Escravatura moderna em Portugal

A escravatura moderna em Portugal é o fenómeno actual de trabalho forçado, ou seja contra a vontade do trabalhador, decorrendo em situação de facto mas não-oficial, dado que oficialmente é proibido.

Estima-se que em 2016 existissem em Portugal 12.800 "escravos modernos" e em 2018 26 000, ocupando o país a 120ª posição mundial de percentagem da população nesta situação, e o melhor posicionado de entre a CPLP.[1][2]

A abolição da escravatura oficial em Portugal continental editar

Em 1761, foi proibida a entrada de novos escravos em Portugal, porém os filhos de escravos que já se encontrassem em território nacional, escravos seriam.[3] Só mediante lei promovida pelo Marquês de Pombal em 1763 é que passaram os filhos de escravas em território nacional a serem livres.[3]

Mediante pressão diplomática por parte do Reino Unido e contra os interesses instalados das classes dirigentes em Portugal, começa-se a discutir a abolição total da escravatura no país, sendo a primeira medida para proibir a escravatura em todos os territórios portugueses a passar a lei em 1869.[3] Em Portugal continental já quase não havia escravos por então.[3]

Só em 1930 morreu a última escrava oficial do império, em Lisboa, supostamente com 120 anos, tendo sido libertada em 1869.[3]

Escravatura moderna editar

A década de 1990 viu desenvolver em Portugal um tráfico de mulheres oriundas da Europa de leste para fins de exploração sexual.[4]

O papel das leis e da imigração no propiciamento da escravatura contemporânea editar

O actual fenómeno de escravatura moderna em Portugal está intimamente relacionado com o fluxo maciço de imigrantes ilegais para Portugal, por sua vez propiciado pelo enfraquecimento ou desregulação das leis de imigração, por acção dos partidos políticos no poder.

Até Agosto de 2017, só era concedida autorização de residência em Portugal a imigrantes que apresentassem contrato de trabalho e registo de contribuições para garantir que tinham capacidade de se sustentarem em território nacional.[5] Contra o parecer do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o Bloco de Esquerda apresentou uma proposta de lei para autorizar a residência a imigrantes mediante inscrição na Segurança Social e "promessa de um contrato" somente, mesmo sem provas de capacidade de se sustentarem, que foi aprovada pelo governo da Geringonça com votos dos partidos de esquerda.[5] No seguimento desta alteração na lei, surgiu "todo um mecanismo de negócio de falsos contratos de promessa de trabalho, que eram "vendidos" para trazer pessoas para o território".[4] Ao mesmo tempo levou a um grande aumento de pedidos de regularização para os quais o SEF não tinha capacidade de resposta.[4]

A partir de 2019, o governo da Geringonça mudou uma vez mais a lei Portuguesa para passar a oficialmente "presumir entrada legal" de quem esteja a trabalhar há 12 meses no país, significando que todos os imigrantes podem ser legalizados após 12 meses de estadia ilegal desde que não sejam detectados.[4] Até então exigia-se estrita legalidade na entrada no país, que deixou de ser necessária.[4]

Tal como avisado pelo SEF, estas alterações tiveram como resultado um aumento do chamado "efeito de chamada", que se traduziu em três fenómenos: Aumento de imigração clandestina, aumento de exploração laboral, e sujeição das pessoas a condições desumanas.[4]

As actuais condições distorcem o mercado de trabalho pois permitem a empregadores excluir portugueses que conheçam bem a lei e optar por imigrantes em situação ilegal que não reinvidiquem um horário máximo de trabalho, salários, segurança social e subsídios, beneficiando também senhorios e especuladores imobiliários.[4]

Ao SEF, que sempre se opôs às alterações na lei e lembrou ainda o governo que, "apesar da natureza do projeto ser nacional, uma vez que Portugal se insere num espaço de livre circulação de pessoas, as alterações aí preconizadas têm de ser ponderadas e compaginadas com os modelos de gestão de fluxos migratórios dos demais Estados membros, atento ao direito de livre circulação dos titulares de autorização de residência em espaço Schengen", foi-lhe decidida a exinção mediante a justificação de um crime cometido por um dos seus funcionários contra um imigrante no aeroporto de Lisboa.[4] A extinção da entidade foi eventualmente rejeitada, ficando prevista a sua restruturação, com vista a separar as competências policiais de controlo e de gestão de fronteiras e as funções administrativas de acolhimento, de integração de imigrantes e de asilo.[6][7][8]

Ao contrário de todos os outros países no Espaço Schengen, Portugal não dispõe de polícia de fronteiras, sendo a fiscalização da imigração controlada pela polícia de segurança pública como a PSP e GNR.[4]

Escravatura agrícola editar

Desde os finais do séc XX e sobretudo a partir de recentes alterações na lei portuguesa de imigração, o trabalho forçado em Portugal tem-se caracterizado pelo tráfico humano e exploração de imigrantes ilegais nas plantações ou fazendas agrícolas no sul de Portugal.[4]

A criminalidade relacionada com o abuso de pessoas em condições de escravatura aumentou exponencialmente no Alentejo a partir da implantação de olival intensivo em redor do Alqueva por necessitar que grandes quantidades de mão-de-obra barata.[9] Espanhós com grander poder financeiro estabeleceram aí vastas plantações, cujos trabalhadores estão na maioria em situação ilegal.[9] Muitos ganham nada mais que 500 euros, que é sobretudo gasto em renda e comida, vivem em habitações superlotadas e regista-se situações de fome e prostituição forçada de mulheres.[9]

O bispo de Beja de 1999 a 2016 António Vitalino Dantas denunciara em 2010, 2011 2012 regime de escravatura por todo o Alentejo.[10] Segundo o mesmo, as máfias de tráfico de pessoas tinham poder de retirar passaportes a pessoas, controlar-lhes os movimentos e mantê-los e às famílias sob ameaça de violência.[10]

O fenómeno de moderna escravatura agrícola tem sobretudo foco no concelho de Beja, onde em 2018 residiam 10 000 imigrantes, no de Ferreira do Alentejo, Aljustrel e Moura, involvendo imigrantes do Senegal, Guiné-Conacri, Paquistão, Índia, Nepal, Bangladesh, Roménia, Moldávia, Brasil e Bulgária, estimando-se o total de imigrantes em 28 000, em situação ilegal e em condições precárias.[9] Por detrás do tráfico de pessoas em Portalegre e Beja estão organizações criminosas constituídas por membros da Europa de leste e da Índia.[9] A exploração de mão-de-obra precária é feita por empresas que pagam os trabalhos ao dia, hora ou por cada actividade, ou senhorios que alugam residências superlotadas onde chegam a viver 15 ou 20 indivíduos por divisão garantindo-lhes margens de lucro de 200 a 300 por cento.[9] Alguns permanecem confinados em montes, praticamente sequestrados por engajadores sem escrúpulos, sem contratos, descontos para Segurança Social e quase sem salários, sendo raros os agricultores que empregam e alojam diretamente estes trabalhadores.[9] O fenómeno não tem paralelo na Europa.[9]

O sindicato dos trabalhadores do SEF acusa o governo de permitir a escravização de imigrantes.[11] Segundo o mesmo, registam-se casos de escravatura moderna um pouco por todo o país, sendo mais visível em Odemira, mas também ocorre na Beira Interior durante a apanha da cereja, no Douro durante as vindimas e em Trás-os-Montes durante a apanha da castanha.[11] Entre 2018 e 2021 o SEF tinha 32 inquéritos a decorrer, tendo sido detidos 11 suspeitos, 37 pessoas e 14 empresas constituídas arguidas, ao passo que 134 pessoas foram sinalizadas como vítimas.[10]

Segundo o SEF existiam no concelho de Odemira em 2020 9600 imigrantes ilegais.[12] A falta de condições sanitárias decorrentes do surto de Covid-19 pôs pela primeira vez a nu para todo o país a situação de escravatura no concelho de Odemira, onde foi investigado a escravização de 50 pessoas.[12]

Em Novembro de 2022, a Unidade de Contra-Terrorismo e o Departamento Central de Investigação e Ação Penal levaram a cabo uma mega-operação contra o tráfico de pessoas no Alentejo.[13] Após mais de 400 inspectores terem levado a cabo pelo menos 60 buscas no Alentejo, foram detidas 35 pessoas entre os 22 e 58 anos por suspeita de tráfico de pessoas, associação criminosa e lavagem de dinheiro.[13] A rede de tráfico montada em Beja contava com membros da Europa de leste, Índia, Paquistão, Timor-Leste, e uma solicitadora da vila de Cuba, que ajudava à criação de empresas fantasma e falsificação de documentos.[13] As vítimas eram aliciadas nos paises de origem com trabalho, casa e salário, sendo depois mantidas em regime de escravatura, em dívida para com a rede e ameaçadas com violência.[13]

No rescaldo da operação, o bastonário da Ordem dos Advogados Menezes Leitão exigiu intervenção do governo, considerando a situação "muito grave em termos de direitos humanos".[14]

A missão da Organização Internacional para as Migrações da ONU em Portugal denuncia às autoridades Portuguesas casos de escravatura no Alentejo desde 2020.[15] De acordo com a agência, a resposta ao problema passa pela regulação do processo migratório.[15]

Ver também editar

Referências editar

  1. «Observador | Existem 26 mil "escravos modernos" em Portugal». observador.pt. 18 de junho de 2018. Consultado em 25 de janeiro de 2023 
  2. «Diário de Notícias | Portugal tem 12.800 "escravos modernos"». rr.sapo.pt. 25 de março de 2017. Consultado em 31 de maio de 2016 
  3. a b c d e «Rádio Renascença | A última escrava portuguesa morreu em Lisboa nos anos 1930». rr.sapo.pt. 25 de março de 2017. Consultado em 25 de janeiro de 2023 
  4. a b c d e f g h i j «Diário de Notícias | Ana Rita Gil: "As alterações à lei potenciaram a imigração clandestina e a exploração laboral"». Dn. 27 de dezembro de 2022. Consultado em 25 de janeiro de 2023 
  5. a b «Diário de Notícias | SEF chumbou proposta da nova Lei de Estrangeiros». Dn. 10 de setembro de 2017. Consultado em 25 de janeiro de 2023 
  6. «Extinção rejeitada. MAI anuncia que reestruturação do SEF ocorre até março de 2023». TSF Rádio Notícias. 20 de dezembro de 2022. Consultado em 26 de janeiro de 2023 
  7. «Reestruturação do SEF avança em 2023, diz MAI». www.dn.pt. Consultado em 26 de janeiro de 2023 
  8. «Extinção do SEF. Diploma propõe salário de ″gestor público″ para diretores da nova Agência». www.dn.pt. Consultado em 26 de janeiro de 2023 
  9. a b c d e f g h «Jornalismo Documental | Miséria, fome, prostituição, suicídios, eis a vida dos Migrantes no Baixo Alentejo». jornalismodocumental.pt. 12 de março de 2022. Consultado em 25 de janeiro de 2023 
  10. a b c «Sete Margens | "Escravatura" em Odemira não é novidade para ex-bispo de Beja». setemargens.com. 5 de maio de 2021. Consultado em 25 de janeiro de 2023 
  11. a b «TSF | Governo tem permitido "escravização dos trabalhadores migrantes"». Tsf. 4 de maio de 2022. Consultado em 25 de janeiro de 2023 
  12. a b «Euro News | Investigadas denúncias de escravatura laboral em Odemira». pt.euronews.com. 6 de maio de 2021. Consultado em 25 de janeiro de 2023 
  13. a b c d «TSF | Megaoperação no Alentejo. 35 detidos por suspeita de tráfico humano de imigrantes». Tsf. 23 de novembro de 2022. Consultado em 25 de janeiro de 2023 
  14. «Observador | Bastonário dos advogados exige intervenção do Estado face a casos de escravatura no Alentejo». observador.pt. 23 de novembro de 2022. Consultado em 25 de janeiro de 2023 
  15. a b «Visão | Qatar do Alentjeo». visao.sapo.pt. 28 de novembro de 2022. Consultado em 25 de janeiro de 2023