Preste João: diferenças entre revisões

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== Trajetória de um mito ==
Em [[1145]], um bispo armênio de [[Jabala]] chega à [[Roma|sede do papado]] com a notícia da conquista do condado[[Condado de [[Edessa]] ([[1144]]) pelos muçulmanos. O bispo receava que o ocorrido colocaria em risco as comunidades cristãs do Oriente e apelava para que os [[Primeira Cruzada|cruzados]] não abandonassem suas posições na Terra Santa.<ref name="HV85">Revista [[História Viva]], 85, pgs. 48-53 - ''"Quem se esconde por trás do Preste João"'' por Lucien Kehren. Editora Duetto. São Paulo (2010)</ref>.
 
Segundo o religioso, um rei cristão, de nome João, cujo reino se localizava na [[Ásia]], para além da [[Pérsia]], marchava para o [[Mundo ocidental|Ocidente]] à frente de um exército que já tinha derrotado vários muçulmanos pelo caminho. Entretanto, atingidos por uma epidemia, o rei e seus homens haviam sido obrigados a retornar a seu país, mas voltariam para salvar o reino cristão de [[Jerusalém]].<ref name="HV85" />
Tal visita do bispo de Jabala, registrada pelo sacerdote alemão, [[OtoOtão da Frisinga]] (c. 1114–1158) como um episódio verídico que conta sobre um exército muçulmano, em 1141, formado por guerreiros [[turcos]] [[seljúcidas]] que foi derrotado na Ásia Central, não por um rei cristão, mas pela tribo [[Mongóis|mongol]] ''Kara-kitai'' oriunda de uma região vizinha à [[China]]. Esse grupo era [[budista]], mas a presença de cristãos [[nestorianos]] <ref group=nota>Cristãos condenados como [[hereges]] pelo [[Concílio de Éfeso]] (431) por acreditarem que [[Jesus Cristo]] tinha duas naturezas: uma divina e outra humana.</ref> contribuiu para o nascimento da lenda.<ref name="HV85" />.
 
A lenda se espalha pela Europa. O anúncio do bispo armênio trouxe à tona cartas supostamente assinadas por Preste João e endereçadas ao [[Papa Alexandre III]]; a [[Frederico I, Sacro Imperador Romano-Germânico]]; ao rei [[Luís VII]] da França]]; e a [[Afonso Henriques]], rei de Portugal. Essas mensagens asseguravam ao Preste João domínios territoriais que se estendiam às "Três Índias" e a vários outros países, além de dezenas de reinos a ele subordinados, entre os quais as dez "tribos perdidas de Israel", que [[Alexandre, O Grande]], teria perdido atrás da [[Gogue e Magogue|Muralha de GogGogue e MagogMagogue]]. Segundo as cartas do Preste João, quando ele partia para a guerra levava com ele dez cruzes de ouro ornadas com pedras preciosas e atrás de cada uma delas marchavam dez mil cavaleiros e cem mil homens a pé. <ref name="HV85" />.
 
Ainda segundo as cartas, Preste João dizia ser proprietário de uma fonte da juventude que fazia com que qualquer homem que nela se banhasse voltasse a ter 32 anos e contava que ele próprio, aos 562 anos de idade, havia se banhado muitas vezes naquelas águas. Afirmava também que um reino de Israel lhe enviava, anualmente, um tributo de 200 cavalos carregados de ouro e pedras preciosas. <ref name="HV85" />.
 
Essas fábulas eram levadas a sério pelos homens da [[Idade Média]], e quanto mais alimentava a pressão do [[Islã]] sobre a Terra Santa, mais a crença na existência do Preste João ganhava força na Europa. Ninguém sabia exatamente onde ficava o reino de Preste João. Apenas se supunha que essas terras deviam estar em algum ponto do [[Extremo Oriente]]. Para o frei franciscano [[Giovanni da Pian del Carpine]], o rei era MohammedMaomé, o "sultão deda Karezm[[Corásmia]]". O [[monge]] e [[cronista (historiografia)|cronista]] [[Guilherme de Rubruck]], afirmava que Preste era o chefe de um grupo mongol, ''os naimanos''. Já [[Marco Polo]] acreditava que o misterioso rei era o líder da tribo turca, "ongut", originária da região nascente do [[Rio Amarelo]].<ref name="HV85" />.
 
== O "verdadeiro" reino de Preste João ==
Com a expansão do império de [[GêngisGengis Khan]] no século {{séc|XII}}, e com a intensificação dos contatos entre Ocidente e Oriente, monges e mercadores cristãos constataram que o "verdadeiro" reino de Preste João não ficava na Ásia Central, nem no Extremo Oriente, mas na Índia<ref group=nota>A Índia na Idade Média, para os cartógrafos da época, era um território que se estendia do Sudoeste Asiático até a [[África Oriental]].</ref>, onde a cristandade europeia passou a procurá-lo. Era a época das antigas comunidades de cristãos indianos, chamados "seguidores de São Tomé".<ref name="HV85" />.
 
A "hipótese indiana" era respaldada por viajantes que afirmavam ter encontrado um soberano cristão no norte da Índia, na corte de [[Tamerlão]]. A existência de um império etíope já era conhecida pelos ocidentais graças aos monges africanos que visitavam Jerusalém e às cartas enviadas ao papa "negus", sacerdote etíope e soberano daquele reino. Esse império também é citado por frei [[Jordano de Sévérac]], bispo da costa do [[Malabar]]. Foi quando a ideia de que a Etiópia poderia ser o reino do misterioso Preste João, realçada depois que uma embaixada enviada pelo "negusa nagast" (negus da Etiópia) chegou à corte papal de [[Avinhão]], ganhou força ([[1310]]). Esse movimento reforçou a hipótese da existência, "em algum lugar do nordeste da África", de um reino em guerra com os muçulmanos. Os europeus queriam se aliar a Preste João para enfrentar os muçulmanos. Havia, porém, dificuldade de localizar o misterioso rei e sacerdote.<ref name="HV85" />.
 
Os navegadores portugueses, ao desembarcarem na costa da África (1486), em busca de uma rota para as Índias, ouviram dos "notáveis" do [[Reino do Benim]] que o grande rei "Ogané", a quem deviam lealdade, reinava a "vinte luas de marcha para o norte, ao sul do Egito". Ao ouvir esse relato, o rei [[João II]] de Portugal]] enviou dois homens ao rei Ogané, certo de que ele era Preste João.<ref name="HV85" />.
 
Os lusos, [[Pêro da Covilhã]] e [[Afonso de Paiva]], junto com uma soma em dinheiro levaram um planisfério para marcarem o local exato do reino misterioso. Em 7 de março de 1487 partiram. Somente Covilhã chegou ao destino. Desembarcou em [[Zeila]], antigo porto etíope, seguindo pelo interior até [[Gondar (Etiópia)|Gondar]]. Covilhã foi recebido pelo "negus" Alexandre, Leão de Judá, "Rei dos Reis".<ref name="HV85" />.
 
Assim como Preste João, o imperador etíope governava um reino que no passado havia dominado a costa oriental da África e que, com a expansão do Islã, fora empurrado para o interior do continente e resistiram durante séculos aos ataques muçulmanos. Com a morte do "negus" Alexandre, o seu filho e sucessor, Naod, convidou Covilhã a permanecer no reino.<ref>[http://purl.pt/16517/3/#/0 "Verdadeira informação das terras do Preste João das Índias" pelo Padre Francisco Álvares - Biblioteca Nacional de Portugal (1882)]</ref> Covilhã aceitou a proposta de receber morada e esposa etíope, com quem teve filhos. Vinte anos depois (1520), uma nova embaixada portuguesa foi enviada à Etiópia. Na partida, Covilhã se recusou a seguí-los e permaneceu até a morte, segundo relato de um dos integrantes dessa nova embaixada, o padre Francisco Álvares, em seu "Verdadeira informação das terras do Preste João das Índias". Foi a partir daí (século {{séc|XVI}}) que o lendário rei deu lugar a um soberano real, aliado aos portugueses na disputa travada com os muçulmanos pelo controle das rotas comerciais do [[mar Vermelho]].
 
A aliança, entretanto, era frágil. O exército do rei etíope era equipado com armas brancas. Já os muçulmanos possuíam [[Arcabuz|arcabuzes]] e [[canhões]] fornecidos pelos turcos, que se aproximavam cada vez mais pelo mar Vermelho. Os portugueses tiveram dificuldade para barrar esse avanço. Os etíopes foram derrotados e obrigados a se refugiar nas montanhas. Ameaçados e sem recursos pedem ajuda aos portugueses que desembarcaram (1541) com uma tropa de 400 homens armados com canhões, comandados por [[Cristóvão da Gama]]. Os lusos vencem os muçulmanos, mas são derrotados quando sofrem contra ataque islâmico e perdem metade da tropa, incluindo aí o comandante. Os sobreviventes reuniram então os camponeses etíopes sob o comando do jovem "negus" ''Galawdewos'' (Cláudio) e saem vitoriosos sobre os muçulmanos em 21 de fevereiro de 1543.<ref>[http://www.britannica.com/EBchecked/topic/223810/Galawdewos Enciclopédia Britânica - "Ethiopia: The Zagwe and Solomonic dynasties"]</ref>