Batalha da Praça da Sé: diferenças entre revisões

Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
Matheus Daisy (discussão | contribs)
Linha 1:
{{Em construção}}
'''Batalha da Praça da Sé''' foi o nome pelo qual ficou conhecido o confronto armado ocorrido na [[Praça da Sé (São Paulo)|Praça da Sé]], em [[cidade de São Paulo|São Paulo]], em [[7 de outubro]] de [[1934]].
==Antecedentes==
A [[Ação Integralista Brasileira]] (AIB) havia marcado a marcha como uma celebração pelo segundo aniversário do ''Manifesto Integralista''. <ref name=revoada > {{Link||2=http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2006/10/361990.shtml?comment=on |3="A Revoada dos Galinhas Verdes: 72 anos de uma façanha heróica"}}. [[Mídia Independente]], 7 de outubro de 2006.</ref> Levou 5 mil a 10 mil seguidores, conforme cálculos de fontes diversas, à Praça da Sé e arredores. Seus oponentes, que interpretaram a iniciativa como uma demonstração de força inspirada na [[Marcha sobre Roma]] - manifestação [[fascista]] de [[1922]], que impulsionou [[Mussolini]] ao poder - mobilizaram-se para impedi-la.<ref>[http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0111200904.htm Sangue na praça da Sé]. Há 75 anos, batalha entre antifascistas e integralistas em SP deixou seis mortos e mais de 30 feridos graves. Por Mário Magalhães. ''Folha de S. Paulo'', 1º de novembro de 2009.</ref> [[Mario Pedrosa]], militante trotskista, explicaria, anos depois, a percepção da esquerda sobre a celebração integralista:
 
==Contexto==
''"Toda a esquerda se uniu contra a manifestação integralista que seria realizada naquele dia. O objetivo dos integralistas era atacar a organização da classe operária, a sede da Federação Sindical de São Paulo e os sindicatos que tinham sede no edifício Santa Helena, na frente do qual haviam planejado o desfile. Nós lutamos contra os fascistas e impedimos a realização da manifestação".''<ref name="revoada" />
A década de 1930 foi marcada por uma radicalização política, em decorrência da crise do [[liberalismo]] após a [[quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque]], em 1929.{{Sfn|Castro|2002|p=354}} A ascensão do fascismo e a radicalização dos movimentos comunistas tiveram reverberações no [[Brasil]], em meio ao contexto marcado pelo funcionamento da Assembleia Nacional Constituinte entre 1933 e 1934.{{Sfn|Castro|2002|p=356}} A crise ideológica e política do liberalismo transformou-se no Brasil numa questão política não apenas para as elites econômicas e políticas, mas também para as classes médias e trabalhadores, que buscavam alternativas ao liberalismo pela direita, com o fascismo, e pela esquerda, com o socialismo e o comunismo. Na prática, esse debate sofreu a concorrência do confronto entre o fascismo e o antifascismo.{{Sfn|Castro|2002|p=357}}
 
Embora fascismo e antifascismo se confrontassem no país já desde a década de 1920, foi com a criação da [[Ação Integralista Brasileira]] (AIB) em 1932 que a disputa passou a integrar os temas políticos nacionais.{{Sfn|Castro|2002|p=357}} Da mesma forma, as organizações de esquerda se preocupavam em criar organizações para combater o fascismo, como o [[Comitê Mundial Contra a Guerra e o Fascismo|Comitê Antiguerreiro]], liderado pelo [[Partido Comunista - Seção Brasileira da Internacional Comunista|Partido Comunista do Brasil]] (PCB), o Comitê Antifascista, articulado pelos anarquistas em torno da Federação Operária de São Paulo (FOSP) e a [[Frente Única Antifascista]], organizada pelos trotskistas da [[Liga Comunista]] (LC) e pelos militantes do [[Partido Socialista Brasileiro]] (PSB) paulista.{{Sfn|Castro|2002|p=359-361}} Assim, a AIB e as esquerdas disputavam a atenção das massas urbanas e organizavam eventos que procuravam superar em magnitude os dos concorrentes, logo partindo para o conflito aberto.{{Sfn|Castro|2002|p=373-374}}
O confronto ocorreu quando [[anarquista]]s, [[comunista]]s, [[sindicatos|sindicalistas]] e [[Leon Trótski|trotsquistas]], organizados na [[Frente Única Antifascista]], posicionaram-se contra a realização de uma marcha organizada pela (AIB), organização que congregava correntes [[nacionalismo|nacionalistas]] e [[fascismo|fascistas]], dirigida por [[Plínio Salgado]]. Durante o episódio 30 pessoas ficaram gravemente feridas e morreram pelo menos seis pessoas - três guardas civis, dois operários integralistas e um militante da juventude comunista, [[Décio Pinto de Oliveira]], estudante da [[Faculdade de Direito de São Paulo]]. Décio foi alvejado na cabeça quando discursava e passou a ser o símbolo do movimento antifascista brasileiro daqueles anos. Também ferido foi no confronto o jornalista [[Mário Pedrosa]], enquanto ajudava um outro militante comunista também atingido.
 
==Antecedentes==
A denominação "Revoada dos galinhas-verdes" se deve ao desfecho do incidente, com a debandada dos integralistas, que, enquanto corriam, deixavam pelo chão suas camisas-verdes, principal elemento de identificação dos militantes da AIB. Uma testemunha da época assim descreveu a cena: "Despiam as camisas mesmo correndo. Naquela capital do inferno em que se transformara a Praça da Sé, desabusada e corajosamente, rindo, um antifascista, Vitalino, carroceiro, dono de um [[ferro-velho]], divertia-se, ajudando-os a despi-las. Tempos depois, vangloriava-se de possuir, como recordação, em sua casa, mais de uma dúzia delas, guardadas como troféus de um momento histórico". Diante desta fuga desorganizada, o [[humorista]] comunista [[Barão de Itararé]] ironizou: "Um integralista não corre, voa". <ref name="buoni">BUONICORE, Augusto C. {{Link||2=http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2007/10/400252.shtml |3= "73 anos da Batalha antifascista da Praça da Sé"}}. Mídia Independente, 27 de outubro de 2007</ref>
[[Ficheiro:Conferência anti-integralista (novembro de 1933).png|miniaturadaimagem|esquerda|Conferência anti-integralista realizada em 14 de novembro de 1933, no salão da União das Classes Laboriosas.]]
 
Conflitos entre antifascistas e integralistas já vinham ocorrendo desde 1933. Um dos primeiros registros se deu durante a realização de uma Conferência Anti-integralista, organizada pelo Centro de Cultura Social (CCS) em 14 de novembro e que contou com a participação de representantes de diversas correntes políticas da esquerda, como socialista Carmelo Crispino, o anarquista Hermínio Marcos e um representante do jornal ''[[O Homem Livre]]''. O evento, realizado no salão da União das Classes Laboriosas, reuniu cerca de mil pessoas.{{Sfn|Rodrigues|2017|p=94}} Em meio à conferência aparecerem alguns integralistas a fim de tumultuá-la, no entanto, ao perceberem a quantidade de elementos antifascistas que ali se encontravam, retiraram-se e começaram a procurar reforços nas mediações, sendo repelidos por um grupo de trabalhadores.{{Sfn|Rodrigues|2017|p=95}}
== Testemunhos ==
[[Lélia Abramo]], atriz e militante comunista que participou de momentos importantes da vida política do Brasil como a fundação do [[Partido dos Trabalhadores|PT]] e as lutas das [[Diretas Já!]], relata a sua versão do acontecimento em suas memórias:
 
{{quote1|''Enfrentamos, com armas nas mãos ou sem elas, a organização fascista integralista, comandada por [[Plínio Salgado]]. Os integralistas estavam todos fardados, bem armados, enquadrados e prontos para uma demonstração de força, protegidos pelas instituições político-militares getulistas e dispostos a tomar o poder. Nós, espalhados ao longo da praça e nas ruas adjacentes, esperamos pacientemente que desfilassem primeiro as crianças, também fardadas, e as mulheres integralistas. Depois disso, quando os asseclas de Plínio iniciaram seu desfile, nós todos avançamos e começou a luta aberta.'' <ref name=lelia />|Lélia Abramo}}
 
[[Miguel Reale]], professor, doutor em Direito, jurista e escritor brasileiro, autor da [[Teoria Tridimensional do Direito]] e um dos responsáveis pela elaboração do [[Código Civil Brasileiro]] de [[2002]], que na sua juventude participou da [[Ação Integralista Brasileira]] escreveu, em um artigo de 2004, outra versão sobre o acontecimento.
 
{{quote1|''Infelizmente, quando se trata de um movimento político da chamada [[direita política|direita]], há tendência no sentido de denegri-la, enquanto que à [[esquerda (política)|esquerda]] tudo se perdoa, esquecendo-se os genocídios perpetrados por [[Stalin]], e os atos violentos dos brasileiros que, sob a bandeira comunista de [[Luis Carlos Prestes]], tentaram ganhar o poder, como o fizeram em 1934, na praça da Sé, quando, do alto do antigo Edifício Santa Helena fuzilaram a milícia integralista que, desarmada, vestia pela primeira vez a camisa verde, com a morte de dois operários. Sobre esses homicídios nem sequer foi instaurado inquérito policial''. <ref> [[Miguel Reale|REALE, Miguel]]. {{Link||2=http://www.miguelreale.com.br/ |3=O integralismo revisitado}}, 28 de agosto de 2004.</ref>|Miguel Reale}}
 
[[Goffredo da Silva Telles Júnior]], professor de Direito do Largo São Francisco, um dos autores da [[Carta aos Brasileiros (Golpe de 1964)|Carta aos Brasileiros]] (1977) contra o regime militar, e que em sua juventude participou da Ação Integralista Brasileira, dá outra versão sobre o acontecido, numa entrevista concedida em [[1990]] a [[Eugênio Bucci]], na Revista ''Teoria e Debate'':
 
{{quote1|''Não houve enfrentamento nenhum. O que houve foi uma repressão policial a uma manifestação de operários e estudantes. Foi uma tristeza. Operários morreram. Uma bala da polícia atingiu Mário Pedrosa (…) Assisti a tudo. Eu era um estudante da Faculdade de Direito. Tinha dezenove anos de idade nessa ocasião (…) A manifestação era de operários e estudantes. Naquele tempo, ninguém andava armado (…)''<ref>[[Eugênio Bucci|BUCCI, Eugênio]]. {{Link||2=http://www.goffredotellesjr.adv.br/site/pagina.php?id_pg=10 |3=Entrevista do prof. [[Goffredo Telles Junior]]}}</ref>|Goffredo da Silva Telles Júnior}}
 
== A versão dos integralistas ==
[[Plínio Salgado]], Chefe Nacional da Ação Integralista Brasileira, assim escreveu em seu livro ''Palavra Nova dos Tempos Novos'', de 1936:
 
Ao longo do ano, começaram a surgir relatos de agressão por parte dos integralistas contra militantes de esquerda em diversas partes do país, de modo que a FUA decidiu organizar uma contramanifestação para o dia 15 de dezembro de 1933, data em que a AIB havia marcado um comício integralista.{{Sfn|Abramo|2014|p=42}} A divulgação, por parte da FUA, de que haveria uma contramanifestação, fez com que a AIB cancelasse a marcha.{{Sfn|Abramo|2014|p=44}} O comício da FUA, no entanto, ocorreu, na sede da Lega Lombarda e com a presença de cerca de dois mil participantes, incluindo militantes do PCB e do Comitê Antiguerreiro. Neste evento, a FUA demonstrou intenções de articular-se com outras organizações antifascistas de outros estados para a formação de Frente Única Antifascista Nacional, além de ter convocado o movimento operário paulista para a formação de uma frente sindical.{{Sfn|Castro|2002|p=363}}
{{Quote1|''Durante a batalha ferida entre os comunistas e integralistas na Praça da Sé, em S. Paulo aqueles gritavam: "Morra Deus!" No Alto, sorria um grande céu azul. Em baixo os integralistas derramavam seu sangue por uma ideia. Mulheres e crianças resistiam cantando ao fogo das metralhas.''<ref>{{citar livro|título=Palavra Nova dos Tempos Novos|ultimo=SALGADO|primeiro=Plínio|editora=Editora das Américas|ano=1955|series=Obras Completas|volume=7|local=São Paulo|página=227|páginas=|acessodata=}}</ref>}}
 
Em 1934, o clima político radicalizou-se no país. No dia 20 de abril, treze dias após o início da votação da Constituição, cerca de 4.000 integralistas desfilaram pelas ruas do [[Rio de Janeiro]].{{Sfn|Castro|2002|p=371-372}} Cerca de um mês depois, no dia 24 de junho, ocorreu um desfile integralista na capital paulista, contando com cerca de 3.000 pessoas. Uma semana depois, no dia 2 de julho, feriado na [[Bahia]], cerca de 400 integralistas fizeram um desfile pelas ruas de [[Salvador]].{{Sfn|Castro|2002|p=372}} Por outro lado, no dia 9 de julho, em [[Niterói]], encerrou-se a I Conferência Nacional do PCB que, entre outras coisas, institucionalizava um novo grupo dirigente, e marcava uma radicalização nas políticas do partido.{{Sfn|Castro|2002|p=372}} O PCB organizou ainda, no dia 23 de agosto, o primeiro evento político de grandes proporções patrocinado pelo Comitê Antiguerreiro, o I Congresso Nacional Contra a Guerra Imperialista, a Reação e o Fascismo. O evento transcorreu no Teatro João Caetano, após concentração e comício na praça Cristiano Ottoni e passeata de cerca de 3.000 pessoas pela rua Marechal Floriano Peixoto e Avenida Passos. O evento terminou em conflito com as forças policiais, deixando vítimas fatais.{{Sfn|Castro|2002|p=372-373}}
== A versão dos antifascistas==
Os antifascistas, sabendo do comício integralista, marcaram uma contramanifestação para o mesmo dia e local. Grupos antifascistas se distribuíram nas imediações da [[Praça da Sé (São Paulo)|Praça da Sé]]. Os principais pontos eram a [[Praça Doutor João Mendes]], o pátio do [[Convento do Carmo de São Paulo|convento do Carmo]], no início da Avenida Rangel Pestana, o largo de São Bento e a [[Praça Ramos de Azevedo]]. Os [[Ação Integralista Brasileira|camisas-verdes]] deviam ser mais de "três ou quatro mil", e era grande o contingente de integralistas que desembarcavam de trens vindos de cidades do interior paulista, como [[Bauru]], [[Jaú]], [[Sorocaba]], [[Campinas]] e [[Santos]].<ref name="bat">{{Link||2=http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2004/12/296776.shtml |3= A Batalha Anti-Fascista na Praça da Sé |4=Mídia Independente}}. Compilação de vários relatos de militantes antifascistas</ref>
 
Em outubro, a situação se precipitou, com a ocorrência de conflitos abertos entre antifascistas e integralistas. No dia 3, feriado nacional em comemoração ao aniversário da [[Revolução de 1930]], houve um violento confronto em [[Bauru]], no interior de São Paulo. Na ocasião, havia sido agendada uma “palestra doutrinária” a ser ministrada pelo líder nacional da AIB, [[Plínio Salgado]], cuja visita era prevista há meses pelos jornais locais.{{Sfn|Castro|2002|p=374}} O Sindicato dos Empregados e Operários da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil marcou uma assembleia geral extraordinária às 19h, uma hora antes da palestra integralista. Nessa mesma hora iniciou-se um desfile integralista que, saindo da sede local da agremiação, acompanhada por tambores e taróis, buscou Plínio Salgado no hotel no qual estava instalado para levá-lo ao local da palestra.{{Sfn|Castro|2002|p=374}} Durante o trajeto o desfile passou a ser admoestado por populares que gritavam palavras de ordem antifascistas. Os ânimos foram se exaltando até que, numa determinada rua, estourou um tiroteio que resultou em um morto — Nicola Rosica — e quatro feridos, todos integralistas. Um dos principais acusados de ter participado da agressão aos integralistas era candidato a deputado estadual pela Coligação das Esquerdas. Esta coligação havia sido criada em São Paulo pela Coligação dos Sindicatos Proletários, [[Liga Comunista Internacionalista]] (LCI) e o PSB no final de agosto.{{Sfn|Castro|2002|p=375}}
A Praça da Sé contava com 400 homens dos bombeiros e da cavalaria da polícia. Havia também a guarda civil armada. Logo as ruas que davam acesso à Praça da Sé estavam policiadas. Os integralistas iniciaram sua manifestação com uma passeata de mulheres e crianças uniformizadas, portando bandeiras com o [[sigma]]. Dirigem-se às escadas da [[Catedral Metropolitana de São Paulo|Catedral da Sé]], onde já se encontravam outros integralistas. São recebidas com gritos e vaias pelos antifascistas, que já estavam a postos na praça.(…) Alguns integralistas buscaram reagir, e há um princípio de tumulto, com uma troca de tapas e safanões. Seguem-se tiros, sem que ninguém soubesse de onde vinham. Uma rajada de tiros é disparada, acertando em cheio três guardas civis. <ref name="bat" />
 
==Desenrolar do conflito==
Cerca de dez minutos depois, o grosso das formações integralistas entra na praça ao som de seu hino oficial, dando "[[anauê]]s" (saudação integralista), e começando a lotar as escadarias da Catedral. Inicia-se então a contramanifestação, com breve discurso: ''"Companheiros antifascistas, viemos a praça para não permitir que o fascismo tome conte da rua e dos nossos destinos…"'' Logo começa um intenso tiroteio vindo de todos os lados. Fascistas e antifascistas trocam tiros. Muitos integralistas se retiram da praça. Um último grupo continua a lutar contra os antifascistas, mas logo se retira. Muitos integralistas deixam a praça, correndo em todas as direções. Nos dias seguintes, são recolhidas as camisas verdes abandonadas. Durante a troca de tiros, dezenas de pessoas, de ambos os lados, foram mortas ou feridas. <ref name="bat" />
===Convocação e preparativos===
No dia 7 de outubro de 1934, os integralistas pretendiam realizar um comício na [[Praça da Sé]], no centro de São Paulo, para comemorar os dois anos do Manifesto Integralista.{{Sfn|Castro|2002|p=375}} Tão logo souberam dessa intenção, as forças antifascistas da capital paulista se organizaram para impedir a realização do comício. Existem algumas divergências entre as fontes que relatam o ocorrido; [[Fúlvio Abramo]] relaciona a contramanifestação diretamente com a atuação da FUA; Eduardo Maffei tenta diluir o papel da FUA e atribui a convocação dessa contramanifestação ao trabalho do PCB; [[Mário Pedrosa]], por sua vez, afirmou que “nenhuma organização ou partido pode arrogar-se o mérito de ter conseguido sozinho aquela mobilização formidável de trabalhadores”.{{Sfn|Castro|2002|p=375-376}}
 
Todas as organizações de esquerda de São Paulo foram convocadas para participar da contramanifestação, e cada entidade emitiu seu comunicado aos associados, publicou manifestos ao povo e tratou de realizar reuniões preparatórias. A primeira assembleia para o exame da situação realizou-se no Sindicato dos Empregados do Comércio, com a presença de 40 militantes.{{Sfn|Abramo|2014|p=64}} Todos aprovaram a proposta de realizar a contramanifestação; estavam de acordo em que ela deveria realizar-se no mesmo local e hora da anunciada manifestação integralista, com a finalidade de dissolver o comício da AIB; e, na medida do possível, cada organização trataria de fornecer armamento para os contramanifestantes levarem a cabo seus objetivos.{{Sfn|Abramo|2014|p=64-65}} A Livraria Elo, na Rua Senador Feijó, a sede da Legião Cívica 5 de Julho, na Rua Anita Garibaldi, a sede da União dos Trabalhadores Gráficos (UTG), na Venceslau Brás e os sindicatos no Prédio Santa Helena foram utilizados como pontos de apoio logístico, nos quais as armas eram recebidas por militantes antifascistas. Até o dia 5, todo o armamento recebido já havia sido retirado desses lugares.{{Sfn|Maffei|1984|p=82}} Foram estabelecidas duas comissões; uma civil, para organizar a mobilização popular; e outra militar, que traçaria uma estratégia para o conflito, da qual [[João Cabanas]], Roberto Sisson e Euclydes Bopp Krebs tiveram um papel ativo.{{Sfn|Maffei|1984|p=81}} Cabanas traçou um plano estratégico que dividia as forças em três posições principais. A primeira ia da fachada do prédio Santa Helena até a Rua Wenceslau Braz; a segunda se colocaria no fundo da praça, na seção que correspondia à calçada e aos calçadões entre a saída da Rua Direita e a Rua Wenceslau Braz, e a terceira, em frente ao prédio da Equitativa, entre as Ruas Senador Feijó e Barão de Paranapiacaba. Politicamente, a primeira posição seria ocupada pelos membros do PSB, a segunda pelos comunistas e a terceira pelos trotskistas e anarquistas.{{Sfn|Abramo|2014|p=66}}{{Nota de rodapé|De modo geral, os antifascistas não seguiram rigorosamente o planejamento de João Cabanas. Fúlvio Abramo afirmou que o PCB teria preferido agir por conta própria,{{Sfn|Abramo|2014|p=65}} e o historiador Ricardo Figueiredo de Castro notou que, apesar das forças antifascistas terem participado em conjunto da contramanifestação, agiram sem uma direção totalmente centralizada.{{Sfn|Castro|2002|p=376}}}}
Um dos líderes do movimento foi o histórico militante anarquista [[Edgard Leuenroth]], que protestava em meio ao tiroteio. Nas palavras de Eduardo Maffei, "nesse momento estavam de mãos dadas, trabalhadores, intelectuais e estudantes, [[stalinistas]], [[anarquistas]] e [[trotskistas]]".<ref>MAFFEI, Eduardo. "A Batalha da Praça da Sé". Rio de Janeiro: Villa Rica, 1984,. ISBN 8531906148</ref>
 
Outras reuniões foram realizadas na sede da FOSP.{{Sfn|Maffei|1984|p=77}} Segundo Maffei, compareceram nas reuniões preparatórias, entre outros militantes, [[Joaquim Câmara Ferreira]], [[Hermínio Sacchetta]], [[Arnaldo Pedroso d’Horta]], [[Noé Gertel]], [[Miguel Costa Jr.]], Igyno Ortega, Fernando Cordeiro, Leonor Petrarca, Eduardo Maffei e [[Eneida de Moraes]], do PCB; Marcelino Serrano, Carmelo Crispino, João Cabanas, do PSB; os anarquistas [[Edgard Leuenroth]], [[Pedro Catalo]], Rodolfo Felipe, [[Oreste Ristori]] e Gusman Soler; Mário Pedrosa e Fúlvio Abramo, da LCI; além de sindicalistas ligados à Coligação dos Sindicatos Proletários, que incluíam o Sindicato dos Empregados do Comércio e a União dos Alfaiates.{{Sfn|Maffei|1984|p=76-77}} Durante as reuniões, foram comuns discussões entre comunistas e trotskistas.{{Sfn|Maffei|1984|p=79}}{{Sfn|Abramo|2014|p=66}} A todos os militantes foi aconselhado cuidar da segurança própria nos dias mais próximos ao conflito, para evitar possíveis prisões ou provocações que pudessem impedir sua participação.{{Sfn|Abramo|2014|p=68}}
Outro participante da manifestação foi o militante libertário [[Jaime Cubero]], que assim descreve sua visão do enfrentamento:<ref>FERREIRA, José Maria Carvalho. {{Link||2=http://www.nodo50.org/insurgentes/textos/brasil/08cuberoentrevista.htm |3=Jaime Cubero e o Movimento Anarquista no Brasil. Entrevista.}}. Revista ''Utopia'' # 8</ref>
 
===Confronto===
''Quando os fascistas chegaram, todos de camisas-verdes (na Itália eram os [[camisas-negras]]), começaram a se concentrar, esperando 500 mil pessoas que não chegaram a tantas, colocando na frente da marcha mulheres e crianças, por pensarem que ninguém dispararia contra mulheres e crianças. Os anarquistas esperaram que as mulheres e crianças passassem e depois … tendo um dos companheiros - Simão Rodovich - percebido que havia metralhadoras prontas a disparar sobre os operários, ele toma conta de uma delas e começa então um tiroteio enorme. Morreram seis pessoas, muitas delas ficaram feridas, algumas morrendo depois, devido aos ferimentos, mas o que é de salientar é que houve uma debandada enorme, a passeata dos fascistas abortou. Isto para demonstrar que o movimento anarquista não morreu, a manifestação de 1934 demonstra que ele estava bem vivo".''
 
Já pela manhã, os antifascistas começaram as movimentações para a contramanifestação na Praça da Sé, enquanto os integralistas se reuniam nas proximidades, ocupando um largo trecho da Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, que ía da Avenida Paulista até a sua sede, localizada junto ao cruzamento da Brigadeiro com a Riachuelo, próximo ao largo São Francisco.{{Sfn|Abramo|2014|p=72}} Na Estação do Norte, centenas de integralistas uniformizados desembarcavam do interior do estado.{{Sfn|Abramo|2014|p=73}} O abundante noticiário dos jornais sobre a concentração da AIB para comemorar o segundo aniversário da sua criação e a profusão de manifestos e panfletos das mais variadas associações antifascistas distribuídos por toda a cidade tinham despertado o interesse da população, que, ao meio dia, já acorrera à praça em grande número.{{Sfn|Abramo|2014|p=73}} Por esse horário, os militantes antifascistas já começaram a entrar na praça, localizando-se nas áreas previamente destinadas a cada grupo.{{Sfn|Abramo|2014|p=73}}
Cubero também descreve sua visão da composição da manifestação.<br />''Havia uma revista do [[Partido Comunista]] da época, ''Divulgação Marxista'', que era suspeita quando dava dados. O Partido Comunista não chegava na altura a ter 1.000 filiados no partido, contudo chegaram quase a dizer que tinham sido eles a enfrentar os integralistas. Irônico não é? Em contrapartida, a Federação Operária de São Paulo (organização eminentemente [[anarcossindicalismo|anarcossindicalista]]) tinha mais de 80 sindicatos que não pertenciam ao Estado.''
 
Pouco antes das 14h, a polícia revistou os prédios da Praça da Sé. Os delegados Eduardo Louzada da Rocha e Saldanha da Gama entraram no Santa Helena, vistoriando todas as salas de prédio e as sedes dos vários sindicatos que circundavam a praça. Ao vasculharem os locais, não encontraram nenhum armamento. Mesmo assim, mandaram lacrar as portas dos sindicatos e colocaram uma guarda de vários soldados no portão do prédio Santa Helena, proibindo a entrada de quem quer que fosse. Depois, atravessaram a praça e repetiram a operação no prédio da Equitativa. Encontrando o membro do PSB Ruy Fogaça nas proximidades, o delegado Saldanha o prendeu e o remeteu à Central de Polícia.{{Sfn|Abramo|2014|p=74}}
Sobre o enfrentamento armado, Augusto Buonicore conta que<br />''Um grupo de choque integralista, com apoio da polícia, sustentou cerca de quatro horas de pesado tiroteio. Entre os militantes que resistiam de armas nas mãos as jovens [[Lélia Abramo]] [[trotskista]] e a militante [[comunista]] Luisa Marcelino Branco.''<ref name=buoni/> Entretanto a própria Lélia, em suas memórias, afirma não ter portado armas naquele ato. <ref name=lelia>ABRAMO, Lélia. ''Vida e Arte - Memórias de Lélia Abramo''. São Paulo: [[Fundação Perseu Abramo]], 1997, p. 54</ref>
 
Mais tarde, [[Goffredo da Silva Telles Júnior]], que em sua juventude participou da AIB, minimizou o caráter do conflito, numa entrevista concedida em 1990 a [[Eugênio Bucci]], na revista ''Teoria e Debate'':
{{referências}}
 
{{quote1|''Não houve enfrentamento nenhum. O que houve foi uma repressão policial a uma manifestação de operários e estudantes. Foi uma tristeza. Operários morreram. Uma bala da polícia atingiu Mário Pedrosa () Assisti a tudo. Eu era um estudante da Faculdade de Direito. Tinha dezenove anos de idade nessa ocasião () A manifestação era de operários e estudantes. Naquele tempo, ninguém andava armado (…)''...<ref>[[Eugênio Bucci|BUCCI,{{citar Eugênio]].web {{Link||2url= http://www.goffredotellesjr.adv.br/site/pagina.php?id_pg=10 |3título= Entrevista docom prof. [[Goffredo da Silva Telles Junior]]Júnior|acessodata=25 de fevereiro de 2018|autor= Bucci, Eugênio|publicado= Teoria e Debate}}</ref>|Goffredo da Silva Telles Júnior}}
== Bibliografia ==
* [[Miguel M. Abrahão|ABRAHÃO, Miguel M.]] ''[[A Escola]]''. Espaço Jurídico, 1996.
* [[Fúlvio Abramo|ABRAMO, Fúlvio]]. "Frente Única Antifascista, 1934-1984". São Paulo: Cadernos do Centro de Documentação Mário Pedrosa, 1984. Ano I, número um.
:::::: ''A Revoada dos Galinhas Verdes - Uma História da Luta Contra o Facismo no Brasil''. Coleção ''Baderna''. São Paulo: Veneta, 2014. ISBN 9788563137296
:::::: [http://www.teoriaedebate.org.br/index.php?q=materias/politica/memoria-fulvio-abramo-60-anos-de-luta-pelo-socialismo "Fúlvio Abramo: 60 anos de luta pelo socialismo"]. Entrevista concedida a [[Eugênio Bucci]]. Revista ''Teoria e Debate''. Ano I, número 1, 1º de dezembro 1987.
:::::: "7 de outubro de 1934 - 50 anos". ''Cadernos CEIMAP''
* [[Lélia Abramo|ABRAMO, Lélia]]. [http://www.teoriaedebate.org.br/?q=materias/cultura/lelia-abramo-arte-coragem-beleza-revolucao&page=0,5 "A arte, a coragem, a beleza, a revolução"]. Entrevista concedida a Alípio Freire e Eugênio Bucci. Revista ''Teoria e Debate'', ano II, nº 5, 31 de março de 1989.
* BERTONHA, João Fábio. [http://periodicos.unb.br/index.php/textos/article/view/5793 “Contra o fascismo e contra Mussolini: as estratégias dos socialistas italianos de São Paulo na luta contra o fascismo, 1923-1934”]. ''Textos de História,'' Brasília, vol. 4, nº 1, 1996, pp 39-74.
* CASTRO, Ricardo Figueiredo de. "[http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/topoi05/topoi5a15.pdf A Frente Única Antifascista (FUA) e o anti[[fascismo no Brasil]] (1933-1934)"]. In.: ''Topoi'', Rio de Janeiro, nº 5, setembro de 2002, pp 354-388.
::::::::::: "[http://segall.ifch.unicamp.br/publicacoes_ael/index.php/cadernos_ael/article/view/22/26 ''O Homem Livre'': um jornal a serviço da liberdade (1933-1934)"]. ''Cadernos Arquivo Edgard Leuenroth'' (UNICAMP), v. 12, nº 22/23, 2005, p. 63-74
::::::::::: “A Frente Única Antifascista (1933-1934)”. In: FERREIRA, Jorge; [[Daniel Aarão Reis Filho|REIS FILHO, Daniel Aarão]]. (Org.). ''A formação das tradições (1889-1945)''. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2007, v. 1, p. 429-451.
* MAGALHÃES. Mário. [http://blogdomariomagalhaes.blogosfera.uol.com.br/2014/03/10/ha-80-anos-antifascistas-expulsaram-extrema-direita-da-praca-da-se/ Há 80 anos, antifascistas expulsaram extrema direita da praça da Sé]. Uol, 10 de março de 2014.
* RODRIGUES, Edgar (org.). [https://www.academia.edu/9682424/Fascismo_e_Antifascismo_no_Brasil ''Documentos sobre fascismo e anti-fascismo no Brasil.'']
:::::::::[http://anarkio.net/Pdf/movanarquistanoBrasil.pdf ''História do Movimento Anarquista no Brasil''].
* [[William Waack|WAACK, William]]. ''Camaradas: nos arquivos de Moscou, a história secreta da revolução brasileira de 1935''. [[Companhia das Letras]], 1993.
 
== Ver também Consequências==
[[Ficheiro:Jornal_do_Povo_-_"Revoada_dos_Galinhas_Verdes".jpeg|miniaturadaimagem|Manchete no ''Jornal do Povo'' satirizando os membros da AIB: "Um integralista não corre: vôa..."]]
* [[Insurreição anarquista de 1918]]
A Batalha da Praça da Sé teve uma repercussão positiva entre o movimento antifascista brasileiro, especialmente no Distrito Federal e, combinada com identificação do corpo do jovem militante [[Tobias Warshavsky]], detonou uma campanha política contra a política repressora do governo Vargas que se combinou com o sentimento antifascista, impulsionando um movimento mais geral contra a "reação" e apontando para a formação de uma frente ampla progressista, o que seria concretizado com a formação da [[Aliança Nacional Libertadora]] (ANL).{{Sfn|Castro|2002|p=377-379}} No entanto, após o conflito, a polícia prendeu vários militantes de esquerda. A sede da FOSP foi invadida e lacrada pelas autoridades. Os anarquistas, subsequentemente, trataram de reorganizar a FOSP e buscaram formas de auxiliar os militantes que foram presos em decorrência da luta antifascista, chegando a criar o Comitê Pró-Presos Sociais, que realizou algumas atividades festivas voltadas a arrecadar fundos de auxílios aos companheiros encarcerados e aos seus familiares.{{Sfn|Rodrigues|2017|p=97}}
* [[Greve Geral de 1917]]
 
No Rio de Janeiro, ainda no dia 7 de outubro, foi lançado o primeiro número do periódico ''Jornal do Povo'', editado por [[Barão de Itararé|Aparício Torelly]] e ligado ao PCB. Durante a semana seguinte ao conflito, o jornal dedicou várias reportagens ao episódio paulista, procurando descrever o acontecimento de forma satírica e fazer pilhéria dos integralistas. Uma das suas manchetes da semana seguinte ao evento foi “Um integralista não corre, voa”, seguida de um texto, abaixo de uma imagem do conflito: “A debandada integralista, como se vê, foi na mais perfeita desordem. Vê-se à esquerda um galinha-verde escondido atrás do poste, e no centro vários acocorados. A retirada dos 10 mil… Salve-se quem puder! E os integralistas, que gostam de frases sonoras bem sonantes, repetiam nessa hora, acompanhados pela castanhola dos dentes: morra meu pai que é mais velho!".{{Sfn|Castro|2002|p=377}}
 
{{anarquismo2Notas}}
 
{{Referências|col=2}}
 
== Bibliografia ==
{{esboço-históriabr}}
*{{citar livro|ultimo=Abramo|primeiro=Fúlvio|título=A revoada dos galinhas verdes|subtítulo=Uma história do antifascismo no Brasil|local=São Paulo|editora=Veneta|ano=2014|ref=harv}}
*{{citar periódico|ultimo=Castro|primeiro=Ricardo Figueiredo|data=2002|titulo=A Frente Única Antifascista (FUA) e o antifascismo no Brasil (1933-1934)|url= http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-101X2002000200354|periódico= Topoi|volume= 3|número=5|páginas=354-388|ref=harv}}
*{{citar livro|ultimo=Maffei|primeiro=Eduardo|título=A Batalha da Praça da Sé|local=Rio de Janeiro|editora=Philobiblion|ano=1984|ref=harv}}
*{{citar periódico|ultimo=Rodrigues|primeiro=André|data=2017|titulo= Bandeiras negras contra camisas verdes: anarquismo e antifascismo nos jornais ''A Plebe'' e ''A Lanterna'' (1932-1935)|url= http://e-revista.unioeste.br/index.php/temposhistoricos/article/view/17657|periódico= Tempos Históricos|volume= 21|páginas=74-106|ref=harv}}
*{{Citar livro|ultimo=Samis|primeiro=Alexandre|capítulo=Anarquistas e sindicalistas revolucionários na luta antifascista (1933-1935)|editor=Vianna, Marly de Almeida; Silva, Érica Sarmiento; Gonçalves, Leandro Pereira (org.)|título=Presos políticos e perseguidos estrangeiros na Era Vargas|local=Rio de Janeiro|editora=Mauad X|ano=2014|páginas=25-41|ref=harv}}
 
{{DEFAULTSORT:Revoada Galinhas Verdes}}
[[Categoria:História do anarquismo no Brasil]]
[[Categoria:Antifascismo no Brasil]]