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A '''Liga Etrusca''' foi uma suposta [[federação]] estabelecida entre as [[cidades-Estado]] [[etruscos|etruscas]].
 
Não sobrevive nenhum registro etrusco que ateste a formação ou atividade desta organização, e tudo o que se sabe dela vem de escritores romanos, que deixaram várias passagens a seu respeito. Segundo os romanos, a Liga tradicionalmente era composta de doze ou quinze das mais importantes cidades-Estado etruscas, mas essa composição não é conhecida integralmente, e é provável que ela tenha mudado várias vezes e incorporado mais do que doze membros. Os primeiros registros sobre a Liga aparecem em 434 a.C., em uma fase em que já estava avançada a organização urbana, social e política da [[Etrúria]].<ref>Alonso, Francisco Gracia & Cabrillana, Glòria Munilla. ''Protohistoria: pueblos y culturas en el Mediterráneo entre los siglos XIV y II a.C.'' Edicions Universitat Barcelona, 2004, pp. 518-519 </ref><ref>Rodríguez, Julián Espada. ''Los dos primeros tratados romano-cartagineses''. Edicions Universitat Barcelona, 2013, pp. 142-143 </ref>
 
Um relato de [[Tito Lívio]] refere a Liga como uma federação (''foedus'') ou conselho (''concilium''), termos que naquela época significavam uma aliança mais ou menos frouxa e temporária,<ref name="Gillett">Gillett, Miriam. [http://www.web.uwa.edu.au/__data/assets/pdf_file/0007/1590487/The-Etruscan-League-reconsidered.pdf "The ‘Etruscan League’ Reconsidered"]. In: ''31st conference of the Australasian Society for Classical Studies''. University of Western Australia, 02-05/02/2010</ref> mas formou-se uma imagem semi-lendária de uma aliança forte e permanente, que estabelecia diretrizes gerais para todos os etruscos em assuntos religiosos, econômicos, militares e políticos, quase aproximando-se do conceito de uma [[nação]]. Os reis ou representantes das cidades alegadamente se encontravam uma vez por ano, e elegiam um rei ou líder pan-etrusco com mandato anual. A reunião se realizava num grande santuário dedicado ao deus [[Voltumna]]. Paralelamente acontecia um festival que atraía multidões e incluía jogos atléticos, representações de teatro e celebrações religiosas, bem como ensejava-se a formação de uma grande feira comercial.<ref>Roncalli, Francesco. "Ripensare Volsinii, la cittá del Fanum Voltumnae". In: Della Fina, Giuseppe M. (ed.). ''Il Fanum Voltumnae e i santuari comunitari dell'Italia antica''. Atti del ''19° Convegno internazionale di studi sulla storia e l'archeologia dell Etruria'' (2011). Quasar, 2012, p. 183-201</ref><ref>Haynes, Sybille. ''Etruscan Civilization: A Cultural History''. Getty Publications, 2005, pp. 135-137 </ref>
 
Parte da mitificação da Liga pode ter acontecido por uma confusão de magistraturas. A organização política da Etrúria mudou significativamente ao longo do tempo, desde que os etruscos surgiram como uma coletividade de aldeias agrárias e mineradoras até se imporem na região central da [[península Itálica]] como um conjunto de cidades-Estado ricas e poderosas que era independentes entre si, mas compartilhavam uma mesma cultura geral e a mesma língua e religião. As cidades foram governadas inicialmente por uma [[aristocracia]], de onde saía um rei, ''zilath'', que acumulava as funções de [[chefe de Estado]], [[chefe de Governo]], comandante das forças armadas e provavelmente sacerdote. Seus símbolos de autoridade, um manto púrpura, uma coroa de ouro, um trono de marfim e um ''[[fascio]]'' carregado por [[litor]]es, serviram de modelo para os romanos. Entre os séculos VI e V a.C. a aristocracia começou a contestar o poder absoluto dos reis, e formou-se uma classe média que passou a competir com os aristocratas no controle da política e do exército. As monarquias eventualmente foram extintas, e na fase republicana o cargo de ''zilath'' tornou-se eletivo e temporário, em geral ocupado pela aristocracia, e ao que parece com funções semelhantes às dos [[pretor]]es romanos. ''Zilath mechl rasnal'' tem sido traduzido como "rei" ou "pretor dos etruscos", e interpretado como uma evidência da existência da Liga sob o comando de um líder único.<ref name="Becker"/><ref name="Scullard">Scullard, H. H. ''A History of the Roman World 753-146 BC''. Routledge, 2014, cap. 8, s/pp. </ref> Depois que a Etrúria foi conquistada pelos romanos, as antigas cidades-Estado se tornaram sedes provinciais, governadas por magistrados romanos que de certa forma "ressuscitaram" a Liga. Entre esses magistrados estava um [[edil]], durante a [[dinastia Júlio-Claudiana]], e na [[Adriano|era de Adriano]], um ''pretor dos 15 Povos da Etrúria'', interpretado como um equivalente de ''zilath mechl rasnal''. Porém, a tradução dos títulos etruscos é controversa, e a equivalência com os títulos romanos é igualmente incerta. Provavelmente o edil e o pretor estivessem mais envolvidos com atividades religiosas e espetáculos públicos, e podem ser interpretações romanas não muito exatas das magistraturas etruscas, criadas para acomodar antigas tradições das populações locais sob um novo governo. É possível também que houvesse várias categorias de ''zilath'' e o ''zilath mechl rasnal'' fosse um rei de apenas uma cidade, que tinha autoridade reconhecida por outros ''zilath'' menores que administravam frações de seu território.<ref name="Becker">Becker, Hilary. "Political systems and law". In: Turfa, Jean MacIntosh (ed.). ''The Etruscan World''. Routledge, 2014, pp. 351-372</ref><ref>Pallottino, Massimo. ''A History of Earliest Italy''. Routledge, 2014, pp. 167-168 </ref> Algumas inscrições do século V a.C. parecem indicar uma luta pelo poder entre as cidades pela hegemonia dentro da Liga, o que atestaria sua existência, mas também essas inscrições têm tradução controversa. A [[língua etrusca]] ainda é mal compreendida.<ref>Torelli, Mario. "History: land and people". In: Bonfante, Larissa (ed.). ''Etruscan Life and Afterlife: A Handbook of Etruscan Studies''. Wayne State University Press, 1986, p. 57 </ref>
As funções da Liga e sua existência são objeto de um longo e inconclusivo debate que se vem desde o [[Renascimento]]. Em meados do século XX a crítica começou a reavaliar o tema, e atualmente em geral aceita-se sua existência, mas há muitos que permanecem céticos. Suas reais funções também foram postas sob escrutínio; acredita-se agora que principalmente consolidasse as crenças religiosas compartilhadas por todos os etruscos, e que o festival anual ocasionalmente podia ser palco de deliberações militares ou políticas. Ações políticas ou militares conjuntas entre os etruscos parecem ter sido raras e os laços entre as cidades fracos demais para poder formar-se uma federação cuja autoridade sobrepujasse os interesses dos membros individuais. As evidências histórico-arqueológicas mais confiáveis apontam para um povo fragmentado em núcleos regionais autônomos de interesses com frequência divergentes, e que com frequência estavam em aberto conflito entre si. É significativo que as cidades não foram capazes de se unir contra perigosos inimigos comuns, como os [[celtas]] e [[romanos]], e acabaram vencidas completamente pelos romanos.<ref name="Gillett"/>
 
As funções da Liga e sua existência são objeto de um longo e inconclusivo debate que se vem desde o [[Renascimento]]. Em meados do século XX a crítica começou a reavaliar o tema, e atualmente em geral aceita-se sua existência, mas há muitos que permanecem céticos. Suassobre suas reais funções também foram postas sob escrutínio; acredita-se agora que principalmentefosse um elo consolidasseconsolidando as crenças religiosas compartilhadas por todos os etruscos, e que o festival anual ocasionalmente podia, ocasional mas não sistematicamente, ser palco de deliberações militares ou políticas. Lívio também disse que o grande rei era um sacerdote. Ações políticas ou militares conjuntas entre os etruscos parecem ter sido raras e os laços entre as cidades fracos demais para poder formar-se uma federação cuja autoridade sobrepujasse os interesses dos membros individuais. As evidências histórico-arqueológicas mais confiáveis apontam para um povo fragmentado em núcleos regionais autônomos de interesses com frequência divergentes, e que com frequência estavam em aberto conflito entre si. É significativo que as cidades não foram capazes de se unir contra perigosos inimigos comuns, como os [[celtas]] e [[romanos]], e acabaram vencidas completamente pelos romanos.<ref name="Gillett"/> [[Howard Hayes Scullard|Howard Scullard]], um dos principais estudiosos do tema, resumiu a visão atual: "A força dos laços federais variou: as cidades claramente desenvolveram alguns sentimentos de unidade nacional e de fato em algumas ocasiões atuaram como uma Liga, mas as lealdades locais eram mais fortes. Assim, os etruscos falharam em estabelecer uma estrutura política integrada, inspirada na unidade de propósito, e este fracasso se provaria fatal quando entraram em conflito com os romanos, que em contraste haviam construído uma federação forte".<ref name="Scullard"/>
{{Referências}}
 
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==Ver também==
*[[Etruscos]]