Bruxelização é o termo usado no urbanismo para a introdução sem controle de edifícios modernos em bairros antigos, muitas vezes substituindo prédios históricos e sendo parte de processos gentrificatórios e de uma política de não intervenção do estado no gerenciamento urbano.[1] Leva o nome da capital da Bélgica, Bruxelas, que passou por este processo em especial a partir dos anos 1960, com um grande número de edifícios de valor histórico substituídos por prédios modernos genéricos.[2][3]

Prédios modernos inseridos sem relação com o entorno são claramente visíveis em Bruxelas

Bruxelas editar

Precedentes históricos editar

O período pós-guerra não foi a primeira vez que Bruxelas foi radicalmente alterada por uma grande reforma. Antes das mudanças mais conhecidas, a cidade já vinha sofrendo mudanças no seu tecido urbano, com as avenidas centrais retas modeladas a partir de Paris, que foram criadas cobrindo e desviando o rio Senne, e a conexão ferroviária Norte-Sul, feita entre 1911 e 1952 e cuja longa duração deixou áreas do centro da cidade cheias de destroços e crateras por décadas. Outro precedente é a construção do Palácio da Justiça, o maior edifício do mundo construído no século XIX. André de Vries afirma que a tendência para as intervenções urbanas radicais pode ser rastreada até o reinado de Leopoldo II no final do século XIX, e talvez até o bombardeio da cidade pelas tropas de Luís XIV em 1695, já que, segundo ele, "quase não há um prédio de pé de antes de 1695, com exceção de algumas igrejas e a Câmara Municipal".[4]

Leopoldo II procurava dar a Bruxelas a imagem de uma grande capital de uma potência imperialista/colonial. Em meados do século XX, havia um espécie de aliança não declarada entre os empresários do desenvolvimento urbano e o governo, com uma agenda modernista e com interesse em projetos de desenvolvimento de grande escala. Os cidadãos de Bruxelas não faziam parte dessa "aliança" e não tinham voz nos processos de transformação da cidade.[4]

Dos anos 1960 aos anos 1980 editar

 
Torre Sablon, prédio em altura construído no lugar da Casa do Povo, visto da Rua Samaritaine, em Bruxelas.

As transformações urbanas que deram o nome para a Bruxelização aconteceram a partir do fim dos anos 1950, inicialmente para preparar Bruxelas para a Feira Mundial de 1958. Nesta primeira fase, muitos edifícios foram demolidos sem levar em conta sua importância arquitetônica ou histórica dando lugar a edifícios de escritórios e apartamentos de alta capacidade em estilo moderno ou a novas avenidas e túneis, sob a justificativa de melhorar o transporte e aumentar rapidamente o número de pessoas que trabalham e moram na cidade. Entre as maiores polêmicas estava a demolição em larga escala de moradias e a remoção de doze mil moradores para o desenvolvimento do distrito comercial de arranha-céus no Bairro Norte, que foi chamado de Plano Manhattan.[5][6]

Outras grandes mudanças urbanas foram feitas na sequência, sob a justificativa de que eram necessárias para adequar a cidade ao seu novo papel no pós-guerra enquanto sede política para a União Europeia e da OTAN, começando com a construção da sede da Comissão Europeia em 1959 e a criação do que ficou conhecido como "Bairro Europeu".[3][7] A lei orgânica de planejamento territorial e urbanismo, de 1962 contribui ainda mais para as transformações - apesar de inspirada em leis de planejamento urbano dos Estados Unidos, era bem mais ousada que as do país americano, como permissão para expropriação em blocos, por exemplo.[5] A introdução de uma rede ferroviária de alta velocidade na década de 1990 foi a mais recente desculpa para os agentes da especulação imobiliária poderem remover e remodelar partes da cidade e introduzir prédios de escritórios e hotéis modernos, que levou à destruição de quarteirões próximos à estação ferroviária Bruxelas-Sul.[5] Essas mudanças causaram protestos entre os cidadãos de Bruxelas e organizações de preservação do patrimônio. A demolição da Casa do Povo, edifício Art nouveau projetado por Victor Horta, foi um dos focos dos protestos, chegando a ter uma moção de proteção no Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos dos Monumentos Históricos de 1964, que não surtiu efeito, com o prédio sendo demolido em 1965 e dando lugar a moderna Torre Sablon.[1][2][8] Os protestos dos arquitetos cunharam o nome Bruxelização para o que estava acontecendo em Bruxelas, tendo se popularizado entre os moradores da cidade m 1968 durante os protestos contra o Bairro Europeu e com o Atelier de Recherche et d'Action Urbaines (ARAU) sendo creditado por mais tarde levar o termo aos fóruns internacionais.[5] O ARAU tinha sido fundado após a Batalha do Marolle, um protesto bem sucedido em impedir demolições em massa para ampliação do Palácio da Justiça em 1969. Arquitetos como Léon Krier e Maurice Culot formularam uma teoria do planejamento urbano anticapitalista, como uma rejeição ao modernismo desenfreado que estava tomando a capital belga.[9]

Década de 1990: da bruxelização ao fachadismo editar

No início da década de 1990, foram introduzidas leis que restringiam a demolição de edifícios considerados de importância arquitetônica ou histórica e em 1999 o plano de desenvolvimento urbano declarou explicitamente os prédios altos como arquitetonicamente incompatíveis com a estética existente do centro da cidade.[2] Isso levou ao surgimento do que foi denominado fachadismo - a destruição de todo o interior de um edifício histórico, preservando sua fachada histórica.[4]

Essas leis foram a Lei de Planejamento Urbano de 1991, que deu às autoridades locais poderes para recusar pedidos de demolição com base em significância histórica, estética ou cultural e para designar zonas de patrimônio arquitetônico; e a Lei de Conservação do Patrimônio de 1993, que deu ao governo da Região da Capital Bruxelas o poder de designar edifícios a serem protegidos por razões históricas. No entanto, esse sistema tinha suas deficiências. Embora o governo da região da capital pudesse designar edifícios históricos, haviam dezenove autoridades municipais responsáveis ​​pelas licenças de demolição. Somente com a criação de um sistema único de permissões esse conflito interno foi resolvido.[4][10]

Referências

  1. a b Gescinska, Alicja (25 de abril de 2019). «The architectural destruction of Brussels: Incompetent decision-making and the rise of 'Brusselization'». The Brussels Times (em inglês). Consultado em 24 de agosto de 2021 
  2. a b c «Brusselization». academic.com (em inglês). Consultado em 24 de agosto de 2021 
  3. a b Triomphe, Catherine (22 de março de 2007). «Bruxelas entre a Existência Cosmopolita e a Tradição». G1. Consultado em 24 de agosto de 2021 
  4. a b c d Vries, André de (2002). Brussels: A Cultural History (Interlink Cultural Histories. [S.l.]: Interlink Books. 256 páginas. ISBN 978-1566564724 
  5. a b c d ROMAŃCZYK, Katarzyna M. Transforming Brussels into an international city – Reflections on ‘Brusselization’ (em inglês), Cities, Volume 29, 2ª edição 2, 2012, Páginas 126-132, ISSN 0264-2751, https://doi.org/10.1016/j.cities.2011.08.007.
  6. «History». ZIN (em inglês). Consultado em 24 de agosto de 2021 
  7. DE GROOF, R. (2008). Promoting Brussels as Political World Capital. From the National Jubilee of 1905 to Expo 58 (em inglês). In R. De Groof (Ed.), Brussels and Europe, Bruxelles et l’Europe (páginas. 97–126). Bruxelas: Academic and Scientific Publishers.
  8. Ruetas, Faith. «Case Study: Maison Du Peuple by Victor Horta: An example of "Brusselization"». Rethinking the Future (em inglês). Consultado em 24 de agosto de 2021 
  9. «Léon Krier publica "The Reconstruction of the European City"». Cronologia do Urbanismo - UFBA. Consultado em 24 de agosto de 2021 
  10. Makaš, Emily G.; Stubbs, John H. (2011). Architectural Conservation in Europe and the Americas. [S.l.]: Wiley. ISBN 9780470901113 

Notas

  • Este artigo foi inicialmente traduzido, total ou parcialmente, do artigo da Wikipédia em inglês cujo título é «Brusselization».