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== Importância civilizacional ==
{{Mais informações|Impacto do cristianismo na civilização}}
Durante a [[Idade Média]], principalmente depois de [[Carlos Magno]] e das [[invasões bárbaras]], foram as abadias a tomar as principais iniciativas a nível cultural e mesmo de fomento económico de muitas regiões europeias, não resumindo a sua acção a funções religiosas e litúrgicas mas, de facto, civilizacionais. Em alguns locais, como na [[Inglaterra]] e na [[Alemanha]], não foram poucas as vezes em que uma povoação se formava em torno de abadias, ainda que esta tendência não se tenha verificado no [[Norte de África]] e no Oriente. Dentro da estrutura social e territorial do [[feudalismo]], muitas abadias conseguiram, principalmente a partir do {{séc|X}}, obter isenção canónica da autoridade [[diocese|diocesana]] (ou seja, episcopal), já que alguns [[bispo]]s assumiam o seu papel de senhores feudais. Estas instituições ficavam, assim, sob a autoridade directa da [[Santa Sé]] – em Portugal, tal aconteceu com as [[arte cisterciense|abadias cistercienses]], enquanto que as abadias beneditinas ficavam, em geral sob a autoridade directa do bispo. Em alguns locais, como na [[Irlanda]], o número de abadias tornou-se tão grande que a divisão do território em dioceses foi praticamente suplantada pelas autoridades abaciais. Algumas das abadias tiveram, também, jurisdição fiscal (recebiam impostos) e [[poder judicial|judicial]] sobre alguns territórios, através da atribuição régia de [[couto]]s.
 
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[[Imagem:Hl-Antonius-1520.jpg|thumb|esquerda|250 px|[[Antão do Deserto|Santo Antão]], Abade - precursor da vida cenobítica, numa representação de [[Lucas Cranach]].]]
 
No monasticismo cristão primitivo, os monges procurando a santidade através da [[ascese]], viviam sozinhos, de modo independente, não muito longe da [[igreja]] da aldeia, sendo responsáveis pelo seu próprio sustento, trabalhando com as suas próprias mãos e distribuindo depois os excedentes pelos pobres, depois de satisfeitas as suas frugais necessidades. Um crescente fervor místico-religioso, incitado pelas perseguições, levou-os a afastarem-se cada vez mais da civilização para desertos e montanhas solitárias, ainda que também se tenham estabelecido mosteiros em cidades como [[Roma]], [[Cartago]], [[Alexandria]] e [[Hipona]] (cidade de Santo Agostinho, o qual também seria um dos primeiros a estabelecer uma Ordem religiosa, que seria particularmente popular durante a Idade Média). Os desertos do Egipto enxamearam-se com as celas ou cabanas destes anacoretas[[anacoreta]]s. [[Antão do Deserto|Santo Antão]], retirado em [[Tebaida]], no Egipto, durante as perseguições de [[Maximiano]], no ano de 312, tornou-se um dos mais célebres destes monges, os Padres do Deserto, pela sua austeridade, santidade reconhecida pelos outros e pelo seu poder como [[exorcismo|exorcista]]. A sua fama granjeou-lhe um grupo apreciável de discípulos desejosos de alcançar a sua santidade pelo caminho do ascetismo. Quanto mais agreste era a morada que escolhia, mais discípulos o rodeavam. Recusando-se a separarem-se do seu guia espiritual, nascia assim a primeira comunidade monástica, consistindo em cabanas ([[cela (arquitectura)|celas]]), em torno de outra, considerada superior, onde residia o abade. Segundo [[Neander]], na sua ''História da Igreja'', Antão, sem qualquer projecto consciente de [[arquitectura]], tornou-se o fundador de um novo modo de vida em comum: o [[cenobitismo]]. Com o passar do tempo, os grupos de cabanas foram tornando mais complexas e ordenadas as suas relações espaciais e funcionais. Começou-se por dispor as celas em linhas, como as tendas de um acampamento ou casas numa rua. Tais fileiras de células individuais passaram a chamar-se de ''Laurae'', ''Laurai'', "ruas" ou "travessas."
 
O verdadeiro fundador dos mosteiros cenobitas (''koinos,'' comum, e ''bios,'' vida) no sentido moderno foi [[Pacómio]], um egípcio que viveu no início do {{séc|IV}}. A primeira comunidade por ele estabelecida situava-se na Tebaida, mais especificamente em [[Tabenesi]], uma ilha do [[Nilo]], no [[Alto Egipto]]. Apesar de a sua regra ainda ter uma concepção rude, representou uma evolução interessante, ao estabelecer um modo de vida mais comunitário, afastando-se dos rigores extremos dos [[anacoreta]]sanacoretas. Durante a sua vida, fundaram-se na região outras oito comunidades, perfazendo cerca de 3 000 monges. Em menos de cinquenta anos após a sua morte, estas sociedades já contavam com cerca de 50 000 membros. Estes cenóbios (''coenobia'' - sendo também usados os termos ''caenobium'', ''congregatio'', ''fraternitas'' e ''asceterion'') assemelhavam-se a conjuntos de aldeias, povoadas por uma comunidade religiosa laboriosa do mesmo sexo, sob a obediência de um superior religioso.
 
As construções estavam separadas, eram pequenas e de carácter humilde. Cada cela ou cabana, de acordo com [[Sozomeno]] (H.R. iii. 14), serviria para três monges. Tomavam a refeição principal num [[refeitório]] comum às três horas da tarde, depois de terem feito jejum. Comiam em silêncio, com os capuzes tão caídos para a frente que mal podiam ver outra coisa além do que constava na mesa, à sua frente. Os monges devotavam o seu tempo ao serviço religioso ou ao trabalho manual. [[Paládio da Galácia|Paládio]], que visitou os mosteiros egípcios no final do {{séc|IV}}, encontrou, entre trezentos membros do cenóbio (''coenobium'') de [[Panópolis]], sob a regra de Pacómio, quinze alfaiates, sete ferreiros, quatro carpinteiros, doze condutores de camelos e quinze curtidores. Cada comunidade independente tinha o seu próprio '[[ecônomo]] ou director, que estava sujeito a um director geral, pertencente à sede principal. Todos os produtos nascidos do trabalho dos monges ficava ao seu encargo, e eram por ele expedidos para [[Alexandria]]. O [[dinheiro]] ganho era gasto no armazenamento de víveres para a comunidade — o excedente era oferecido em caridade. Duas vezes por ano, os superiores dos vários cenóbios reuniam-se no mosteiro principal, sob a presidência de um arquimandrita ("chefe da congregação de fiéis," de ''miandra'', que significa "curral do rebanho"), e na última reunião prestavam contas da sua administração anual. Os cenóbios da [[Síria]] pertenciam também à instituição pacomiana. Conhecem-se actualmente muitos detalhes em relação às comunidades vizinhas de [[Antioquia]] a partir dos escritos de [[São João Crisóstomo]]. Os monges viviam em cabanas individuais, separadas, ''kalbbia,'' formando um pequeno vilarejo nas abas de uma montanha. Estavam sujeitos a um abade, observando uma regra comum. (Não tinham refeitório, mas comiam a sua refeição em comum, composta apenas de pão e água, quando o dia de trabalho terminava, deitando-se em camas de palha, muitas vezes ao relento). Reuniam-se quatro vezes por dia para [[oração|orações]] e recitação de [[salmos]].
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Na Europa ocidental, os primeiros mosteiros aproveitaram em grande parte o traçado das ''vilas romanas'' deixadas como marca do [[Império Romano]], reutilizando-as ou copiando a sua planta-tipo. Não há grande conhecimento quanto aos principais órgãos constituintes das abadias antes da institucionalização da [[Regra de São Bento|regra monástica]] de [[Bento de Núrsia|São Bento de Núrsia]], primeiramente aplicada em [[Monte Cassino]] e que depois se difundiu, com uma rapidez quase miraculosa, por toda a Europa Ocidental. De início, e tal como se pode verificar da leitura da Regra, os mosteiros eram compostos por um oratório de pequenas dimensões, já que se destinava única e exclusivamente para uso dos monges; um dormitório, onde pouco mais constava que uma enxerga, lençol, cobertor e travesseiro; uma cozinha e despensa, um refeitório, uma sala de leitura e oficinas. Depois de São Bento, foram erigidos mosteiros excedendo, em espaço e esplendor, tudo o que antes se vira. Poucas foram as grandes cidades Italianas que não tivessem o seu convento Beneditino - o mesmo acontecendo nos grandes centros populacionais de [[Inglaterra]], [[França]] e [[Espanha]]. O número de mosteiros fundados de 520 a 700 é espantoso. Antes do [[Concílio de Constança]], 1415, nada menos que 15 070 abadias, apenas desta ordem religiosa. Em Portugal, a Casa Mãe da Ordem Beneditina foi o [[Mosteiro de Tibães|Mosteiro de São Martinho de Tibães]], que assumiu o papel de importante centro, não só religioso, mas também cultural e estético.
 
Tais edifícios eram organizados uniformemente segundo uma planta-tipo que apenas era modificada para se adaptar às circunstâncias próprias de cada local, como nas abadias de Durham e de Worcester, onde os mosteiros foram erigidos junto a margens escarpadas de um rio. Não existe actualmente qualquer exemplar preservado dos mosteiros beneditinos primitivos. Mas tem-se acesso a uma planta para o grande mosteiro suíço de [[Abadia de São Galo|São Galo]], elaborada cerca do ano de 820 por um autor anónimo, e que, apesar de possivelmente nunca ter sido implementada, permite tirar ilações quanto à forma como seria um mosteiro [[Dinastia carolíngia|carolíngio]] de primeira classe no final do {{séc|IX}}. Estes planos foram investigados principalmente por [[Keller]] ([[Zurique]], 1844) e pelo Professor [[Robert Willis]] (''Arch. Journal,'' 1848, vol. v. pp. 86–117). Devemos, ao último, as descrições mais detalhadas e os esquemas mais reveladores, feitos a partir das transcrições que efectuou dos originais, actualmente em arquivo neste convento. A aparência geral do convento é a de uma [[cidade]] composta por casas isoladas e ruas entre elas. Foi planeada, de forma evidente, segundo as disposições da regra de São Bento, que aconselhava que o mosteiro fosse tanto quanto possível autossuficiente, contendo todas as infraestruturas necessárias para as necessidades básicas dos monges, bem como as construções consignadas às funções religiosas e sociais próprias do convento. Devia conter, assim, um [[moinho]], uma [[padaria]], [[estábulo]]s para equinos e bovinos, bem como acomodações para a execução de todas as [[artes mecânicas]] necessárias, de modo a reduzir ao máximo a dependência dos monges em relação ao exterior. O [[claustro]] aparece já como um elemento agregador dos vários edifícios. Crê-se que resulte da transfiguração do átrio das construções romanas, tendo-se usado o seu espaço interior, depois do trabalho nos campos e das refeições, para a audição de prelecções de algum mestre.
 
=== Infraestruturas e a sua distribuição no espaço ===