Arquitetura do Brasil: diferenças entre revisões

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Porém, a arquitetura do período colonial é de estudo complexo. Circunstâncias peculiares no processo de formação do Brasil levaram a um desenvolvimento arquitetônico pouco regular, com a duradoura persistência de padrões maneiristas e outros que em Portugal caíam em desuso, e com muitas simplificações e adaptações dos modelos portugueses a contextos locais. Além disso, a própria [[arquitetura portuguesa]] na época da colonização era um mosaico de influências diferenciadas, em muitos aspectos compondo sínteses originais e distantes do que se fazia no resto da Europa. Enfim, grande parte dos edifícios antigos sofreu reformas ao longo do tempo, que alteraram suas feições primitivas e os tornaram conjuntos híbridos, com elementos de várias épocas e estilos diferentes. Por esses motivos, os exemplares sobreviventes muitas vezes são de caracterização e datação difíceis e controversas.<ref name="Carvalho">Carvalho, Cláudia; Nóbrega, Cláudia; Sá, Marcos. "Introdução". In: Centro de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro [Czajkowski, Jorge (curador); Sendik, Fernando (coordenador)]. ''Guia da Arquitetura Colonial, Neoclássica e Romântica no Rio de Janeiro''. Casa da Palavra, 2001, pp. 4-5</ref>
 
No primeiro século de colonização, a arquitetura se desenvolveu basicamente em torno das fortificações, que passaram a pontilhar o litoral, erguidas para assegurar a posse do território. Nesses tempos árduos, em que a terra era virgem, habitada por diferentes povos indígenas, sondada por piratas, aventureiros e invasores de outras nações, a defesa era um aspecto central de preocupação dos portugueses, e pouco se tinha de tempo e recursos para um planejamento urbanístico e arquitetônico adequado às realidades locais. Os fortes, as estruturas mais imponentes, seguiam modelos tradicionais de Portugal, herdeiros de antigas tradições arquitetônicas, e as vilas que se formavam em seu redor adotaram comumente um padrão ortogonal, como um tabuleiro de xadrez, a chamada "malha romana", usada pelos portugueses em outras colônias além-mar para a definição de seus centros administrativos avançados, como [[Cochim]] e [[Damão]], embora na própria metrópole fosse uma solução pouco usual. As primeiras fundações importantes, como [[Olinda]], [[Salvador (Bahia)|Salvador]] e o [[Rio de Janeiro (estado)|Rio de Janeiro]], respectivamente de 1535, 1549 e 1567, eram desse tipo, imitado em outros locais.<ref name="Bury"/> Em muitos outros, porém, o crescimento das urbes não seguiu nenhuma ordem predeterminada, especialmente nos centros mineradores, nos povoados que surgiam ao longo de caminhos principais e serviam de pontos de descanso, pedágio, fiscalização ou abastecimento, e naqueles que cresceram em torno de casas-grandes de [[fazenda]]s e [[engenho]]s, sendo esta última, no conjunto, a forma que deu origem ao maior número de cidades, segundo análise de [[Percival Tirapeli]]. A densidade da urbanização tendia a ser alta, com casas de um ou dois andares unidas umas às outras, de cômodos enfileirados de uso múltiplo, ornamentação sumária ou inexistente e pátios pequenos nos fundos, um modelo que tendeu a se repetir sem grande variação até meados do século XIX.<ref name="Bury">[[John Bury|Bury, John]]. [http://portal.iphan.gov.br/files/johnbury.pdf "Arquitetura e Arte no Brasil Colonial"]. In: Bury, John; [[Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira|Oliveira, Myriam Andrade Ribeiro de]] (org.). ''Arquitetura e Arte no Brasil Colonial''. Iphan / Monumenta, 2006, pp. 166-203</ref><ref name="Cidades">Tirapeli, Percival. "Patrimônio Religioso na Formação das Cidades do Vale do Paraíba, São Paulo". In: Tirapeli, Percival (ed). ''Arte Sacra Colonial: Barroco memória viva''. UNESP, 2005, pp. 14-33.</ref><ref name="Freyre"/>
[[Imagem:Rio-Igreja-Penitencia4-5.jpg|thumb|Interior da [[Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência]], no Rio de Janeiro.]]
 
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{{Artigo principal|[[Anexo:Lista de fortificações do Brasil]]}}
[[Imagem:Forte-reis-magos.jpg|thumb|O [[Fortaleza dos Reis Magos]], na cidade de [[Natal (Rio Grande do Norte)|Natal]], [[Rio Grande do Norte]], possui padrão estrelado, comum na tradição portuguesa.]]
[[Imagem:Fortaleza de Santa Cruz vista do Forte do Pico.jpg|thumb|[[Fortaleza de Santa Cruz da Barra]], em [[Niterói]], no [[Rio de Janeiro (estado)|Rio de Janeiro]].]]
Nos séculos de luta contra índios pela conquista do território e de defesa contra estrangeiros, a Coroa ergueu dezenas de fortificações em vários pontos estratégicos do litoral e do interior, de vários tipos, entre [[paliçada]]s, fortes, [[Fortaleza (arquitetura militar)|fortaleza]]s, [[Reduto (arquitetura)|reduto]]s, [[Bataria (arquitetura)|bataria]]s, etc. Grande parte, especialmente as construções provisórias ou de material perecível como a madeira, a terra batida e a areia, não sobreviveu às batalhas travadas ou à passagem do tempo. Sua importância foi decisiva para a segurança da população portuguesa e do território contra ameaças e emergências diversas que, especialmente nos primeiros tempos, eram de ocorrência constante. A primeira fortificação de que se tem registro no Brasil foi o [[Fortim de São Tiago da Bertioga]], datando de [[1532]]. Era de início uma simples paliçada de madeira, mais tarde reformado em [[alvenaria]], adquirindo sua configuração atual e recebendo o nome de [[Forte de São João da Bertioga|Forte de São João]]. Ainda está em boas condições de conservação.<ref name="Bento">Bento, Claudio Moreira. [http://www.ahimtb.org.br/fortbrasil.htm ''A Fortaleza Brasil'']. Academia de História Militar Terrestre do Brasil.</ref>
 
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Muitas outras edificações foram construídas ao mesmo tempo como residências e como sedes de grandes empreendimentos agrários, basicamente [[monocultura]]s destinadas à exportação, cultivando principalmente a cana-de-açúcar e, mais tarde, o café. Esse casario rural, pertencente a famílias abastadas, não obstante primava pela simplicidade decorativa, privilegiando espaços amplos e confortáveis, mas despojados. Mesmo assim, sua presença muitas vezes é palaciana. Os conjuntos eram compostos de um prédio principal de residência do proprietário, a chamada "Casa Grande", com outros anexos para uma capela (às vezes embutida na Casa Grande), a [[senzala]] dos escravos, habitações para os trabalhadores brancos, depósitos de ferramentas e da produção e abrigos para animais. Entre inúmeros, são bons exemplos a [[Fazenda Colubandê]], em [[São Gonçalo]], o [[Engenho Noruega]], em [[Escada (Pernambuco)|Escada]], a [[Fazenda Fonte Limpa]], em [[Santana dos Montes]], o [[Engenho Moreno|Engenho Nossa Senhora da Apresentação]], em [[Jaboatão dos Guararapes|Jaboatão]], o [[Fazenda do Viegas|Engenho da Lapa]], na cidade do Rio de Janeiro, a [[Real Fazenda de Santa Cruz]], na mesma cidade, e a [[Fazenda Santa Clara (Santa Rita de Jacutinga)|Fazenda Santa Clara]], em [[Santa Rita de Jacutinga]], esta última sendo uma das mais vastas edificações rurais do Brasil colonial. Somente no século XIX, mudando as modas e as convenções sobre a exibição de status social, e cessando os interditos sobre o luxo privado, os senhores de fazendas passaram a dar mais atenção aos aspectos decorativos de suas residências, que passam a se encher de mobiliário decorado, pinturas, tapetes, cristais, louças finas e outros adornos.<ref name="Bury"/><ref name="Freyre"/><ref name="Curtis"/><ref name="Cordeiro">Cordeiro, Caio N. H. [http://www.histeo.dec.ufms.br/aulas/teoriaIII/04%20Rural%20Colonial.pdf ''História e Teoria da Arquitetura e Urbanismo, III: Arquitetura Colonial Rural Brasileira'']. E/A (professor de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul).</ref><ref>Carréra, Mércia & Surya, Leandro. [http://www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais/st_trab_pdf/pdf_6/mercia_st6.pdf "A Organização Espacial numa Fazenda Colonial Beneditina: reflexo da estruturação social vigente". In: Anais do II Encontro Internacional de História Colonial. ''Mneme – Revista de Humanidades'', set-out/2008, 9(24). ]</ref><ref>Pereira, Rubem Carneiro de Almeida. "Velhos Solares de Quissamã". In: ''Mensário do Arquivo Nacional'', Rio de Janeiro, 13 (2): 39-56, fev. 1982.</ref><ref>Andrade, Maria do Carmo. [http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=831&Itemid=1 "Casa-grande (engenho)"]. Fundação Joaquim Nabuco, 15 de abril de 2011.</ref>
 
Parte dessa arquitetura rural é a chamada [[Casa bandeirista|arquitetura bandeirista]], erguida por [[bandeirantes]] durante a conquista do sertão brasileiro. Suas habitações têm caráter marcadamente sólido, rústico e austero, que remete à chamada [[arquitetura chã]] portuguesa, uma derivação tardo-[[renascentista]], com destaque para a presença de um grande [[alpendre]] dianteiro entre dois aposentos laterais, geralmente usados um como capela e outro como quarto de hóspedes, com um telhado de quatro águas e uma grande sala central de uso múltiplo. É típica da região de [[São Paulo (estado)|São Paulo]], mas se estendeu para outras áreas, como [[Goiás]], e podem ser citados como exemplos o [[Sítio de Santo Antônio]], em [[São Roque]], a [[Casa do Sítio Tatuapé]], na [[cidade de São Paulo]], a [[Casa do Padre Inácio]], em [[Cotia]], a [[Casa da Fazenda Mato de Pipa]], em [[Quissamã]].<ref name="Curtis"/><ref name="Cordeiro"/><ref>Andrade, Francisco de Carvalho Dias de & Costa, Eduardo. [http://www.unicamp.br/chaa/eha/atas/2011/Francisco%20de%20Carvalho_Eduardo%20Costa.pdf "Arquitetura Bandeirista na Serra do Itapeti: um caso interessante para o estudo da arquitetura colonial paulista'']. In: ''VII Encontro de História da Arte'', Unicamp, 2011.</ref> Esta arquitetura, que nasceu de padrões tradicionais portugueses, tem sido considerada uma expressão original. Segundo o historiador [[Carlos Lemos]], importante estudioso da matéria, "na arquitetura brasileira, teria sido a primeira manifestação onde uma apropriação assumiu feitio regional ligado a uma sociedade segregada".<ref>Frehse, Fraya. [http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-77012000000100015 "Carlos A. C. Lemos. Casa paulista: história das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo, EDUSP, 1999, 264 pp."]. In: ''Revista de Antropologia'', 2000; 43(1).</ref> Para [[Luiz Saia]], que foi um dos primeiros a caracterizar esta tipologia, "a casa construída pelo bandeirante é fundamental para o entendimento das características construtivas e, por extensão, culturais, do brasileiro".<ref>Lowande, Walter Francisco Figueiredo. [http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S25.1505.pdf "Discursos Diversos: Histórias da arquitetura residencial nacional nas práticas preservacionistas de Luiz Saia, Nestor Goulart Reis Filho e Carlos Lemos"]. In: ''XXV Simpósio Nacional de História da ANPUH'', Fortaleza, 2009.</ref>
 
Na categoria dos prédios oficiais, os exemplos coloniais mais típicos foram as Casas de Câmara, mas poucas sobreviveram sem alterações. Uma das mais significativas é a antiga Casa da Câmara e Cadeia de Ouro Preto, hoje o [[Museu da Inconfidência]], com uma rica fachada com um [[pórtico]] com colunas, escadaria, uma torre, estátuas ornamentais e estrutura em cantaria. Também foram erguidos alguns palácios de governo dignos de nota, como o [[Palácio Lauro Sodré|Palácio dos Governadores do Pará]] e o [[Paço Imperial|Palácio dos Vice-Reis]], no Rio, depois residência da família reinante, mas eram estruturas austeras; poucos resistiram à passagem do tempo sem alterações significativas.<ref name="Bury"/><ref name="Novais"/><ref name="Algranti"/> Um caso à parte é o [[Palácio de Friburgo]], erguido em 1642 por [[Maurício de Nassau]], governador de uma efêmera conquista holandesa em Pernambuco. Demolido no século XVIII, foi obra suntuosa e sede de uma pequena mas brilhante corte.<ref>[http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=638:palacio-de-friburgo-recife-pe&catid=50:letra-p "Palácio de Friburgo, Recife, PE"]. Fundaj, 15/11/2016</ref>