Império Bizantino: diferenças entre revisões

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[[Imagem:Lucania-pt.svg|thumb|esquerda|upright=1.02|[[Tema da Longobardia]] em 1000]]
[[Imagem:Basilios II.jpg|thumb|upright=1.02|esquerda|{{lknb|Basílio|II BulgaróctoneBulgaróctono}} {{nwrap|r.|976|1025}}]]
 
No início do reinado de Basílio I, [[Nicetas Orifa]] [[Cerco de Ragusa (866–868)|protegeu Ragusa]], na [[Dalmácia]], dos [[Emirado de Bari|árabes de Bari]], na Itália, e sua vitória encorajou o imperador a enviar oficiais, agentes e missionários à região, restaurando o governo sobre as cidades e regiões costeiras na forma do [[Tema da Dalmácia]], enquanto os principados tribais eslavos do interior permaneceram altamente autônomo sob seus governantes; a [[cristianização dos sérvios]] e outras tribos eslavas também começou nesta época.{{sfn|Nicol|1992|p=31}}{{sfn|Wortley|2010|p=143}}{{sfn|name=Brow96|Browning|1992|p=96}} Em contraste, os aglábidas sitiaram [[Cerco de Melite (870)|Melite]], capital de [[Malta]], que foi capturada, saqueada e a ilha ficou praticamente despovoada até o {{séc|XI}}.{{sfn|Brincat|1995|p=19-20}} Na Itália, Bari caiu aos bizantinos em 873/876, formando a capital e núcleo do posterior [[Tema da Longobardia]].{{sfn|Kreutz|1996|p=41–45, 57, 63–66, 68}}{{sfn|Browning|1992|p=96}} Sob o [[drungário da frota|almirante]] [[Nasar]], a frota [[Ifríquia|ifriquiana]] foi derrotada em [[Batalha de Cefalônia|Cefalônia]] e [[Batalha de Estelas|Estelas]],{{sfn|Wortley|2010|p=150}} permitindo aos bizantinos enviar outro esquadrão para [[Nápoles]], onde venceram novamente os árabes. Estas vitórias foram cruciais à restauração do controle imperial sobre o sul da Itália (o futuro [[Catapanato da Itália]]), que pertenceria aos bizantinos durante 200 anos,{{sfn|Karlin-Heyer|1967|p=24}} compensando extensivamente a [[Conquista muçulmana da Sicília|perda efetiva]] da Sicília após a [[Cerco de Siracusa (877–878)|queda]] de Siracusa em 878. Paradoxalmente, com a [[Batalha de Milazo (888)|derrota imperial]] em [[Milazo]] em 888, desaparece virtualmente a maior parte da atividade naval nos mares em torno da Itália no século seguinte.{{sfn|Pryor|2006|p=65–66}}
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Na importante frente oriental, o império reconstruiu suas defesas e partiu à ofensiva. Os [[Paulicianismo|paulicianos]] foram [[Batalha do Córrego Profundo|derrotados]] e a sua capital, [[Tefrique]], foi tomada, enquanto a ofensiva contra o [[Califado Abássida]] começou com a recaptura de [[Samósata]].<ref name=Brow96 /> Sob {{lknb|Leão|VI, o Sábio}} {{nwrap|r.|886|912}}, as vitórias no Oriente contra o então enfraquecido Califado Abássida continuaram. Contudo, a [[Sicília]] foi perdida para os árabes em 902, e em 904 [[Salonica]] foi [[Saque de Tessalônica (904)|saqueada]] por uma frota árabe liderada pelo [[renegado]] bizantino [[Leão de Trípoli]]. A fraqueza do império na esfera naval foi rapidamente corrigida, de modo que alguns anos mais tarde a [[marinha bizantina]] reocupou [[Chipre]], perdido no {{séc|VII}}.{{sfn|Treadgold|1997|p=458}} Apesar desta vingança, os bizantinos ainda eram incapazes de dar um golpe decisivo contra os muçulmanos, os quais infligiram uma derrota esmagadora sobre as forças imperiais quando estas tentaram recuperar [[Creta]], em 911.{{sfn|name=Brow101|Browning|1992|p=101}}
 
A morte do [[imperador búlgaro|imperador]] {{lknb|Simeão|I|da Bulgária}} {{nwrap|r.|893|927}} enfraqueceu severamente os búlgaros, permitindo que os bizantinos se concentrassem na frente oriental.{{sfn|Browning|1992|p=107}} Melitene foi permanentemente reconquistada em 934 e em 943 o famoso general [[João Curcuas (general)|João Curcuas]] continuou as ofensivas na [[Mesopotâmia]], com algumas vitórias notáveis que culminaram na reconquista de [[Edessa (Mesopotâmia)|Edessa]] (atual [[Şanlıurfa]]). Curcuas foi especialmente celebrado ao retornar para Constantinopla trazendo a venerável [[Imagem de Edessa]] (Mandílio), uma [[relíquia]] na qual supostamente estava impresso um [[Santa Face|retrato de Cristo]].{{sfn|Browning|1992|p=108}} Os imperadores soldados {{lknb|Nicéforo|II Focas}} {{nwrap|r.|963|969}} e {{lknb|João|I Tzimisces}} {{nwrap|r.|969|976}} expandiram o império à Síria, derrotando os emires do noroeste do atual [[Iraque]]. A grande cidade de [[Alepo]] foi tomada por Nicéforo em 962 e os árabes foram [[Cerco de Chandax|decisivamente expulsos]] de Creta no ano seguinte. A recaptura colocou fim aos raides árabes no [[mar Egeu]], permitindo que o continente grego florescesse novamente. Chipre foi permanentemente retomado em 965 e seus êxitos culminaram em 969 na [[Cerco de Antioquia (968-969)|recaptura]] de [[Antioquia]], reincorporada como [[Ducado de Antioquia|província imperial]].{{sfn|Browning|1992|p=112}} Seu sucessor, João Tzimisces, recapturou [[Damasco]], [[Beirute]], [[Acre (Israel)|Acre]], [[Sidom]], [[Cesareia (Israel)|Cesareia]] e [[Tiberíades]], colocando seus exércitos a pouca distância de [[Jerusalém]], embora os centros de poder muçulmanos no Iraque e Egito foram deixados intactos.{{sfn|Browning|1992|p=113}} Após muitas campanhas no norte, na última ameaça árabe, a rica província da Sicília foi alvo, em 1025, de ataque de {{lknb|Basílio|II|BulgaróctoneBulgaróctono}} {{nwrap|r.|976|1025}}, porém ele morreu antes de concluir a expedição. No entanto, por essa altura o império se estendia desde o estreito de [[Messina]] ao [[Eufrates]] e do [[Danúbio]] à Síria.{{sfn|name=Brow116|Browning|1992|p=116}}
 
==== Guerras contra o Império Búlgaro ====
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Uma grande expedição militar sob {{lknb|Leão|Focas, o Velho}} e {{lknb|Romano|I Lecapeno}} {{nwrap|r.|920|944}} terminou novamente com derrota esmagadora na [[Batalha de Anquíalo (917)|Batalha de Anquíalo]] (917) e no ano seguinte os búlgaros estavam livres para devastar o norte da [[Grécia bizantina|Grécia]] até [[Corinto]]. Adrianópolis foi novamente capturada em 923 e um exército búlgaro cercou Constantinopla em 924; na ocasião, Simeão enviou emissários ao [[califa fatímida|califa]] [[Ubaidalá Almadi]] {{nwrap|r.|909|934}} na esperança de conseguir firmar aliança que permitisse aos búlgaros utilizar sua poderosa [[marinha fatímida|marinha]], mas Romano Lecapeno arruinou seus planos.{{sfn|Delev|2006|loc=cap. 9}} {{sfn|Runciman|1930|p=168-169}} A situação dos [[Bálcãs]] só melhorou após a morte súbita de Simeão em 927 e o subsequente colapso do poder búlgaro. A Bulgária e o Império Bizantino entraram então num longo período de relações pacíficas, o que libertou o império para se concentrar na frente oriental contra os muçulmanos.{{sfn|Browning|1983|p=106-107}} Em 968, a [[Invasão da Bulgária por Esvetoslau|Bulgária foi invadida]] pelos [[Rus']] sob {{lknb|Esvetoslau|I de Quieve}} {{nwrap|r.|960|972}}, mas três anos depois o imperador {{lknb|João|I Tzimisces}} os derrotou na [[Batalha de Dorostolo]] e incorporou o leste da Bulgária ao império.{{sfn|Browning|1983|p=112-113}}
 
A resistência búlgara reacendeu sob os [[dinastia dos cometópulos|cometópulos]] ("filhos do conde"), mas {{lknb|Basílio|II|BulgaróctoneBulgaróctono}} {{nwrap|r.|976|1025}} fez a submissão dos búlgaros seu objetivo principal. Sua primeira expedição contra a Bulgária, porém, resultou em derrota humilhante na [[Batalha da Porta de Trajano|Porta de Trajano]]. Nos anos seguintes, o imperador esteve preocupado com revoltas internas na [[Anatólia]], enquanto os búlgaros se expandiam nos Bálcãs. A guerra se prolongou por quase 20 anos. As vitórias bizantinas em [[Batalha de Esperqueu|Esperqueu]] e [[Batalha de Escópia|Escópia]] enfraqueceram decisivamente o exército búlgaro, e Basílio metodicamente reduziu as fortalezas deles em campanhas anuais. Posteriormente, na [[Batalha de Clídio]], em 1014, eles foram completamente derrotados. Em 1018, seus últimos redutos se renderam e a região se tornou parte do Império Bizantino como [[Tema da Bulgária|província]].{{sfn|Browning|1983|p=115}} Essa vitória restaurou a fronteira do [[Danúbio]], algo que não ocorria desde os tempos de [[Heráclio]].<ref name=Brow116 /><ref name=Brooke482 />
 
==== Relações com a Rússia de Quieve ====
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Rebeliões internas e derrotas nas fronteiras perante as investidas estrangeiras no final do {{séc|VI}} e começo do VII levaram a rápido decréscimo dos efetivos imperiais que, embora tenham sido reorganizados em 628 sob [[Heráclio]] {{nwrap|r.|610|641}}, estiveram na origem de inúmeras derrotas frente aos ataques [[Expansão muçulmana|árabes]], [[lombardos]] e [[Primeiro Império Búlgaro|búlgaros]] nos séculos VII e VIII. Para fazer face a crise militar, foi elaborada nova reestruturação: estabeleceram-se distritos militares ([[Tema (distrito bizantino)|temas]]) onde estacionaram grupos armados que recebiam propriedades em troca de serviços. Estes exércitos, conquanto relativamente eficazes contra invasões, pois eram recrutados e mantidos localmente, apresentavam problemas de prontidão, mobilidade, rapidez de ação e coordenação em campanha, frequentemente carecendo de disciplina e habilidade militar e eram propensos a rebeliões. Isto levou o imperador {{lknb|Constantino|V Coprônimo}} {{nwrap|r.|741|745}} a dissolver o [[Tema Opsiciano|exército opsiciano]], que constituía a força de campo imperial, e criou novas unidades conhecidas como [[Tagma (militar)|tagmas]], que tiveram bases em Constantinopla ou cercanias. As unidades tagmáticas foram melhor equipadas e no {{séc|IX}} participaram em expedições com os exércitos temáticos.<ref name=Mc185 />
 
Nos séculos X e XI, de acordo com o que os documentos do período indicam, os imperadores soldados {{lknb|Nicéforo|II|Focas}} {{nwrap|r.|963|969}} e {{lknb|Basílio|II|BulgaróctoneBulgaróctono}} {{nwrap|r.|976|1025}} fizeram reformas, usando mais unidades pesadas como os [[catafractário]]s e novas táticas que uniam [[infantaria]] e [[cavalaria]] em batalha ou campanha, elevando a eficiência militar e permitindo reconquistar muitos territórios antes perdidos a árabes e búlgaros. Outrossim, a composição e estrutura começaram a mudar: o comando foi centralizado na capital, as unidades temáticas e tagmáticas foram substituídas por novos contingentes que foram alojados nas províncias e efetivos mercenários ([[guarda varegue]] e [[normandos]]) tornaram-se preponderantes. Sob {{lknb|Manuel|I Comneno}} {{nwrap|r.|1143|1180}}, os bizantinos tentaram imitar as táticas e [[panóplia]] ocidentais, o que não teve bons resultados. Os [[Império de Niceia|imperadores de Niceia]] desenvolveram as tradições adotadas por Manuel e lograram criar exércitos mercenários ([[cumanos]], turcos, ocidentais) que, embora pequenos, eram eficientes. Sob os imperadores paleólogos, as últimas unidades de soldados-camponeses foram desmanteladas e o organização do [[serviço militar]] a nível local passou a estar a cargo dos proprietários de terras, uma vez que o poder central já não tinha mais capacidade para manter forças terrestres e marítimas substanciais.<ref name=Mc185 />
 
=== Marinha ===
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Os escritos da [[Antiguidade Clássica]] nunca deixaram de ser cultivados no Império Bizantino. Assim, a ciência teve ligação estreita com a [[filosofia antiga]] (sobretudo [[Platão]] e [[Aristóteles]]){{sfn|name=Ribeiro167|Ribeiro|2006|p=167}} e com a [[metafísica]].{{sfn|Anastos|1962|p=409}} Embora em vários momentos os bizantinos tenham alcançado feitos magníficos na aplicação das ciências (notadamente na construção de [[Santa Sofia]]), a partir do {{séc|VI}} os eruditos fizeram poucas contribuições à ciência em termos de desenvolvimento de novas teorias ou no estender de autores clássicos.{{sfn|Dickson|1998}}{{sfn|Cohen|1994|p=395}} Nos anos sombrios da [[Praga de Justiniano|praga]] e [[Expansão islâmica|conquistas árabes]], o conhecimento sofreu acentuada estagnação, mas no [[Renascença macedónica|Renascimento bizantino]] no final do primeiro milênio, os estudiosos reafirmaram-se novamente, tornando-se especialistas nos desenvolvimentos científicos dos [[História do Islão|árabes]] e [[Império Sassânida|persas]], especialmente [[astronomia]] e [[matemática]].{{sfn|King|1991|p=116–118}} No {{séc|XV}}, [[gramático]]s foram os principais responsáveis pela execução, pessoalmente e por escrito, de estudos gramaticais e literários do grego antigo que marcaram o início da [[Renascença italiana]].{{sfn|Robins|1993|p=8}} Nesse período, a astronomia e outras ciências matemáticas eram ensinadas em [[Trebizonda]] e a [[medicina]] atraiu o interesse de quase todos os estudiosos.{{sfn|Tatakes|2003|p=189}}
 
No [[direito]], as reformas de [[Justiniano]] {{nwrap|r.|527|565}} tiveram efeito claro sobre a evolução da [[jurisprudência]] e a [[Código de Écloga|Écloga]] de {{lknb|Leão|III, o Isauro}} {{nwrap|r.|717|741}} influenciou a formação das instituições jurídicas do [[Eslavos|mundo eslavo]].{{sfn|Troianos|1997|p=340}} {{lknb|Leão|VI, o Sábio}} {{nwrap|r.|886|912}} fez, numa obra de [[Basílicas (código)|60 volumes]], a codificação completa do direito romano em grego.<ref name=Brow98 /> No {{séc|X}}, os imperadores legisladores, de {{lknb|Romano|I|Lecapeno}} {{nwrap|r.|920|944}} a {{lknb|Basílio|II|BulgaróctoneBulgaróctono}} {{nwrap|r.|976|1025}}, fizeram inúmeras reformas com base nos problemas de seu tempo e os imperadores finais trataram de modificar o procedimento legal.{{sfn|Kazhdan|1991|p=1192}}
 
No Império Bizantino havia nítida preocupação pelo conhecimento. A ''Apedeusia'', falta de cultura mental ou conhecimento, era motivo para ridicularização e zombaria.{{sfn|name=Run178|Runciman|1977|p=173-174; 178}} A educação monástica dava instruções básicas a monges analfabetos e crianças que queriam ser padres e freiras, enquanto o ensino secular ficou a cargo das escolas primárias que são atestadas a partir do {{séc|VI}}. [[João Crisóstomo]] pretendia implementar o ensino secular no âmbito monástico, mas não recebeu retorno dos eclesiásticos. A escola secundária, embora parcialmente controlada pelo Estado e a Igreja, era privada, e o ensino superior, como era tradição nas ''[[Pólis|poleis]]'' [[Grécia Antiga|gregas]], foi assunto do Estado: {{lknb|Teodósio|II}} {{nwrap|r.|408|450}} fundou a [[Universidade de Constantinopla]] e em meados do {{séc|IX}} foi fundada no palácio uma escola de ensino secundário e superior, que foi posteriormente reincentivada ou restaurada por {{lknb|Constantino|VII|Porfirogênito}} {{nwrap|r.|913|959}}.{{sfn|name=Bro1853|Browning|1991|p=1853}} É importante notar, entretanto, que o ensino primário foi ministrado em todas as localidades do império, o secundário apenas em grandes cidades e o superior exclusivamente em Constantinopla.<ref name=ByzEdu />