Lúcio Cornélio Sula: diferenças entre revisões

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|local da morte =[[Cumas]]
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'''Lúcio Cornélio Sula''' (138&ndash;{{AC|88 a.C.|x}}; {{lang-la|''Lucius Cornelius Sulla Felix''}}), conhecido simplesmente como '''Sula''', foi um político da [[gente (Roma Antiga)|gente]] [[Cornélios|Cornélia]] da [[República Romana]] eleito [[cônsul romano|cônsul]] por duas vezes, em 88 e {{AC|80 a.C.|x}}, com [[Quinto Pompeu Rufo]] e [[Quinto Cecílio Metelo Pio]] respectivamente. Foi também eleito [[ditador romano|ditador]] em {{AC|82 a.C.|x}}, o primeiro desde o final do século {{-séc|III a.C.}}. O [[agnome]] "Félix" foi adotado já no final de sua carreira, principalmente por sua lendária sorte como general. Ele é por vezes chamado de '''Sila''', provavelmente uma [[corruptela]] de uma forma [[epigrafia|epigráfica]] <small>"SVILLA"</small>, passível de ser derivada em ambas as formas. Em sua época, seu nome provavelmente se pronunciava "Siula".
 
Foi sem dúvida um dos mais importantes políticos e militares de seu tempo, um dos líderes da facção dos ''[[optimates]]''. Depois de se destacar na [[Guerra contra Jugurta]], na [[Guerra Címbrica]] e na [[Guerra Social (91-88 a.C.)|Guerra Social]], as tentativas de [[Caio Mário]] de removê-lo do comando do exército que seguia para combater [[{{lknb|Mitrídates |VI]]}} do [[Reino do Ponto]] o levaram a marchar contra a própria Roma para restaurar o ''[[status quo]]'' anterior pela força das armas, a primeira vez em toda a história que um exército romano invadiu a cidade. Depois de conseguir recuperar o controle da guerra, Sula deixou a cidade sob o comando de um cônsul da facção dos ''[[populares]]'', de Mário, e um outro ''optimate'', [[Cneu Otávio (cônsul em 87 a.C.)|Cneu Otávio]], partindo para o Oriente. Porém, logo em seguida Mário retornou e, com seu aliado Cina, deu um [[golpe de estado]], mas morreu logo em seguida. Cina instaurou um governo autocrático de três anos (conhecido como ''"Cinnanum tempus"'') entre 87 e {{AC|84 a.C.|X}}, perseguindo todos os aliados de Sula<ref>Bulst (1964) e Lovano (2002).</ref>.
 
Sula, por sua vez, concluiu a [[Primeira Guerra Mitridática|guerra no Oriente]], obrigado Mitrídates VI a assinar a [[Tratado de Dárdanos|Paz de Dárdanos]] ({{AC|85 a.C.|x}}). Sua volta à Itália precipitou a [[Primeira Guerra Civil de Sula|Primeira Guerra Civil]] (83-{{AC|82 a.C.|x}}), na qual ele derrotou os líderes ''populares'' [[Cneu Papírio Carbão]] e [[Caio Mário, o Jovem]], que estavam no comando das rendas estatais, enquanto um terceiro rebelde, [[Quinto Sertório]], conseguiria resistir ainda por muitos anos aos partidários de Sula na [[Hispânia]].
 
Sua vitória foi seguida uma ditadura do próprio Sula, na qual ele perseguiu sistematicamente seus inimigos, estabelecendo uma ambiciosa obra legislativa para conseguir restaurar o funcionamento das instituições republicanas. Finalmente, cumpridos estes objetivos, Sula abandonou o poder e voltou a ser um simples cidadão.
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== Juventude ==
[[FicheiroImagem:Pompeii - Casa di Marte e Venere - MAN.jpg|thumb|direita|upright=.8|Em sua juventude, Sula levava uma vida desregrada, geralmente na companhia de atores e prostitutas, um hábito que retomará no final da vida.<br><small>[[Afresco]] em [[Pompeia]], na ''Casa dida Marte e Venere''.</small>]]
Lúcio Cornélio Sula era neto de [[Públio Cornélio Sula (pretor em 186 a.C.)|Públio Cornélio Sula]], pretor em 186 a.C., e nasceu em [[Roma]] numa pequena família [[aristocracia romana|aristocrática]], a menos destacada das sete que compunham a [[gente (Roma Antiga)|gente]] [[Cornélios|Cornélia]], os "Cornélios Sula". Uma vez que a sua própria fama acabou eclipsando totalmente a de seus ancestrais, pouco sabemos sobre eles. As fontes clássicas acabaram enfatizando apenas os aspectos mais negativos{{harvnp|Keaveney|1982|pp=6-7|sp=si}}. Sobre seu pai, por exemplo, [[Plutarco]] relata apenas a sua condição financeira modesta<ref>[[Plutarco]], ''Sula'' 1.</ref> e somente a menção de seu filho em documentos [[epigrafia|epigráficos]] é que permitiu resgatar seu [[prenome]]. De sua mãe, nada se sabe e tampouco há notícias explícitas sobre outros irmãos, apesar de haver uma referência a um Nônio Sufenas, que seria sobrinho do ditador <ref>[[Plutarco]], ''Sula'' 10.</ref>, o que indica que ele tinha pelo menos uma irmã.
 
Lúcio Cornélio Sula era neto de [[Públio Cornélio Sula (pretor em 186 a.C.)|Públio Cornélio Sula]], pretor em {{AC|186 a.C.|x}}, e nasceu em [[Roma]] numa pequena família [[aristocracia romana|aristocrática]], a menos destacada das sete que compunham a [[gente (Roma Antiga)|gente]] [[Cornélios|Cornélia]], os "Cornélios Sula". Uma vez que a sua própria fama acabou eclipsando totalmente a de seus ancestrais, pouco sabemos sobre eles. As fontes clássicas acabaram enfatizando apenas os aspectos mais negativos{{harvnp|Keaveney|1982|pp=6-7|sp=si}}. Sobre seu pai, por exemplo, [[Plutarco]] relata apenas a sua condição financeira modesta<ref>[[Plutarco]], ''Sula'' 1.</ref> e somente a menção de seu filho em documentos [[epigrafia|epigráficos]] é que permitiu resgatar seu [[prenome]]. De sua mãe, nada se sabe e tampouco há notícias explícitas sobre outros irmãos, apesar de haver uma referência a um Nônio Sufenas, que seria sobrinho do ditador <ref>[[Plutarco]], ''Sula'' 10.</ref>, o que indica que ele tinha pelo menos uma irmã.
[[Salústio]] e Plutarco concordam que a família de Sula estava em plena decadência, mas divergem nos detalhes. Enquanto este implica que Sula saiu da penúria (ilustrada com a anedota de que, durante sua juventude, Sula teria vivido sob o mesmo teto com [[liberto (Roma Antiga)|liberto]]s), a mesma ruína e perda de prestígio pela qual passavam os [[Cornélios]], no século II a.C., exclusivamente por obra da [[Fortuna (mitologia)|Fortuna]] ("o destino"), as referências de Salústio à sua educação e seu excelente domínio do [[latim]] e do [[grego antigo]]<ref name=ref_duplicada_1>[[Salústio]], ''Bellum Iugurthinum'' 95.</ref>, ainda que ele admita um considerável grau de [[:wikt:ignomínia|ignomínia]], se enquadram melhor com uma educação esperada de uma família melhor situada social e economicamente. Uma passagem de [[Apiano]] sobre as conversações preliminares que levaram à [[Tratado de Dárdanos|Paz de Dárdanos]]<ref>[[Apiano]], ''Mitrídates'' 54.</ref>, ele fala da amizade que unia o pai de Sula com o rei do Ponto, confirmando que o pai de Sula de fato teria sido [[pretor]], como confirmam as evidências epigráficas.
 
[[Salústio]] e Plutarco concordam que a família de Sula estava em plena decadência, mas divergem nos detalhes. Enquanto este implica que Sula saiu da penúria (ilustrada com a anedota de que, durante sua juventude, Sula teria vivido sob o mesmo teto com [[liberto (Roma Antiga)|liberto]]s), a mesma ruína e perda de prestígio pela qual passavam os [[Cornélios]], no século {{-séc|II a.C.}}, exclusivamente por obra da [[Fortuna (mitologia)|Fortuna]] ("o destino"), as referências de Salústio à sua educação e seu excelente domínio do [[latim]] e do [[grego antigo]]<ref name=ref_duplicada_1>[[Salústio]], ''Bellum Iugurthinum'' 95.</ref>, ainda que ele admita um considerável grau de [[:wikt:ignomínia|ignomínia]], se enquadram melhor com uma educação esperada de uma família melhor situada social e economicamente. Uma passagem de [[Apiano]] sobre as conversações preliminares que levaram à [[Tratado de Dárdanos|Paz de Dárdanos]]<ref>[[Apiano]], ''Mitrídates'' 54.</ref>, ele fala da amizade que unia o pai de Sula com o rei do Ponto, confirmando que o pai de Sula de fato teria sido [[pretor]], como confirmam as evidências epigráficas.
 
Por outro lado, o proveitoso casamento de Sula com uma rica senhora indica também que se tratava de uma gente menos desprestigiada e com mais recursos do que pretende fazer crer Plutarco. Os Cornélios Sulas podiam ser pobres, mas não literalmente. Sabe-se que o jovem Sula recebia rendas da ordem de {{fmtn|9000}} [[sestércio]]s anuais, o que indica posses de {{fmtn|150000}} sestércios: em comparação com o soldo anual de um trabalhador &mdash; não mais de {{fmtn|1000}} sestércios &mdash;, tratava-se de uma soma considerável, mas nada que se comparasse às fabulosas fortunas das outras grandes famílias{{harvnp|Keaveney|1982|pp=7—8|sp=si}}.
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=== Guerra contra Jugurta ===
{{AP|Guerra contra Jugurta}}
[[FicheiroImagem:Jugurtha captured.jpg|thumb|esquerda|upright=1|[[Jugurta]] capturado ({{AC|105 a.C.|x}}). Apesar de [[Caio Mário]] ter levado as honras, foi a articulação de Sula com [[Boco I]], sogro de Jugurta e [[rei da Mauritânia]] que permitiu que ele fosse capturado, encerrando a [[Guerra contra Jugurta]]. O episódio aumentou muito a popularidade de Sula.]]
 
Sula iniciou sua carreira em {{AC|107 a.C.|x}} servindo como [[questor]] durante a guerra contra o [[rei da Numídia]] [[Jugurta]], que vinha, até então, resistindo com sucesso às investidas dos romanos e infligindo-lhes grandes perdas, apesar do grande avanço conseguido por [[Quinto Cecílio Metelo Numídico|Cecílio Metelo]], cônsul em {{AC|109 a.C.|x}}, não havia ainda um fim à vista para o conflito quando [[Caio Mário]] assumiu o comando das operações. Mário não gostou do fato de o destino ter-lhe concedido um questor tão afeminado quanto Sula, que tinha sua reputação maculada por paixões, vícios e seu gosto pelo teatro. Apesar disto, Sula rapidamente surpreendeu a todos com suas qualidades extraordinárias<ref>[[Salústio]], ''Bellum Iugurthinum'' 96.</ref>.
 
O conflito seguiu sem definição, apesar das vitórias romanas, de modo que Sula foi enviado como embaixador para tratar com o sogro do elusivo monarca númida, o [[rei da Mauritânia]] [[Boco I]]. Sula rapidamente fez amizade com ele e conseguiu convencê-lo a trair Jugurta e aliar-se aos romanos ({{AC|105 a.C.|x}}), entregando o próprio [[Jugurta]] a Sula<re>[[Plutarco]], ''Sula'' 3</ref>. Esta vitória diplomática proporcionou a Sula um grande prestígio entre os militares e uma considerável popularidade, tanto com Mário como com as tropas, que lhe atribuíram o sucesso em terminar a guerra. Uma estátua dourada de Sula foi doada pelo rei Bobo para ser colocada no Fórum Romano para comemorar o feito. Apesar de Sula ter planejado e executado toda a ação, ele estava, na época, servindo sob Mário e este levou todo o crédito pelo feito.
 
Plutarco afirma que este episódio foi o começo do atrito entre Mário e Sula, dado que o primeiro se viu bastante irritado (e invejoso) com o êxito de seu subordinado enquanto que o segundo não deixou de lançar lenha à fogueira com uma atitude fanfarrona que encontrou eco entre alguns dos piores inimigos políticos de Mário. Sula reivindicava para si toda a honra da vitória e se mostrava tão orgulhoso dela que mandou gravar a vitória no anel que utilizava como seu [[sinete|selo pessoal]]<ref>[[Valério Máximo]], ''[[Nove Livros de Feitos e Dizeres Memoráveis]]'', VIII, XIV, 4.</ref>.
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=== Cimbros e teutões ===
{{AP|Guerra Címbrica}}
A situação de extremo perigo criada pela invasão dos [[cimbros]] e [[teutões]] amenizou as possíveis divergências entre o general e seu subordinado, com Sula permanecendo sob as ordens de Mário nas sucessivas campanhas nos dois anos seguinte ({{AC|104-3 a.C.|x}}). Dirigiu com êxito uma expedição contra os [[tectósages]], matando seu general Cépilo, e, pouco depois, como [[tribuno militar]], destacou-se também ao negociar um tratado com os [[mársios]] e dirigindo, extra-oficialmente, o exército do cônsul [[Quinto Lutácio Cátulo (cônsul em 102 a.C.)|Quinto Lutácio Cátulo]] ({{AC|102 a.C.|x}}), um dos protegidos de Mário, contra os cimbros que ameaçavam o norte da Itália. Derrotou-os na [[Batalha de Vercelas]], em {{AC|101 a.C.|x}}, na qual estava à frente da [[cavalaria romana|cavalaria]], revelando simultaneamente tanto a sua capacidade para a guerra quanto para a organização{{harvnp|Keaveney|1982|pp=31-34|sp=si}}.
 
Finalmente, o conflito com Mário explodiu em toda sua magnitude depois da vitória sobre os cimbros: Cátulo e Sula parecem ter reclamado por mais crédito por suas atuações em Vercelas do que Mário estava disposto a conceder. ''"Em circunstâncias tão infantis e pueris"'', conclui Plutarco, ''"se fundamentou o ódio entre os dois que, mais tarde, levou aos excessos da guerra civil e, depois, à tirania e à perversão de todo o Estado"''<ref>[[Plutarco]], ''Sula'', 4.</ref>. Apesar disto, o conflito entre Mário e Sula se desenvolveu de forma mais lenta do que Plutarco e outros autores parecem admitir e só adquiriu este caráter de hostilidade aberta muito mais tarde.
 
=== Pretor e governo da Cilícia ===
Segundo o relato de Plutarco, depois de ter sido desmobilizado, em {{AC|100 a.C.|x}}, Sula se amparou em seu prestígio militar para conseguir se eleger [[pretor]]; inicialmente suas tentativas fracassaram, o que obscureceu sua carreira política por alguns anos. Plutarco explica que este fracasso se deveu ao próprio Sula, afirmando que a [[plebe romana]] esperava ansiosamente pelos [[jogos romanos|grandes espetáculos]] que ofereceria como [[edil]]. Plutarco acrescenta ainda que Sula não teria comprado votos suficientes, uma opinião que ele ilustra com alguns comentários ácidos sobre a vaidade pessoal de seu biografado<ref>[[Plutarco]], ''Sula'', 5.</ref>.
 
Apesar disto, Sula acabou eleito pretor em {{AC|94 a.C.|x}} e se destacou pela magnificência com que organizou os jogos em homenagem a [[Apolo (mitologia)|Apolo]], conhecidos como ''LudiJogos Apollinares''Apolinários, realizados no mês de julho. Nestes jogos, os romanos viram, pela primeira vez, um combate entre cem leões, todos enviados por seu amigo mauritânio [[Boco I]]. Ao término de seu mandato, já como [[propretor]], recebeu o governo da [[Cilícia]], entrando em contato, desta forma, com os povos da [[Anatólia]]. O [[rei da Capadócia]], [[Ariobarzanes I da Capadócia|Ariobarzanes I]], entronizado por Roma, havia sido deposto pelo [[Reino da Armênia (Antiguidade)|rei da Armênia]], [[Tigranes, o Grande]], e seu sogro e aliado do [[rei do Ponto]], [[Mitrídates VI]], que colocou seu próprio filho no trono. A ação de Sula foi efêmera, pois, apesar de cumprir sua missão, a restituição de Ariobarzanes I durou apenas um ano, quando ele foi novamente expulso por Mitrídates. Sula foi o primeiro romano a chegar até o [[Eufrates]] e negociou um tratado de amizade com [[Orobazo]], embaixador dos [[partos]]. Além da vitória diplomática, Sula recebeu um presságio de um grande destino. Plutarco conta que um adivinho [[caldeus|caldeu]], ''"depois de ter contemplado atentamente o rosto de Sula e observado diligentemente todos os movimentos, tanto do corpo quanto da alma, declarou: «Indiscutivelmente este homem chegará a ser muito importante e me assombro que, mesmo agora, ele seja capaz de suportar não ser o primeiro de todos»"''<ref>[[Plutarco]], ''Sula'', 5.</ref>.
 
Ao voltar a Roma, aguardava Sula um humilhante processo judicial por [[corrupção política|corrupção]]. Mário tratou de denunciar a atitude arrogante de Sula perante os capadócios e os partos, argumentando que a situação no Oriente se deteriorara. Finalmente, [[Caio Márcio Censorino]], um dos protegidos de Mário, acusou Sula de aceitar [[suborno]]s de Ariobarzanes. É exatamente por isto que [[Ernst Badian]] defende que foi neste ponto que as relações entre Sula e Mário se converteram em conflito aberto, uma consequência provável da série de turbulentos escândalos políticos que Roma veio sofrendo por toda a década de {{AC|90 a.C.|x}} e que se cristalizou no impasse entre ''[[populares]]'' e ''[[optimates]]''<ref>Badian (1970).</ref>. Apenas de uma ausência de Censorino tê-lo livrado de uma condenação judicial, a reputação de Sula ficou tão maculada pela acusação que ele foi obrigado a retirar-se da atividade política pelos próximos três anos. Depois de tantos sucessos na [[Ásia (província romana)|Ásia]], Sula acabou marcado como seno um político ruim e incompetente<ref>Keaveney (1982: 45)</ref>.
 
Possivelmente Sula aproveitou estes anos manobrando para recuperar sua "reputação" (''"dignitas"'') perdida. O incidente da comemoração da vitória sobre [[Jugurta]], relatado em detalhes por [[Plutarco]]<ref>Plutarco, ''Sila'', 6.</ref> revela que, já em {{AC|91 a.C.|x}}, Sula não era um personagem maldito na política romana. Este incidente foi a doação de um [[grupo escultórico]] por Boco I da Mauritânia ao povo de Roma por ocasião da nomeação dos mauritânios como ''[[Sócio (Roma Antiga)|sócio e amigo do povo de Roma]] (''socius et amicus populi Romani]]''). Este grupo representação o gesto mais importante da amizade entre os dois povos: a redição de Jugurta. Nele apareciam o próprio Jugurta, Boco e Sula, mas não Mário. Segundo o relato de Plutarco, fica evidente que ele ficou muito irritado com isto, interpretando o presente como um ataque direto contra sua ''dignitas''. Plutarco acrescenta ainda que o incidente &mdash; e Sula &mdash; foram um joguete de uma parte do [[Senado Romano]] ''"que havia transformado a oposição a Mário em sua principal atividade política"''. Foi somente a irrupção da [[Guerra Social (91-88 a.C.)|Guerra Social]] que conteve um confronto direto entre as duas facções que, por ora, se uniram contra o inigo comum.
 
== Guerra Social ==
{{AP|Guerra Social (91-88 a.C.)}}
[[FicheiroImagem:The Growth of Roman Power in Italy.jpg|thumb|esquerda|upright=1|Mapa da Itália durante a [[Guerra Social (91-88 a.C.)]].]]
Foi a Guerra Social, o conflito que iniciou em {{AC|91 a.C.|x}} entre Roma e seus [[sócio (Roma Antiga)|aliados itálicos]] (os ''socii'') que proporcionou a Sula a sua maior glória e iniciou a sua irresistível ascensão política, ampliando ainda mais o conflito com Mário, que também se mostrava muito eficaz nas operações militares. A guerra em si era resultado da intransigência de Roma em relação aos direitos dos "sócios", os antigos inimigos que se submeteram aos romanos ao longo dos séculos (como os [[samnitas]]). Os [[latinos (tribo)|latinos]], moradores do [[Lácio]], eram aliados mais antigos e recebiam por isso mais respeito e tratamento melhor<ref>[[Plutarco]], ''Sulla''</ref>. A causa imediata da guerra foi a recusa do [[Senado Romano]] em estender a [[cidadania romana]] aos sócios e em endereçar algumas injustiças que eles consideravam urgentes. Entre os muitos mortos na luta dos ''[[optimates]]'' que queriam manter o ''[[status quo]]'' estavam [[Tibério Graco|Tibério]] e [[Caio Graco]]. Mas foi a morte de [[Marco Lívio Druso (tribuno)|Marco Lívio Druso]], cujas reformas buscavam não apenas reforçar a posição do Senado mas também conceder a cidadania a todos os aliados de Roma que enfureceu a Itália, levando à irrupção da Guerra Social.
 
Seu maior êxito foi obtido como [[legado]], na região costeira da [[Campânia]] e, pouco depois, em [[Sâmnio]], em ambos os casos sob o comando do cônsul [[Lúcio Júlio César (cônsul em 90 a.C.)|Lúcio Júlio César]], no qual conseguiu surpreender o general samnita [[Caio Pápio Mutilo]] e conquistar a cidade de [[Boviano]]. No ano seguinte, {{AC|89 a.C.|x}}, conseguiu uma vitória decisiva diante da muralha de [[Pompeia]], obtendo assim uma [[coroa gramínea]], a condecoração militar máxima entre os romanos, reservada ao comandante que salva sua legião ou exército no campo de batalha. Ao contrário de todas as demais honras militares romanas, esta era concedida pelos próprios soldados, por [[aclamação]], e, por isso, muito poucas foram registradas. Por tradição, ela era confeccionada com ramos e plantas colhidas no próprio campo de batalha<ref>{{citar web| url= http://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/secondary/SMIGRA*/Corona.html| título = Corona| publicado = Lacus Curtius| língua = inglês}}</ref>. Sula continuou conquistando as demais cidades que os rebeldes haviam ocupado na Campânia até que restou apenas o "coração" da revolta, [[Nola]]. Ignorando a ameaça às suas [[legião romana|legiões]], Sula lançou um ataque diretamente no interior do território rebelde, invadindo o Sâmnio e infligindo-lhes uma dura derrota num [[passo de montanha]]. Em {{AC|89 a.C.|x}}, Sula capturou [[Éclano]], a capital dos [[hirpínios]], encerrando de fato a Guerra Social.
 
Foi deste modo, apresentando-se como um dos grandes vencedores da revolta, que Sula conseguiu seu tão sonhado consulado, em {{AC|88 a.C.|x}}, com [[Quinto Pompeu Rufo]]. Os dois cônsules repartiram entre si o governo da República, de forma que Sula recebeu o proveitoso comando da [[Primeira Guerra Mitridática|guerra contra Mitrídates]] enquanto Rufo permaneceria na [[Itália romana|Itália]] encarregado das tarefas ''"civiles"''. Neste mesmo ano, Sula casou-se com [[Cecília Metela Dalmática]], uma sobrinha de [[Quinto Cecílio Metelo Numídico]], aparentando-se assim ao poderoso clã senatorial dos [[Cecílios Metelos]]. Rufo, por sua vez, casou seu filho, [[Quinto Pompeu Rufo, o Menor|Quinto Pompeu Rufo]] com sua filha, [[Cornélia Sula]].
 
O caos político e econômico, sequela da Guerra Social, não se limitou às fronteiras da Itália. Os graves problemas que sacudiam a península eram observados com interesso pelo decidido [[rei do Ponto]] [[Mitrídates VI]]. Seus atritos contra a [[República Romana]] não eram recentes, mas ele entendeu que, naquele momento, os romanos estavam em guerra contra seus próprios aliados e lhe pareceu o momento perfeito para tentar uma política expansionista na [[Ásia Menor]].
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| image1 = Marius Glyptothek Munich 319.jpg
| alt1 =
| caption1 = [[Caio Mário]], o líder dos ''[[populares]]'' e o maior rival de Sula até sua morte, em {{AC|86 a.C.|x}}.
| image2 = Augustyn mirys-sulla proscription.jpg
| alt2 =
| caption2 = Depois que Sula partiu para a [[Primeira Guerra Mitridática]], no oriente, Mário retornou do exílio na África e, com o apoio de [[Cina]], iniciou-se um período de domínio dos ''populares''. Um dos primeiros decretos do novo Senado foi decretar o exílio de Sula, que ainda comandava suas forças no oriente.]]
}}
As fontes antigas são unânimes ao afirmar que o conflito irrompeu quando os ''[[populares]]'', apoiados pelos [[ordem equestre|cavaleiros]], prepararam a reaparição pública de Mário, que queria para si o comando militar da iminente guerra no Oriente. Depois de ter presidido as eleições consulares para {{AC|87 a.C.|x}}, Sula estava pronto para partir para [[Cápua]], onde estavam concentradas seis [[legião romana|legiões]] para a campanha na Ásia), quando o tribuno da plebe [[Públio Sulpício Rufo]] trocou bruscamente de partido político, deixando de ser um dos mais notáveis membros dos ''[[optimates]]'' para apoiar Mário e os ''populares''. Não são claros os motivos desta súbita troca de alianças: se foi por influência do próprio Mário, por ambição e sede de poder ou por outros motivos de cunho mais pessoal.
 
Sulpício rapidamente aprovou uma lei sobre o [[sufrágio]] dos italianos incorporados à [[cidadania romana]] ''"ex lege Iulia"'' e, possivelmente, una medida similar aplicável aos [[liberto (Roma Antiga)|liberto]]s. A violência que irrompeu entre defensores e adversários de ambas as leis foi aplacada pelos cônsules, que declararam uma suspensão das atividades legislativas, cuja natureza tem sido amplamente discutida por causa da discrepância entre as fontes. Aparentemente tratava-se mais de um período de ''[[feriae imperativae]]'' do que de um ''[[justitium]]''. Quando, em [[Assembleia da plebe|assembleia popular]] perante o [[Templo de Castor e Pólux]], Sulpício exigiu o reinício das atividades legais, a situação se degenerou em uma briga aberta que provocou, entre outras consequências, a morte de Quinto Pompeu Rufo, filho de um dos cônsules e genro de outro, e a remoção de ambos os magistrados. Sula se refugiou, voluntária ou forçosamente, perto da casa de Mário, onde discutiu a situação criada e se chegou a algum tipo de acordo, pois Sula voltou para a Assembleia, anulou as ''feriae'' e marchou para Cápua para embarcar para a Ásia.
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Sula mais uma vez deixou a cidade, desta vez sob o comando do ''popular'' [[Lúcio Cornélio Cina]] e do ''optimate'' [[Cneu Otávio (cônsul em 87 a.C.)|Cneu Otávio]] e seguiu para combater Mitrídates.
 
Sua prolongada ausência seria, porém, aproveitada imediatamente pelos ''populares'' para retomar o poder e levar adiante uma vingança que, mesmo descontando um certo exagero das fontes clássicas, certamente deu abertura para graves excessos. No verão de {{AC|87 a.C.|x}}, o conflito entre as facções se reacendeu, com Cina e Otávio à frente. Durante seu exílio, Mário estava determinado a voltar a Roma para seu sétimo consulado, como lhe havia previsto as [[sibilinas]] décadas antes. Ele voltou do exílio na [[África romana|África]] junto com seu filho adotivo, [[Caio Mário, o Jovem]] e à frente de um exército que havia conseguido reunir. Este exército seu uniu às forças de Cina para derrotar Otávio. Mário então entrou em Roma e, seguindo ordens suas, os soldados começaram a executar todos os partidários de Sula, incluindo o cônsul Otávio. A matança provocou grande comoção na cidade e, aparentemente, somente entre os ''[[nobiles]]'', foram mais de 100 pessoas. Suas cabeças foram expostas na [[Rostra (Roma)|Rostra]] do [[Fórum Romano]]<ref>[[Apiano]], ''Guerras Civis'' I, 67-74; ''cf''. Lovano (2002: 47-50).</ref>.
 
Cinco dias depois, [[Quinto Sertório]] ordenou que suas tropas (muito mais disciplinadas que as de Mário, recrutadas entre [[gladiador]]es, escravos e setores menos favorecidos da população) aniquilassem os libertos responsáveis pelas atrocidades, uma ação que Mário recebeu com naturalidade. O Senado, agora sob controle dos ''populares'', revogou as reformas e leis de Sula e exilou Sula. Mário, eleito cônsul pela sétima vez, foi nomeado o novo general para a guerra no oriente junto com Cina, reeleito para um novo consulado. Porém, pouco mais de um mês depois de voltar a Roma, a 17 dias de aceder ao consulado, Mário morreu repentinamente aos 71 anos de idade.
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== Primeira Guerra Mitridática ==
{{AP|Primeira Guerra Mitridática}}
[[FicheiroImagem:Mithridates VI Louvre.jpg|thumb|esquerda|upright=1|[[Mitrídates VI]], [[rei do Ponto]], um monarca grego que tentou se aproveitar da confusão em Roma para ampliar sues domínios na [[Grécia romana|Grécia]] e [[Ásia (província romana)|Ásia]], mas acabou derrotado por Sula.]]
 
Depois de seu desembarque em [[Dirráquio]], entre 87 e {{AC|85 a.C.|X}}, Sula lutou contra as forças de Mitrídates na [[Grécia romana|Grécia]] comandadas por [[Arquelau (general)|Arquelau]]. Desde os primeiros momentos, apesar da inferioridade numérica das forças à sua disposição, da ausência de uma [[marinha romana|frota]] poderosa e da falta de dinheiro, os romanos lutaram com energia. [[Quinto Brútio Sura]], o eficaz [[legado]] do [[procônsul]] da [[Macedônia (província romana)|Macedônia]], já havia conseguido algum êxito ao impedir o avanço das tropas pônticas e, inclusive, as havia derrotado em [[batalha campal]] no norte da Grécia. Mais tarde, Sura enfrentou os inimigos novamente em várias ocasiões nas [[Batalha de Queroneia (87 a.C.)|imediações de Queroneia]] até que a chegada de reforços pônticos forçou a sua retirada. Estes eventos ocorreram justamente enquanto as tropas de Sula estavam desembarcando no [[Epiro]]. Sura então recebeu ordens de regressar para a Macedônia{{harvnp|Keaveney|1982|pp=81-2|sp=si}}.
 
Sem nenhum tipo de apoio do governo central em Roma, a campanha de Sula na Grécia foi caracterizada por um duplo combate: contra os inimigos e contra a situação de penúria. A falta de dinheiro foi mitigada com o saque dos tesouros dos inúmeros templos gregos, especialmente o mais rico de todos eles, o [[Templo de Apolo (Delfos)|Templo de Apolo]], em [[Delfos]], cuja missão ficou a cargo de um amigo, Cáfis, o [[Focea|Fócio]]. Apesar disto, a maior fonte de dores de cabeça para Sula era seu próprio exército, pois aparentemente os problemas com seus soldados parecem ter sido mais graves que os habituais para a época. Dado que o moral de suas tropas ao chegar a Grécia já era muito baixo, Sula se aproveitou de qualquer ocasião que se apresentava para exercitá-los, o que teve o efeito benéfico criar em suas legiões uma excelente disciplina que lhe seria muito útil na sua volta à Itália. Enquanto isto, seu segundo em comando, [[Lúcio Licínio Lúculo]], foi enviado para confiscar barcos e dinheiro nos diversos portos do [[Levante Mediterrâneo]]{{harvnp|Keaveney|1982|pp=78-83|sp=si}}.
 
=== Cerco de Atenas ===
[[FicheiroImagem:AteneSiege assedioof SillaSulla of Athens (87-86aC86BC)-pt.pngsvg|thumb|direita|upright=1|Diagrama do Cerco de [[Atenas]] e [[Pireu]] em 87-{{AC|86 a.C.|x}} por Sula, mostrando as famosas "[[Longas Muralhas]]". Ele só não arrasou a cidade por conta de sua fama internacional, mas ainda assim teve que ser convencido por seus oficiais.]]
{{AP|Cerco de Atenas e Pireu (87-86 a.C.)}}
 
Sula cercou [[Atenas]] e [[Pireu]], cidades gêmeas ligadas pelas "[[Longas Muralhas]]" e governadas pelo tirano [[Aristião]], uma marionete do rei do Ponto. A política de [[terra arrasada]] empreendida por Aristião e a consequente falta de madeira para construir suas [[arma de cerco|armas de cerco]] levou Sula a ordenar que fossem derrubadas todas as árvores num raio de cem [[milha romana|milhas]], o que arrasou a [[Ática]] inteira. Entre as árvores cortadas estavam os centenários exemplares da ilustríssima [[Academia de Atenas]], sob cuja sombra passearam [[Platão]] e tantos outros filósofos de renome. O cerco foi completado e, apesar das várias tentativas de rompê-lo, ambas as partes resolveram esperar. Foi nesta ocasião que notícias começaram a chegar a Sula sobre as perseguições dos ''[[populares]]'' de [[Cina]] em Roma{{harvnp|Keaveney|1982|pp=83-91|sp=si}}.
 
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{{Citação2|Se numa amora passares farinha, terás então um retrato de Sula.|[[Plutarco]]|''Sula'' 2<ref>Plutarco, ''Sila'', 2.</ref>}}
 
Por causa disto, Sula se vingou duramente dos sofrimentos pelos quais passou junto com seus homens ao autorizar o saque de Atenas. Depois de um longo cerco, um túnel provocou o desmoronamento de um trecho da muralha a sudeste da cidade, entre as portas [[Porta Sagrada (Atenas)|Sagrada]] e [[Porta Pireia|Pireia]], e Atenas foi invadida em 1 de março de {{AC|86 a.C.|X}}. Novamente, segundo Plutarco:
{{citação2|...o próprio Sula (...) entrou por volta da meia-noite, provocando terror e espanto com o som dos [[clarim|clarins]] e uma infinidade de [[trombeta]]s e com a gritaria e a algazarra dos soldados, a quem concedeu inteira liberdade para o roubo e a matança: assim, correndo pelas ruas, com as espadas desembainhadas, é indizível quanto foi o número dos mortos...|[[Plutarco]]|''Sula'' 15<ref>Plutarco, ''Sila'', 14.</ref>}}
 
A princípio, Sula queria arrasar a cidade e escravizar todos os gregos, como havia feito [[Lúcio Múmio Acaico]] em [[Corinto]] ({{AC|146 a.C.|x}}), mas logo, voltando à razão, se convenceu de que a fama universal de Atenas era como um título que dava a esta cidade o direito de ser respeitada. Plutarco faz parece o grande romano como um grego quando ele decide perdoar os vivos por respeito aos mortos. Mais trade, Sula pôde invocar entre seus maiores feitos o fato de ter sido clemente com Atenas.
 
O general [[Arquelau (general)|Arquelau]] escapou por mar através de Pireu para juntar-se às forças pônticas conduzidas por Taxiles. Antes de invadir a [[Beócia]] para interceptar estes exércitos inimigos que se aproximavam do norte, Sula ordenou que a muralha da cidade fosse desmantelada, suas fortificações, demolidas, assim como o grandioso arsenal de Pireu, que foi incendiado para evitar que frota pôntica desembarcasse com um grande exército em seu flanco. Aristião e seus aliados acabaram tendo que se render quando a água potável acabou. O grupo se entregou quando notícias chegaram sobre a derrota de Arquelau na [[Batalha de Queroneia (86 a.C.)|Segunda Batalha de Queroneia]] (provavelmente no final da primavera), mas ainda assim foram todos executados<ref name=Plut14>{{citar livro|autor=Plutarco| autorlink=Plutarco|subtítulo=Vida de Sula| título = Vidas Paralelas|url=http://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Plutarch/Lives/Sulla*.html | página = 7| volume = 14| língua = inglês}}</ref>.
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=== Batalha de Queroneia ===
{{AP|Batalha de Queroneia (86 a.C.)}}
[[FicheiroImagem:Cheronea 86aC.png|thumb|direita|upright=1|Diagrama da Batalha de Queroneia ({{AC|86 a.C.|x}}), uma brilhante vitória tática de Sula que provocou, segundo as fontes, cerca de {{fmtn|100000}} baixas aos exércitos gregos.]]
 
Sula não perdeu tempo e ocupou uma colina chamada ''Filoboeto''Filobeto, que nascia nas bordas do [[monte Parnaso]]. A partir dali, ele pôde dominar a planície de [[Elateia]] e dispunha de madeira e água em abundância. O exército de [[Arquelau (general)|Arquelau]], comandando de fato por [[Taxiles]], estava obrigado a avançar a partir do norte por um vale até [[Queroneia]]. Com {{fmtn|110000}} homens e 90 veículos de guerra, era pelo menos três vezes maior que as forças de Sula. Arquelau gostava da tática de desagastar lentamente os romanos, mas Taxiles tinha ordens diretas de Mitrídates para atacar imediatamente. Enquanto isto, Sula empregou seus homens na escavação de uma série de [[trincheira]]s para proteger seus flancos contra possíveis manobras e construir [[paliçada]]s à frente. Logo depois, ocupou as ruínas de [[Parapotamos]], uma posição inexpugnável que dominava os [[vau]]s pelo caminho até Queroneia. Logo em seguida, Sula ordenou uma falsa retirada, abandonando os vaus e se entrincheirou atrás de suas paliçadas em trincheiras. Atrás deles estava preparada a [[artilharia]] de campanha que já havia sido utilizada no cerco de Atenas. Arquelau avançou através dos vaus e tentou flanquear as forças romanas com sua cavalaria, mas foi rechaçado pelas legiões dispostas em formação quadrangular e provocou uma grande confusão na ala direita de seu exército. Os veículos de Arquelau se lançaram em [[carga (militar)|carga]] contra o centro das forças romanas, mas foram destruídos pelas trincheiras. Então, os cavalos, livres de suas rédeas e enlouquecidos pelas flechas e lanças, correram por entre as [[Falange (infantaria)|falanges]] gregas criando ainda mais confusão. As cargas não foram capazes de superar as defesas romanas e sofreram pesadas baixas por causa da artilharia. Diante de um provável fracasso, Arquelou tentou lançar sua ala direita contra a desprotegida esquerda romana. Sula, percebendo a perigosa manobra, correu do flanco direito para auxiliar seus homens e resistiu aos ataques pônticos até que Arquelau decidiu trazer mais tropas de sua ala direita. A manobra desestabilizou a linha de combate pôntica e debilitou seu flanco direito. Sula retornou para a sua própria direita e ordenou o avanço geral. Com o apoio da cavalaria, as legiões de Sula destruíram completamente as forças de Arquelau. A matança foi terrível e, segundo algumas fontes, sobreviveram apenas {{fmtn|10000}} soldados de Mitrídates{{harvnp|Keaveney|1982|pp=91-95|sp=si}}.
 
=== Batalha de Orcômeno ===
{{AP|Batalha de Orcômeno}}
[[FicheiroImagem:Orchomenos 86aC png.PNG|thumb|direita|upright=1|Diagrama da Batalha de Orcômeno ({{AC|86 a.C.|x}}), na qual Sula derrotou o grande general mitridático [[Arquelau (general)|Arquelau]].]]
 
Já estabelecido em Roma, [[Cina]] enviou [[Lúcio Valério Flaco (cônsul em 86 a.C.)|Lúcio Valério Flaco]] à frente de duas legiões para a Grécia, onde Sula terminava o cerco de Atenas. Depois de desembarcar no Epiro, a missão de Flaco era lutar contra Mitrídates e não Sula, o que é reforçado pelo fato de que, depois de se cruzarem a poucas [[milha romana|milhas]] um do outro, os dois exércitos não se enfrentaram. Apesar disto, Sula instigou seus homens para que estimulassem a dissenção nas forças de Flaco, que começou a sofrer com inúmeras [[deserção|deserções]]. Distanciando-se de Sula, Flaco seguiu para lutar contra Mitrídates na região dos estreitos (o [[Helesponto]] e o [[Bósforo]]).
 
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Apesar destas vitórias militares, Fímbria submeteu os habitantes da [[província romana]] da [[Ásia (província romana)|Ásia]] a um regime de saques, torturas e arbitrariedades, forçando-os à revolta aberta e à aliança com Sula. Depois de ter conseguido entrar em [[Ilião]] ([[Troia]]) proclamando que, como romano, era amigo e aliado da cidade, Fímbria assassinou todos os seus habitantes, roubou o que podia transportar e reduziu o que restou a cinzas.
 
Para poder enfrentar Fímbria, Sula negociou uma saída rápida da guerra com o [[Reino do Ponto]]. [[Mitrídates VI]] aceitou um acordo bastante favorável pelos padrões romanos, a chamada [[Paz de Dárdano]], em agosto de {{AC|85 a.C.|x}}, que ditava que o rei se comprometia a abandonar a Europa ([[Trácia]]) e os territórios romanos na Ásia Menor, renunciando a todas as suas conquistas, à sua frota, que seria entregue aos romanos, e se comprometia a pagar uma indenização de {{fmtn|3000}} [[talento (moeda)|talento]]s. O cumprimento dessas cláusulas ficou a cargo do [[propretor]] [[Lúcio Licínio Murena (Segunda Guerra Mitridática)|Lúcio Licínio Murena]] (que enfrentaria Mitrídates na [[Segunda Guerra Mitridática]], entre 83 e {{AC|82 a.C.|x}} até ser interrompido por Sula), que iniciou imediatamente a reorganização das províncias da Grécia e da Ásia sob condições duríssimas para seus habitantes{{harvnp|Keaveney|1982|pp=100-105|sp=si}}.
 
Uma vez livre da questão de Mitrídates, Sula saiu em busca de Fímbria. Os dois se encontraram em [[Tiatira]] e, depois do que parece ter sido uma tentativa de negociação, ambas as partes se prepararam para uma batalha, mas Fímbria, sem opções por causa do baixo moral de suas tropas e da superioridade numérica de Sula, se matou quanto suas tropas passaram a desertar em massa, acrescentando à biografia de Sula mais um caso de ''"felicitas"'' ("boa sorte"). Apesar de estar com o caminho livre para voltar à Itália, Sula dedicou algum tempo mais à Ásia e a Atenas, especialmente na reorganização das províncias, preparando o caminho para que um dia pudesse voltar{{harvnp|Keaveney|1982|pp=110-117|sp=si}}.
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{{AP|Segunda Guerra Civil de Sula}}
Em Roma, a situação não poderia ser pior para Sula, ausente até então: o governo que ele havia criado já não existir e ele próprio havia sido condenado à morte ''[[in absentia]]'', enquanto suas propriedades eram arrasadas e sua família, graças a qual havia alcançado o poder, especialmente por causa de sua esposa, que era da poderosa família dos [[Cecílios Metelos]], seus amigos, [[cliente (Roma Antiga)|clientes]] e partidários se viam obrigados a fugir.
 
[[FicheiroImagem:Bell Civ 83 82.PNG|thumb|direita|upright=1|Marcha de Sula até Roma, desde [[Brundísio]] (à direita).]]
 
Como resposta, Sula enviou ao [[Senado Romano]] uma carta bastante arrogante na qual enumerava os serviços que havia prestado à República, reprovava os desmandos de seus adversários consigo e seus aliados e, principalmente, juravam vingança. Atemorizado, o Senado, liderado pelo [[príncipe do senado|príncipe]] [[Lúcio Valério Flaco (cônsul em 100 a.C.)|Lúcio Valério Flaco]], tratou de negociar com Sula um consentimento tácito dos cônsules [[Caio Papírio Carbão]] e [[Cina]], que continuavam com seus preparativos para uma guerra, reunindo um enorme contingente de tropas. Quando a embaixada senatorial alcançou Sula, ele ofereceu o que [[Lívio]] considerou um "acordo razoável": ele se recusou a se submeter a seus inimigos, mas afirmou que não se oporia se o Senado os anistiasse por seus crimes. Negando-se a debandar s eu exército e declarando-se como protetor de um Senador incapaz, Sula exigiu a restauração das posições e propriedades suas e de seus aliados<ref>Keaveney (1982: 117-24) y Lovano (2002: 105-10).</ref>.
 
A morte de Cina durante um motim militar encerrou as negociações e resultou no começo do fim do regime dos ''[[populares]]'': as forças reunidas por Cina começaram a se separar e o crescente mal-estar fez com que muitos passassem para o lado de Sula, incluindo os embaixadores enviados pelo Senado. Ao saber da morte de seu principal adversário, Sula iniciou os preparativos para cruzar de volta para a Itália. Em paralelo, [[Quinto Cecílio Metelo Pio]] se revoltou na estratégica província da [[África romana|África]], [[Crasso]] estava recrutando tropas entre seus [[cliente (Roma Antiga)|clientes]] na [[Hispânia]] e [[Pompeu Magno]] fazia o mesmo em [[Piceno]], território histórico de sua família. Considerando o baixo moral de suas tropas e a insatisfação generalizada da população depois de tantos anos de guerras, a causa dos ''populares'' estava condenada: muitos de seus líderes já haviam percebido e mudaram de lado antes que fosse tarde demais{{harvnp|Keaveney|1982|pp=129-131|sp=si}}.
 
Em {{AC|83 a.C.|x}}, Sula preparou suas cinco legiões e deixou as duas originalmente sob o controle de Fírmia para manter a paz na Ásia Menor. Na primavera, ele cruzou o Adriático com uma grande frota a partir de [[Patras]], a oeste de [[Corinto]], e desembarcou em [[Brundísio]] e [[Taranto]], no "calcanhar" da Itália. Sem encontrar oposição, Sula teve amplas oportunidades para se preparar para a guerra.
 
Em Roma, os recém-eleitos cônsules, [[Lúcio Cornélio Cipião Asiático Asiageno|Cornélio Cipião Asiageno]] e [[Caio Norbano|Norbano]] realizaram um alistamento e prepararam seus exércitos para tentar impedir Sula. Norbano marchou primeiro, com a intenção de bloquear uma avanço sulano até [[Canúsio]]. Duramente derrotado na [[Batalha do Monte Tifata]], Norbano foi forçado a recuar até [[Cápua]], mas não teve tempo para recobrar o fôlego. Sula seguiu seu adversário derrotado e venceu-o novamente logo em seguida. Enquanto isso, Asiageno também marchava para o sul com seu próprio exército. Ele (ou seu exército) demonstrava, porém, pouca disposição para lutar. Na cidade de [[Teano Sidicino]], Sula e Asiageno sentaram para negociar e o cônsul se rendeu sem luta. O exército enviado para acabar com a revolta de Sula tremeu perante uma batalha contra os experientes veteranos e, certamente com o apoio de infiltrados sulanos incitando a revolta, muitos desertaram e se uniram às forças de Sula. Sem exército, Asiageno tinha pouco a fazer senão cooperar e, o relato posterior de [[Cícero]], sugere que os dois chegaram a discutir muitos assuntos sobre o futuro governo romano e a Constituição.
 
Sula permitiu que Asiageno deixasse o acampamento, acreditando piamente em seu apoio. Possivelmente Sula esperava que ele levasse seus termos ao Senado, mas Asiageno, uma vez livre, deixou de lado qualquer ideia de ajudar Sula, que depois deixar claro publicamente que ele iria fazer Asiageno sofrer não apenas por tê-lo enfrentado, mas que qualquer um que continuasse a enfrentá-lo depois desta traição sofreria amargas consequências. Sula venceu três rápidas vitórias em sequência e a situação rapidamente virou em seu favor. Muitos em posições de poder que ainda não haviam escolhido claramente um dos lados, passaram a apoiar Sula. O primeiro destes foi [[Quinto Cecílio Metelo Pio]], que governava a África. O antigo inimigo de Mário e, certamente, de Cina também, liderou uma revolta aberta contra as forças marianas em sua província. Mais apoio chegou de [[Piceno]] e da [[Hispânia]]. Dois dos três futuros [[Primeiro triunvirato|triúnviros]] se juntaram à causa de Sila para tomar o poder. [[Crasso]] marchou com exército da Hispânia e depois teria um papel fundamental na [[Batalha da Porta Colina (82 a.C.)|Batalha da Porta Colina]]. O jovem filho de [[Pompeu Estrabão]] (o "[[Batalha de Ásculo (89 a.C.)|açougueiro de Ásculo]]" durante a Guerra Social), [[Pompeu]], levantou seu próprio exército a partir dos veteranos de seu pai e marchou com Sula. Aos 23 anos e sem jamais ter sido senador, Pompeu entrou à força na cena política com um exército para apoiá-lo.
[[Ficheiro:Murservien planrome2.png|thumb|esquerda|upright=1|Diagrama de Roma na época de Sula, mostrando a [[Porta Colina]] (a porta mais o norte, com o número 1 no contorno vermelho da [[Muralha Serviana]]), onde Sula derrotou as últimas defesas dos ''[[populares]]'' que ainda defendiam a cidade na [[Batalha da Porta Colina (82 a.C.)|Batalha da Porta Colina]].]]
Seja como for, a guerra continuaria com Asiageno alistando mais um exército. Desta vez, ele marchou contra Pompeu, mas, novamente, seu exército o abandonou e desertou para o inimigo. Como resultado, Roma entrou em desespero conforme terminava o ano de 83 a.C. O Senado reelegeu um antigo co-cônsul de Cina, [[Caio Papírio Carbão]], em seu terceiro mandato, e [[Caio Mário, o Jovem]], o filho de 26 anos de [[Caio Mário]]. Na expectativa de inspirar os seguidores de Mário por toda a República, um novo alistamento foi anunciado entre as tribos itálicas que sempre foram leais a ele. Além disto, todos os possíveis simpatizantes de Sula foram assassinados. O [[pretor urbano]] [[Lúcio Júnio Bruto Damásipo]] liderou um massacre dos senadores que pudessem ter inclinações favoráveis aos sulanos, mais outro incidente de assassinato na crescente espiral do uso de violência como instrumento político nos últimos anos da República.
 
[[FicheiroImagem:Murservien planrome2.png|thumb|esquerda|upright=1|Diagrama de Roma na época de Sula, mostrando a [[Porta Colina]] (a porta mais o norte, com o número 1 no contorno vermelho da [[Muralha Serviana]]), onde Sula derrotou as últimas defesas dos ''[[populares]]'' que ainda defendiam a cidade na [[Batalha da Porta Colina (82 a.C.)|Batalha da Porta Colina]].]]
Quando a estação de campanhas de 82 a.C. começou, Carbão levou suas forças para o norte, para enfrentar Pompeu, enquanto Mário seguiu para lutar com Sula no sul. As tentativas de derrotar Pompeu fracassaram e Metelo Pio, com suas forças africanas agora reunidas às de Pompeu, asseguraram o controle do norte da Itália para Sula. No sul, o jovem Mário juntou uma grande força de [[samnitas]] que, certamente perderiam influência com um ''[[optimate]]'' como Sula no comando em Roma. Os dois se encontraram na [[Batalha de Sacriporto]], uma longa e desesperada batalha. No final, muitos dos soldados de Mário desertaram e ele não teve escolha senão recuar para [[Preneste]]. Sula seguiu o filho de seu arqui-rival e [[Cerco de Preneste|cercou a cidade]], deixando um subordinado no comando das operações enquanto ele próprio marchou para o norte para empurrar Carbão, que havia recuado para a [[Etrúria]] para se colocar entre Roma e as forças de Pompeu e Metelo.
 
Seja como for, a guerra continuaria com Asiageno alistando mais um exército. Desta vez, ele marchou contra Pompeu, mas, novamente, seu exército o abandonou e desertou para o inimigo. Como resultado, Roma entrou em desespero conforme terminava o ano de {{AC|83 a.C.|x}} O Senado reelegeu um antigo co-cônsul de Cina, [[Caio Papírio Carbão]], em seu terceiro mandato, e [[Caio Mário, o Jovem]], o filho de 26 anos de [[Caio Mário]]. Na expectativa de inspirar os seguidores de Mário por toda a República, um novo alistamento foi anunciado entre as tribos itálicas que sempre foram leais a ele. Além disto, todos os possíveis simpatizantes de Sula foram assassinados. O [[pretor urbano]] [[Lúcio Júnio Bruto Damásipo]] liderou um massacre dos senadores que pudessem ter inclinações favoráveis aos sulanos, mais outro incidente de assassinato na crescente espiral do uso de violência como instrumento político nos últimos anos da República.
 
Quando a estação de campanhas de {{AC|82 a.C.|x}} começou, Carbão levou suas forças para o norte, para enfrentar Pompeu, enquanto Mário seguiu para lutar com Sula no sul. As tentativas de derrotar Pompeu fracassaram e Metelo Pio, com suas forças africanas agora reunidas às de Pompeu, asseguraram o controle do norte da Itália para Sula. No sul, o jovem Mário juntou uma grande força de [[samnitas]] que, certamente perderiam influência com um ''[[optimate]]'' como Sula no comando em Roma. Os dois se encontraram na [[Batalha de Sacriporto]], uma longa e desesperada batalha. No final, muitos dos soldados de Mário desertaram e ele não teve escolha senão recuar para [[Preneste]]. Sula seguiu o filho de seu arqui-rival e [[Cerco de Preneste|cercou a cidade]], deixando um subordinado no comando das operações enquanto ele próprio marchou para o norte para empurrar Carbão, que havia recuado para a [[Etrúria]] para se colocar entre Roma e as forças de Pompeu e Metelo.
 
Várias batalhas indecisivas foram travadas entre as forças de Carbão e Sula, mas Carbão sabia que lutava por uma causa perdida. Notícias chegaram sobre a derrota de Norbano na Gália e que ele também havia desertado para o lado de Sula. Carbão, encurralado entre exércitos inimigos e sem chances de ser resgatado, fugiu para a África. Mas ainda não era o fim da resistência, porém, e o que restava das forças marianas se juntaram e tentaram várias vezes libertar o jovem Mário em Preneste. Uma força samnita sob o comando de [[Pôncio Telesino]] se juntou ao esforço, mas nem mesmo os dois exércitos combinados foram capazes de derrotar Sula e, ao invés de ficar tentando resgatar Mário, Telesino marchou para o norte para ameaçar Roma.
 
Em 1 de novembro de {{AC|82 a.C.|x}}, as duas forças se encontraram na [[Batalha da Porta Colina (82 a.C.)|Batalha da Porta Colina]], que recebeu este nome por ter sido travada perto da [[Porta Colina]] da [[Muralha Serviana]] de Roma. O confronto foi uma gigantesca e desesperada tentativa final, com ambos os lados lutando com a certeza de que sua vitória salvaria Roma. Sula estava sendo fortemente pressionado em seu flanco esquerdo, numa situação tão perigosa que ele e seus homens foram empurrados contra a muralha. As forças de Crasso, lutando à direita de Sula, porém, conseguiram atacar o flanco adversário e forçaram um recuo. As forças samnitas e marianas foram curvadas e suas linhas se romperam. No final, mais de {{fmtn|50000}} combatentes perderam a vida e Sula conquistou a cidade de Roma<ref>Keaveney (1982: 129-47).</ref>.
 
Nesta última, Sula capturou {{fmtn|12000}} ''populares'', que foram presos no [[Campo de Marte (Roma)|Campo de Marte]]. {{fmtn|3000}} deles foram executados logo no dia seguinte, apesar de terem implorado, em vão, por suas vidas. Seus gritos e lamentos chegaram aos ouvidos da cidade, já aterrorizada, e do Senado reunido. Sula se divertiu com este terror entre os senadores, mas os acalmou<ref>[[Plutarco]], ''Sula'', 30.</ref>.
 
Porém, fora da cidade de Roma, os partidários de Sula tiveram ainda que submeter, nos meses seguintes, algumas cidades da Itália ainda revoltadas, como [[Preneste]], onde estava cercado Caio Mário, o Jovem, [[Nola]], refúgio dos [[samnitas]], [[Volterra]], na [[Etrúria]], que se defendeu com êxito em {{AC|79 a.C.|x}}, e [[Isérnia]], tomada à força por [[Catilina]]<ref>Keaveney (1982: 197-8).</ref>. Mário se suicidou depois que as tentativas de libertá-lo fracassaram e, depois que Preneste caiu, {{fmtn|5000}} prenestinos, a quem [[Públio Cornélio Cetego]], um antigo mariano convertido à causa de Sula, havia dado esperanças de salvação, foram levados para fora da muralha e, apesar de terem baixado suas armas e ajoelhado aos pés de Sula, este ordenou que fossem todos executados e que seus corpos fossem espalhados por todo território da cidade<ref>[[Apiano]], ''[[Bellum Civile]]'' I, 94.</ref>. Em paralelo, Pompeu conquistou a Sicília e a África, encerrando a revolta. Foi depois da morte de Mário que Sula assumiu pela primeira vez o [[agnome]] de ''"Félix"''.
 
== Ditadura ==
[[FicheiroImagem:Roma, repubblica, moneta di l. cornelius sulla e l. manlius torquatus, 82 ac., oro.JPG|thumb|direita|Imagem de uma [[quadriga]] numa moeda de ouro romana da época da vitória de Sula, que pode ser uma imagem de seu magnífico [[triunfo romano|triunfo]], realizado para celebrar suas vitórias tanto no oriente, contra Mitrídates, quando na própria Itália, contra os ''[[populares]]'' e o final da [[Segunda Guerra Civil de Sula|guerra civil]].]]
A vitória de Sula foi seguida de sua nomeação para uma [[ditador romano|ditadura]] por prazo indeterminado. Quando Sula convocou a reunião do Senado no [[Templo de Belona]], poucos dias depois de sua entrada em Roma, seus poderes se limitavam ao comando [[procônsul|proconsular]] sobre suas tropas. Do ponto de vista forma, o governo legítimo de Roma estava investido unicamente nos cônsules, um dos quais, [[Caio Papírio Carbão]], estava foragido na África e o outro, [[Caio Mário, o Jovem]], havia se matado em [[Preneste]]. Assim, era óbvio que não havia cônsules e Roma, sem governo legal, estava sob o comando legal de um procônsul formalmente declarado ''"hostis rei publicae"'' e que, por falta de derrogação oficial, seguia sendo. Quando não havia cônsules, o Senado, seguindo a tradição, nomeou um ''[[interrex]]'', cuja função era convocar e presider as eleições dos [[magistratura romana|novos magistrados]]. A eleição recaiu sobre o [[príncipe do senado]], [[Lúcio Valério Flaco (cônsul em 100 a.C.)|Lúcio Valério Flaco]]. Com todo o poder concentrado nas mãos de Sula, nada podia, naquele momento, se opor à sua vontade. Esperava-se que o vencedor pusesse de novo em andamento a máquina estatal convocando novas eleição e que o próprio Sula, como antes havia feito Cina, nomeasse os cônsules. Mas ele queria tentar um reordenamento e uma reforma da República, já em declínio, já que as instituições tradicionais já não pareciam suficiente para agir. Era necessário um poder extraordinário, acima do aparato estatal, e Sula acreditou tê-lo encontrado (supondo que ele respeitava, apesar de tudo, as formas constitucionais) num magistratura antiga de caráter extraordinário, que, apesar de reconhecida constitucionalmente, havia caído no esquecimento desde 216 a.C.: a [[ditadura romana|ditadura]].
 
A vitória de Sula foi seguida de sua nomeação para uma [[ditador romano|ditadura]] por prazo indeterminado. Quando Sula convocou a reunião do Senado no [[Templo de Belona]], poucos dias depois de sua entrada em Roma, seus poderes se limitavam ao comando [[procônsul|proconsular]] sobre suas tropas. Do ponto de vista forma, o governo legítimo de Roma estava investido unicamente nos cônsules, um dos quais, [[Caio Papírio Carbão]], estava foragido na África e o outro, [[Caio Mário, o Jovem]], havia se matado em [[Preneste]]. Assim, era óbvio que não havia cônsules e Roma, sem governo legal, estava sob o comando legal de um procônsul formalmente declarado ''"hostis rei publicae"'' e que, por falta de derrogação oficial, seguia sendo. Quando não havia cônsules, o Senado, seguindo a tradição, nomeou um ''[[interrexinter-rei]]'', cuja função era convocar e presiderpresidir as eleições dos [[magistratura romana|novos magistrados]]. A eleição recaiu sobre o [[príncipe do senado]], [[Lúcio Valério Flaco (cônsul em 100 a.C.)|Lúcio Valério Flaco]]. Com todo o poder concentrado nas mãos de Sula, nada podia, naquele momento, se opor à sua vontade. Esperava-se que o vencedor pusesse de novo em andamento a máquina estatal convocando novas eleição e que o próprio Sula, como antes havia feito Cina, nomeasse os cônsules. Mas ele queria tentar um reordenamento e uma reforma da República, já em declínio, já que as instituições tradicionais já não pareciam suficiente para agir. Era necessário um poder extraordinário, acima do aparato estatal, e Sula acreditou tê-lo encontrado (supondo que ele respeitava, apesar de tudo, as formas constitucionais) num magistratura antiga de caráter extraordinário, que, apesar de reconhecida constitucionalmente, havia caído no esquecimento desde {{AC|216 a.C.|x}}: a [[ditadura romana|ditadura]].
O ''interrex'' Valério Flaco recebeu uma carta de Sula na qual ele sugeria que, dada a situação, se fazia necessário eleger um ditar por um prazo indeterminado, mas suficiente para restaurar a ordem governamental destruída pela guerra civil. Nesta carta, Sula se auto-nomeava como o melhor candidato ao posto e declarava estar disposto a ser escolhido. Flaco então propôs ao povo a ''[[Lex Valeria de Sulla Dictatore]]'' (dezembro de 82 a.C.) para nomear Sula ''"dictator legibus scribundis et rei publicae constituendae"'', ou seja, "ditador para a promulgação de leis e organização do estado". A [[Assembleia das centúrias]] aprovou a lei e o Senado a ratificou.
 
O ''interrex''inter-rei Valério Flaco recebeu uma carta de Sula na qual ele sugeria que, dada a situação, se fazia necessário eleger um ditar por um prazo indeterminado, mas suficiente para restaurar a ordem governamental destruída pela guerra civil. Nesta carta, Sula se auto-nomeava como o melhor candidato ao posto e declarava estar disposto a ser escolhido. Flaco então propôs ao povo a ''[[Lex Valeria de Sulla Dictatore]]'' (dezembro de {{AC|82 a.C.|X}}) para nomear Sula ''"dictator legibus scribundis et rei publicae constituendae"'', ou seja, "ditador para a promulgação de leis e organização do estado". A [[Assembleia das centúrias]] aprovou a lei e o Senado a ratificou.
 
Apesar desta cobertura legal, a ditadura de Sula tinha pouca coisa em comum com a antiga magistratura. O seis meses que a tradição impunha como duração máxima se converteram em prazo indefinido (apesar de não ser vitalício) e suas prerrogativas, ilimitadas, tinham o efeito prático de converter o ditador num monarca não coroado. Apesar disto, a própria evolução do regime de Sula indica que o ditador de fato só deseja governar pelo tempo necessário. Apesar de somente na forma e, especialmente, pelas intenções de restaurações da legalidade republicana, era preciso respeitar as instituições tradicionais. Por isso, pouco depois de investir a ditadura, Sula prescindiu do direito de nomear os cônsules e convocou a [[Assembleia das centúrias]] para realização de novas eleições. O resultado foi a vitória de dois candidatos do próprio ditador, [[Cneu Cornélio Dolabela]] e [[Marco Túlio Décula]].
 
Foi somente então que se realizou um impressionante [[triunfo romano|triunfo]] sobre a vitória contra Mitrídates, que durou dois dias (29-30 de março de {{AC|81 a.C.|X}}). Votado e financiado pelo Senado, foi o mais luxuoso da história da cidade até então. No primeiro dia foram exibidos quadros, inscrições e objetos que representavam as campanhas gregas e asiáticas, assim como o butim amealhado, com destaque para as {{fmtn|15000}} [[libra romana|libras]] de ouro e {{fmtn|150000}} de prata. No segundo dia foi celebrado o cortejo liderado pela [[quadriga]] de Sula, rodeada por todos os grandes personagens romanos que lhe deviam a graça do retorno a Roma.
 
Pouco depois, se acrescentou, com o consentimento complacente da [[Assembleia popular]], o [[agnome]] oficial de "Félix" ({{lang-la|''Felix''}}) e outras honras, inclusive o direito de fazer-se acompanhar por 24 [[lictor]]es (os cônsules só tinham direito a doze). O culto à personalidade servia tanto para satisfazer sua vaidade pessoal como para reforçar o Estado ao prestigiar e envolver com um caráter sobre-humano os que pretendiam restaurar a antiga República. Uma propaganda bem orquestrada, especialmente nas cunhagens de novas [[moedas romanas]], que apresentava Sula como um líder eleito pelos [[deuses romanos|deuses]], salvador e vencedor, um novo [[fundador de Roma]].
 
=== Proscritos ===
[[FicheiroImagem:Temple of Saturn in Fori Imperiali at Night.jpg|thumb|esquerda|upright=1.3|Sula proscreveu centenas de inimigos e confiscou suas terras e riquezas, reforçando o [[Erário de Saturno]], o tesouro público romano que ficava abrigado no [[Templo de Saturno]], no [[Fórum Romano]], cujas ruínas ainda existem. Segundo [[Lívio]], mais de 350 milhões de [[sestércio]]s foram obtidos desta forma.]]
 
O regime de Sula se apoiou no terror e numa brutal política de [[proscrição|proscrições]]. No mesmo dia de sua entrada em Roma, 2 de novembro, Sula reuniu o Senado para conseguir a ratificação de seus atos realizados como [[procônsul]], mas não conseguiu obter dos ''[[pater familias|pater familiae]]'' os meios legais para conseguir formalizar um expurgo, que era o seu desejo. Em 3 de novembro, ele reuniu as [[Assembleia (Roma Antiga)|assembleias]] e proferiu terríveis ameaças contra seus inimigos. Rapidamente apresentou ao público a proscrição de 80 senadores e 440 [[ordem equestre|equestres]]. Por não ter recebido do Sendo o direito legal de eliminar seus adversários, Sula inventou um meio novo de realizar seus objetivos, a proscrição, que, segundo ele, era um expurgo controlado com o objetivo de controlar os massacres.
 
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Quanto aos cidadãos marianos que não pertenciam às ordens senatorial ou equestre, eles sofreram apenas diligências e buscas judiciais. A ''lex Cornelia de proscriptione'', que tinha caráter retroativo, permitia a [[execução sumária]] e o assassinato impune de qualquer romano ou italiano suspeito de ter colaborado com o ''[[Regnum Cinnanum]]'' (o regime de [[Cina]]). A lei estipulava com precisão as condições de confisco e venda pública dos bens dos proscritos, assim como o tratamento reservado a ser dispendido a seus descendentes, que perdia o direito de residência, a [[cidadania romana]] e o direito de aceder a qualquer cargo público.
 
[[Lívio]] afirma que, com as vendas dos bens confiscados, o [[Erário de Saturno|tesouro público]] encheu seus cofres com 350 milhões de sestércios. Seja como for, os mais beneficiados foram os assassinos, o próprio Sula e seus aliados, que compravam propriedades a preços ridículos. Crasso amealhou uma grande fortuna nesta época. Além disto, os escravos destes proscritos se converteram em [[liberto (Roma Antiga)|liberto]]s a serviço de Sula: os ''Cornelii''Cornélios, que chegaram ao número de {{fmtn|10000}}, atuando como exército privado e guarda pessoal do ditador: uma verdadeira polícia política. As fontes coincidem nos relatos de diversos massacres, crimes e vinganças cometidos pelos sequazes de Sula sob a ''lex Cornelia de proscriptione''. Seu regime não perdoou nem aos mortos, já que as cinzas de Caio Mário foram exumadas e atiradas no [[Ânio]]. No total, fala-se em 80 senadores, {{fmtn|1600}} equestres e {{fmtn|4700}} cidadãos mortos ou exilados ao longo da ditadura de Sula, uma cifra muito inferior às indicadas nas fontes contrárias a Sula e autores modernos.
 
Os massacres terminaram oficialmente 1 de julho de {{AC|81 a.C.|X}}, mas a posterior ''[[Lex maiestate]]'' abriu a possibilidade de novas execuções, pois passou a se considerar como crime o recrutamento ilegal de tropas, o início de uma guerra sem a autorização do Senado, a entrada de um magistrado proconsular com suas tropas na [[Itália romana|Itália]] (cuja fronteira era o curso dos rios [[Arno]] e [[Rubicão]]), a invasão de uma província com tropas de outra província, o abandono do governo provincial antes da chegada do novo governador ou a invasão de tropas romanas a um reino aliado. O governador acusado de ''"de maiestade"'' poderia ser condenado com a perda da cidadania e o exílio permanente.
 
A proscrição não afetou somente Roma: os [[sócios (Roma Antiga)|italianos]] que apoiaram o regime de Cina foram brutalmente reprimidos e castigados. As terras dos [[samnitas]] fora devastadas e as cidades [[etruscas]] que haviam apoiado [[Caio Papírio Carbão]], como [[Volterra]], [[Arrécio]] e [[Fésulas]], perderam território, que fio repartido entre os veteranos de Sula com a fundação de novas colônias militares.
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Em paralelo às suas famosas proscrições, Sula levou adiante uma série de reformas institucionais e políticas para restaurar o estado e promulgar leis. Profundamente conservadoras por um lado, havia nestas reformas um espírito de concórdia, em especial ao tratar da integração dos [[sócio (Roma Antiga)|aliados italianos]] nas instituições romanas.
==== Magistratura ====
Primeiro, com o objetivo de devolver ao Senado a autoridade absoluta, perdida durante o regime dos ''populares'', Sula publicou um ''lectio Senatus'' em {{AC|81 a.C.|X}}, elevando o já reduzido número de senadores (ele próprio havia executado cerca de 90 senadores e 15 consulares) dos 300 habituais para 600, com a inclusão da eleiteelite dos [[ordem equestre|cavaleiros]], incluindo membros italianos. A lista senatorial foi completada com alguns oficiais do exército de Sula no oriente (como [[Lúcio Licínio Lúculo|Lúculo]], por exemplo) e também foi aumentada a velocidade de ingresso: os 20 questores passaram a fazer parte do Senado, renovando-se assim as baixas produzidas pela morte natural e diminuindo muito o poder dos [[censor romano|censores]].
 
Por outro lado, sujeitos a ''Lex Cornelia iudiciaria'', os ''[[pater familia|patres]]'' monopolizaram os tribunais de justiça, que desde a época de [[Caio Graco]] estavam sob controle dos equestres. Nenhuma ''[[rogatio]]'' poderia ser submetida às [[assembleia (Roma Antiga)|assembleias]] sem um acordo prévio, o que, de fato, repelia a ''[[Lex Hortensia]]'' de {{AC|287 a.C.|x}}.
 
As [[magistratura romana|magistraturas]] também foram reformadas pela ''Lex Cornelia de magistratibus'', na qual Sula estabelecia claramente a ordem das magistraturas do ''[[cursus honorum]]'', a idade mínima para aceder à cada cargo e o intervalo temporal entre um cargo e o seguinte. O número de titulares foi aumentado e as magistraturas ''cum [[imperium]]'' na [[Itália romana]] foram privadas do ''imperium militiae'', ou seja, do comando das legiões.
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==== Reforma provincial ====
Por meio da ''Lex Cornelia de provinciis ordinandis'', Sula tentou proteger o Senado da formação de facções poderosas nas [[província romana|províncias]] e da ameaça dos exércitos provinciais (algo que ele próprio havia feito). Roma passava a comandar diretamente dez províncias, chamadas de "províncias senatoriais": [[Sicília (província romana)|Sicília]], [[Córsega e Sardenha]], [[Gália Cisalpina]], [[Gália Transalpina]], [[Hispânia Citerior]], [[Hispânia Ulterior]], [[Ilírico (província romana)|Ilírico]], [[Macedônia (província romana)|Macedônia]], [[Acaia (província romana)|Acaia]] e [[Ásia (província romana)|Ásia]] (além da [[Cilícia]], que só seria constituída como província em {{AC|63 a.C..|X}}). Elas seriam governadas pelos dois cônsules e os oito [[pretor]]es ao final de seus mandatos em Roma.
 
==== Leis menores ====
Sula também aperfeiçoou o processo penal, compilando um autêntico código jurídico e plantou as bases para as legislações futuras de [[Júlio César]] e [[Augusto]]. Finalmente, ele distribuiu {{fmtn|120000}} veteranos em terras confiscadas na [[Etrúria]] e na [[Campânia]], além de limitar a autonomia dos municípios romanos. Além disto, ele reescreveu diversas leis menores que tratavam dos mais diversos aspectos da sociedade romana. A ''lex Cornelia de sacerdotiis'' repeliu a ''Lex Domitia'' ({{AC|104 a.C.|X}}), que estabelecia a eleição na [[Assembleia das centúrias]] do [[pontífice máximo]]. O número de [[pontífice romano|pontífices]] e [[áugure]]s passou a ser quinze, o mesmo ocorrendo com os [[decênviros dos fatos sagrados]] (''decemviri sacris faciundis''), que passaram a ser chamados de [[quindecênviros]]. Vários templos foram restaurados, incluindo o [[Templo de Júpiter Máximo]], incendiado em {{AC|82 a.C.|X}}, e foram realizadas diversas festividades públicas que, sem perder o caráter religioso, tinham claramente fins populistas. Numa delas, morreu de uma enfermidade, a esposa de Sula, [[Cecília Metela Dalmática]]. Ele, por motivos religiosos, se viu obrigado a repudiá-la no leito de morto, mas não economizou gastos para honrar sua memória.
Foram publicadas a ''Lex Cornelia de adulteriis et pudecitia'', contra a imoralidade e a pureza do matrimônio, a ''lex Cornelia sumptuaria'', que, assim como uma lei anterior, tentava impor limite ao luxo dos banquetes e cerimônias públicas, uma nova ''Lex Frumentaria'', que aboliu a distribuição de trigo subvencionada pelo Estado, um costume que remontava à época de [[Caio Graco]], pois geravam um custo enorme para o [[Erário de Saturno|erário público]] e haviam se transformado num instrumento político populista e corrupto, e a ''Lex Cornelia de falsis'', a primeira legislação romana contra a falsificação de dinheiro.
 
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== Aposentadoria e morte ==
Depois da morte de Cecília Metela, Sula casou-se, em condições românticas, com uma bela e muito jovem donzela, [[Valéria Messala]], filha do cônsul de {{AC|61 a.C.|x}}, [[Marco Valério Messala Níger]]. Durante uns [[jogos gladiatoriais]], Valéria se sentou casualmente ao lado de Sula e, segundo Plutarco:
{{citação2|...esticou sua mão até ele e arrancou um pedaço de sua [[toga]] antes de seguir até seu assento. Sula virou-se para observá-la com ar de estranheza e ela disse: «Não há mal nenhum, general! Só quero ter comigo um pouco de sua sorte!». Sula a olhou com gosto e ainda revelou claramente que ela o havia impressionado, pois imediatamente buscou, reservadamente, se informar sobre seu nome e averiguar sua linhagem e conduta. Se seguiram depois muitas olhadas de um para o outro, um frequente virar de olhos, troca de sorrisos e, finalmente, conversas e concertos matrimoniais, da parte dela sem mácula; mas para Sula, ainda que tenha se engraçado com uma mulher pudica e ilustre, a origem deste enlace não foi modesto e nem decente, o que permitiu que se dissesse que ele havia se deixado atrair, como um moçoilo, de um olhar e um certo gracejo, dos quais costumam surgir as paixões mais desordenadas e vergonhosas.|[[Plutarco]]|''Sula'' 25.<ref>[[Plutarco]], ''Sila'' 25.</ref>}}
 
Foi com grande surpresa que Sula renunciou repentinamente à ditadura e entregou o poder, convertendo-se novamente num simples cidadão privado. A data é, porém, objeto de grande controvérsia e, na prática, já foram sugeridas todas as opções possíveis. São duas as datas consideradas mais prováveis, porém. Por um lado autores como [[Ernst Badian]] sugerem que Sula teria se retirado da política paulatinamente, primeiro deixando a ditadura no final de {{AC|81 a.C.|x}}, assumindo um consulado em {{AC|80 a.C.|x}} com [[Quinto Cecílio Metelo Pio]] (seu antigo sogro) e, finalmente, abandonando a política em {{AC|79 a.C.|x}}. Porém, já que [[Apiano]] afirma categoricamente que Sula ainda era ditador quando assumiu o consulado, outros historiadores datam sua renúncia no final de {{AC|79 a.C.|x}}., coincidindo com o término do ano seu mandato legal e com a proclamação dos novos cônsules. Entre as duas opções, muitas outras foram propostas sugerindo a abdicação em algum momento entre {{AC|80 a.C.|x}} (julho ou agosto), mas antes das eleições consulares para o ano seguinte, data na qual já era um simples cidadão. Apesar da pouca informação disponível, a abdicação de todos os poderes públicos e a aposentaria do ditador já suscitaram as mais diversas hipóteses para os motivos de Sula.
 
[[FicheiroImagem:Comic History of Rome p 274 Funeral Pile of Sulla.JPG|thumb|direita|uprigth=.8|Imagem humorística da cremação de Sula. Segundo [[Cícero]], seu epitáfio, escrito por ele mesmo, teria sido "Ninguém foi tão bom com seus amigos e tão mau com seus inimigos".<br><small>John Leech, from: The Comic History of Rome by Gilbert Abbott A Beckett. Bradbury, Evans & Co, London, 1850s</small>.]]
 
Seja como for, ele abdicou de todos os poderes perante a [[Assembleia popular (Roma)|Assembleia popular]], sem aceitar sequer o [[procônsul|proconsulado]] na [[Gália]], manifestando sua disposição de prestar contas de sua gestão perante a opinião pública. Ao não receber nenhuma pergunta, Sula despediu-se de seus [[lictor]]es e voltou para casa. Conta Plutarco:
{{citação2|...até aquele momento, tinha mais confiança em sua [[Fortuna (mitologia)|Fortuna]] [(sorte)] do que em seus próprios atos pois, apesar de ter matado tantos e realizado tantos transtornos e mudanças no Estado, renunciou ao poder, deixou ao povo, árbitro e dono de suas assembleias populares, e não participou mais nas eleições, passeando pelo [[Fórum Romano]] como um simples cidadão, expondo-se a esbarrões e insultos.|[[Plutarco]]|''Sula'' 34<ref>Plutarco, ''Sila'' 34.</ref>}}
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Sula morreu de uma terrível enfermidade, descrita em detalhes por [[Plutarco]]<ref>[[Plutarco]], ''Sula'', 46.</ref>, possivelmente algum tipo de [[câncer intestinal]]. Nas palavras atribuídas por [[Salústio]] a Sula, ele teria dito que sua vida poderia ser extinta a qualquer momento pela doença<ref>[[Salústio]], ''Bellum Iugurthinum'', 106.</ref> e no fato de [[Plutarco]] afirmar que Sula já conhecia de antemão seu próprio fim<ref>[[Plutarco]], ''Sula'', 37.</ref>, é possível concluir que o ditador padecia da doença já desde o início de seu ''[[cursus honorum]]'' e sabia perfeitamente da sua gravidade.
 
Depois de sua morte, em {{AC|78 a.C.|x}}, e diante das dúvidas sobre o que deveria ser feito com seu corpo, um grupo de seus veteranos o levou de sua ''villa'' até o [[Campo de Marte (Roma)|Campo de Marte]] romano, onde foi construída uma grande pira funerária para incinerar o corpo do grande ex-ditador, sepultando em seguida as suas cinzas. Seu [[epitáfio]], criado pelo próprio Sula, afirmava que ninguém havia feito tão bem a seus amigos e nem tão mal a seus inimigos<ref>[[Plutarco]], ''Sula'' 38.</ref>.
 
== Aparência física ==
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== Legado ==
[[FicheiroImagem:Pompeia-Q P.jpg|thumb|direita|upright=1|[[Pompeia (esposa de Júlio César)|Pompeia]], neta de Sula e segunda esposa de [[Júlio César]].<ref>[[Gravura]] no ''[[Promptuarii Iconum Insigniorum]]'' (1553).</ref>]]
 
Sula é geralmente tido como tendo firmado o precedente para a marcha de César sobre Roma e sua subsequente ditadura. [[Cícero]] comente que [[Pompeu]] teria dito ''"Se Sula pode, por que eu não posso?"<ref>{{cite book|author=Arthur Keaveney|title=Sulla, the last republican|url=https://books.google.com/books?id=1DwOAAAAQAAJ&pg=PA228|accessdate=10 August 2011|year=1982|isbn=978-0-7099-1507-2|pages=228–|language = inglês}}</ref>. Sula demonstrou o que poderia ser feito e, portanto, inspirou outros a tentar; e, por isto, tem sido considerado como mais um passo na inevitável queda da [[República Romana]].
 
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=== Família ===
Segundo [[Plutarco]], foi por conta da inclinação de Sula por pessoas vulgares a responsável pela sua promiscuidade sexual. Apesar de ter tido esposas legítimas, Sula parece ter compartilhado seu leito com pessoas de má fama, como a prostituta grega "Nicópolis" e o jovem ator Metróbio. Porém, não devemos considerar como defeito de caráter seus repetidos casamentos, pois, como era comum com outros romanos de sua época e condição social, Sula empregou o casamento como meio para fomentar as relações sociais e, consequentemente, para reforçar suas possibilidades de avanço em seu ''[[cursus honorum]]''. Infelizmente, sabe-se muito pouco sobre suas esposas e é difícil não somente estabelecer suas identidades como até mesmo a quantidade de vezes que se casou. Como era de se esperar, a principal fonte para a vida delas é Plutarco, que informa que Sula casou-se três (ou duas) vezes antes de {{AC|89 a.C.|X}} e mais outras duas vezes entre esta data e sua morte.
* IliaÍlia: é possível que seu nome seja uma [[corruptela]] de [[Júlia César, a Jovem (tia de Júlio César)|Júlia (''Iulia'')]], da família dos [[Júlio Césares]], o que explicaria a proximidade inicial entre Sula e [[Caio Mário|Mário]], que era casado também com uma Júlia, [[Júlia César (esposa de Caio Mário)|Júlia César]], tia de [[Júlio César]], além de explicar a sua inexplicável posição de questor na [[Guerra contra Jugurta]]. Deste casamento, Sula teve dois filhos:
** [[Cornélia Sula]], casou-se pela primeira vez com [[Quinto Pompeu Rufo, o Jovem]], e, depois, com [[Mamerco Emílio Lépido Liviano]]; mãe de [[Pompeia Sila]], segunda esposa do ditador [[Júlio César]].
** Lucio Cornelio Sula, morto na infância.
* Clélia ou Élia. Sula divorciou-se dela por [[esterilidade]].
* [[Cecilia Metela Dalmática]], viúva de [[Marco Emílio Escauro (pretor em 56 a. C.)|Marco Emílio Escauro]], pretor em {{AC|56 a.C.|x}}, e filha do influente [[Lúcio Cecílio Metelo Dalmático]], cônsul em {{AC|119 a.C.|x}}. Tiveram dois gêmeos:
** [[Fausto Cornélio Sula (senador)|Fausto Cornélio Sula]], um senador romano, cunhou moedas com o nome do pai;
** [[Fausta Cornélia]], casada com [[Tito Ânio Papiano Milão]], pretor em {{AC|54 a.C.|x}}.
* [[Valéria Messala]], filha de [[Marco Valério Messala Níger]], cônsul em {{AC|61 a.C.|x}}, e irmã de [[Quinto Hortênsio Hórtalo]], cônsul em {{AC|69 a.C.|x}}. Um filho:
** [[Póstuma Cornélia Sula]], nascida depois da morte do pai.
 
Entre seus descendentes, haveria ainda mais quatro consulares: [[Lúcio Cornélio Sula Fausto|Lúcio Cornélio Sula Fausto]] ({{AC|5 a.C.|X}}), [[Fausto Cornélio Sula (cônsul em 31)|Fausto Cornélio Sula]] ({{DC|31 d.C.|x}}), [[Lúcio Cornélio Sula Felix]] (33) e [[Fausto Cornélio Sula Felix]] (52). Este último era marido de [[Cláudia Antônia]], filha do [[imperador romano]] [[Cláudio]], e sua execução, em 62, por ordens do imperador [[Nero]] marcaria o fim dos Cornélios Sulas.
 
== Ver também ==