Os dez reinos,[1] dez mundos ou, ainda, teoria dos estados de vida,[2] são um sistema de classificação presente em crenças de algumas escolas do budismo que acreditam haver 240 condições de vida às quais os seres sencientes estão sujeitos e que experimentam a todo momento. A popularização do termo é atribuída ao sábio chinês Chih-i, fundador da escola budista Tiantai, que argumentou haver uma "compenetração dos dez mundos".[3]

Os dez reinos editar

Os dez reinos são elementos tradicionais da cosmologia budista, formado por quatro reinos superiores e seis reinos inferiores. Eles derivam do Bhavacakra, o conceito indiano dos seis reinos de renascimento.[4]

Esses reinos ou mundos também podem ser descritos por meio dos graus de iluminação por quais os sujeitos transpassam.[5] Eles foram traduzidos ao mundo ocidental de várias maneiras. Eles são divididos nos Seis Reinos (em chinês: 六道), seguidos por estados superiores de consciência iluminada que levam ao estado de Buda (ou iluminação). Os seis reinos são o do inferno (地獄 道), dos fantasmas famintos ou pretas (em chinês: 餓鬼道), das bestas (em chinês: 畜生道), de titãs ou asuras (em chinês: 修羅道), dos humanos (em chinês: 人道) e, por último, o céu ou o reino dos deuses (em chinês: 天道). Acima deles estão os quatro estados sagrados: o shravaka (em chinês: 声聞), o pratyekabuddha (em chinês: 縁覚), o bodisatva (em chinês: 菩薩) e, o sexto reino, é o estado de Buda ou de iluminação final.[6]

Em alguns sistemas de cosmologia, esses estados são percebidos como reinos distintos nos quais o habitante tem que experimentar várias formas de sofrimento para expiar o carma. Os praticantes do Shugendō, escola budista japonesa, compreendem os dez reinos como provas de disciplina que um praticante deve transpassar ou superar para alcançar um objetivo material ou espiritual.[6]

Porém, de acordo com a conceituação dos "três mil mundos em um único momento de vida" de Chih-i, eles não são reinos físicos separados nos quais se pode renascer, mas reinos de consciência inter-relacionados e que estão contidos um no outro (Jp. jikkai gogu).[7] Os Dez Os reinos são uma conceituação da visão da Sutra do Lótus, nos aspectos de interconexão dos fenômenos e corporificação do darma.[8][9]

Três mil mundos em um único momento editar

Cada um dos dez reinos ou mundos está contido dentro de outro, ocasionando uma "posse mútua dos dez reinos" (em japonês: Jikkai gogu). Os cem mundos subsequentes são vistos através das lentes dos dez tais (em japonês: junyoze) e dos três reinos da existência (em japonês: San-seken) para compor os três mil reinos de existência.[10] Esses cem aspectos da existência levam ao conceito de "três mil mundos [ou reinos] em um único momento" (em japonês: Ichinen Sanzen).[11]

De acordo com essa concepção, o mundo de Buda e os nove reinos da humanidade são interpenetráveis,[12] não existe uma "mente pura" original e o bem e o mal são mutuamente possuídos.[13] Isso estabelece uma tendência à imanência em vez da transcendência. De acordo com Nitiren, os três mil reinos em um único momento são práticos e realizáveis nesta vida no mundo concreto.[14]

Compreensão da classificação editar

Algumas tradições budistas japonesas compreendem os dez reinos como estágios que são vivenciados em peregrinações; e estas estão ligadas a vários templos[15] ou, alternativamente, a locais situados em montanhas sagradas.[16]

Mais comumente, a teoria dos dez reinos e seu conceito mais abrangente dos "três mil mundos de existência em um único momento" são uma interpretação não-teísta de como uma pessoa é influenciada pelo cosmos e, simultaneamente, de sua potencialidade em influenciar o cosmos.[17] Algumas escolas do budismo de Nichiren acreditam que o pergaminho devocional Gohonzon é a representação dos dez reinos de Nichiren, e costumam recitar o mantra nam-myoho-renge-kyo para que atributos de sabedoria, coragem e compaixão de Buda sejam evocados.[18][19]

Ver também editar

Referências

  1. Junjirō Takakusu: The Essentials of Buddhist Philosophy, Motilal Barnasidass, Dehli 1998, pp. 143–145. ISBN 81-208-1592-0 (Ten realms in Tiantai/Tendai)
  2. Matsuei Sinzato, Vinicius (2011). Jikkai - Os Dez Mundos (PDF) (Monografia). Franca: Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design (FAAC) - Universidade Estadual Paulista em Franca (Unesp). p. 14. [...] pode-se considerar a teoria dos Dez Mundos como uma classificação subjetiva da energia vital que está sempre mudando, todavia, compreendê-los demanda análise profunda, uma vez que seu ingrediente primordial é a sensação, compreendida não sob seu aspecto sensorial, emocional ou espiritual mas, antes disso enquanto 'sensação subjetiva' do 'eu' na profundeza da vida. 
  3. LaFleur, William R. (1983). The karma of words : Buddhism and the literary arts in medieval Japan. Berkeley: Univ. of Calif. Press. ISBN 9780520046009 
  4. Lopez, Donald S. (2016). The "Lotus Sūtra": A Biography Lives of Great Religious Books. [S.l.]: Princeton University Press. ISBN 9781400883349 
  5. Arai, Nissatsu (1893). Outlines of the Doctrine of the Nichiren Sect, Submitted to the Parliament of the World's Religions. Tokyo, Japan: Central Office of the Nichiren Sect. pp. 13–14 
  6. a b Blacker, Carmen (2000). «16: Initiation in the Shugendo: The passage through the ten states of existence». Collected writings of Carmen Blacker Transferred to digital printing. ed. Richmond, Surrey: Japan Library. pp. 186–199. ISBN 9781873410929 
  7. Bowring, Richard (2008). The religious traditions of Japan, 500-1600 Paperback ed. Cambridge: Cambridge University Press. ISBN 9780521851190 
  8. Ikeda, Daisaku (2003). Unlocking the mysteries of birth & death : & everything in between, a Buddhist view of life 2nd ed. Santa Monica, Calif.: Middleway. pp. 106–107. ISBN 9780972326704 
  9. Anesaki, Masaharu (1916). Nichiren, the Buddhist Prophet. Cambridge, MA: Harvard University Press. pp. 150–154. ISBN 9781498186582 
  10. The Soka Gakkai dictionary of buddhism. Tokyo: Soka Gakkai. 2002. ISBN 9784412012059. OCLC 5196165. Resumo divulgativo 
  11. Caine-Barrett, Myokei (8 de fevereiro de 2017). «Teachings for Uncertain Times: Viewing 3,000 Realms in a Single Moment». Tricycle 
  12. Shimazono, Susumu (2003). «29: Soka Gakkai and the Modern Reformation of Buddhism». In: Takeuchi. Buddhist spirituality: later China, Korea, Japan, and the modern world. Delhi: Motilal Banarsidass. ISBN 9788120819443 
  13. Stone, Jacqueline I. (2003). Original enlightenment and the transformation of medieval Japanese Buddhism Pbk. ed. Honolulu: University of Hawai'i Press. ISBN 9780824827717. T"A abrangência mútua ou compenetração dos dez reinos (jikkai gogu) colapsa qualquer distinção ontológica entre Buda e os seres, implicando que os nove reinos de seres não iluminados possuem a natureza de Buda inerentemente, enquanto o Buda possui os nove reinos de seres não iluminados. A inclusão mútua dos dez reinos representa uma característica importante do pensamento de Chih-i, não existe uma "mente pura" original; o bem e o mal são sempre não-dualistas e mutuamente interligados. O icchantika mais depravado é dotado do reino de Buda, enquanto o Buda ainda está latentemente dotado com os reinos de seres não iluminados. 
  14. See, Tony (2014). «2: Deleuze and Mahayana Buddhism: Immanence and Original Enlightenment Thought». In: Bogue; Chiu; Lee. Deleuze and Asia. [S.l.]: Cambridge Scholars Publishing. pp. 38–39. ISBN 9781443868884 
  15. Usui, Sachiko (2007). «4: The Concept of Pilgrimage in Japan». In: Ackermann; Martinez; Rodriguez del Alisal. Pilgrimages and Spiritual Quests in Japan. [S.l.]: Routledge. ISBN 9781134350469 
  16. Staemmler, Birgit (2005). Chinkon kishin : mediates spirit possession in Japanese new religions. Münster: LIT Verlag. ISBN 9783825868994 
  17. Fowler, Merv (2015). Copson; Grayling, eds. The Wiley Blackwell Handbook of Humanism. [S.l.]: John Wiley & Sons. ISBN 9781119977179 
  18. Mette Fisker-Nielsen, Anne (2016). «From Japanese Buddhist sect to global citizenship: Soka Gakkai past and future». In: Gallagher. Visioning New and Minority Religions: Projecting the Future. [S.l.]: Taylor & Francis. ISBN 9781315317892 
  19. Hill, David (23 de janeiro de 2016). «Buddhism Ten Worlds». Esoteric Meanings (em inglês). Consultado em 1 de junho de 2021 

Bibliografia editar