movida não por zelo pela fé e a salvação das almas, mas pelo desejo de riqueza". Após essa conclusão, revogaram-se todos os poderes confiados à Inquisição e o Papa exigiu que os Inquisidores ficassem sob o controle dos bispos locais. O Rei Fernando ficou indignado e ameaçou o Papa. A 17 de outubro de 1483, uma nova bula estabelecia o Consejo de La Suprema y General Inquisición para funcionar como a autoridade última da Inquisição, sendo criado o cargo de Inquisidor Geral. Seu primeiro ocupante foi Tomás de Torquemada. Até a sua morte em 1498, Torquemada teve poder e influência que rivalizavam com os próprios monarcas Fernando e Isabel. O número de autos-de-fé durante o mandato de Torquemada como inquisidor é muito controverso, mas o número mais consensual é normalmente 2000.[23]

Inquisição portuguesa

 Ver artigo principal: Inquisição portuguesa
 
Representação de um auto-de-fé no Terreiro do Paço, em Lisboa, Portugal

A Inquisição Portuguesa começou formalmente em Portugal em 1536, a pedido do Rei de Portugal, D. João III. Manuel I pediu o Papa Leão X a instalação da Inquisição em 1515, mas só depois de sua morte (1521) que o Papa Paulo III criou a instituição. Na sua liderança, havia um "Grande Inquisidor", ou "Inquisidor Geral", nomeado pelo Papa, mas selecionado pela Coroa portuguesa e sempre de dentro da família real. A Inquisição Portuguesa principalmente direcionados aos judeus sefarditas, a quem o Estado forçava a se converter ao cristianismo. A Espanha expulsou sua população sefardita em 1492; depois de 1492 muitos destes judeus espanhois deixaram a Espanha e rumaram para Portugal, mas foram de perseguição lá também.

A Inquisição Portuguesa realizou o seu primeiro "auto-de-fé" em 1540. Os inquisidores portugueses principalmente direcionavam seus julgamentos contra os cristãos-novos (ou seja, judeus convertidos). A Inquisição Portuguesa expandiu o seu âmbito de operações de Portugal para as possessões coloniais portuguesas, como Brasil, Cabo Verde e Goa, onde continuou como um tribunal religioso, investigando e julgando casos de violação dos princípios do catolicismo romano ortodoxo até 1821. D. João III (que reinou entre 1521 e 1557) estendeu a atividade dos tribunais para cobrir temas como censura, adivinhação, feitiçaria e bigamia. Originalmente voltada para uma ação religiosa, a Inquisição passou a exercer influência sobre quase todos os aspectos da sociedade portuguesa: político, cultural e social.

Apesar de não estar instituído no Brasil, esta colônia estava subordinada ao Tribunal de Lisboa, que enviava um visitador para investigar presencialmente como se encontravam a fé e o cumprimento dos dogmas católicos pela população. Desse modo, registraram-se três visitações à colônia brasileira, nomeadamente na Capitania da Bahia, na Capitania de Pernambuco e no Estado do Maranhão e Grão-Pará. Esta última, classificada como extemporânea pelos historiadores, ocorreu já ao final do século XVIII, momento em que a instituição já se encontrava enfraquecida.

A Inquisição em Goa começou em 1560 e tinha como principal objetivo punir pessoas que seguiam o hinduísmo ou islamismo e que se converteram para o catolicismo romano, mas que eram suspeitas de estarem seguindo suas antigas fés. Além disso, a Inquisição processava não-convertidos que interferiam em tentativas portuguesas de converter os não-cristãos ao catolicismo.[24]

De acordo com Henry Charles Lea,[25] entre 1540 e 1794, os tribunais de Lisboa, Porto, Coimbra e Évora queimaram 1.175 pessoas vivas, a queimaram a efígie de outras 633 e impuseram castigos a 29.590 seres humanos. No entanto, a documentação de 15 dos 689 autos-de-fé desapareceu, de forma que estes números podem subestimar levemente a realidade.[26]

Procedimentos

 
Dois sacerdotes demonstrando uma aplicação de tortura sob a supervisão da Inquisição.

Segundo Michael Baigent e Richard Leigh ao chegar a uma localidade, os Inquisidores proclamavam que todos seriam obrigados a assistir a uma missa especial, e ali ouvir o "édito" da Inquisição lido em público. No fim do sermão, o Inquisidor erguia um crucifixo e exigia-se que os presentes erguessem a mão direita e repetissem um juramento de apoio à Inquisição e seus servos. Após este procedimento lia-se o "édito", que condenava várias heresias, além do Islão e o judaísmo, e mandavam que se apresentassem os culpados de "contaminação". Se confessassem dentro de um "período de graça" poderiam ser aceites de volta à igreja sem penitência, porém teriam que denunciar outras pessoas culpadas que não tivessem se apresentado. Não bastava denunciar-se como herege para alcançar os benefícios do "édito", deveria denunciar os cúmplices. O ônus da justificação ficava com o acusado. Essa denúncia foi usada por muitos como vingança pessoal contra vizinhos e parentes, para eliminar rivais nos negócios ou no comércio. A fim de se adiantarem a uma denúncia de outros, muitas pessoas prestavam falso testemunho contra si mesmas e denunciavam outras. Em Castela, na década de 1480, diz-se que mais 1500 vítimas foram queimadas na estaca em consequência de falso testemunho, muitas delas sem identificar a origem da acusação contra elas. Reservava-se a pena de morte, aplicada pelo braço secular (o Estado) basicamente para os hereges não arrependidos, e para os que haviam recaído após conversão nominal ao catolicismo.

Uso do fogo

 Ver artigo principal: Morte na fogueira
 
Representação de uma pessoa sendo queimada na fogueira.

A utilização de fogueiras como maneira de o braço secular aplicar a pena de morte aos condenados que lhes eram entregues pela Inquisição é o método mais famoso de aplicação da pena capital, embora existissem outros. Seu significado era basicamente religioso - dada a religiosidade que estava impregnada na população daquela época, inclusive entre os monarcas e senhores feudais -, uma vez que o fogo simbolizava a purificação, configurando a ideia de desobediência a Deus (pecado) e ilustrando a imagem do Inferno.

Em muitos casos também queimavam-se em praça pública os livros avaliados pelos inquisidores como símbolos do pecado: " No fim do auto se leo a sentença dos livros proibidos e se mandarão queimar três canastras delles. Maio de 1624".[27]

Foi por causa da sua obra: Discours pathetéque ou suget des calamités…, publicado em Londres (1756) que o Cavaleiro de Oliveira foi relaxado à justiça secular que o fez queimar em estátua com o livro suspenso ao pescoço - como herege convicto - durante o auto-de-fé realizado em Lisboa no ano de 1761.[28]

Censura literária

O Index ou Index Librorum Prohibitorum era a lista de livros proibidos cuja circulação tinha de ser controlada pela Inquisição. Os livros autorizados eram impressos com um "imprimatur" ("que seja publicado") oficial. Assim era evitada a introdução de conteúdo considerado herege pela Igreja.

Em 1558 foi introduzida na Espanha (pela própria Coroa Espanhola, à revelia da Igreja) a pena de morte para quem importasse livros estrangeiros sem permissão ou para quem imprimisse sem a autorização oficial. Um exemplo desta desconfiança dos espanhóis perante as ideias que lhes chegavam da Europa no século é-nos dado pela estatística dos alunos espanhóis da Universidade de Montpellier. Esta universidade costumava receber estudantes de medicina espanhóis. Eles deixaram de ir. Entre 1510 e 1559 foram 248. Já entre 1560 e 1599 foram apenas 12 (Goodman).

Ver também

Referências

  1. Congregation for the Doctrine of the Faith
  2. Peters, Edward. "Inquisition", p. 54.
  3. Lea, Henry Charles (1888). «Chapter VII. The Inquisition Founded». A History of the Inquisition In The Middle Ages. 1. [S.l.: s.n.] ISBN 1-152-29621-3. The judicial use of torture was as yet happily unknown... 
  4. Murphy, Cullen (2012). God's Jury. New York: Mariner Books - Houghton, Miflin, Harcourt. 150 páginas 
  5. Gustav Henningsen, The Database of the Spanish Inquisition. The relaciones de causas project revisited, in: Heinz Mohnhaupt, Dieter Simon, Vorträge zur Justizforschung, Vittorio Klostermann, 1992, pp. 43-85.
  6. W. Monter, Frontiers of Heresy: The Spanish Inquisition from the Basque Lands to Sicily, Cambridge 2003, p. 53.
  7. Jean-Pierre Dedieu, Los Cuatro Tiempos, in Bartolomé Benassar, Inquisición Española: poder político y control social, pp. 15-39.
  8. H. Kamen, Inkwizycja Hiszpańska, Warszawa 2005, p. 62; and H. Rawlings, The Spanish Inquisition, Blackwell Publishing 2004, p. 15.
  9. Camillieri, Rino; La Vera Storia dell Inquisizione
  10. Camillieri, Rino; La Vera Storia dell Inquisizione
  11. Garuti, Adriano; La Santa Romana e Universale Inquisizione
  12. Garuti, Adriano; La Santa Romana e Universale Inquisizione
  13. Garuti, Adriano; La Santa Romana e Universale Inquisizione
  14. Kamen, Henry; La inquisicion española: una revisión histórica
  15. Kamen, Henry; La inquisicion española: una revisión histórica
  16. [O conceito "apropriação penal" é uma expressão empregada por Michel Focault e que foi retomada por Roger Chartier em Aventura do Livro: Do leitor ao navegador, trad. Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes, São Paulo, Unesp/Imprensa Oficial, 1999, p.23.]
  17. [G. Balandier, O Poder em Cena, Brasília: UnB, 1982, p.43.]
  18. Peters, Edward. Inquisition. New York: The Free Press, 1988. Pág.: 58-67.
  19. Macaulay. A História da Inglaterra. Leipzig, pag.:54.
  20. [M.L.T. Carneiro, O Fogo e os Rituais de Purificação. A Teoria do Malefício, Resgate. Revista de Cultura, Nº 3, Campinas: Papirus, 1991, pp.27-32.]
  21. Camillieri, Rino; La Vera Storia dell Inquisizione
  22. Kamen, Henry; La inquisicion española: una revisión histórica
  23. História das Religiões. Crenças e práticas religiosas do século XII aos nossos dias. Grandes Livros da Religião. Editora Folio. 2008. Pág.: 37. ISBN 978-84-413-2489-3
  24. Salomon, H. P. and Sassoon, I. S. D., in Saraiva, Antonio Jose. The Marrano Factory. The Portuguese Inquisition and Its New Christians, 1536-1765 (Brill, 2001), pgs. 345-7
  25. H.C. Lea, A History of the Inquisition of Spain, vol. 3, Livro 8
  26. Saraiva, António José; Salomon, Herman Prins; Sassoon, I. S. D. (2001) [First published in Portuguese in 1969]. The Marrano Factory: the Portuguese Inquisition and its New Christians 1536-1765. [S.l.]: Brill. p. 102. ISBN 978-90-04-12080-8. Consultado em 13 de abril de 2010 
  27. António Baião, Episódios Dramáticos da Inquisição Portuguesa, Lisboa, Seara Nova, 1973, vol. III, p.4.
  28. A. C. Teixeira de Aragão, Diabruras, Santidades e Prophecias, Lisboa, Veja, s./d.,p.101.

Bibliografia

  • Anita Novinsky e Kuperman, (org) Ibéria Judaica. Roteiros da Memória. Editora Expressão, rio de Janeiro e EDUSP, São Paulo, 1996.
  • Anita Novinsky e Maria Luiza Tucci Carneiro; (org) Inquisição. Ensaios sobre Mentalidades, Heresias e Arte. Editora Expressão e Cultura, Rio de Janeiro, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1992.
  • Anita Novinsky. Gabinete de Investigação: uma “caça aos judeus” sem precedentes. Brasil-Holanda, séculos XVII e XVII. Editora Humanitas, São Paulo, 2007.
  • Anita Novinsky. Inquisição: Inventários de bens confiscados a cristãos novos no Brasil. Editora Imprensa Nacional. Casa da Moeda, Lisboa, 1978.
  • Anita Novinsky. Inquisição: Prisioneiros do Brasil (séculos XVI-XIX). Editora Expressão e Cultura, Rio de Janeiro, 2002.
  • Anita Novinsky. Inquisição. Cristãos Novos na Bahia. 11ª. Edição. Editora Perspectiva, São Paulo, 2007.
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Ligações externas

 
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