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O Quilombo dos Luízes é um [[quilombo]] contemporâneo localizado no bairro de classe média do [[Grajaú (Belo Horizonte)|Grajaú]], na cidade de [[Belo Horizonte]], capital do estado de [[Minas Gerais]]. A comunidade é composta por aproximadamente 25 famílias, com 85 moradores. As origens da comunidade datam do século XIX, antes da fundação da cidade de Belo Horizonte (1897), quando ancestrais do município de [[Nova Lima]] chegam à atual área do quilombo. Estes antepassados de Nova Lima juntam-se a um outro núcleo da família, moradores daquele local, que fazia parte da antiga Fazenda Calafate<ref>{{Citar web|url=https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/06/09/interna_gerais,299096/ha-100-anos-bairros-tradicionais-da-capital-deixavam-de-ser-chacaras.shtml|titulo=Há 100 anos bairros tradicionais da capital deixavam de ser chácaras|data=09/06/2012|acessodata=2019-01-06|obra=Estado de Minas|publicado=em.com.br|ultimo=Pereiras|primeiro=Mateus}}</ref>. Este território, situado às margens do córrego Piteiras – que fluía onde hoje existe a Avenida Silva Lobos – é a localização do Quilombo dos Luízes.
 
A comunidade, que vem de uma longa linha de lideranças mulheres, foi o primeiro quilombo a ser reconhecido no contexto urbano de Belo Horizonte, seguido pelos Quilombos do Manzo Ngunzo Kaiango e o Quilombo de Mangueiras.<ref>{{Citar web|url=https://rondonminas.wordpress.com/noticias/vozes-da-resistencia-quilombos-urbanos-de-bh-sao-tema-de-seminario/|titulo=Vozes da Resistência: quilombos urbanos de BH são tema de seminário|data=2015-10-15|acessodata=2019-01-06|obra=Instituto Rondon Minas|lingua=pt-BR}}</ref> Até 2018, porém, nenhuma comunidade quilombola de Belo Horizonte havia completado seu processo de titulação. De acordo com o Decreto 4887 de 2003,<ref>{{Citar web|url=http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/D4887.htm|titulo=D4887|acessodata=2019-01-06|obra=www.planalto.gov.br}}</ref> o principal órgão responsável pela titulação é o [[Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária|Instituto de Colonização e Reforma Agrária]] de Minas Gerais (INCRA-MG), mas, no caso dos Luízes, outros órgãos federais têm apoiado a comunidade na sua luta pela demarcação de suas terras, a destacar o [[Ministério Público Federal]] (MPF)<ref>{{Citar web|url=http://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/noticias-mg/mpf-mg-justica-garante-integralidade-de-territorio-quilombola-em-bairro-de-belo-horizonte|titulo=MPF/MG: Justiça garante integralidade de território quilombola em bairro de Belo Horizonte|acessodata=2019-01-06|obra=MPF|ultimo=http://www.mpf.mp.br|primeiro=Ministério Publico Federal-|lingua=pt-br}}</ref> e a [[Defensoria Pública da União]] (DPU).<ref>{{Citar web|url=https://dpu.jusbrasil.com.br/noticias/100109972/proposta-nova-acao-judicial-em-favor-do-quilombo-de-luizes|titulo=Proposta nova ação judicial em favor do quilombo de Luízes|acessodata=2019-01-06|obra=Jusbrasil|lingua=pt-br}}</ref>
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Uma das herdeiras e filha de Anna Apolinária e Manoel Luiz, Maria Luiz, casa com Vitalino Nunes Moreira. Vitalino era filho de Nicolau Nunes Moreira, antigo escravo da Fazenda Calafate no atual Grajaú. Nicolau possuía terras desta fazenda, a chamada Fazenda Piteiras. De acordo com documentações, as terras da Fazenda Piteiras chegavam a mais ou menos 18.000 m². Nicolau provavelmente recebeu estas terras como compensação por serviço prestado na Fazenda Calafate.
 
'''Maria Luiz''', cujo nome muda para Maria Luiza uma vez que chega à Fazenda Piteiras, e duas outras filhas de Anna Apolinária ('''Aurora Luiz''' e '''Eulália Marcellina Luiz''') casam-se com três filhos de Nicolau Nunes Moreira ('''Vitalino Nunes Moreira''', '''Francisco Cândido''' '''de Jesus''' e '''Quirino Cândido de Jesus''', respectivamente). As três irmãs e os três filhos então se assentam na Fazenda Piteiras, no local do atual território do Quilombo dos Luízes, em meados da década de 1890, conforme comprova a documentação pertinente à propriedade<ref>INCRA-MG (2008) ''Relatório antropológico de caracterização histórica, econômica, sócio-cultural do Quilombo de Luízes Belo Horizonte, MG''. Belo Horizonte: INCRA-MG.</ref>. EstaEste núcleo familiar então forma uma ampla rede de parentesco que dá origem ao contemporâneo Quilombo dos Luízes.
O nome “Luiz(a)” pode ser encontrado em várias variações nos primeiros nomes dos membros da família. Em cada núcleo familiar da comunidade, encontra-se pelo menos uma pessoa cujo nome é uma variação de Luiz, como Luzia, Lucia, Luísa, Luis, Maria Lucia, e por aí vai. Portanto, “os Luízes.” <br />
 
{{referencias}}
== As Tradições dos Luízes ==
As casas dos Luízes eram construídas com o [[adobe]] feito com o barro das encostas e com a água do rio Piteiras. O local de construção escolhido foi às margens do córrego, perto de uma mina d’água. Esta mina e outras fontes de água foram desviadas nos processos de urbanização nos anos 90, marcando uma grande perda para a família.
 
A área da fazenda tinha valor econômico por conta de sua produtividade, mas também afetivo e histórico para a família, pois suas tradições e sentimento de pertencimento são inseparáveis do seu território.
 
Durante muito tempo, a família viveu de suas atividades de subsistência na fazenda, desenvolvendo tradições ligadas ao seu ambiente. Alguns dos produtos agrícolas da fazenda incluíam arroz, café, [[mandioca]], chuchu, [[Cansanção (planta)|cansanção]] (utilizado até hoje na culinária dos Luízes) e frutas como laranjas, abacaxi e bananas. Os Luízes também mantinham um jardim de ervas, muitas com poder de cura. Hoje em dia, a família ainda pratica o costume de fazer chás e infusões com ervas e plantas medicinais caseiras, passando de geração para geração o conhecimento sobre estas plantas.
 
Outro importante cultivo era o da [[pita]], planta muito comum na área e da qual deriva o nome do córrego Piteiras. A pita era usada na produção de inúmeros instrumentos e artefatos para o dia-a-dia, como vassouras e cordas. Além do consumo próprio, os antepassados dos Luízes tinham o costume de vender estes produtos em mercados locais ou de porta em porta nas casas vizinhas. Um antigo local de troca da região era a chamada Vila Lídia.<ref>{{Citar web|url=https://bairrosdebelohorizonte.webnode.com.br/bairros%20da%20regi%C3%A3o%20oeste-/|titulo=Bairros da Região Oeste. :: Bairros de Belo Horizonte.|acessodata=2019-01-06|obra=bairrosdebelohorizonte.webnode.com.br}}</ref>
 
Uma importante árvore na história e cultura da comunidade é a Birosca, uma [[Guapuruvu]], localizada no meio da área comum aberta do quilombo. Muitas festas, encontros e reuniões aconteciam à sua sombra. Esta árvore, que normalmente vive de 20 a 30 anos, resistiu com os Luízes por 80 anos.
 
=== Manifestações Culturais ===
Os Luízes têm a tradição de contar muitas lendas sobre a área e os residentes do seu quilombo, como por exemplo histórias sobre seres fantásticos. No passado, a comunidade tinha o costume de organizar festas religiosas, como a [[Folia de Reis]] e [[Congada|congadas]], para as quais seus parentes de Nova Lima visitavam a comunidade. Além disso, a família mantém a prática da cura por meio de benzeções e do conhecimento sobre as plantas medicinais. Em geral, a comunidade dos Luízes tem uma forte cultura ligada à sua ancestralidade afro-brasileira.
 
Recentemente, os trabalhos autônomos de alguns membros da família fizeram com que muitos retomassem o convívio por realizarem suas atividades dentro da comunidade, além de resgatar profissões dos antigos, tais como: o ofício de cabelereira, costureira, cozinheira, artesão e outros. Notáveis manifestações culturais incluem:
 
* O artesanato Luízes (pallets, cabaças, [[Berimbau|berimbaus]], africanas)
 
*  A [[capoeira]]
 
* O salão de beleza ''Em Estilo'', especializado em cortes de estilo “afro”.
 
* A festa de Sant’Ana (veja abaixo)
 
==== A Festa de Sant'Ana ====
Uma importante festividade religiosa que continua a ser praticada no Quilombo dos Luízes é a Festa de Sant’Ana,<ref>{{Citar web|url=http://www.incra.gov.br/festa-tradicional-e-realizada-em-quilombo-dentro-de-belo-horizonte|titulo=Incra {{!}} Festa tradicional é realizada em Quilombo dentro de Belo Horizonte|acessodata=2019-01-06|obra=www.incra.gov.br}}</ref> que contém vários elementos associados à [[roça]] ou área rural. A comunidade herdou de Anna Apolinária uma imagem de Santa’ Ana feita à mão. A imagem é o símbolo desta manifestação cultural, que agrega membros da família de várias regiões, além de vizinhos.
 
Antes do dia da Festa, que normalmente acontece no dia 26 de julho, a comunidade já inicia as muitas preparações necessárias para a mesma. Estas preparações incluem a decoração do espaço e o preparo das comidas. Além disso, uma semana antes do dia 26, os familiares começam a se encontrar para rezar o terço e no dia 26 organizam a missa conga, uma tradição de matriz africana que conta com a presença de padres que realizam a missa. No final, os Luízes servem uma tradicional refeição coletiva. A Festa é um importante momento de reunião da família, renovando seus laços e sua força.
 
== Urbanização, Gentrificação e Conflitos Territoriais ==
A cidade de Belo Horizonte foi fundada como capital do estado de Minas Gerais durante a [[Primeira República Brasileira|Primeira República]], e foi desenhada com traçados lineares simétricos e largas avenidas de acordo com a ideologia republicana, em particular o [[positivismo]]. Gradualmente, a cidade foi chegado ao quilombo, começando pela canalização do córrego Piteiras para a abertura da Avenida Vila Lobos no seu local, nos termos dos princípios sanitaristas da época. Os Luízes foram testemunha e participaram destes processos de surgimento do atual bairro do Grajaú. Uma após a outra, as ruas do bairro foram asfaltadas e cada vez mais moradores foram chegando à área da Fazenda Piteiras.
 
Com o aceleramento do desenvolvimento industrial da capital e a inauguração da Av. Silva Lobo, na década de 1970 o bairro do Grajaú entra em um processo acelerado de urbanização, [[gentrificação]] e crescimento demográfico. Muitas das novas ruas e propriedades dos recém-chegados moradores invadem o território tradicional dos Luízes e é neste momento que começa a luta pela terra da comunidade. Inicialmente, esta luta se dá pela resistência da tia Cordelina ou tia Nina, seguida por outras que a sucederam e que se encontram firmes na luta contra as invasões por indivíduos, empresas e imobiliárias. A luta dos Luízes, portanto, resiste à desigualdade que marca suas relações com os invasores e as relações de poder estabelecidas. No contexto atual, a comunidade sofre com os efeitos da segregação sócio-espacial e da discriminação racial no Grajaú.
 
Este processo de invasão causou uma diminuição do território de 18.000 m² a 6.000 m² e afetou demasiadamente as atividades tradicionais e de subsistência da família, tornando inviável por exemplo muito da sua produção agrícola. Apesar disso, os quilombolas continuam a praticar e cultivar muitas destas atividades, como descrito acima.
 
=== Titulação como quilombo ===
Devido aos crescentes conflitos territoriais causados pelas invasões em seu território, os Luízes iniciaram seu reconhecimento e titulação como quilombo em 2004. Seu Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) ficou pronto em 2008,<ref>{{citar web|url=https://jus.com.br/artigos/17043/a-posse-de-terras-quilombolas-na-regiao-metropolitana-de-belo-horizonte/2|titulo=A posse de terras quilombolas na região metropolitana de Belo Horizonte|data=01/07/2010|acessodata=01/01/2019|publicado=JUSBrasil|ultimo=Stanley Rocha Souza, et al|primeiro=Adriano}}</ref> confirmando que a comunidade é um grupo étnico descendente de escravos, possuidor de uma história e tradição cultural única e com uma relação especial com seu território.
 
Logo após a publicação do RTID, porém, o quilombo sofre mais uma invasão em um território já irregularmente ocupado. O Relatório Antropológico oficial dos Luízes havia identificado esta área como uma ocupação irregular de não-quilombolas em território tradicional que deve, portanto, ser removida e devolvida aos quilombolas como parte do processo de titulação. Porém, em 2009, a construtora Patrimar consegue comprar esta área e inicia logo depois a construção do atual prédio Greenwich Village,<ref>{{Citar web|url=https://www.otempo.com.br/capa/economia/pr%C3%A9dio-constru%C3%ADdo-no-graja%C3%BA-%C3%A9-alvo-de-disputa-de-quilombola-1.689153|titulo=Prédio construído no Grajaú é alvo de disputa de quilombola|data=2013-07-30|acessodata=2019-01-06|obra=Economia|ultimo=TEMPO|primeiro=O.|lingua=en}}</ref> que inclui unidades comerciais. Em resistência a esta invasão, os Luízes procuram a Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF). Apesar de ambos órgãos federais defenderem a causa do quilombo,<ref>{{Citar web|url=http://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/docs/sentenca-quilombo-dos-luizes|titulo=Sentença Quilombo dos Luízes|data=|acessodata=2019-01-06|obra=www.mpf.mp.br|publicado=|ultimo=|primeiro=}}</ref> não foi possível reverter a construção do prédio e ele se encontra hoje dentro do território quilombola. Esta situação atrasou ainda mais o processo de titulação dos Luízes, gerando inúmeros impasses e complicações.
 
Em 2017, a comunidade recebeu o título de Patrimônio Cultural Imaterial da cidade de Belo Horizonte<ref>{{Citar web|url=https://prefeitura.pbh.gov.br/noticias/comunidades-quilombolas-sao-declaradas-patrimonio-cultural|titulo=Comunidades Quilombolas são declaradas patrimônio cultural|acessodata=2019-01-06|obra=Prefeitura de Belo Horizonte|lingua=pt-br}}</ref> e seu processo de demarcação pelo INCRA continua.
 
== Os Luízes, Sujeitos Políticos ==
Por conta de sua experiência de luta pela terra e pela sobrevivência de suas manifestações culturais frente a relações de poder assimétricas e processos de gentrificação da área em que vivem, os Luízes são hoje politicamente engajados nas lutas dos povos tradicionais em Minas Gerais e Brasil afora.
 
Por exemplo, a atual gestão municipal, recebeu de uma quilombola dos Luízes um documento que trata das demandas das comunidades quilombolas do município, também repassado à câmara municipal. Tal ação proporcionou a criação de um Projeto de Lei em maio de 2018, que versa sobre a proteção dos territórios tradicionais presentes na cidade. Soma-se a este fato a presença de alguns dos membros da comunidade em Conselhos, especialmente o da Igualdade Racial, e a participação ativa nas Conferências, como a ll CONAPIR,<ref>{{Citar web|url=http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/noticias/comeca-a-ii-conferencia-nacional-de-igualdade-racial/|titulo=Começa a II Conferência Nacional de Igualdade Racial|acessodata=2019-01-06|obra=www.observatoriodegenero.gov.br|publicado=Observatório de Gênero}}</ref> que deu origem ao Estatuto da Igualdade Racial e à criação do Conselho da Igualdade Racial.
 
Ademais, os Luízes são reconhecidos no meio acadêmico pelo valor de sua história, luta, cultura e resistência, contando com inúmeros trabalhos e projetos acadêmicos nacionais e internacionais.{{referencias}}
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