Carta sobre o Patrimônio Vernacular Edificado

A Carta sobre o Patrimônio Vernacular Edificado é um documento publicado pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS), ratificado na sua 12ª Assembléia Geral, realizada no México em outubro de 1999.

Casa Righesso, em Bento Gonçalves, um exemplo da arquitetura vernacular dos colonos italianos no sul do Brasil.

A carta enfocou o problema da conservação de edificações vernáculas, ou seja, aquelas construídas segundo a tradição típica de uma dada comunidade, sociedade ou povo, onde predomina o conhecimento não-acadêmico, artesanal e popular, transmitido através das gerações, nas técnicas construtivas, na organização dos espaços, nos materiais empregados, na estética desenvolvida e nos usos dos edifícios, representando um reflexo coletivo, autêntico e orgânico de um modo de vida e de uma cultura específicos.[1][2]

O conceito de arquitetura vernacular começou a ser articulado na Inglaterra no século XIX, por arquitetos engajados na crítica social do capitalismo e preocupados com a perda das tradições artesanais face à produção industrial. No século XX as práticas arquitetônicas tradicionais vêm sofrendo um grande empobrecimento e o seu acervo de edificações vem se perdendo aceleradamente. Compreendendo o valor dessa arquitetura como valioso documento histórico, social e estético, e a grave perda para a diversidade cultural mundial representada pelo seu desaparecimento, bem como reconhecendo as dificuldades de sua conservação e manejo e o perigo levantado pela homogeneização da cultura num mundo globalizado, o ICOMOS publicou a carta como um documento de orientação e definição dos princípios fundamentais concernentes ao reconhecimento e à valorização e conservação desta categoria de patrimônio.[1]

A carta foi elaborada como um complemento para a Carta de Veneza sobre o restauro,[3] e como um desdobramento da Conferência de Nara de 1994, onde foi debatida especificamente a importância da autenticidade na valoração do patrimônio histórico e artístico.[4] Na Introdução, é declarado:

"O patrimônio vernacular edificado ocupa lugar privilegiado na afeição e é motivo de orgulho de todos os povos. Ele foi aceito como um produto característico e atrativo da sociedade. Ele parece irregular, mas, ainda assim, ordenado. Ele é utilitário, além de possuir interesse e beleza. Ele é um foco de vida contemporânea e, ao mesmo tempo, é um registro da história da sociedade. Embora seja o resultado do trabalho do homem, ele é, também, uma criação do tempo. Ele mereceria integrar o patrimônio da humanidade se houvesse cuidado na conservação desta tradicional harmonia que constitui o cerne da própria existência do homem. O patrimônio vernacular edificado é importante; ele é a expressão fundamental da cultura de uma comunidade, de sua relação com o seu território e, ao mesmo tempo, a expressão da diversidade cultural do mundo".[5]

Para Cristiane Baltar Pereira, o patrimônio vernacular pode oferecer lições importantes para resolver problemas não atendidos pelos padrões construtivos convencionais, especialmente no que diz respeito à sustentabilidade econômica e ecológica e ao acesso à moradia das classes mais desfavorecidas.[6] Segundo Yaci-Ara Froner, "a perda de memória e a desagregação desses sistemas construtivos também significam a perda de possibilidade de aprendizagem da própria arquitetura contemporânea, com as soluções geradas pelas necessidades e pelo conhecimento do ambiente de regiões específicas. Por sua vez, a dissolução de métodos tradicionais de construção subordina as comunidades mais carentes às imposições do mercado construtivo, à dependência do capital ou, então, à total exclusão, como os 'sem teto' das grandes cidades".[4]

Referências

  1. a b Souza, Maressa Fonseca e et alii. "Arquitetura doméstica no brasil: do vernacular ao popular". In: V Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Salvador, 13-19/10/2018
  2. Pereira, Cristiane Martins Baltar. Arquitetura neovernacular em Curitiba: prospecção de suas contribuições para a sustentabilidade em três estudos de caso. Mestrado. Universidade Federal do Paraná, 2012, pp. 28-29
  3. Pereira, p. 34
  4. a b Froner, Yacy-Ara. "Patrimônio arquitetônico: conceitos contemporâneos nas cartas do ICOMOS". In: Oculum Ensaios — Revista de Arquitetura e Urbanismo, 2013; 10 (2)
  5. ICOMOS. Carta sobre o Patrimônio Vernacular Edificado, 1999
  6. Pereira, pp. 15-16

Ligações externas editar