Maneirismo: diferenças entre revisões

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A palavra deriva do termo italiano ''maniera'', "maneira", indicando o estilo pessoal de determinado autor, e em sua origem no [[século XVI]] foi usada por [[Giorgio Vasari]] com conotações positivas, significando graça, leveza e sofisticação. [[Raffaello Borghini]] emprega o termo um pouco mais tarde para definir se um artista possui ou não um talento superior e original. Em seguida, escritores como [[Giovanni Bellori]] e [[Luigi Lanzi]] modificam o conceito e ele passa a significar artificialidade e virtuosismo excessivo, o que iria repercutir negativamente em todos os estudos posteriores até o [[século XX]], quando o estilo começou a ser revisto e revalorizado, especialmente depois da contribuição de [[Arnold Hauser]] nos anos 1960.<ref>[http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete=3189&cd_idioma=28555&cd_item=8 ''Maneirismo''. Enciclopédia Itaú Cultural]</ref><ref>HAUSER, Arnold (1972-82). ''História Social da Literatura e da Arte''. São Paulo: Mestre Jou, Vol. I. pp. 471-72</ref>
 
Historicamente, o Maneirismo vinha sendo considerado como a fase final e decadente do grande ciclo renascentista, mas hoje é reconhecido como um estilo autônomo e com valor próprio, e que já aponta para a [[arte moderna]].<ref>TATARKIEWICZ, Władysław. ''History of Aesthetics''. Continuum International Publishing Group, 2006. p. 152 [http://books.google.es/books?hl=pt-BR&lr=&id=Qne6ZOgLyT0C&oi=fnd&pg=PR9&dq=mannerism+art+%22social+background%22&ots=eRmit7RfDp&sig=OcYo6ALSrH9oIAnPmRXWKt99s3U#PPA152,M1]</ref> O crescente prestígio da interpretação do Maneirismo como um estilo por seu próprio direito é reforçado pela tendência da crítica mais atual de rever a aplicação do conceito de Renascimento para a arte europeia do século XVI, na constatação de que comparativamente pouco havia sido feito em linhas classicistas fora da Itália até a década de 1510-1520, quando o [[saque de Roma (1527)|saque de Roma]] de 1527 assinala o fim do [[Renascimento]] como um movimento unificado e o início "oficial" do Maneirismo italiano. Embora a esta altura elementos classicistas já estivessem sendo cultivados em vários pontos da Europa, tanto através da influência italiana anterior como de forma independente, é então que eles se expandem de forma decisiva e consistente para além dos [[Alpes]], mas vão encontrar arraigadas tradições [[Estilo gótico|góticas]] ainda em pleno vigor. Da fusão dessas correntes resulta uma diversidade de sínteses ecléticas, a que se atribuiu o nome genérico de Maneirismo internacional. Por outro lado, diversos autores preferem evitar o termo Maneirismo para descrever o fenômeno da difusão europeia do Classicismo e do Humanismo ao longo do século XVI e vê-lo ainda como uma expressão legítima do Renascimento, ou tendem a usá-lo apenas para classificar seletivamente grupos de artistas ou regiões específicas, postulando a coexistência de ambos os estilos nesse período. Outros ainda empregam a expressão "italianização da Europa" em vez de defini-lo através de conceitos estilísticos ainda imprecisos. O debate está longe de chegar a um consenso.<ref>[http://www.britannica.com/EBchecked/topic/497731/Renaissance#ref=ref908241 ''Renaissance''. Encyclopaedia Britannica on line]</ref><ref>Um resumo da discussão se encontra em SCHNOOR, Gustavo. ''Considerações sobre a arquitetura francesa dos séculos XVI e XVII''. UFRJ, sd. [http://www.concinnitas.uerj.br/resumos0/schnoor.pdf]{{dead link|date=December 2015}}</ref><ref>BURKE, Peter. ''The Uses of Italy''. In PORTER, Roy & TEICH, Mikuláš. ''The Renaissance in national context''. Cambridge University Press, 1992. pp. 6-ss [http://books.google.es/books?hl=pt-BR&lr=&id=XecYBFmdCjEC&oi=fnd&pg=PA6&dq=%22renaissance+outside+italy%22&ots=rVEhwrULfT&sig=-lL-xoYQD3NFr8mGAUrfI-HLH3g#PPA15,M1]</ref><ref>BOUCHER, Bruce. ''Time and Place: Jacob Burckhardt and the "Renaissance" north of the Alps''. In KAUFMANN, Thomas DaCosta & PILIOD, Elisabeth. ''Time and Place: A Geohistory of Art''. Ashgate Publishing, Ltd., 2005. pp. 1-ss [http://books.google.es/books?hl=pt-BR&lr=&id=qD9WLMIn_YkC&oi=fnd&pg=PR7&dq=%22renaissance+outside+italy%22&ots=7-PFWdq3gl&sig=mSZ-jcl7KEkCw8P_taKsjv6LY-U#PPA21,M1]</ref>
 
== Contexto ==
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== Definição e características gerais ==
A definição de Maneirismo e sua delimitação cronológica e geográfica ainda são objeto de vivo debate entre os historiadores da arte, e pouco há de consenso em qualquer aspecto.<ref name="SCHNOOR, Gustavo">[http://www.concinnitas.uerj.br/resumos0/schnoor.pdf SCHNOOR, Gustavo]{{dead link|date=December 2015}}</ref> Nas primeiras análises sistemáticas do estilo, conduzidas no [[século XIX]] por críticos como [[Heinrich Wölfflin]] e [[Jacob Burckhardt]], esta fase, herdando preconceitos mais antigos, foi carregada com um juízo depreciativo, e ''maneirista'' e ''amaneirada'' foram qualificativos usados para designar uma arte que era vista como decadente, repulsiva e afetada, que se afastava dos cânones de equilíbrio, harmonia, racionalidade, moderação e clareza consumados na Alta Renascença pela obra de artistas como [[Rafael Sanzio]] e na primeira fase de Michelangelo.<ref>HAUSER, Arnold (1972-82). pp. 471-72</ref><ref>HARTT, Frederick. ''History of Italian Renaissance Art''. Londres: Thames and Hudson, 1987-1994 p. 535.</ref>
 
A partir do início do século XX críticos como [[Alois Riegl]], [[Max Dvořák]], [[Walter Friedländer]], [[Nikolaus Pevsner]] e [[Erwin Panofsky]] começaram a compreender o Maneirismo a partir de suas razões internas e características únicas, dentro de uma apreciação mais abrangente, interpretando-o como manifestações positivas, embora não-clássicas, que tinham objetivos expressivos específicos.<ref>POSNER, Donald. ''Foreword''. In FRIEDLÄNDER, Walter. ''Mannerism and anti-mannerism in Italian painting''. Columbia University Press, 1990. p. xiv. [http://books.google.es/books?hl=pt-BR&lr=&id=oqDziZhhee8C&oi=fnd&pg=PR9&dq=mannerism&ots=7_Q5boWFjN&sig=XGbhxNFzbxp-ZBgyiyvsBSRUI74#PPR14,M1]</ref> Com a contribuição de Arnold Hauser nos anos 1960 o estilo foi reconhecido definitivamente, numa abordagem que contextualizou suas causas e significados em termos econômicos, políticos e sociais e explorou suas associações psicológicas.<ref name="SCHNOOR, Gustavo"/> Em sua visão os alegados excessos maneiristas e suas distorções dos padrões clássicos eram um esforço para romper-se a regularidade e harmonia excessivas e no fundo artificiais do Renascimento, introduzindo uma prática que era mais verdadeira em relação ao tumultuado contexto social e cultural daquele tempo e que espelhava melhor suas angústias e incertezas, substituindo aquele idealismo impessoal que tendia a pairar acima do humano por visões mais pessoais, subjetivas e sugestivas.<ref>HAUSER, Arnold (1972-82). pp. 470-ss</ref> Nesse sentido, o Maneirismo foi uma arte de protesto e de oposição à autoridade clássica e às estruturas sociais coletivas de atribuição de valor.<ref name="TATARKIEWICZ, Władysław. p. 154">[http://books.google.es/books?hl=pt-BR&lr=&id=Qne6ZOgLyT0C&oi=fnd&pg=PR9&dq=mannerism+art+%22social+background%22&ots=eRmit7RfDp&sig=OcYo6ALSrH9oIAnPmRXWKt99s3U#PPA152,M1 TATARKIEWICZ, Władysław. p. 154]</ref>
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[[Ficheiro:Michelangelo Caravaggio 061.jpg|thumb|130px|Michelangelo Caravaggio: ''Jovem mordido por um lagarto'', 1593]]
 
Em termos de ensino artístico, durante o século XVI ainda vigorava o sistema das antigas [[guilda]]s ou corporações de ofícios, que preparavam o artista para que dominasse cabalmente o seu ''métier'' e o capacitavam para que transmitisse seu conhecimento a outros discípulos. Eram organizações mais ou menos informais de transmissão de conhecimento, nascidas organicamente da necessidade, ainda que as relações entre mestre e discípulo fossem bem definidas e a autoridade do mestre incontestável. Mas o artista era socialmente apenas um artesão qualificado. Com o evoluir da Renascença o artista iniciou um caminho de independência, adquiriu uma cultura mais vasta e completa, buscando uma emancipação liberal do sistema antiprogressista das guildas para elevá-lo acima do mero artesão. Essa independência começou a ser abalada com as novas determinações do Concílio de Trento e com o nascimento da ideia de normatização do ensino artístico. Paralelamente a esses movimentos reguladores de fundo teológico e técnico-pedagógico, emergiu uma requalificação dos critérios valorativos e uma recategorização das artes e dos sistemas de conhecimento, e nesse contexto à procura de uma ordem nova e geral se estruturou a primeira academia de arte, a ''[[Accademia del Disegno]]'', estabelecida em [[Florença]] por [[Cosimo I de' Medici]] em [[1561]], sob incentivo de [[Giorgio Vasari]], pintor, teórico e biógrafo dos artistas do Renascimento. Esta academia, porém, não tinha fins somente educativos, possuía antes um caráter de distinção pública, somente artistas já consagrados e de grande cultura podiam ser admitidos. Paralelamente, eles deveriam ensinar um grupo de alunos selecionados. Foi apenas no fim do século que Zuccari conseguiu estabelecer a ideia de academia como uma aula pública estável, de caráter profissionalizante e com currículo definido, onde o debate teórico tinha um papel proeminente, embora esse modelo, origem do [[Academismo]], só viesse a florescer de fato entre o [[século XVII]] e o [[século XIX]], pois a tradição artesanal corporativa ainda estava por demais arraigada.<ref>HAUSER, Arnold (1972-82). 508-10</ref><ref>FARAGO, Claire. ''The Classification of the Visual Arts in the Renaissance''. In KELLEY, Donald & POPKIN, Richard (eds). ''The Shapes of Knowledge from the Renaissance to the Enlightement''. Springer, 1991. pp. 25-27 [http://books.google.es/books?id=6TXsJxORgUsC&printsec=copyright&dq=+mannerist+OR+mannerism+%22figura+serpentinata%22&lr=&hl=pt-BR#PPA27,M1]</ref><ref>[http://books.google.es/books?hl=pt-BR&lr=&id=uCo-AAAAIAAJ&oi=fnd&pg=PR15&dq=arnold+hauser&ots=tfJTi0kR3I&sig=zVmC8FVP8JmWbNf6gJAf27u6pYA#PPA113,M1 HAUSER, Arnold (1982) ''The sociology of art''. Routledge, p. 146]</ref>
 
=== Fases do Maneirismo ===
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Talvez a mudança mais dramática introduzida pelo Maneirismo na [[pintura]] seja a transformação da noção de espaço. O Renascimento conseguiu construir a representação visual do espaço de modo notavelmente homogêneo, coerente e lógico, baseando-se na [[perspectiva (gráfica)|perspectiva]] clássica, colocando os personagens contra um cenário uniforme e contínuo e de acordo com uma hierarquia de proporções que simulava com grande sucesso o recuo gradual do primeiro plano para o horizonte ao fundo. O Maneirismo rompe essa unidade com diferentes pontos de vista coexistindo em um mesmo quadro e com a ausência de uma hierarquia lógica nas proporções relativas das figuras entre si, onde muitas vezes a cena principal é posta à distância e elementos secundários são privilegiados no primeiro plano. Assim as relações naturalistas são abolidas e o resultado é uma atmosfera de sonho e irrealidade, onde os relacionamentos formais e temáticos são arbitrários.<ref>[http://www.britannica.com/EBchecked/topic/362538/Mannerism ''Mannerism''. Encyclopaedia Britannica on line]</ref><ref>HAUSER, Arnold. p. 477</ref>
 
O estilo se manifesta com figuras com proporções alongadas e em posições dinâmicas, contorcidas ou em [[escorço]], em grupos cheios de movimento e tensão, muitas vezes de paralelo impossível com a realidade, e daí seu caráter ser considerado artificialista e intelectualista, em oposição à ''gravitas'' <ref>''Gravitas'', um termo latino usado durante o Renascimento para significar equilíbrio, dignidade, seriedade e circunspecção. [http://www.askoxford.com/concise_oed/gravitas?view=uk ''Gravitas'': Oxford Dictionaries]{{dead link|date=December 2015}}</ref> tão prezada no Alto Renascimento. Nota-se forte tendência ao ''horror vacui'', uma aversão ao vazio, cercando a cena principal com uma profusão de elementos decorativos que adquirem grande importância por si mesmos. Também há um senso de experimentalismo no tratamento de temas tradicionais, com a intensificação do [[drama]], e fazendo uso de muitas referências literárias e citações visuais de outros autores, o que tornava as obras de difícil compreensão pelo espectador inculto.<ref name="BARNES, Bernadine"/>
 
Longe de dar uma lista completa, citamos aqui alguns pintores de maior importância na Itália: [[Jacopo da Pontormo]], [[Rosso Fiorentino]], [[Michelangelo]] em sua fase madura, [[Parmigianino]], [[Francesco Salviati]], [[Giulio Romano]], [[Domenico Beccafumi|Beccafumi]], [[Agnolo Bronzino]], [[Alessandro Allori]], [[Jacopino del Conte|Jacopo del Conte]], [[Federico Barocci]], [[Jacopo Tintoretto]], [[Ticiano]], [[Giuseppe Arcimboldo]] e [[Veronese]]. Na França [[François Clouet]] e [[Jean Clouet]] e os integrantes da [[Escola de Fontainebleau]]. Ao norte [[Bartholomäus Spranger]], [[Marten de Vos]], [[Cornelis van Haarlem]] e [[Joachim Wtewael]]. [[William Segar]], [[William Scrots]] e [[Nicholas Hilliard]] na Inglaterra; [[El Greco]] e [[Luis de Morales]] na Espanha; [[Diogo de Contreiras]], o [[Mestre de Abrantes]], [[Gaspar Dias]], [[António Nogueira]] e o [[Grão Vasco]] em Portugal.
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=== Escultura e ornamentos ===
Na escultura o Maneirismo teve seus precursores em Michelangelo, [[Jacopo Sansovino]] e [[Benvenuto Cellini]]. O estilo é tipificado por um modelo formal predominante, a ''[[figura serpentinata]]'', uma forma basicamente espiralada que tem sua obra-prima no ''Rapto das Sabinas'', de [[Giambologna]], ilustrada na abertura deste artigo. A ideia não era nova, de fato remontava aos gregos antigos, que consideravam a linha sinuosa o melhor veículo para a expressão do movimento, inspirados nas formas do fogo crepitando e sempre em ascensão. Na Alta Renascença o conceito foi retomado por [[Leonardo da Vinci]] e Michelangelo, que o transferiram para a figura humana, considerando que em torção ela possuía mais beleza e graça. O termo foi usado pela primeira vez por Lomazzo ao analisar a produção de Michelangelo no terreno escultórico. O escultor certa vez declarou que uma boa composição deveria ser piramidal e serpentinada, como o aspecto das labaredas em uma fogueira, e na verdade se acreditava que ''apenas'' esta forma poderia ser veículo de beleza. Assim o modelo se multiplicou nas esculturas da época, mas também foi adaptado à pintura e arquitetura, neste caso nas escadarias espirais que se tornaram comuns.<ref>FICKLIN, Valerie.''Mannerist Staircases: A Twist in the Tale''.University of Alabama at Birmingham, 2000 [http://www.fsu.edu/~arh/images/athanor/athxix/AthanorXIX_ficklin.pdf]{{dead link|date=December 2015}}</ref> A ''figura serpentinata'' conheceu tamanho prestígio porque além de sua eficiência plástica, estava carregada de simbologia. Enquanto que a espiral simples, num único sentido, era uma imagem da infinitude, da transcendência, dos ciclos e da metamorfose, a espiral dupla, com dois sentidos, era seu oposto, e significava a mortalidade e o conflito.<ref>ELKINS, James. ''Pictures of the body''. Stanford University Press, 1999. p. 91 [http://books.google.es/books?hl=pt-BR&lr=&id=H1bSgFvBPtwC&oi=fnd&pg=PR13&dq=+mannerist+OR+mannerism+%22figura+serpentinata%22&ots=KFLeBmSADS&sig=JTQdErT1jwi1VP1LeGOfSeB9JZY#PPA91,M1]</ref>
 
No Maneirismo as artes ornamentais continuam em grande voga, seguindo a ideia de [[Leone Battista Alberti|Alberti]] de que constituem ''"uma forma de luz auxiliar e complementar da beleza"'', numa concepção de que a [[Beleza]] é abstrata, enquanto que o ornamento é material, estabelecendo uma ponte imprescindível entre a ideia e o fenômeno, entre a beleza e as imperfeições da matéria.<ref>CRITICOS, Mihaela. ''The Ornamental Dimension: Contributions to a Theory of Ornament''. New Europe College Yearbook. Special ed. 2004, pp. 185-219 [http://www.ceeol.com/aspx/getdocument.aspx?logid=5&id=887c9106-81a0-4ab9-8cb1-891d0ef9c791]</ref> Nesse sentido, a escultura também se aplica à enorme quantidade de [[retábulo]]s, [[púlpito]]s, [[altar]]es e outros elementos decorativos das igrejas, aos [[friso]]s e [[estuque]]s dos edifícios profanos, e também à [[ourivesaria]]. Merece especial atenção na Espanha o chamado estilo [[plateresco]] de escultura e decoração arquitetural, que deixou obras de extraordinária riqueza e caráter monumental. Dos escultores do Maneirismo citemos apenas alguns dos mais conhecidos: Michelangelo em sua fase final, [[Benvenuto Cellini]], [[Bartolomeo Ammannati]] e [[Giambologna]] na Itália; [[Jean Goujon]], [[Francesco Primaticcio]], [[Pierre Franqueville]] e [[Germain Pilon]] na França; [[Alonso Berruguete]], [[Juan de Juni]] e [[Diego de Siloé]] na Espanha, e [[Adriaen de Vries]] no norte.<ref>SPENCER, John R. & KEMP, Martin J. ''Western Sculpture: Mannerism''. Encyclopaedia Britannic on line [http://www.britannica.com/EBchecked/topic/530221/Western-sculpture/30388/Mannerist-sculpture-outside-Italy]</ref>
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=== Música ===
{{portal-Música erudita}}A música maneirista em linhas gerais mostra, conforme a descrição de Claude Palisca, uma tensão ''"entre o desejo de preservar um elevado nível de habilidade contrapontística e o impulso de acompanhar as imagens, idéias e sentimentos"'' <ref>[http://www.discovery.mala.bc.ca/web/martinar/arts/arts.htm Citado por MARTIN, Andrea. In ''Art for Art's Sake'']{{dead link|date=December 2015}}</ref> descritos no texto. Contudo, o impacto do Maneirismo sobre as artes musicais é possivelmente menos profundo do que em outros campos. A própria identificação do Maneirismo no terreno musical tem sido matéria de controvérsia, e as tradicionais transferências de conceitos das artes visuais e literatura para a música têm sido vistas muitas vezes como inadequadas. Por outro lado, Maria Maniates defende a ideia de que o Maneirismo pode ser definido na música do fim do século XVI a partir de seus elementos especificamente musicais, quais sejam: o experimentalismo no campo da [[Harmonia (música)|harmonia]], a exploração de intervalos incomuns na linha melódica, ensaios de [[música microtonal]], tentativas de estabelecimento de um sistema de [[temperamento igual]] e a atribuição de novos significados para os elementos da [[retórica]] musical que se praticava.<ref>MANIATES, Maria Rika. ''Mannerism in Italian music and culture, 1530-1630''. Manchester University Press ND, 1979. p. xiv; 120-121 [http://books.google.es/books?hl=pt-BR&lr=&id=s7PmAAAAIAAJ&oi=fnd&pg=PR13&dq=music+mannerism&ots=xjHpbK0LGv&sig=1XZVkKg3Hykfr_P7Stdll_Luo28#PPR14,M1]</ref> Mas não é preciso buscar uma confirmação moderna para detectar o aparecimento um estilo novo na música desse período, pois os próprios músicos da época estavam envolvidos em uma acesa polêmica sobre os novos rumos que sua arte tomava. Em seu ''Compendium Musices'' (1552), Adrianus Coclico descrevia a geração de [[Guillaume Dufay]] como ''musici mathematici'' (músicos matemáticos), a de [[Josquin des Prez]] de ''musici prestantissimi'' (músicos admiráveis), mas chamava os seus contemporâneos de ''musici poetici'' (músicos poéticos), ou seja, era evidente uma nova sensibilidade no ar.<ref>CARTER, Tim. ''Renaissance, Mannerism, Baroque''. In CARTER, Tim & BUTT, John (eds). ''The Cambridge History of Sevententh-Century Music''. Cambridge University Press, 2005. p. 9 [http://books.google.es/books?hl=pt-BR&lr=&id=mHJvKVq0vXoC&oi=fnd&pg=PA1&dq=Claude+Palisca+mannerism&ots=_IxqxW8kBQ&sig=uAnOdpUoMX2L8LmS7U8jHyrRc4g#PPA9,M1]</ref>
[[Ficheiro:Niccolo dell abbate - o concerto.jpg|thumb|Niccolò dell'Abbate: ''O concerto'', c. 1550]]
[[Ficheiro:Luzzaschi title page.jpg|thumb|Capa do livro de madrigais de Luzzasco Luzzaschi, 1601]]
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Importantes como foram as conquistas dessa vanguarda profana, que seriam seminais para o futuro Barroco musical, em seu inicio representaram um fenômeno circunscrito às pequenas cortes italianas. A grande cena musical maneirista foi basicamente dominada por compositores sacros e hábeis na tradição, como [[Giovanni da Palestrina]] e [[Orlande de Lassus]], cuja música se tornou um padrão para todo o continente. Apesar de também introduzirem invações técnicas, seu estilo na maior parte das vezes em nada evidencia a agitação e instabilidade que tipificam o Maneirismo nas outras artes, ao contrário, revela uma harmonia, dignidade e uma expressividade controlada que têm paralelo muito mais nas obras plásticas da Alta Renascença. Mesmo assim Palestrina foi incluído entre os "modernos" por seus próprios contemporâneos por estabelecer um esquema baseado na simplificação dos antigos [[Música modal|modos]]. No final do século o estilo descritivo dos madrigais encontraria um novo campo de expressão no desenvolvimento do proto-[[Ópera|operismo]] [[Monodia (música)|monódico]] de [[Giulio Caccini]], [[Jacopo Peri]] e outros, precursores de [[Monteverdi]] na ópera e na derradeira floração do madrigal.<ref name="MANIATES, Maria Rika. pp. 121-127"/><ref>SCHLÜTER, Joseph. ''A General History of Music''. London: Bentley, 1865. pp. 28-29 [http://books.google.es/books?hl=pt-BR&lr=&id=-ssqAAAAYAAJ&oi=fnd&pg=PR1&dq=%22Venetian+School%22+music+mannerism&ots=ryz71DSHDf&sig=Gv87BAbkVJpAqRnh9wDsu3vHfEo#PPA28,M1]</ref><ref>[http://books.google.es/books?hl=pt-BR&lr=&id=s7PmAAAAIAAJ&oi=fnd&pg=PR13&dq=music+mannerism&ots=xjHpbK0LGv&sig=1XZVkKg3Hykfr_P7Stdll_Luo28#PPR14,M1 MANIATES, Maria Rika. p. 13]</ref>
<div style="padding:0.5em;" align="float:left;">{{multi-escuta item|nomearquivo=Monteverdi_Lamento_d_Arianna_sung_by_the_dwsChorale.ogg|titulo=Monteverdi: ''Lamento'' de ''L'Arianna'' (ária em versão madrigalesca do próprio autor, 1614)|descricao=<small></small>|format=[[ogg]]}}</div>
 
=== Literatura ===
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Depois de longo período em descrédito, considerado uma deplorável degeneração do classicismo, o Maneirismo nos aparece agora como um estilo possuidor de uma dignidade própria, que deixou um grande acervo de realizações do mais alto quilate. Também ele vem sendo visto como a primeira escola de arte moderna, principalmente por sua valorização das visões individuais num mundo que até então era regido por valores ditados pelas estruturas políticas e religiosas e pelas convenções genéricas da sociedade. Os maneiristas foram os primeiros criadores que procuraram se evadir do controle de normas apriorísticas impostas a partir de fora, mesmo que essa evasão fosse cerceada por muitos lados e só pudesse se expressar muitas vezes de formas veladas. Ao mesmo tempo, preservaram e revitalizaram um grande repertório de temas e formas clássicas que herdaram dos renascentistas, e os transmitiram à geração barroca. Incentivaram o espírito de pesquisa formal e teórica, e uma nova maneira de observar e descrever a Natureza, ao mesmo tempo mantendo vivo um traço de ceticismo sobre ela que mantinha livre um canal para a expressão da originalidade, da fantasia e da genuína criatividade, e questionava a primazia absoluta do racionalismo e do equilíbrio idealista e da própria noção de beleza.<ref>[http://books.google.es/books?hl=pt-BR&lr=&id=1wi2VnegmG4C&oi=fnd&pg=PP11&dq=legacy+of+the+mannerist+art&ots=w0IAeqnYt2&sig=mCoFFFfHNeM74jP5Mb_HeCzraMo#PPA20,M1 EDELMAN, Murray. pp. 20; 57-59]</ref><ref>[http://books.google.es/books?hl=pt-BR&lr=&id=Qne6ZOgLyT0C&oi=fnd&pg=PR9&dq=mannerism+art+%22social+background%22&ots=eRmit7RfDp&sig=OcYo6ALSrH9oIAnPmRXWKt99s3U#PPA152,M1 TATARKIEWICZ, Władysław. pp. 152; 154; 158]</ref>
 
O Maneirismo também foi importante porque, pela sua própria natureza ambivalente e contraditória, representou um momento de universalismo e de abertura para a diversidade depois das delimitações nacionalistas e da ortodoxia estética do Renascimento; foi assim a primeira linguagem pan-européia desde o Gótico. Sendo em essência cortesão, pelo menos em sua origem, foi o início de uma nova forma de desfrutar a arte apenas como prazer privado, e não necessariamente como afirmação pública de poder e de ideologia. De outra parte, rompeu definitivamente com a longuíssima tradição que atribuía ao artista o papel de intérprete e servo da sociedade em que vivia, e de um membro anônimo a mais numa confraria de simples operários especializados, mas agora, tendo experimentado todas as formas de sublimação, formulação e comunicação de valores coletivos, conhecia sua própria subjetividade interna e doravante jamais a perderia de vista. Não que a consciência da subjetividade fosse uma descoberta nova, mas se tornaria para o futuro um valor por si mesma numa personalidade artística individualizada e única. Esse processo retirou a base de segurança que as estruturas e instituições coletivas proporcionavam para o criador, mas lançou o artista na aventura da liberdade, com todos os riscos e glórias que ela possa acarretar.<ref>[http://books.google.es/books?hl=pt-BR&lr=&id=uCo-AAAAIAAJ&oi=fnd&pg=PR15&dq=arnold+hauser&ots=tfJTi0kR3I&sig=zVmC8FVP8JmWbNf6gJAf27u6pYA#PPA113,M1 HAUSER, Arnold (1982). pp. 46-47; 113; 279; 287]</ref>
 
== Ver também ==