Susan Brownmiller: diferenças entre revisões

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Nessa linha, a autora faz uma profunda incursão sobre a história do estupro. Partindo da história judaica, percorre momentos da história assíria, grega, romana, inglesa, americana para demonstrar como a criminalização do estupro sempre esteve associada a uma ideia de violação de um direito masculino de propriedade sobre a mulher. A mero título de exemplificação, pode-se citar como, durante muito tempo, não era considerado relevante o estupro de mulheres não virgens (sobre as quais não existia mais direito ao dote, que a autora considera a mercantilização do corpo feminino). Nesse sentido, há que se notar que era reiterada a compreensão da mulher como ser ardiloso, que detinha parcela de culpa pela ocorrência do ato, sendo muitas vezes punida juntamente com o seu agressor.
 
Ainda em termos de análise histórica, aponta-se para a existência de uma intrínseca relação entre as guerras e estupro. Para a autora, em tempos de guerra, a questão da superioridade masculina fica mais evidente. A guerra mostra a psique masculina em sua forma mais crua possível, despida de qualquer cavalheirismo ou civilidade. É por isso, por exemplo, que as mulheres dos inimigos são vistas pelos exércitos vencedores como parte integrante do espólio de guerra, retomando a comprensão da mulher como propriedade do homem. Dominar a mulher do inimigo é parte da estratégia de disseminação do terror e de consolidação da vitória. Em contrapartida, do lado vencido, o estupro é visto como ofensa não ao corpo feminino, mas sim à própria masculinidade do homem derrotado, que vê "suas mulheres" sendo violentadas. O corpo da mulher é, então, instrumentalizado no sentido da transmissão de uma mensagem de capitulação entre interlocutores essencialmente masculinos. A autora recorre a diversos exemplos históricos para corroborar sua tese: o exército alemão na Bélgica, na França e na Rússia; o exército japonês na China e na Coréia; o revanchismo do Exército Vermelho russo em território alemão; a bestialidade do exército americano no Vietnã, além de uma série de outras passagens históricas durante revoluções e revoltas.
 
Encerrando sua percurso histórico, Brownmiller foca em duas questões sobre a história americana: o tratamento destinado aos indígenas e escravos africanos durante os séculos XVIII e XIX. É particularmente importante ressaltar a abordagem feita no que tange à escravidão. A autora desconstroi a visão que se tornava difundida de que o estupro de escravas negras era raro. Opondo-se claramente a uma tendência freudiana que estereotipava o estuprador como alguém solitário e portador de comportamentos desviantes, ela parte da premissa segundo a qual o estuprador era um homem comum, notadamente um branco dono de escravos. Assim, o abuso das escravas por homens brancos era naturalizado como sendo oriundo de um pretenso direito de propriedade, inerente à própria condição de escravidão, não sendo considerado como estupro, mas prerrogativa de um direito de propriedade. Na contramão dessa lógica, o estupro de uma mulher branca por um homem negro (fosse ele liberto ou não) era visto com extrema reprovação pela sociedade, resultando, muitas vezes, em mortes e linchamentos. É patente a diferença de tratamento entre homens brancos e negros, ancorada na diferença de papeis sociais ocupada por ambos os agentes.
 
=== A Crítica Sobre o Racismo ===