Religião na Roma Antiga: diferenças entre revisões
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Os deuses dos antigos romanos, à semelhança dos [[Grécia Antiga|antigos gregos]], eram antropomórficos, ou seja, eram representados com a forma humana e possuíam características (qualidades e defeitos) de [[ser humano|seres humanos]].
O Estado romano propagava uma religião oficial que prestava culto aos grandes deuses, como, por exemplo, [[Júpiter (mitologia)|Júpiter]], pai dos deuses; [[Marte (mitologia)|Marte]], deus da
No âmbito privado, os cidadãos, por sua vez, tradicionalmente buscavam proteção nos espíritos domésticos, os chamados
== ''Pietas'' ==
Segundo os pesquisadores, a religião desempenhava um papel fundamental na definição da sociedade e nas relações de poder. Ao participar dos cultos, era garantida a ''[[pax deorum]]'' ("paz divina", em [[latim]]), a harmonia civil e a maior integração destas comunidades no império levando a uma maior integração de cultos relacionados ao poder imperial<ref>BELTRÃO, Cláudia. 2011: 11.</ref>.
Dentro do caráter social da religiosidade romana, a importância que é estabelecida nas relações pessoais é expressa pelo termo latino ''
== O sacrifício ==
[[Imagem:Roman sacrifice Louvre Ma992.jpg|thumb|upright=0.9|esquerda|''Sacrifício romano'',<small> relevo em mármore no [[Museu do Louvre]]</small>]]
Tanto no culto público quanto no privado, o sacrifício consistia na oferenda de determinada matéria alimentar. Cereais, uva, vinho e principalmente vítimas animais. Efetuavam-se [[Libação|libações]] preliminares sobre o lar portátil (''[[foculus]]''), que representava o ''foculus'' do sacrificante, e situava-se em frente ao [[templo]], ao lado do [[altar]] <ref name="Eliade, 2011: 115">Eliade, 2011: 115.</ref>. A parte reservada aos deuses (fígado, pulmão, coração e alguns outros pedaços) era queimada sobre o altar. A carne era consumida pelo sacrificante e por seus companheiros no culto privado, e pelo corpo de sacerdotes nos sacrifícios celebrados em favor do Estado.
== A tríade capitolina ==
{{Artigo principal|
{{multiple image
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| image1 = 8646 - St Petersburg - Hermitage - Jupiter.jpg
| alt1 =
| caption1 = ''Júpiter'', estátua no [[
| image2 = Juno Louvre Ma485.jpg
| alt2 =
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| caption3 = ''Minerva'', estátua no Ninfemburgo em [[Munique]]
}}
Ao contrário dos [[Grécia Antiga|gregos]], que desde cedo tinham organizado um [[
Quanto a Jano e Vesta, sua incorporação à tríade arcaica dá continuidade a uma tradição [[Indo-europeus|indo-europeia]] <ref name="Eliade, 2011: 116"/>. Espacialmente, Jano encontra-se nos limiares das casas e nas portas. No ciclo temporal, é ele quem rege os começos do ano. O fechamento das portas do [[templo de Jano]] em Roma, ocorrido raras vezes, simbolizava que o [[Império Romano|império]] estava em paz. O nome de Vesta deriva de uma raiz indo-europeia que significa "queimar", pois o fogo perpétuo constitui o lar de Roma. Geralmente, os templos deveriam ser inaugurados e orientados segundo as quatro direções celestes (ter quatro cantos, ser quadricular), mas a [[Templo de Vesta|casa da deusa Vesta]] não deveria ser inaugurada, visto que toda a força dela está sobre a terra, por isso seu santuário é circular: é uma ''aedes sacra'', não um ''templum'' <ref name="E117"/>.
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Juno era provavelmente considerada a mais importante das deusas romanas, mas também podia ser desconcertante. Seu nome latino, Juno, deriva de uma raiz que exprime "a força vital" <ref name="E117"/> . Suas funções são múltiplas: rege a fecundidade das mulheres, mas também o começo dos meses. No [[Monte Capitolino|Capitólio]] ela era ''Regina'' ("rainha"), título que refletia uma tradição de realeza sagrada.
Minerva á a padroeira das artes e dos artesãos. O nome é provavelmente itálico (derivado de "''men''", que designa toda e qualquer atividade
A tríade capitolina não prolongou nenhuma tradição romana. Júpiter era o único representante da herança indo-europeia. A associação entre Juno e Minerva foi obra dos etruscos <ref name="E117">Eliade, 2011: 117.</ref>. Para eles, a tríade divina também exercia um papel na hierarquia do panteão. Sabe-se, por exemplo, que ela presidia a fundação dos templos.
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[[Imagem:Ara pacis fregio lato ovest 2 B.JPG|thumb|esquerda|upright=1.0|Relevo com os flâmines. Altar da Paz, em [[Roma]]]]
O culto público, sob o controle do Estado, era efetuado por certo número de oficiantes e confrarias religiosas - no entanto, esses cargos sacerdotais não eram separados das [[Magistrado|magistraturas]] regulares do Estado. Na época da [[monarquia romana]], o [[
Houve um intervalo de quase setenta anos para a nomeação do Flâmine Dial desde a morte do último em {{AC|86|x}} Um novo sacerdócio só foi inaugurado nos anos {{AC|20|x}}, sob o [[Principado romano|principado]] de [[Augusto]] {{nwrap|r.|{{AC|27|x}}|{{DC|14|x}}}} <ref>Beltrão, 2006: 149.</ref>. Este evento, para além de outros, foi celebrado no grande friso do [[Altar da Paz]] (''Ara Pacis''), mostrando Augusto na frente e os outros quatro flâmines o seguindo. A mensagem é a de que o dano causado pelo lapso foi afastado pelo novo pontífice máximo.
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=== O pontífice ===
{{AP|Pontífice}}
Ao lado flâmine Dial, o [[pontífice]] (''pontifex'') desempenhava, no círculo sagrado do rei, uma função complementar. O [[colégio dos pontífices]], mais precisamente o [[pontífice máximo]] (''pontifex maximus''), de quem os outros eram apenas o prolongamento, dispunha ao mesmo tempo de liberdade e de iniciativa <ref name="E113">Eliade, 2011: 113.</ref>. O pontífice máximo era o líder e falava pelo colégio no [[Senado romano|senado]]. Comparecia às reuniões em que se decidiam sobre os atos religiosos, respondia pelos cultos sem titulares e fiscalizavam as festas. No tempo da [[República Romana]], incumbia ao pontífice máximo nomear os flâmines maiores e as [[Vestal|vestais]], sobre os quais possuía poderes disciplinares e ser o conselheiro e também às vezes, o representante destas últimas. O colégio dos pontífices era composto por 9 membros desde {{AC|300|x}}, em outros momentos, eram eleitos por 17 das 35 tribos <ref name="B143"/>.
=== As vestais ===
{{AP|Vestal}}
[[Imagem:Chief Vestal.jpg|thumb|esquerda|upright=0.8|Vestal
As seis [[Vestal|vestais]] estavam vinculadas ao colégio pontificial. Escolhidas entre os seis e os dez anos de idade pelo pontífice máximo, as vestais eram ordenadas por um período de 30 anos <ref name="E113"/>. Protegiam o povo romano alimentando o fogo da cidade, que tinham a obrigação de nunca deixar extinguir. Sua força religiosa dependia da virgindade. A condenação de uma virgem vestal por má conduta sexual era um evento raro, porém significativo. A punição era parte de um ritual de purificação do Estado. Por ser
As virgens vestais tinham privilégios dos quais nenhuma outra mulher em Roma podia desfrutar: eram mantidas em condições de luxo, com dinheiro público; eram livres da autoridade paternal; guardavam testamentos e tratados, e podiam elas mesmas ter um testamento; podiam dar depoimentos em cortes sem fazer juramento; até os magistrados mais condecorados tinham que ceder passagem a elas <ref>McKeown, 2010: 26.</ref>.
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=== Outros colégios ===
O colégio augural era tão antigo e tão independente quanto o colégio dos pontífices. Mas o segredo da disciplina foi bem guardado. Sabe-se apenas que os [[
Existia o colégio dos [[sálios (sacerdócio)|sálios]] (''Salii''), composto por dois grupos de doze membros cada, que dançavam e cantavam na cidade nos festivais de março e outubro. Os lupercos (''Luperci'') consistiam de dois grupos também, mas o número de membros é desconhecido <ref name="B143"/> . Eles corriam pelas ruas da cidade no festival da [[Lupercália]], batendo nas pessoas com chicotes de pele de cabra. Outro colégio era dos [[Irmãos Arvais]] (''Fratres Arvales''), doze membros que cuidavam da manutenção do culto da deusa [[Hemera|Dia]], numa gruta fora de Roma <ref name="B143"/>. Estes três colégios não eram consultados pelo [[Senado romano|senado]].
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== O culto privado ==
[[Imagem:Ancient Bar, Pompeii.jpg|thumb|direita|upright=1.0|Afresco de [[Pompeia]] com a imagem do gênio no centro, flanqueado pelos ''Penates'' e os ''Lares''. No extremo esquerdo está [[Mercúrio (mitologia)|Mercúrio]], e no extremo direito, [[Baco]].]]
Os romanos expressavam sua devoção aos deuses com [oferendas nos [[templo]]s e, em [[santuário]]s domésticos, aos deuses
Os ritos funerários, que terminavam no nono dia após o enterro ou [[inumação]], prolongavam-se no culto regular dos "pais defuntos" (''divi parentes'') ou
Durante os três dias dos Lemúria (9, 11 e 13 de maio), os mortos (
Eram os rituais que garantiam as relações entre o homem e a religião. Garantir os ritos representava a certeza da manutenção da sociedade como a queriam, ordenada e segura <ref name="B143"/>. Ao respeitar as regras de comportamento, como o respeito aos deuses, sobretudo em seus espaços, ao curvar-se sob a autoridade dos rituais, o cidadão garantia a ordem social e a paz divina.
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== Feriados e festivais ==
{{Artigo principal|Festivais romanos}}
[[Imagem:Compitalia fresco.jpg|upright=1.0|thumb|esquerda|Este [[afresco]] mostra um homem romano celebrando um festival religioso, provavelmente a Compitália
O [[calendário romano]] mostra cerca de quarenta festivais religiosos. Alguns duram muitos dias, outros apenas um ou menos. Através do calendário romano que se conhece hoje, supõe-se que festivais oficiais eram organizados em largos grupos sazonais que incluíam diferentes tradições locais. Alguns dos festivais mais antigos e populares incorporaram jogos (''ludi''; tais como corridas e apresentações teatrais). Outros festivais necessitavam apenas da presença e de ritos de seus sacerdotes, ou de grupos menores, como as mulheres no rito de ''Bona Dea''.
Outros festivais públicos não estavam no calendário e ocorriam devido a outros eventos. O [[Triunfo romano|triunfo]] de um general romano era celebrado como o cumprimento de votos religiosos, apesar destes tenderem a ser ofuscados pelo significado político e social do evento. Durante a [[República Romana|República]], a elite política competia para superar uns aos outros em exibições públicas, e aos jogos foram incluídas competições de [[gladiador]]es. No [[Principado romano|Principado]], todo tipo de exibição ficou sob o controle do [[Imperador romano|imperador]]: os maiores foram subsidiados pelos próprios imperadores, e os eventos menores eram providenciados por magistrados como um dever sagrado. Festivais e jogos adicionais podiam celebrar aniversários. Outros, como os tradicionais jogos seculares republicanos, marcavam uma nova era (''saeculum'') e eram importantes para manter valores tradicionais e uma identidade romana comum.
O significado e origem de muitos festivais arcaicos confundiam até mesmo a elite intelectual romana, mas quanto mais obscuros eram, maior era a oportunidade para a reinvenção e reinterpretação - algo que não foi perdido nem no programa de reforma religiosa de [[Augusto]], nem com seu "criador de mitos" da época, [[Ovídio]].
Todavia, calendários oficiais preservados de diferentes épocas e lugares também mostraram a flexibilidade na omissão e adição de eventos, indicando que não havia um calendário estático e autoritário exigido. No final do império, sob regras cristãs, novos festivais cristãos foram incorporados pelo quadro romano que já existia, ao lado de pelo menos alguns dos festivais tradicionais.
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Na Roma Antiga,com o passar dos séculos, diferentes cultos e divindades foram incluídos ao sistema religioso da cidade. Embora por muito tempo as pesquisas históricas tenham apontado para uma imutabilidade da realidade [[ritual]], novas tendências vêm sendo direcionadas para um intenso processo de apropriações e renovações dos cultos estrangeiros.<ref name="BELTRÃO, C. A Religião na Urbs">BELTRÃO, C. A Religião na Urbs.</ref>
Apesar da tolerância que os romanos tinham com os cultos, deuses, deusas e ritos estrangeiros, esta não era de princípio. Ao que tudo indica, eles eram tolerantes ao que não parecia ser perigoso, e o contrário ocorria quando algo lhes indicava perigos, como no caso do incidente das [[Bacanal|Bacanais]] ocorrido durante a [[República Romana|República]] e citado em [[Tito Lívio]]<ref>''História de Roma'', livro 5, parágrafo 39</ref>. Porém, no geral, não tinham problemas com muitos cultos e divindades pela semelhança que estes tinham aos seus tradicionais - a ''interpretatio'' explicada acima.<ref name="BELTRÃO, C. A Religião na Urbs"/>
Mediante uma aceitação formal do [[Senado romano|senado]], que possuía posição central na dinâmica da religião, incluindo os cultos, templos e os festivais, muitos cultos estrangeiros entraram na cidade de [[Roma]]. A "permissão" de entrada ocorria quando a religiosidade do "outro" era atestada como não perigosa à cidade e ao povo romano.
Variando no tempo, na divindade, na necessidade e na ocasião de sua entrada, alguns deuses e deusas tiveram seus cultos e [[Festivais romanos|festivais]] incluídos no [[Calendário romano|calendário oficial romano]], assumindo regularidade, aumentando a importância e tornando-se público, ''pro populo'', ou seja, com suas despesas bancadas pelo Estado romano e direcionados ao povo de Roma.<ref>BELTRÃO. C. Lectisternium: banquete ritual e ordem sagrada na Roma Republicana.</ref>
A exemplo dessa integração e oficialidade dos cultos, temos o caso de [[Magna Mater]], que tem sua entrada oficial em Roma no {{AC|{{séc|III}}|x}}, bem como o de [[Ísis]]no {{DC|{{séc|I}}|x}}
===O culto de Ísis===
{{Artigo principal|Ísis}}
[[Imagem:4 Pompei0030.jpg|thumb|upright=1.0|esquerda|Templo da deusa egípcia [[Ísis]] em [[Pompeia]]
Um dos exemplos mais conhecidos de cultos estrangeiros adotados pelos romanos é o culto à deusa egípcia Ísis. Ísis ficou conhecida pelos [[Roma Antiga|romanos]] a partir da fundação de [[Alexandria]] em {{AC|332-331|x}} próximo ao Delta, região que foi dominada com a conquista de [[Alexandre, o Grande]]. O culto à deusa Ísis foi introduzido em Roma ainda não oficialmente por [[Tibério Graco]] ({{AC|163-132|x}}), o pai dos dois grandes tribunos, porém foi depois proscrito. Durante o [[Principado romano|Principado]], outros deuses egípcios apareceram nos cultos de Roma, como [[Osíris]], (marido-irmão de Ísis)<ref>[http://www.jogiforum.hu/publikaciok/231 J. Szmodis. ''The Reality of the Law—From the Etruscan Religion to the Postmodern Theories of Law''. Budapest: Kairosz, 2005.]</ref><ref>Tellegen-Couperus, Olga. ''A Short History of Roman Law''. London: Routledge, 1993, p. 19–20.</ref>.
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== Ver também ==
* [[Culto imperial]]
* [[Imperialismo]]
{{Referências|col=3}}
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