Acil-coenzima A desidrogenase

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A acil-CoA desidrogenase é uma enzima que catalisa a primeira etapa da β-oxidação. A ação dessa classe de enzimas ocorre a partir da introdução de uma ligação dupla entre o C2(α) e o C3(β) do substrato acil-CoA graxo na mitocôndria das células. O dinucleótido de flavina e adenina (FAD) é utilizado como cofator dessa reação [1].

Estrutura e mecanismo de ação editar

Na mitocôndria existem quatro tipos de acil-CoA desidrogenases especificas para cadeias de acil-CoA graxos curtas (C4-C6), médias (C6-C10), longas (entre médias e muito longas) e muito longas (C12-C18). Apesar de essas enzimas terem como alvos ácidos graxos de comprimento variáveis, todos os tipos de acil-CoA desidrogenases possuem mecanismos de ação similares. As diferenças entre os diferentes tipos enzimáticos ocorrem na localização do sítio ativo ao longo da sequência de aminoácidos [2].

A classe das acil-CoA desidrogenases é fundamental em células de mamíferos e em outros organismos (plantas [3], fungos [4] e bactérias [5]) devido ao seu papel na oxidação de ácidos graxos. Essas moléculas são hidrocarbonetos com um grupamento c-terminal: CH3-CH2(n)-COOH. As acil-CoA desidrogenases foram identificadas em animais

A maioria das acil-CoA desidrogenases são homotatrâmeros α4, entretanto algumas delas são homodímeros α2 (para ácidos graxos de cadeia muito longa). A acil-CoA desidrogenase de cadeia média tem a estrutura mais bem estudada, uma vez que essa enzima é a mais comumente deficiente da classe, o que leva a diversos distúrbios metabólicos [6]. Essa proteína é um homotetrâmero com cada subunidade contendo aproximadamente 400 aminoácidos e um FAD por monômero. Cada monômero se liga a uma molécula de FAD que tem um importante pape estrutural para a estabilidade do tetrâmero e é crucial para a ação enzimática. A interface entre os dois monômeros de um único dímero, além de conter os locais de ligação ao FAD, também possuem diversas interações de ligação, entretanto a interface entre os dois dímeros tem menos interações. Dessa forma, existem um total de 4 sítios ativos no tetrâmero, cada um dos quais possui uma única molécula de FAD e um local de ligação ao substrato acil-CoA. No sítio ativo são encontrados os resíduos F252, T255, V259, T96, T99, A100, L103, Y375, Y375 e E376, além disso, o local do substrato em que irá ocorrer a reação fica entre o Glu376 e o FAD, alinhando as moléculas na posição ideal para a reação [2];[7].

O FADH2, resultante da oxidação do substrato acil-CoA graxo é reoxidado pela Cadeia respiratória através de uma série de reações de transferência de elétrons. A flavoproteína transportadora elétrons (FTE) transfere dois elétrons do FADH2 para a flavoproteína de ferro-enxofre FTE:ubiquinona-oxirredutase, que, por sua vez, transfere dois elétrons para a cadeia transportadora de elétrons mitocondrial por meio da redução da coenzima Q, esse processo resulta na síntese de 1,5 ATP por par de elétrons transferido.

Importância médica editar

Deficiências nas acil-CoA desidrogenases resultam em menor capacidade de oxidação de ácidos graxos, levando a disfunções metabólicas. As deficiências das acil-CoA desidrogenases de cadeia média são bem conhecidas e caracterizadas, pois são mais comuns entre a classe. Alguns sintomas causados pela deficiência dessa enzima incluem intolerância ao jejum, hipoglicemia e síndrome da morte súbita em bebês. Esses sintomas estão relacionados à incapacidade de metabolizar gorduras e podem resultas na incapacidade de ganhar energia e produzir açúcar a partir dos estoques de gordura. Além disso, os ácidos graxos podem começar a se acumular no sangue, diminuindo o pH e causando acidose [2].

Em humanos, a mutação mais comum que ocorre nessa enzima está localizada no resíduo de aminoácido Lys-304. O resíduo alterado ocorre como resultado de uma mutação de ponto único na qual a cadeia lateral da lisina é substituída por um glutamato. O Lys304 normalmente interage com os resíduos de aminoácidos circundantes, formando ligações de hidrogênio com Gln342, Asp300 e Asp346. Quando uma mutação faz com que o glutamato substitua a lisina, uma carga negativa adicional é introduzida nesse local, o que interrompe a ligação de hidrogênio que ocorre normalmente. Essa interrupção altera o padrão de dobramento da enzima, comprometendo sua estabilidade e inibindo sua função na oxidação de ácidos graxos [8]. Essa mutação resulta na geração de uma enzima cerca de 10 vezes menos eficiente que a da proteína natural [9].

A incidência de mutações no gene ACADM que codifica para a acil-CoA desidrogenase de cadeia média varia de acordo com a população, sendo de 1:100.000 nascimentos no Japão a 1:10.000 no Reino Unido. Na Dinamarca essa incidência é maior, sendo de 1:8954 nascimentos [10].

Referências

  1. Donald Voet & Judith G. Voet, Bioquímica 4ª edição, p. 598-600, Artmed, 2013
  2. a b c Thorpe C, Kim JJ. Structure and mechanism of action of the acyl-CoA dehydrogenases. FASEB J. 1995 Jun;9(9):718-25. Review. PubMed PMID: 7601336
  3. Bode K, Hooks MA, Couee I I. Identification, separation, and characterization of acyl-coenzyme A dehydrogenases involved in mitochondrial beta-oxidation in higher plants . Plant Physiol. 1999 Apr;119(4):1305-14. PubMed PMID: 10198089; PubMed Central PMCID: PMC32015
  4. Kionka C, Kunau WH. Inducible beta-oxidation pathway in Neurospora crassa. J Bacteriol. 1985 Jan;161(1):153-7. PubMed PMID: 3155714; PubMed Central PMCID: PMC214849
  5. Campbell JW, Cronan JE Jr. The enigmatic Escherichia coli fadE gene is yafH. J Bacteriol. 2002 Jul;184(13):3759-64. PubMed PMID: 12057976; PubMed Central PMCID: PMC135136
  6. Merritt JL 2nd, Chang IJ. Medium-Chain Acyl-Coenzyme A Dehydrogenase Deficiency. 2000 Apr 20 [updated 2019 Jun 27]. In: Adam MP, Ardinger HH, Pagon RA, Wallace SE, Bean LJH, Stephens K, Amemiya A, editors. GeneReviews® [Internet]. Seattle (WA): University of Washington, Seattle; 1993-2019. Available from http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK1424/ PubMed PMID: 20301597
  7. Adeva-Andany MM, Carneiro-Freire N, Seco-Filgueira M, Fernández-Fernández C, Mouriño-Bayolo D. Mitochondrial β-oxidation of saturated fatty acids in humans. Mitochondrion. 2019 May;46:73-90. doi: 10.1016/j.mito.2018.02.009. Epub 2018 Mar 15. Review. PubMed PMID: 29551309
  8. Kieweg V, Kräutle FG, Nandy A, Engst S, Vock P, Abdel-Ghany AG, Bross P, Gregersen N, Rasched I, Strauss A, Ghisla S. Biochemical characterization of purified, human recombinant Lys304-->Glu medium-chain acyl-CoA dehydrogenase containing the common disease-causing mutation and comparison with the normal enzyme. Eur J Biochem. 1997 Jun 1;246(2):548-56. PubMed PMID: 9208949
  9. Nasser I, Mohsen AW, Jelesarov I, Vockley J, Macheroux P, Ghisla S. Thermal unfolding of medium-chain acyl-CoA dehydrogenase and iso(3)valeryl-CoA dehydrogenase: study of the effect of genetic defects on enzyme stability. Biochim Biophys Acta. 2004 Sep 6;1690(1):22-32. PubMed PMID: 15337167
  10. Aksglaede L, Christensen M, Olesen JH, Duno M, Olsen RK, Andresen BS, Hougaard DM, Lund AM. Abnormal Newborn Screening in a Healthy Infant of a Mother with Undiagnosed Medium-Chain Acyl-CoA Dehydrogenase Deficiency. JIMD Rep. 2015;23:67-70. doi: 10.1007/8904_2015_428. Epub 2015 Mar 13. PubMed PMID: 25763512; PubMed Central PMCID: PMC4484903