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Talvez a mais popular interpretação sobre a crise do historicismo tenha sido dada pelo [[Teologia|teólogo]] [[Alemanha|alemão]] [[Ernst Troeltsch]] ao afirmar que a crise do historicismo estava ligada ao [[relativismo]] da abordagem historicista. Ao proclamar que todos os valores devem ser entendidos enquanto produto de um contexto social e histórico específico, o historicismo deixa transparecer que não existem valores humanos universais. O contexto imediato ao fenômeno torna-se seu único referencial já que os contextos são únicos, individuais e incomensuráveis. O relativismo implícito ao historicismo foi considerado uma fonte importante para o desenvolvimento do [[niilismo]].{{sfn|Beiser|2009|pp=171}}
 
Os [[historiador]]es alemães [[Jörn Rüsen]] e Friedrich Jaeger postulam que a crise do historicismo começou com a publicação dedo ''Deutsche Geschichte'' (1891) de [[Karl Lamprecht]]. Lamprecht acreditava que a história deveria alinhar-se às [[ciências naturais]], procurando leis gerais de causa e efeito. Nesse movimento Lamprecht atacou historiadores fortemente ligados à tradição historicista, como [[Friedrich Meinecke]], Otto Hintze e Georg von Below, gerando um fervoroso debate sobre o [[Método científico|método]] histórico. A tentativa de [[Wilhelm Windelband]] e [[Heinrich Rickert]] de reformular o método dos estudos históricos, deixando clara as suas diferenças em relação às ciências naturais, é tida como o desfecho desse debate. Ainda neste contexto da crise do historicismo na Alemanha, [[Jörn Rüsen]] e Friedrich Jaeger discutem a relação entre o fim do historismo (historicismo) e o nacional-socialismo (nazismo); ver [[Historicismo#Historismo e nacional-socialismo|Historismo e nacional-socialismo]].{{sfn|Beiser|2009|pp=172}}
[[imagem:Helft uns siegen.jpg|miniaturadaimagem|upright=0.8|Cartaz de propaganda alemã durante a Primeira Guerra Mundial: "Ajude-nos a vencer - Aliste-se"|alt=]]
De acordo com o historiador [[Povo dos Estados Unidos|estadunidense]] Charles Bambach e o historiador alemão Friedrich Meinecke, a crise do historicismo está ligada à impossibilidade de encontrar significado, estrutura e [[Progresso (filosofia)|progresso]] na história derivada dos questionamentos relacionados à sensação de que milhões de vidas foram sacrificadas em vão e sem razão aparente na [[Primeira Guerra Mundial]]. A fé no progresso e na [[Divina Providência|providência]] foi abalada a partir desse [[Trauma psicológico|evento traumático]], pois ficou evidente que o [[Alemanha|Estado alemão]] não era capaz de guiar a história em direção à [[liberdade]], à [[igualdade]] e ao [[Estado de bem-estar social|bem-estar social]].{{sfn|Beiser|2009|pp=172-173}}.
 
De outro modo, pesquisadores, como o historiador alemão [[Georg Iggers]], enxergam a crise do historicismo como derivada do conflito entre o ideal de conhecimento objetivo e a crença nas forças condicionantes da história. Alguns historicistas acreditavam estar acima da história ao propor que o conhecimento histórico era [[Objetividade (filosofia)|objetivo]], livre de todos os valores e [[Discriminação|preconceitos]]. No entanto, se todo o [[Conhecimento|conhecimento humano]] é condicionado à sua época, como postulava o historicismo, torna-se impossível pensar em uma história escrita de forma [[Imparcialidade|imparcial]]. O próprio ponto de vista do historiador está sujeito ao seu contexto.{{sfn|Beiser|2009|pp=173}}
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Nos últimos anos do {{séc|XX}} e nas duas primeiras décadas do {{séc|XXI}}, os [[holandeses]] também têm se interessado na crise do historicismo com outro viés interpretativo, pois se propõem a “entender o problema sem limites disciplinares, temporais, institucionais ou mesmo geográficos específicos”.{{sfn|Cunha|2015|p=775}} O historiador Herman Paul, um dos pensadores desse novo meio, salienta que a crise do historicismo teria em sua origem a falta de justificação racional das narrativas produzidas durante o {{séc|XIX}} relacionadas à permanência de características providencialistas e à noção de progresso da humanidade.{{sfn|Cunha|2015|p=777}} Ao lado de outros autores, Paul foi responsável pelo alargamento das discussões sobre a crise do historicismo e seu caráter contínuo.{{sfn|Cunha|2015|p=779}}
 
=== Historismo e nacional-socialismo ===
Na discussão feita por Jaeger e Rüsen{{sfn|Jaeger|Rüsen|1992|p=96}}, o principal ponto é a atitude ambivalente entre historismo e nacional-socialismo, i. e., nazismo (observação: nesta seção está sendo utilizado o termo mais corrente na literatura alemã, nacional-socialismo, ao invés de sua abreviação, nazismo, mais comum em português. O motivo é manter a acepção mais técnica). Estes autores então discorrem sobre esta ambivalência, com diversos focos e matizes: a visão da academia (historiadores); o posicionamento dos historiadores frente à pressão do partido e os arranjos que tiveram que ser feitos para garantir a sobrevivência deles; o autoritarismo e conservadorismo alemães (o caminho da Alemanha até Hitler, segundo Lukács); o mandarinato alemão (Ringer) versus a plebe marrom (alusão à cor do uniforme dos membros da SA).
 
Os autores então discorrem sobre os elementos divergentes, que teriam levado ao fim do historicismo. São 3 pontos:
 
# Em nível de fundamentos históricos-filosóficos, a substituição do idealismo pelo paradigma naturalista, evolucionista
# A perspectiva radical substituiu a ideia de que a história tem um propósito, a continuidade devida à razão humana
# Negação do caráter científico e objetivo da história, sendo estes substituídos por uma instrumentalização da compreensão da história para os propósitos da luta política.
 
O ponto central de Jaeger e Rüsen – a ambivalência – é objeto de vários exemplos. De um lado, os autores mencionam o entusiasmo manifestado por [[Friedrich Meinecke]] quando da invasão de Paris pelas tropas alemãs em junho de 1940, ao mesmo tempo em que ele mantinha distância do nacional-socialismo. Por outro lado, as reações de historiadores à impertinência nacional-socialista abrangeram um largo espectro: desde um arranjo amigável e/ou uma adaptação cautelosa até uma fuga resignada em direção a um positivismo (em termos de pesquisa histórica), ou ainda até atitudes de resistência. Porém, via de regras, a maioria dos historiadores assumiram, em relação a arranjos com os donos do poder, uma posição marcada por um compasso de espera, ainda que não amigável, que pode ser explicado pela evidente cultura política da historiografia alemã da época, marcada por uma inclinação para solucoes autocráticas e antidemocráticas para os problemas com os quais a sociedade capitalista industrial e de massa estava sendo confrontada. No caso de [[Friedrich Meinecke]] especificamente, sua posicão demonstra a atratividade do nacional-socialismo, uma vez que este levou a cabo, com sucesso e de forma potente a agenda nacionalista (no campo político). Por outro lado, para os representantes do historismo, existia um claro limite para os arranjos que poderiam ser feitos com o nacional-socialismo, ainda que isto não tenha impedido alguns historiadores de se apresentarem como representantes do Weltanschauung nazista.
 
Entre os representantes do historismo alemão no primeiro terço do séc. XX, encontramos uma ruptura, não facilmente explicável, entre sua cultura política e suas posições no campo das teorias da história. Um exemplo proeminente é o do historiador Otto Hintze [https://de.wikipedia.org/wiki/Otto_Hintze] que, em 1903 publicou a obra “Raça e Nacionalidade e seu Significado para a História” (''Rasse und Nationalität und ihre Bedeutung für die Geschichte''). Em uma passagem da obra, ele concorda, em princípio, com a discussão crítica sobre as teorias relacionadas à questão racial. Porém, em outras passagens, ele reflete sobre a constelação política na Europa e com a fase imperialista da época, chegando à conclusão, surpreendente e contraditória, de que o povo alemão, historicamente falando, pode apenas existir com base em sua pureza racial, bem como através de uma rígida exclusão de todas as raças inferiores, especialmente os eslavos. É preciso lembrar que, para Hintze, as nações (em termos culturais) representam as forças motoras das transformações históricas. Por aí se vê como Hintze – ele mesmo posteriormente uma vítima do nacional-socialismo e que, portanto, não era ideologicamente alinhado com este – com aquela passagem de sua obra, acabou por atender ao chamado do radicalismo racista-nacionalista. A consequência que se pode tirar é que, para ele, os critérios metodológicos racionais não pareciam valer. É possível observar que, pelo menos nas suas obras iniciais, o paradigma histórico foi sobreposto por elementos provenientes de outras áreas e ligados, por exemplo, a argumentos biológicos, argumentos estes que já pertenciam à história sendo veiculada desde os primórdios do nacional-socialismo.
 
Segundo Jaeger e Rüsen, o campo da história foi um objeto dócil da política nacional-socialista, sendo que houve sucesso desta junto a instituições, junto à mentalidade, e mesmo junto a historiadores, como anteriormente dito. Porém, tal processo tinha limites claros. Em termos institucionais, o nacional-socialismo teve uma influência apenas relativa sobre orgãos científicos, bem como sobre a prática de ensino e pesquisa nas universidades. Também foi relativo o sucesso em termos de preenchimento dos postos em instituições criadas pelos pelo próprio regime, com pessoas ligadas ao movimento nacional-socialista; os postulantes claramente preferiam os postos em instituições renomadas. Um exemplo daquele tipo de tentativa de estabelecer uma instituição de pesquisa foi a criação do Instituto do Reich para História da Nova Alemanha (''Reichsinstitut für Geschichte des neuen Deutschland''), que deveria fomentar o ensino do nacional-socialismo de forma consequente. Porém, tal instituto permaneceu praticamente às margens no contexto científico.
 
Mesmo assim, há exemplos no campo oposto: em 1935, [[Friedrich Meinecke]] foi obrigado a renunciar ao posto de editor da Revista Histórica (''Historischen Zeitschrift''), tendo sido substituído por Karl Alexander von Müller, um adepto do nacional-socialismo. Também os historiadores de origem judaica, ou de orientação de esquerda foram ou obrigados a emigrar, ou perderam seus postos, sendo substituídos por historiadores que eram ou partidários do nazismo, ou pelo menos tinham sido obrigados a fazer concessões.
 
Já no campo da mentalidade, é incrível – ainda segundo Jaeger e Rüsen – o quão rápido as personalidades envolvidas se acomodaram sob o ''Weltanschauung'' nacional-socialista, ou pelo menos adotaram o vocabulário deste, especialmente considerando que antes de 1933 nenhuma destas personalidades era membro do partido nazista.
 
Neste sentido, na perspectiva de F. Ringer [https://de.wikipedia.org/wiki/Fritz_K._Ringer], a cultura escolástica alemã — os mandarins, segundo Ringer — entre o final do séc. XIX e a república de Weimar, teve um papel decisivo na destruição da república na Alemanha, ainda que seus personagens principais não tenham tido, eles mesmos, uma posição nacional-socialista explícita. Eles certamente se distanciaram da plebe marrom (SA), inclusive por uma questão de elitismo, porém, sua visão fortemente próxima às soluções autoritárias para os problemas, bem como seu nacionalismo, contribuíram para o empobrecimento da cultura democrática na Alemanha.
 
Jaeger e Rüsen tematizam este contexto sob o ponto de vista das teorias da história. Eles tentam responder à questão relativa ao que ocorreu com o historismo – enquanto paradigma e conceito que objetiva interpretar a realidade histórica – quando este se envolveu com o ''Weltanschauung'' nacional-socialista. A tese destes autores é que as teorias da história postas pelos nacional-socialistas, e o historismo são paradigmas contrários. Ainda que tenha havido uma identidade parcial e uma convergência programática, bem como que os historiadores tenham tido alguma relação com a linha de pensamento, e que algumas instituições representassem uma continuidade, a tese de Jaeger e Rüsen é que o nacional-socialismo de fato foi a negação e o fim do historismo. Segundo eles, o arranjo de uma parte significativa dos historiadores com o nacional-socialismo teria sido possível apenas por conta de uma ressignificação da parte central do historismo enquanto enquadramento das transformações históricas.
 
== Neo-historicismo ==
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* {{citar livro |título= Historicism|nome= Paul |sobrenome= Hamilton |ano=1996 |local= London |editora=Roultledge |isbn=0203993233|ref=harv}}
* {{citar livro |título=The German Conception of History|nome=Georg |sobrenome=Iggers|ano=1988|local=Estados Unidos |editora=Wesleyan University Press |isbn=9780819573612|ref=harv}}
* {{citar livro |título=Geschichte des Historismus: eine Einführung|nome=Friedrich |sobrenome=Jaeger|nome2=Jörn |sobrenome2=Rüsen |ano=1992|local=München |editora=Beck|paginas= 96–100 |isbn=3-406-36081-5}}
* {{citar livro |título=Lições de história: da história científica à crítica da razão metódica no limiar do {{séc|XX}}|nome=Jurandir |sobrenome=Malerba |ano=2013 |local=Rio de Janeiro |editora=FGV|isbn=9788539703203 |ref=harv}}
* {{citar livro |sobrenome1=Martins |nome1= Estevão C. de Rezende |capítulo= Historicismo: o útil e o desagradável|editor-sobrenome1=Varella |editor-nome1= Flávia Florentino|editor-sobrenome2= Mollo|editor-nome2=Helena Miranda |editor-sobrenome3= Mata|editor-nome3= Sérgio Ricardo|editor-sobrenome4= Araújo|editor-nome4= Valdei Lopes de|título= A Dinâmica do Historicismo|ano= 2009|local= Belo Horizonte|editora=Argumentum |isbn=9788598885490|ref=harv}}